A defesa própria, sempre se permeou ao longo da vida terrestre. É latente não só no ser humano, como também na vida de qualquer animal que age através do instinto. A luta pela sobrevivência é historiografada desde a gênese da espécie animal e humana. Tal força instintiva remonta Eras, sendo totalmente antiga e atual ao mesmo tempo.
Entre os romanos a legitima defesa putativa já configurada como instituto intrinsecamente jurídico, era proficuamente encontrada nos dizeres das Dozes Tábuas, como no Digesto. A interpretação do instituto pelos jurisconsultos romanos acontecia pelo exame de atributos necessários para sua configuração. Esses atributos diziam respeito ao estudo dos fatos e atitudes comandadas pelo agressor e as ações cometidas pelos agredidos. Em Roma, a legitima defesa se equivalia a uma substituição penal, uma repressão extraordinária que visava compreender os atos ocorridos após injurias, agressões físicas, como também lesões a honra e ao patrimônio.
O grande orador romano, Cícero, em seu discurso a favor de Milone, definiu o que seria a legitima defesa: “Uma lei sagrada, lei não escrita, mas que nasceu com o homem, lei anterior aos legistas, à tradição, aos livros, e que a natureza nos oferece gravada em seu código imortal [..] lei pensada num perigo iminente, preparado pela astúcia ou pela violência, sob o punhal da cupidez ou do ódio, diante disso todo meio de salvação é legitima”.
Já entre os Hebreus, em Êxodo, cap. XXII, encontramos o relato da aplicação da legitima defesa naquela sociedade. O relato é expresso ao lecionar que se um ladrão fosse surpreendido rompendo uma porta, ou perfurando um muro de uma casa, e na prática dessas ações fosse ferido ou morto, quem provocou tais lesões não deveria ser apenado. A lei mosaica, encontrada no Pentateuco, mostra ainda que de forma embrionária e rudimentar algumas lições sobre legitima defesa.
Simão, um jurista versado em todas as prescrições bíblicas, um advogado que sabia contra-argumentar como poucos, uma vez, utilizando um precedente que durava da época do Rei Salomão, defendeu que um proprietário de terras de Carfanaum, que havia matado um ladrão ao invadir sua casa a noite, deveria ser inocentado.
Ele explicou e postulou pela absolvição, uma vez que só seria assassinato se tal provocação tivesse ocorrido durante o dia com a luz do sol. Pois na sua tese, o acusado só matou o ladrão porque no escuro da noite, não reparou se esse estava verdadeiramente armado ou não, só sabia que tinha enxergado algo em sua mão, e na dúvida do risco de sua vida, preferiu matar o malfeitor a prendê-lo. Não resta a menor obscuridade que a tese defendida por Simão, era a de legitima defesa putativa.
Um Direito Penal que não observa a legitima defesa, é néscio, é inaplicável, é injusto, é cruel, é nefasto. Ninguém respeitará tal diploma legal que preconiza “não matarás”, se sua vida estiver ameaçada. Logo a legitima defesa protege além da vida do agredido como a sua liberdade. Geyer, um jurista alemão, definia a legitima defesa como: “Uma ação praticada contra a proibição de quem tem o direito de se opor”.
No direito alemão, berço do direito penal contemporâneo, o instituto recebeu a nomenclatura de “defesa necessária”, e é exercido consoante quatro outros institutos: privação de paz, graça soberana, defesa da casa ou propriedade, e o direito de matar derivado. No direito visigótico a evolução do instituto trouxe a subtaneidade, que ilustra a ação de reagir defensivamente em um curto período de tempo, sucedendo a ação ofensiva.
No princípio do instituto, no direito germânico para tal alegação de legitima defesa, além da conduta de repelir injusta agressão, era necessário que a morte fosse imediatamente informada as autoridades, sob pena de precluir tal alegação, e que o agredido ao matar o agressor, deveria permanecer próximo ao cadáver até as autoridades chegarem no local. Tais preceitos hoje moram nos porões da História.
No direito brasileiro, a primeira legislação a abordar a legitima defesa, foi o Código Filipino. O referido códice, em seu livro 5º, título XXXV, disciplina: “se a morte for em sua necessária defensão, não haverá pena alguma, salvo se nella excedeo a qualidade do excesso”.
Seguindo as vertentes da legislação estrangeira, o código penal de 1890 aceitou a legitima defesa putativa, equiparando-a a defesa própria ou de terceiro, à fato praticado na repulsa dos que entram a noite nas casas, ou em recintos privativos. O código penal de 1890 foi um marco expressivo na aderência da legitima defesa putativa em nosso direito pátrio.
O vocábulo “putativo”, nos léxicos tem a feição de: aparência de verdadeiro, suposto. Já nos léxicos jurídicos: do latim “putativos”(imaginário), de “putare”(reputar, crer, imaginar, considerar).
A legitima defesa putativa se perfaz na conduta de um agente em situação fática, quando imagina, acredita, prever erroneamente uma realidade adversa da que irá acontecer. Ele tem uma visão fantasiosa do
que poderá ocorrer e se antecipa a fim de proteger de injusta agressão ou iminente perigo um bem jurídico.
Na visão erudita de Nelson Hungria: “dá-se a legitima defesa putativa quando alguém erroneamente se julga em face de uma agressão actual e injusta, e, portanto, legalmente autorizada a reacção, que empreende”.
Numa visão mais contemporânea, Mirabete assim define: “supondo o agente, por erro, que está sendo agredido, e repelindo a suposta agressão, configura-se a legitima defesa putativa, considerada na lei como caso “sui generis” de erro de tipo, o denominado erro de tipo permissivo (art. 20, § 1º, CP). Para que se configure a legitima defesa putativa, entretanto, é necessário que, excluído o erro, sejam respeitados os requisitos da legitima defesa”.
Duas teorias são alçadas na discussão da legitima defesa putativa, as duas capitaneadas, uma por Nelson Hungria, e a outra por Heleno Fragoso.
Para Hungria a legitima defesa putativa tem guarida na ausência do dolo, para Fragoso, a responsabilidade penal da legitima defesa putativa deve ser afastada devido ao erro de proibição.
Atualmente, Damásio de Jesus, Luiz Régis Prado e outros, advogam a ocorrência da legitima defesa putativa, tanto por erro de tipo, como por erro de proibição.
Por fim, faz-se mister demonstrar que mesmo com forma semelhante a legitima defesa autêntica, a legitima defesa putativa é uma forma extraordinária de legitima defesa. Alguns pensam que a legitima defesa é gênero de onde a legitima defesa putativa é espécie, não é fidedigno este pensamento.
A doutrina é pacífica ao diferenciar os dois institutos. A legitima defesa é exclusão de ilicitude, e a legitima defesa putativa pode ser erro de tipo ou erro de proibição.
A legitima defesa é tipificada no art. 23, do Código Penal Brasileiro, enquanto a legitima defesa putativa se regula no art. § 1º, do art. 20, do mesmo diploma legal.
Definiríamos assim: na legitima defesa o dolo é conhecido, mas não há ilicitude do fato, e na legitima defesa putativa existe a ilicitude, mas sem a incidência do dolo.
Advogado, Pós-graduando em Direito Processual, Pesquisador de ciências das religiões, teologia e parapsicologia, Membro da Associação Brasileira de Bibliófilos, Membro da Associação Brasileira dos Advogados
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