Autor: João Victor Alves de Lima – Acadêmico de Direito da Faculdade de Integração do Sertão (FIS), Serra Talhada – PE. E-mail: alveslimajv@hotmail.com
Orientador: Prof. Dr. Bruno Celso Sabino Leite – Docente da disciplina de Metodologia da Pesquisa do curso de Direito da Faculdade de Integração do Sertão (FIS), Serra Talhada – PE. E-mail: bcsleite@gmail.com
Resumo: O presente trabalho tem como estudo a necessidade das alas LGBT+s – lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais – no Brasil, uma vez que as opressões e vulnerabilidades são intensificadas dentro do sistema prisional. É habitual a violação ao respeito à integridade física e moral dos presos, porém este cenário se intensifica no que se refere aos homossexuais, uma vez que estes são vistos de forma preconceituosa pela sociedade exterior ao sistema penitenciário. A justificativa deste trabalho está no fato de que a criação das alas LGBT+s é uma representação da garantia dos direitos humanos somado à necessidade de agir perante o preconceito de gênero e à violência nas prisões. Fora utilizado o método hipotético-dedutivo, com a temática analisada tendo como base Michel Foucault ante sua obra intitulada “Vigiar e Punir” (1975).
Palavras-chave: Dignidade Humana. Preconceitos. Dupla Penalização.
Abstract: The present study focuses on the need for LGBT+s prison accommodations – lesbian, gay, bisexual, transvestite and transsexual – in Brazil, since oppression and vulnerabilities are intensified within the prison system. Violations of respect for the physical and moral integrity of prisoners are common, but this scenario intensifies with regard to homosexuals, since they are viewed in a prejudiced manner by society outside the prison system. The justification for this study is the fact that the creation of LGBT+s prison accommodations is a representation of the guarantee of human rights added to the need to act in the face of gender bias and violence in prisons. The hypothetical-deductive method had been used, with the theme analyzed based on Michel Foucault’s Discipline and Punish: The Birth of the Prison (1975).
Keywords: Human Dignity. Prejudice. Double Punishment.
Sumário: Introdução. 1. Uma contemplação histórica das prisões. 2. A realidade do sistema prisional brasileiro. 3. Homossexuais: penalizados fora e mais ainda dentro do cárcere. 4. Os ideais estratégicos para a resolução do problema. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
Atendo-se aos estudos relacionados aos sistemas prisionais, é destaque a obra “Vigiar e Punir” de Michel Foucault, publicada em 1975, que trata justamente das instituições penitenciárias, surgidas no início do século XIX, desvelando uma espécie de linha do tempo da metamorfose dos suplícios, vigentes explicita ou implicitamente até os dias atuais. No Brasil, as instituições penitenciárias encontram-se em situação degradante desde os primórdios, consequência de diversos fatores, dentre eles a falta de comprometimento do Estado, que passa a ideia da punição como resultado do ato criminoso, ignorando a realidade de que esses atos verdadeiramente resultam da ineficiência estatal. Essas instituições, pensadas como os locais possíveis de recuperação dos sujeitos ali inseridos, são na verdade ambiente do qual as pessoas saem sem nenhuma possibilidade de ressocialização. Foucault faz críticas sobre o sistema prisional ao fazer a seguinte citação:
As prisões não diminuem a taxa de criminalidade: pode-se aumentá-las, multiplicá-las ou transformá-las, a quantidade de crimes e de criminosos permanece estável, ou, ainda pior, aumenta (…) a prisão, consequentemente, em vez de devolver à liberdade indivíduos corrigidos, espalha na população delinquentes perigosos (FOUCAULT, 1987, p.221).
Desta forma, é evidente que os objetivos primordiais do sistema prisional do Brasil não tem sido efetivados, uma vez que ao invés de funcionar como um ambiente de recuperação, trata-se de um ambiente particularmente desumano, em que além da privação do direito de ir e vir, é um lugar marcado por tensões, preconceitos e pela violência. Partindo do pressuposto da óbvia situação dos presídios brasileiros e a clara violação à integridade física e moral dos presos, violando a Carta Magna de 1988, o presente artigo tem como estudo a intensificação desse cenário violento e desumano no que diz respeito ao público LGBT+.
Um dos princípios fundamentais tratados por Foucault é a divisão por gravidade do delito cometido nas prisões, estabelecido também na Constituição vigente, porém não é somente este princípio que é ignorado pelo Estado, mas também a necessidade da criação das alas separadas para o público LGBT, pois há nos presídios uma dominação heterossexual, especialmente a dominação masculina.
Destarte, este artigo tem como objetivo primordial a demonstração da necessidade da universalização das alas LGBT+ nos presídios brasileiros englobando as circunstâncias que levam a inevitabilidade da criação destas, de modo a combater a escassez e propagar a garantia dos direitos humanos do grupo LGBT.
Antes do século XIX, o poder de punição era marcado por penas cruéis e desumanas que recaiam sobre o corpo, em que os suplícios eram tidos como uma forma de manifestação do poder, não havendo a privação do direito de ir e vir como forma de pena, mas sim como custódia, de modo a garantir a fuga do acusado. Esta privação da liberdade como método de custódia era usada também como meio de produção de provas sob tortura, ignorando a óbvia realidade de que qualquer indivíduo diante desta situação diria qualquer coisa para que o tormento cessasse.
Posteriormente, com a queda do Antigo Regime e a ascensão da Burguesia, a privação da liberdade passou a ser vista não somente como um meio, mas como a finalidade da punição (FOUCAULT, 1987). Esta transformação de suplícios se deu pelo fato da punição corpórea ser vista por muitos, inclusive magistrados e parlamentares, um ato de tirania, em que se tratava mais de vingança do que punição. Porém a extinção dos espetáculos e a omissão da dor não faz deste novo ato de punir, uma moral de bem, ou seja, não se tratava da futura inexistência dos suplícios, e sim da transformação destes, de modo a se tornarem vigentes até os dias atuais. Sintetizando, a reforma penal nasce da luta contra o poder do soberano.
Em meados do século XVIII, surge o projeto que se tornaria as penitenciárias que conhecemos hoje, o Panóptico de Bentham, retratado por Foucault, sendo um formato de anel com várias “celas” e no centro havia uma torre cheia de janelas, a partir das quais observavam os denominados loucos e criminosos que estavam trancafiados, eram vistos e ao mesmo tempo não viam quem os observava, a visibilidade funcionando como uma armadilha. “O tema panóptico – ao mesmo tempo vigilância e observação, segurança e saber, individualização, isolamento e transparência- encontrou na prisão seu local privilegiado de realização” (FOUCAULT, 1987. p. 235).
A falsa realidade a respeito dos sistemas penitenciários, que paira sobre o Brasil atualmente, é que as prisões funcionam como um instrumento concedido pelo Estado, para proteger a sociedade de indivíduos que supostamente instalariam o caos e a desordem da vida em comunidade. Porém, a verdadeira face deste cenário ilusório é que o Estado tem concedido, na verdade, meios para que os indivíduos se encontrem diante de um único caminho, caminho este que os leva ao cometimento de atos que tem como consequência a vida carcerária. A privação da liberdade destes indivíduos teoricamente tem como finalidade a reintegração do infrator na sociedade e o controle da criminalidade, porém na prática esta finalidade é integralmente ignorada e violada pelo Estado, uma vez que o Texto Constitucional dispõe uma série de cláusulas pétreas não aplicadas na realidade, tais como a dignidade humana, vedação a tortura, penas cruéis, respeito à integridade física e moral, dentre outras.
Hoje o Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo, com mais de 550 mil pessoas presas, atrás apenas dos Estados Unidos, China e Rússia, e a terceira maior taxa de encarceramento. Atualmente, o índice de aprisionamento no Brasil é de 287.31 presos por 100 mil habitantes.[1]
A pena estabelecida aos infratores no Brasil não se trata “somente” da privação do direito de ir e vir, mas sim uma somatória de diversas medidas cruéis. A punição corpórea não é um suplício extinto na República Federativa do Brasil, mas sim um fato existente e habitual, uma vez que há relatos de espancamentos efetuados por agentes estaduais[2], e os encarcerados entre si, devido ao ambiente hostil a que são submetidos, o que faz do cárcere um multiplicador de criminalidade. No tocante a assistência à saúde, a Lei de Execuções Penais dispõe, em seu artigo 14, sobre a obrigatoriedade de se assegurar este direito ao preso. Na prática, este é mais um aspecto que descortina as barbáries do sistema.
A Constituição de 1988 assegura que a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado, porém, considerando a superlotação, a separação dos presos é praticamente inalcançável na maioria das penitenciárias do país. Sendo assim, mais uma vez o Estado falha no escopo das penitenciárias de controle de criminalidade, garantia de segurança da sociedade e possibilidade de ressocialização dos presos após cumprirem suas penas, uma vez que há o contato de infratores ocasionais, que cometem crimes menos graves, com aqueles de maior escala na prática criminosa.
O infrator já entra no sistema penitenciário descrente especialmente pelo tratamento abusivo por parte do poder público, pois o que existe hoje é uma política, errada, de encarceramento em massa, nas palavras de Foucault:
O sentimento de injustiça que um prisioneiro experimenta é uma das causas que mais podem tornar indomável seu caráter. Quando se vê assim exposto a sofrimentos que a lei não ordenou nem mesmo previu, ele entra em um estado habitual de cólera contra tudo que o cerca; só vê carrascos em todos os agentes da autoridade; não pensa mais ter sido culpado; acusa a própria justiça. (1987, p. 252).
Destarte, é evidente que a estratégia punitiva do Estado tem como base a teoria geral do contrato social de Thomas Hobbes na sua obra “Leviatã”, pois o cidadão estava aceitando juntamente com as leis da sociedade, aquela que poderá puni-lo (FOUCAULT, 1987). Desta forma, o criminoso apareceria como o que rompeu o contrato, tornando-se inimigo de toda a sociedade. Sendo assim necessária a moderação dos castigos, de modo que é preciso punir exatamente o suficiente para impedir, pois toda a sociedade se colocaria contra o criminoso, neste âmbito se dá a falsa realidade do Estado como combatente da criminalidade e protetor da sociedade através das instituições penitenciárias.
O termo homossexualidade (combina o prefixo grego, homo, que significa mesmo com um substantivo latino, sexus, que significa sexo – referindo-se a gênero) foi criado no século XIX, em 1869, pelo escritor húngaro Karoly Maria Benkert. Ele introduziu nova terminologia sobre a homossexualidade no mundo, tendo sido o inventor do termo homossexual (bem como heterossexual, entre outros menos pertinentes na atualidade). Inicialmente a homossexualidade fora considerada como patologia, vista como desvio de conduta sexual, buscando a padronização para a dominante heterossexualidade. Apenas recentemente (1995), com a quarta edição do manual de diagnóstico e estatístico de transtornos mentais – DSM – IV (APA – 1995) veio a excluir a homossexualidade da classificação de “doença”.[3]
Tendo em vista que o presente artigo tem como base teórica os entendimentos de Michel Foucault, é relevante destacar que há um questionamento do mesmo no que tange a tradicional divisão entre hetero e homo, as categorias sexuais e relações entre sexo e poder. Segundo ele, não se deve catalogar, enumerar, discriminar e convencionar formas de ser e de agir. As pessoas que tem a sexualidade voltadas para alguém do mesmo sexo, simplesmente possuem esta determinada forma de ser e de se relacionar com o outro, não estando necessariamente enquadradas em determinados estereótipos.
Sob este prisma, a homofobia trata-se da discriminação perpetrada contra homossexuais. A violência pode se dar no sentido físico, de modo a atingir diretamente a integridade do corpo, podendo ter como consequência o homicídio; e o não físico que consiste numa violência simbólica, composta por ofensas verbais, tratamentos indiferentes, impedimento de participação em instituições, dentre outras. Neste âmbito, o Brasil lidera o ranking de país preconceituoso e de violência contra a sociedade LGBT+.
Uma vez outrora exposta a realidade do sistema prisional brasileiro e da vigente existência dos suplícios, torna-se explícita a verdadeira face do Estado ao falhar com a sociedade. Porém, o público que é punido duplamente não é visto, assim como fora dos muros carcerários ante a sociedade ainda preconceituosa do Brasil, é o grupo LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), a exclusão, o preconceito e as diversas formas de violência se tornam ainda mais evidentes no sistema carcerário brasileiro.
É indubitável a realidade brasileira no que tange a prevalência de preconceito contra pessoas que se envolvem com outras do mesmo sexo ou que decidem como viver sua sexualidade, é uma realidade marcada pelo preconceito exacerbado, seguido de violência e indiferença. Diante disso, este cenário se intensifica quando estes indivíduos são atingidos pela irresponsabilidade do Estado e tem sua vida resumida ao cárcere.
O preconceito e a violência habitual que se tem fora das instituições penitenciárias, é ainda maior e mais constante dentro delas. Apesar da lei determinar que alguns direitos devam ser cumpridos, como ser chamado pelo nome social por exemplo, o que se vê na prática, na maioria das vezes, é a indiligência no cumprimento, pois somente em alguns casos tais direitos são, de fato, assegurados.
Uma vez que até mesmo dentro dos presídios há uma dominação heterossexual masculina, os indivíduos que compõem o grupo LGBT são intensamente abusados e violados sexual e psicologicamente.
A transsexual Verônica Bolina afirmou durante o debate “Sistema penitenciários e a População LGBT”, realizado em São Paulo em junho de 2017: “Se aqui fora existe preconceito, lá dentro é a treva de preconceito. Vi meninas se prostituírem por causa de um sabonete, para escovar os dentes. A saúde é totalmente precária, se você está com alguma coisa, vai morrer lá dentro”.[4]
Em entrevista ao HuffPost Brasil, a travesti Fernanda Falcão, que foi presa pela primeira vez aos 18 anos, relata: “Passei um bom tempo sendo estuprada até um agente, depois de ter visto meu desespero no momento em que eu saí da cela para lavar as roupas do chaveiro, fez a proposta de que, se eu continuasse a lavar os coturnos dele, poderia ficar fora da cela”. Foi assim, diz Fernanda, que ela conseguiu sair do espaço em que não tinha nenhuma segurança. “Isso não me deixou feliz, porque minhas amigas continuavam lá dentro”, contou.[5]
Ante a problemática da violação a integridade física e moral a qual os presos são submetidos em cárcere, conforme o Panóptico apresentado por Michel Foucault, outrora supracitado, e a intensa violência a qual são submetidos, especificamente o grupo LGTB, faz-se necessária uma análise sobre o Art. 5°, XLVIII da Constituição Federal, que dispõe que “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado”, pois seria mais justo e digno que ao invés dos estabelecimentos serem distintos em razão do sexo, que fossem em razão do gênero, visto que este é psicologicamente e socialmente determinado, enquanto aquele trata-se na verdade do que é biologicamente determinado.
Desta forma, somado a toda tortura, privação da liberdade, ambientes insalubres, está o abuso, violência e impossibilidade de reintegração social intensamente maior quando se trata do grupo LGBT+, aqueles que antes mesmo de serem inseridos no meio carcerário, já são descriminados e violados no meio social. Sob este prisma, faz-se necessária a universalização das alas LGBTs nos presídios brasileiros, pois embora a segregação não seja a solução primordialmente ideal, torna-se diante de toda a violência, para preservá-los.
Atendo-se a situação perpetuada à classe LGBT no país, em decorrência da ausência de acesso a serviços básicos e direitos sociais firmados em conteúdo constitucional, observa-se que a marginalização da respectiva classe ainda atua como maior finalidade dos indivíduos privados dos referidos direitos. Como visto, fatores como a violência física e verbal, o preconceito institucionalizado e a indiferença perante essa parte da população são amplamente visíveis tanto no âmbito da vida em sociedade (lastreado majoritariamente na forma na qual a sociedade é educada para o convívio com a pluralidade cultural, sexual e individual), quanto no âmbito da vida em presídios, que são apenas um reflexo das condições degradantes nas quais determinadas parcelas da sociedade são alocadas por um conjunto de motivos que vão desde a carência de visibilidade das instituições públicas até a intolerância e rejeição em dimensões essenciais para a construção de uma personalidade e de uma condição social digna para o indivíduo, como a família, o mercado de trabalho e o seio da sociedade.
Dessa forma, como aval para a concretização do amplo processo de diminuição da violência e do preconceito em relação à população carcerária homossexual, a criação de alas dedicadas ao grupo LGBT nas penitenciárias ocupa cada vez mais espaço nos debates voltados para a resolução dos conflitos que gravitam a órbita do problema social, dando espaço para opiniões e posicionamentos favoráveis e contrários a ideia, que são detentores de forte viés ideológico, permeando entre o conservadorismo dos contrários a criação das alas e o pensamento progressista daqueles que defendem a ideia, visando à superação das tendências violentas e do preconceito enfrentado por essa população.
Ademais, no campo do processo legislativo, a criação das alas específicas em presídios para a classe de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais ganha forma através, principalmente, da defesa do deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ), que em entrevista ao programa “Com A Palavra”, da Rádio Câmara, afirmou em relação a ideia que “Essa iniciativa é uma dentre as muitas para acabar com certas práticas das nossas prisões que as tornam medievais, desumanas e violadoras dos direitos humanos”.[6] Sendo assim, com a inserção e defesa da gênese do projeto em campo político, a criação das eventuais alas atinge novos patamares em relação a sua real concretização, que é projetada em todo o território nacional por seus simpatizantes.
Não obstante os posicionamentos circunscritos a paradigmas sociológicos, ideológicos e políticos, o respectivo projeto ainda é detentor de espaço de estudo no campo do Direito, discutido principalmente em instituições públicas essenciais para a manutenção de uma ordem jurídica justa. Entre essas instituições, destacam-se o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que em parceria com o Conselho Nacional de Combate à Discriminação LGBT, órgão ligado à Secretaria de Direitos Humanos, estuda a possibilidade de aceitação nacional desse projeto, tendo em vista a eficácia vislumbrada nas experiências formais já adotadas em alguns estados do país.
Na dimensão prática, a primeira ala dedicada à referida classe foi criada em 2009, no Presídio de São Joaquim de Bicas, no estado de Minas Gerais, onde representou uma substancial mudança nas formas de tratamento e de convívio da população homossexual com o restante dos presidiários. No mesmo estado, no município de Vespasiano, outra ala pôde ser construída em 2012, levantando os mesmos propósitos apresentados para a prática do projeto em anos anteriores, e tornando Minas Gerais o estado pioneiro nessa idealização de grande importância para a superação de preconceitos. A relação procedimental desse pioneirismo do Governo mineiro comprova a necessidade de ação estratégica estatal para o processo de diminuição da violência, pois todos os estudos e levantamentos para a construção das alas partiu da Coordenadoria Especial de Políticas de Diversidade Sexual de Minas Gerais (Cods).
Por sua vez, levando em consideração as observações utilizadas para a argumentação favorável à criação das alas, outros fatores de grande importância defluem ao decorrer do estudo das relações humanas e do comportamento da classe carcerária, especialmente do grupo LGBT. Devido ao comportamento muitas vezes relacionado ao ideal “fabricado” de gênero feminino exposto por parte desse grupo, a violência sexual também atua como um agravante para as condições vividas por esses indivíduos. Nesse tocante, a militante transexual e ex-chefe da Cods, Walkiria La Roche, afirmou para o Portal EBC que “É muito comum no nosso país que essas pessoas sejam usadas como moeda de troca nos presídios. Não há preocupação com a transmissão de DST. E como os homens, depois, recebem visita íntima, pode causar uma epidemia”.[7]
A partir do experimento da primeira ala, o projeto expandiu-se timidamente por alguns outros estados do país, inclusive o Rio Grande do Sul, onde os estudos de gênero e de criação de alas LGBT são financiados publicamente desde o ano de 2012. No principal presídio do estado, situado na capital Porto Alegre, os índices relacionados à violência interna do estabelecimento atingiam níveis altíssimos, e após a adoção da ala especial destinada a abrigar 40 presos, a violência sistematizada contra os homossexuais caiu significativamente, de acordo com relatórios divulgados pela assessoria de Direitos Humanos da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe).
No Nordeste, os presídios do estado da Paraíba são os possuidores do título de pioneirismo em relação à criação dessas alas na região. Em decorrência da tomada de medidas estratégicas por parte do Governo estadual para assegurar o direito do homossexual se expressar sem sofrer represálias ou agressões de qualquer natureza, a criação de alas voltadas para esses em três penitenciárias (Penitenciária Modelo Desembargador Flósculo da Nóbrega, conhecida como presídio do Roger, Penitenciária Dr. Romeu Gonçalves de Abrantes e Penitenciária Regional Raimundo Asfora, em Campina Grande) transborda o direito humano básico de ter sua integridade física respeitada, e atinge medidas representativas, principalmente para a classe de travestis e transexuais, como por exemplo, os direitos de serem chamados pelo nome social que escolheram e não serem obrigados a raspar o cabelo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Destarte, diante de toda a temática exposta tendo como referência primordial os trabalhos de Michel Foucault no tocante a evolução dos suplícios e degradação das instituições carcerárias, é possível perceber que a situação em que as penitenciárias do Brasil se encontram trata-se de uma crise “crônica”, com várias falhas, sendo nada mais do que um reflexo da sociedade desigual. Como foi visto, é uma realidade brasileira habitual a criminalização da pobreza e a falsa segurança garantida pelo Estado, que falha explicitamente no seu objetivo de ressocialização dos presidiários, porém, nos atemos especificamente ao público LGBT inserido nos cárceres, sendo este, ignorado, uma vez que fora dos muros das instituições penitenciárias sofrem preconceito exacerbado, dentro do cárcere esse preconceito é intensificado e seguido de abusos físicos e psicológicos. Todavia, através da adoção de ações estratégicas tímidas, porém intensas, propostas por alguns estados brasileiros, a criação de alas voltadas para o público de lésbicas, gays, travestis e transexuais atua como uma concreta solução para o referido preconceito generalizado, possibilitando a garantia de um conjunto de direitos que são essenciais para a integridade psíquica e moral, também fundamentais para a construção de um ser humano digno e ressocializado.
Sendo assim, abordou-se a necessidade da universalização das alas LGBTs nos presídios, observando os reais resultados advindos da adoção dessas medidas públicas, que além de efetuarem a própria segurança de uma parcela da sociedade tão renegada pelas autoridades, ajuda na construção de uma nova vida para esses (as) presidiários (as), como em alguns casos pelo Brasil onde ocorre a oferta de cursos profissionalizantes para esse grupo, visando à reintegração dos mesmos no seio de uma sociedade que infelizmente ainda os encara com hostilidade. A criação das supracitadas alas tem como finalidade a recuperação de todos os princípios humanos e legais perdidos nos âmbitos das prisões, de modo a garantir os direitos humanos, visando combater a violência nesse ambiente e reagir ante o preconceito de gênero.
REFERÊNCIAS
BEPPLER, Paul. A origem da palavra “homossexual”. Disponível em: < http://karl-mariaketbeny.blogspot.com/2006/03/origem-da-palavra-homossexual.html > Acesso em 12 de Junho de 2020.
BRASIL. (12 de 06 de 1984). Art. 14 da Lei de Execução Penal – Lei 7210/84. Disponível em: LEP – Lei nº 7.210 de 11 de Julho de 1984: < https://www.jusbrasil.com.br/topicos/11702239/artigo-14-da-lei-n-7210-de-11-de-julho-de- 1984 > Acesso em: 14 de Junho de 2018.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução de L. M. Ponde Vassalo. Petrópoles: Vozes, 1987.
MENDES, Sandra. Homossexualidade: A concepção de Michel Foucault em contraponto ao conhecimento neurofisiológico do século XXI. Disponível em: < http://pgsskroton.com.br/seer/index.php/renc/article/download/2574/2457 > Acesso em 12 de Junho de 2020.
PENSAMIENTO PENAL. Direitos Humanos: Alas LGBTs nos presídios paraibanos são referência para resolução do Governo Federal. Disponível em: < http://www.pensamientopenal.com.ar/system/files/2015/08/doctrina41859.pdf > Acesso em 12 de Junho de 2020.
[1] https://camilavazvaz.jusbrasil.com.br/artigos/213802013/entenda-a-realidade-dos-presidios-brasileiros
[2] http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2017/11/em-goias-videos-mostram-agentes-penitenciarios-torturando-presos.html
[3] https://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=15974
[4] https://www.cartacapital.com.br/diversidade/lgbt2019s-privados-de-liberdade-um-olhar-sobre-o-carcere
[5] https://www.huffpostbrasil.com/2018/05/07/por-que-e-preciso-falar-sobre-como-a-populacao-lgbt-e-tratada-nas-prisoes-brasileiras_a_23429157/
[6] http://jeanwyllys.com.br/acessivel/?p=4469
[7] http://www.ebc.com.br/noticias/brasil/2013/09/presidios-estao-adotando-alas-lgbt-para-reduzir-casos-de-violencia-contra
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