Resumo: Este artigo trata da Lei Complementar 157, de 30 de dezembro de 2016. Versa sobre as principais alterações à Lei do ISSQN e sobre a nova hipótese de ato de improbidade administrativa. A guerra fiscal também é abordada. Na sequência, é exposta a hipótese de responsabilização administrativa do empresário em conjunto com o agente público responsável pela violação legal. O escopo é esclarecer os aspectos relevantes sobre o tema e como este se tornará, inevitavelmente, após a produção de efeitos, mais um ponto a ser observado em atividade de Compliance. Este artigo direciona-se aos ramos: Empresarial, Tributário e Administrativo. O escopo deste escrito é promover a atualização do operador de Direito Público para que entregue serviço atualizado aos clientes de consultoria jurídicas empresariais de cunho preventivo.
Palavras-chave: Improbidade administrativa; ISSQN; Guerra fiscal; Compliance; Responsabilidade Administrativa.
Abstract: This article deals with Complementary Law 157, dated of December 30, 2016. It deals with the main changes to the ISSQN Law and the new hypothesis of administrative improbity. The fiscal war is also addressed. In the sequence, the hypothesis of administrative responsibility of the entrepreneur together with the public agent responsible for the legal violation is exposed. The scope is to clarify the relevant aspects on the subject and how this will inevitably become, after the vacatio legis,one more point to be observed in Compliance activity. This article is addressed to the branches: Business, Tax and Administrative. Promoting the updating of the Public Law Operator is, therefore, the scope of this document, so that, in the end, it may assist in the delivery of updated service provision to clients of preventive business legal consulting.
Key-words: Administrative Improbity; ISSQN; Fiscal War; Compliance; Administrative Responsability
Sumário: Introdução. 1. A Expansão do Conceito de Improbidade Administrativa. 2. A Regulação do ISSQN e a Ampliação do Rol de Fatos Geradores. 3. A Guerra Fiscal envolvendo a Cobrança de ISSQN. 4. A Conduta do Gestor Público 5. Como o Empresário Pode Ser Responsabilizado por Improbidade Administrativa. 6. Sanções Possíveis. 7. Compliance. 8. Conclusão. Referência.
Introdução
O Poder Legislativo tem há muito debatido formas novas de combater o que se chama de Guerra Fiscal. Diz-se que as referidas práticas competitivas entre os entes da federação, da forma como têm sido feitas, trazem mais prejuízos do que benefícios. Como última e mais recente medida legislativa adotada para evitar essas condutas, publicou-se, no dia 30 de dezembro de 2016, a Lei Complementar 157/2016.
Na onda do cerco à imoralidade na Administração Pública, a via eleita foi a punição administrativa severa dos gestores públicos. Muito comum na esfera estadual, desta vez o peso da lex recaiu sobre a esfera municipal, situação que reverbera e lança efeitos que balizarão a conduta do empresário prestador de serviços, que deve incluir o tema no cabedal dos itens de boas práticas a observar.
A seguir, os aspectos de maior relevância versam sobre as principais alterações efetuadas pela lei: a alteração à LC 116/2003 (“Lei do ISSQN”), fixando alíquota mínima de 2% e ampliando a incidência do imposto, e a alteração à Lei 8429/92 (“Lei de Improbidade Administrativa”).
1 A Expansão do Conceito de Improbidade Administrativa
O conceito de improbidade administrativa é extraído diretamente da Lei 8.429/92. Caracterizava-se por ser conduta listada em rol numerus apertus que causam uma das três seguintes hipóteses: danos ao erário; e/ou enriquecimento ilícito; e/ou violação aos princípios administrativos.
De modo geral, as condutas ímprobas resultam de violações sérias e graves ao interesse público e que, simultaneamente, se amoldam em alguma das três categorias do Capítulo II, respectivamente nos artigos 9º, 10 e 11.
O advento da LC 137/2016 ampliou o conceito, que atualmente envolve também a concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário como quarta categoria.
Com isso, atualmente, define-se improbidade como ato que: causa enriquecimento ilícito e/ou danos ao erário e/ou violação aos princípios da administração pública e/ou decorrentes de concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário.
A alocação topográfica desse novo tipo de improbidade, inclusive, – na Seção II-A do Capítulo II – revela que há certa similitude da conduta com aquelas condutas que causam prejuízo ao erário.
Porém, pelas próprias peculiaridades da Guerra Fiscal – que vão além de prejuízo financeiro aos cofres públicos – e, talvez pela necessidade de dar destaque ao tema, o legislador tenha optado por dar-lhe as luzes de uma seção própria. A seguir:
“Seção II-A
Dos Atos de Improbidade Administrativa Decorrentes de Concessão ou Aplicação Indevida de Benefício Financeiro ou Tributário
Art. 10-A. Constitui ato de improbidade administrativa qualquer ação ou omissão para conceder, aplicar ou manter benefício financeiro ou tributário contrário ao que dispõem o caput e o § 1º do art. 8º-A da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003. (Incluído pela LC 157/2016). ”
Importante notar que antes de se tornar um ato de improbidade, a prática passava praticamente despercebida e não gerava maiores consequência jurídicas imediatas aos gestores. Talvez, por essa razão, tenha havido a necessidade de tornar a conduta parte do rol de improbidades.
2. A Regulação do ISSQN e a Ampliação do Rol de Fatos Geradores
A LC 116/2003 regula o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e estabelece o rol de serviços que são considerados fatos geradores da exação.
Por se tratar de imposto de competência municipal (art. 156, III, CF), cada Município e o DF (art. 156, II c/c art. 32, §1º, CF) edita sua lei própria, que deve, em regra, observar as disposições gerais da LC 116/2003.
Com isso, a fixação de alíquota mínima de 2% (art. 8º-A da Lei LC 116) bem como o rol de fatos geradores do ISSQN (lista anexa à lei) devem ser observados pelos Municípios.
A novel legislação causa maiores impactos em virtude de ter expandido a lista dos serviços a serem objeto de cobrança. Com isso, serviços de streamings como Netflix e Spotify sofrerão a cobrança de alíquota de pelo menos 2%.
Além disso, serviços de tatuagem e piercing, serviços de transporte como o metrô sofrerão acréscimo. Entram na lista também: decoração e jardinagem; dedetização, serviços de diversões e lazer. Foram excluídos a produção de eventos e espetáculos, bailes, teatros, óperas, concertos e outros assemelhados.
A lista é extensa e consta do anexo à LC 116/2003, tornando necessário que o empresário do ramo se informe se sua atividade de prestação de serviço passou ou não a ser fato gerador de ISSQN.
Certo que praticamente todas as áreas sofrerão impacto, a incluir até mesmo os serviços de cremação de cadáveres e cessão de uso de espaços em cemitérios para sepultamento.
Importante salientar que a LC 157/2016 não alterou entendimentos importantes de cunho jurisprudencial, que permanecem válidos. É o caso da Súmula Vinculante 31, a seguir:
“É inconstitucional a incidência do Imposto sobre serviços de Qualquer Natureza – ISS sobre operações de locações de bens móveis dissociados da prestação de serviços. ”
Ressalte-se que a referida súmula não exonera a incidência de imposto sobre serviços concomitantes à atividade de locação. Assim, “se houver ao mesmo tempo locação de bem móvel e prestação de serviços, o ISS incide sobre o segundo fato, sem atingir o primeiro. ” (STF, ARE 656.709-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 14/02/2012).
Da mesma maneira, permanece intocado o entender jurisprudencial do STJ segundo o que não há incidência de ISSQ sobre atividades-meio, como é o caso de prestação de serviços de secretaria. A seguir, in verbis:
“ (…) De igual maneira, é firme a orientação de que não incide o ISS sobre a atividade-meio utilizada na prestação do serviço, como é o caso de secretaria (anotação de recados e digitação de mensagens) envolvidas na prestação de serviços de ‘radiochamada’ envolvendo pagers. ”
(STJ, REsp 848.490/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, Julgamento em 16/09/2008). ”
Além disso, destaque-se que também permanece preservado o entendimento de que não há cobrança de ISSQN quando o prestador de serviço o faz em benefício próprio. Por exemplo, quando uma construtora constrói prédio em terreno próprio para si, não há incidência de imposto.
Quando uma cabelereira realiza tintura de cabelo em si própria, ou quando o chaveiro produz chaves para sua própria casa, sem que o serviço seja direcionado a terceiros, não haverá incidência do imposto sobre serviços.
Por fim, por não terem sido objeto das mudanças promovidas, permanecem os entendimentos de que não é necessário o pagamento de ISSQN sobre: a prestação de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação (pois incide o ICMS); sobre a prestação de serviços pelo Poder Público (imunidade garantida pelo art. 150, VI, “a”, da CR); e sobre serviço classificável como específico e divisível, por é hipótese de cobrança de taxa, o que exclui a incidência do ISSQN.
3. A Guerra Fiscal envolvendo a Cobrança de ISSQN
De acordo com o artigo 156, §3º, I, da CF, reserva-se à LC a atribuição de fixar as alíquotas máximas e mínimas de cobrança do imposto. A previsão constitucional revela a intenção primeira de evitar a tributação excessiva por meio de uma alíquota máxima e também de evitar a guerra fiscal por meio da fixação de uma alíquota mínima.
Com relação ao “teto”, a LC 116 já previra o patamar de 5%; no entanto, quanto ao piso, não havia previsão expressa na lei, pelo que vigorava a disposição do artigo 88 do ADCT, que estabelecia alíquota mínima de 2%, exceto para serviços previstos no item 7.
Por certo, essa previsão do ADCT foi negligenciada por vários municípios brasileiros envolvidos com a guerra fiscal. A prática reiterada levava ao estabelecimento de remissões (extinção crédito) e isenções (extinção da exigibilidade) violando o limite mínimo.
Muitos argumentam que a guerra fiscal tem violado o pacto federativo e que se trata de ato ilegal, pois viola disposição constitucional de cobrança de percentual mínimo.
Um dos argumentos mais fortes afirma ainda que a disparidade entre as condições econômicas de cada região do Brasil (inclusive entre municípios de um mesmo estado federado) não permite que os mesmos benefícios sejam ofertados em igualdade de condições.
Assim, municípios (e estados) mais abastados permanecem atraindo empreendimentos enquanto os menos favorecidos, em geral no Nordeste e no Norte, seguem relegados a um lentíssimo passo do desenvolvimento econômico.
Os mapas de concentração de renda no país revelam que o Brasil é marcado por forte desigualdade econômica entre os eixos sul-sudeste e norte-nordeste. Este, inclusive, um dos motivos pelos quais a federação brasileira é dita assimétrica.
Diante desse quadro, possível inferir que a mens legis de se evitar a guerra fiscal é dar suporte coercitivo e sancionador em caso de desobediência ao art. 8º-A da LC 116/2003 e, com isso, gerar melhor distribuição de renda dentro dos estados federados e dentro da federação (art. 3º, III, da CF).
Além disso, fatalmente a guerra fiscal de ISSQN tem significado “prejuízo” aos cofres públicos municipais. Estudos da Confederação Nacional de Municípios apontam que algumas municipalidades passarão a arrecadar cerca de R$ 6 milhões com a nova legislação.
Além disso, a maleabilidade conferida aos entes federados tornou-se fonte de negociatas entre empresários e gestores públicos, em barganhas em troca de favores por alíquotas cada vez menores.
Com advento da lei, após sua vocativo legis relativa à alíquota mínima de 2% (em 30/12/2017), não será possível a concessão de qualquer isenção ou redução de percentual abaixo do patamar mínimo, salvo no caso daquelas expressamente ressalvadas nos subitens 7.02, 7.05 e 16.01, do anexo da LC 157/2016.
Com isso, as atividades contempladas com patamares possivelmente menores de incidência do imposto são:
“7.02 – Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).
7.05 – Reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e congêneres (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).
16.01 – Serviços de transporte coletivo municipal rodoviário, metroviário, ferroviário e aquaviário de passageiros. ”
4. A Conduta do Gestor Público
Importante observar que o art. 10-A deixa bastante claro que configura ato de improbidade administrativa tanto a ação quanto a omissão do gestor público. Com isso, aqueles municípios que concederam isenção fiscal não poderão manter suas legislações abaixo do patamar mínimo, ainda que a prática tenha sido reiterada em anos anteriores e que tenha sido estabelecida antes do vigor da nova lei.
Isso significa que obrigatoriamente os Prefeitos precisão tomar previdências para adequação (caso a alíquota não respeite os patamares), sob pena de responsabilidade administrativa, independentemente do tempo em que a prática se estabeleceu (se durante seu mandato ou anteriormente). Isso porque, conforme expresso no art. 10-A, as condutas omissivas (caso comprovado o dolo) também são passíveis de punição.
Quanto ao elemento subjetivo, como dito, a palavra de ordem é: dolo. Ou seja, intenção de cobrar abaixo do patamar legal. A mera culpa (negligência, imprudência ou imperícia) por si só já afastam a responsabilidade.
Esse entendimento jurisprudencial do STJ, pautado diretamente na sistemática estabelecida pela Lei 8429/92 será mantido. Ou seja, o ato de improbidade administrativa só pode ser punido a título de mera culpa se houver expressa previsão legal, que não é o caso do artigo 10-A e sim do artigo 10, da Lei 8429/92.
5. Como o Empresário Pode Ser Responsabilizado por Improbidade Administrativa
É possível vislumbrar a hipótese suposta de um prefeito que deixa de ajustar a legislação do ISSQN durante o prazo de adaptação de um ano por dolo em virtude de acordo realizado entre ele e o empresariado interessado. No exemplo, suponha-se que o prefeito não tenha revogado a isenção de ISSQN sobre serviços prestados por transporte aeroviário (20.02).
Nesse caso, a improbidade, em razão da atuação conjunta do particular com o prefeito é prevista no artigo 3º da Lei Improbidade. A seguir:
“Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta. ”
Dessa maneira, quando da produção de efeitos (pois já há vigor), se provado o conluio e o dolo, empresário e prefeito poderão ser responsabilizados.
6. Sanções Possíveis
Quanto ao administrador público, as cominações abarcam, isolada ou cumulativamente, a perda da função pública, a suspensão dos direitos políticos de 5 a 8 anos e a multa civil de até 3 vezes o valor do benefício financeiro ou tributário concedido, conforme dispõe o novo inciso inserido no artigo 12, da Lei 8429/92.
Em caso de condenação de particulares, a aplicação de sanção também somente poderá se operar caso comprovado o dolo na conduta do particular e, especialmente, que tenha havido benefício com o ato de improbidade.
Em casos em que se constata a atuação do particular, é comum aplicação de sanções de cunho pecuniário como a multa. Por outro lado, outras sanções típicas da Lei de Improbidade como a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios não poderão ser aplicadas, em razão de ausência de expressa previsão legal.
8. Compliance
Compliance trata-se de expressão de origem estrangeira relacionada a existência de conformidade no atendimento a requisitos oficiais, em especial das áreas reguladoras da atividade. A partir do conjunto legislativo interno e externo, a atividade de compliance visa a “previsão de erros” e o estímulo a adoção de medidas legais e morais que evitem prejuízos futuros.
Certo que o abrangente conceito de “conformidade” pode atender a vários aspectos. Nesse sentido, certamente a moralidade das atividades empresariais também se encontra envolvida dentro de um Compliance bem feito. Trata-se a final, de garantir a imagem escorreita de uma empresa frente a sua clientela.
Com isso em vista, certamente os aspectos de probidade tratados na recente mudança à Lei 8429/92 e à Lei Complementar 116/2003 tornar-se-ão tópicos de observância obrigatória em matéria tributária.
Além disso, é necessário, com vistas a evitar a cobrança excessiva (e aqui também se evita prejuízo), que o corpo jurídico busque saber se a atividade desenvolvida se enquadra dentro de alguma das exceções constitucionais, jurisprudências ou legais listas em tópicos anteriores.
Conclusão
Por essa razão, conclui-se como necessária a adoção de medidas preventivas de observância do recolhimento de ISSQN dentro dos patamares legais de 2% a 5%, a partir da produção de plena de efeitos da LC 157/2016, o que ocorrerá em 30/12/2017, em especial por se tratar de imposto sujeito a lançamento por homologação.
Reforça-se que o empresariado deve negar-se a firmar acordos com municipalidades em troca de percentuais abaixo de 2%, salvo para aquelas atividades contempladas nos mencionados itens 7.02, 7.05 e 16.01, do anexo da LC 157/2016.
Também se deve atentar para evitar que, com as mudanças, algumas atividades desempenhadas e inseridas em algumas das exceções constitucionais, legais ou jurisprudências não passem a ser objeto de incidência indevida do ISSQN.
Ou seja, necessária a inclusão da LC 157/2016 com tópico de observância obrigatória em Compliance, a fim de evitar prejuízos com processos judiciais de responsabilização administrativa.
Também necessário observar como algumas atividades que antes não eram tributadas passarão a ser e, se algumas delas se enquadram em hipóteses de não cobrança por força constitucional ou de entendimento jurisprudencial.
Informações Sobre o Autor
Márcia Mayumi Duarte Kimura
Bacharel em Direito e pós-graduanda em Direito Constitucional. Advogada privada atuante em Direito Tributário e Cível. Advogada do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade Fortium