Licitação: inexigibilidade x dispensa

Resumo: O presente artigo versa sobre o procedimento obrigatório, regra geral, para as contratações feitas pelo Poder Público, qual seja, licitação. Analisando, entretanto, as hipóteses em que, legitimamente, tais contratos são celebrados diretamente com a Administração Pública, sem a realização da licitação: a inexigibilidade de licitação ou sua dispensa.


Sumário: I. Introdução. II. Princípios norteadores da licitação. III. Dispensa de licitação. IV. Inexigibilidade de licitação. V. Conclusão. Referências.


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I – INTRODUÇÃO:


A Licitação, procedimento obrigatório, regra geral, para as contratações feitas pelo Poder Público, tem por objetivo assegurar que estas selecionarão sempre a melhor proposta com as melhores e mais vantajosas condições para a Administração, salvaguardando, também, o direito à concorrência igualitária entre os participantes do certame, a publicização dos atos, assegurando a transparência e probidade do mesmo, etc.


A obrigatoriedade de licitação é, inclusive, mandamento da Magna Carta, contido no inciso XXI do artigo 37, senão vejamos, in verbis:


“Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:


XXI – Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”


O procedimento Licitatório, em atendimento ao preceito constitucional, foi regulamentado através da Lei 8.666/1993, a qual fixa os critérios norteadores dos certames.


A ilustre jurista Maria Sylvia Zanella Di Pietro[1] explica que a licitação é o procedimento administrativo pelo qual o ente político possibilita a todos os interessados, uma vez sujeitados às condições estabelecidas no instrumento convocatório, a possibilidade de formularem propostas, dentre as quais selecionará e aceitará a mais conveniente com a celebração do contrato.


II – PRINCÍPIOS NORTEADORES DA LICITAÇÃO:


Em virtude de os administradores agirem em nome do interesse público, e por estarem lidando com bens e direitos de titularidade alheia, os mesmos devem se submeter, indubitavelmente, aos princípios que regem a Administração Pública, quais sejam, da constitucionalidade, da legalidade e da transparência.


Ora, devem os administradores agirem de modo a possibilitarem a maior aplicação possível dos princípios norteadores da Administração Pública que se encontram no caput do artigo 37 da Constituição Federal, ou seja, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, senão vejamos:


“Art. 37, CF/88: A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência(…)”


Quando se trata de licitações, percebe-se que há uma relação estreita e complementar dos mencionados princípios.


No aspecto do princípio da legalidade, deve-se explicitar que ao administrador é vedada a prevalência da sua vontade subjetiva, vez que é deve ser cumprir os ditames legais, obedecendo as regras impostas no procedimento e tudo mais que a lei determinar. O entendimento de Carvalho Filho acerca da observância do princípio da legalidade é no sentido de que:


“O princípio da legalidade é talvez o princípio basilar de toda a atividade administrativa. Significa que o administrador não pode fazer prevalecer sua vontade pessoal; sua atuação tem que se cingir ao que a lei impõe. Essa limitação do administrador é que, em última instância, garante os indivíduos contra abusos de conduta e desvios objetivos”.[2]


O ilustre professor Hely Lopes Meirelles, credita-se a expressão que melhor sintetiza o princípio da legalidade para a Administração:


“…enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei permite.”


Por seu turno, a moralidade exige do administrador uma postura condizente dom os preceitos éticos, observando a honestidade e boa-fé ao lidar com o interesse público.


A impessoalidade e a igualdade são princípios que indicam que a Administração Pública não deve dispensar tratamento diferenciado aos administrados que estejam em igualdade de condições, ou seja, em mesma situação jurídica.


A seu turno, o princípio da publicidade preceitua a obrigatoriedade de ampla divulgação que deve girar em torno das licitações. Não obstante seja requisito indispensável à validade da licitação, também possibilita, inelutavelmente, melhores condições de contratação para a Administração Pública, já que há um maior alcance de interessados, gerando, por conseguinte, melhor competitividade e possibilidade de mais particulares concorrerem do certame licitatório, se for o caso. Carvalho Filho, coaduna com essa linha de intelecção acerca da necessidade de observância do princípio da publicidade dispondo que:


“Esse princípio informa que a licitação deve ser amplamente divulgada, de modo a possibilitar o conhecimento de suas regras a um maior número possível de pessoas. E a razão é simples: quanto maior for a quantidade de pessoas que tiverem conhecimento da licitação, mais eficiente poderá ser a forma de seleção, e, por conseguinte, mais vantajosa poderá ser a proposta vencedora.”


III – DISPENSA DE LICITAÇÃO


Existem, entretanto, determinadas hipóteses em que, legitimamente, tais contratos são celebrados diretamente com a Administração Pública, sem a realização da licitação. Há duas situações distintas em que tal se verifica: a inexigibilidade de licitação ou sua dispensa.


Nos casos em que a lei autoriza a não realização da licitação diz-se ser ela dispensável. José dos Santos Carvalho Filho[3] ensina que a licitação dispensável tem previsão no artigo 24 da Lei 8666/93, e indica as hipóteses em que a licitação seria juridicamente viável, embora a lei dispense o administrador de realizá-la.


Já no que se refere às hipóteses de inexigibilidade, a licitação é inviável, ou seja, impossível de ser realizada, tendo em vista fatores que impedem a competitividade. Neste sentido, preleciona a doutrina pátria:


“A diferença básica entre as duas hipóteses está no fato de que, na dispensa, há possibilidade de competição que justifique a licitação; de modo que a lei faculta a dispensa, que fica inserida na competência discricionária da Administração. Nos casos de inexigibilidade, não há possibilidade de competição, porque só existe um objeto ou uma pessoa que atenda às necessidades da Administração; a licitação é, portanto, inviável”.[4]


“A dispensa de licitação caracteriza-se pela circunstância de que, em tese, poderia o procedimento ser realizado, mas que, pela particularidade do caso, decidiu o legislador não torná-lo obrigatório. Diversamente ocorre na inexigibilidade, porque aqui sequer é viável a realização do certame”[5]


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Sobre licitação dispensável, Celso Antônio Bandeira de Mello [6] afirma que o art. 24 da referida lei arrola casos que se enquadram nesta modalidade, determinando em seu inciso II que para outros serviços e compras de valor até R$ 8.000,00 (Oito Mil Reais), a licitação é dispensável.


Em virtude disto, é permitido à Administração Pública realizar a contratação direta, mediante a modalidade de “licitação dispensável”.  Isto porque é reservada à Administração a discricionariedade para decidir, em face das circunstâncias do caso concreto, se dispensa ou não o certame. Até mesmo em presença da hipótese em que a dispensa é autorizada, a Administração Pública pode preferir proceder à licitação, se tal atender superiormente ao interesse público. [7]


Impende explicitar, no entanto, que ainda que seja hipótese de contratação direta, é imprescindível atender a formalização do procedimento licitatório, com a conseqüente celebração do contrato. Vale destacar que a ausência de licitação não isenta da observação de formalidades prévias, mas ao contrário disto devem ser respeitadas, como se licitação tivesse havido. Ora, a contratação direta, ao invés de proporcionar prévia licitação, formalizará a contratação. Este é o entendimento de Marçal Justem Filho, senão vejamos:


“…os casos de dispensa e inexigibilidade de licitação envolvem, na verdade, um procedimento especial e simplificado para seleção do contrato mais vantajoso para a Administração Pública. Há uma série ordenada de atos, colimando selecionar a melhor proposta e o contratante mais adequado. Ausência de licitação não significa desnecessidade de observar formalidades prévias (tais como verificação da necessidade e conveniência da contratação, disponibilidade recursos etc.). Devem ser observados os princípios fundamentais da atividade administrativa, buscando selecionar a melhor contratação possível, segundo os princípios da licitação”.[8].    


Destaque-se que optando a Administração pela dispensa da licitação, deverá a mesma justificar os motivos para tanto, devendo explicitar justificativas para a sua discricionariedade. Em atendimento ao interesse público, a fundamentação deve ser pormenorizada, demonstrando de forma indubitável os motivos que levaram o administrador a utilizar do seu juízo de oportunidade e conveniência.


Ademais, impende dizer que nos casos de dispensa da licitação deve a Administração demonstrar as vantagens obtidas com esta opção, bem como justificar o preço, vez que este deve ser compatível com o de mercado.


IV – INEXIGILIDADE DE LICITAÇÃO


No concernente à inexigbilidade, por seu turno, a Lei n° 8.666/93 estabelece hipóteses nas quais, se configuradas, impõe-se a obrigatoriedade de contratação direta da Administração Pública com o particular, haja vista a realização do procedimento licitatório ser materialmente impossível. Com efeito, o artigo 25 do referido diploma legal faz exemplificações de hipóteses de inexigibilidade:


“Art. 25.   É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:


I – para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;


II – para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;


III – para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.”


Comentando o dispositivo legal em pauta, Jessé Torres Pereira Júnior[9] afirma que, em havendo dúvida sobre se determinado caso enquadra-se em algum dos incisos de inexigibilidade, deverá a Administração capitulá-lo desde que segura quanto à impossibilidade de competição.


Concernente à hipótese trazida pelo artigo 25, inciso I da Lei n° 8.666/93, o mesmo é destinado aos casos de aquisição de materiais, equipamentos e gêneros que contenha somente um produtor, empresa ou representante comercial, impossibilitando, deste modo, a competição. Por outro lado, restando algum indício de que existem no mercado condições de competição para os produtos, em observância ao princípio constitucional da obrigatoriedade da licitação, não há que se falar em inexigibilidade de licitação.


Importa ressaltar que, quanto à configuração da exclusividade do fornecimento, esta não se limita à pessoa do fornecedor, mas, inclusive, ao próprio objeto a ser contratado, devendo este, à exclusão de qualquer outro, ser o único capaz de atender às necessidades da Administração.[10]


Ademais, a configuração da existência de fornecedor exclusivo, a ensejar inexigibilidade de licitação, cinge-se aos critérios de ordem territorial, considerando a modalidade licitatória a ser adotada.


No tangente ao âmbito dessa exclusividade, ressalte-se a conceituação exposta pelo professor Diógenes Gasparini:


“A exclusividade pode ser absoluta ou relativa. É absoluta quando no país só há um fornecedor ou um único agente (produtor, empresa ou representante comercial) para prover os interesses da Administração Pública. Esse é o fornecedor exclusivo. … É relativa quando no país há mais de um fornecedor, empresa ou representante comercial, mas na praça considerada há apenas um. A exclusividade, nesses casos, está relacionada com a praça comercial considerada. … A exclusividade absoluta torna, de pronto, inexigível a licitação. O mesmo não ocorre com a relativa. Nesta a licitação será exigível ou inexigível conforme exista ou não, na praça considerada, fornecedor, empresa ou representante comercial exclusivo.”[11]


O mestre Hely Lopes Meirelles, explicando com notória clareza o conceito de exclusividade absoluta e relativa com parâmetro nas modalidades de licitação:


“Para a Administração a exclusividade do produtor é absoluta e afasta sumariamente a licitação em qualquer de suas modalidades, mas a do vendedor e a do representante comercial é na praça, tratando-se de convite; no registro cadastral, no caso de tomada de preços; no país, na hipótese de concorrência. Considera-se, portanto, vendedor ou representante comercial exclusivo, para efeito de convite, o que é único na localidade; para tomada de preço, o que é único no registro cadastral; para concorrência, o que é único no país”.[12]


Impende salientar que a lei veda que o administrador se valha de preferência de marca, pois, se assim fosse, não raras vezes estaria extirpada qualquer possibilidade de competição.  Esse entendimento é corroborado por Marçal Justen Filho:


“A vedação à preferência por uma marca deve ser interpretada em termos. A opção por determinada marca poderia suprimir, de modo injustificado, a viabilidade de competição. Assim, se produtos de origem (e marca) distintas puderem satisfazer ao interesse público, a Administração deverá promover a licitação entre os produtores, empresas ou representantes comerciais exclusivos. Mas é válida a opção por produtos de determinada marca quando existir fundamento para tanto.”[13]


V – CONCLUSÃO:


Diante das considerações supra expendidas, tratando-se de hipótese de licitação dispensável, por exemplo, sendo o valor da contratação aquém de R$ 8.000,00 (oito mil reais), conforme preceitua o art. 24, inciso II, da Lei 8.666/93, bem como sendo caso de inexigibilidade de licitação, consoante o artigo 25, I, do mesmo diploma legal, deve-se registrar que a inexigibilidade da licitação se sobrepõe à dispensabilidade em virtude de que, neste, a não realização do certame licitatório é mera faculdade da Administração, ou seja, cinge-se a um juízo de discricionariedade, conforme interesse público.


Por seu turno, a inexigibilidade de licitação possui aplicação obrigatória, mesmo porque é materialmente impossível a realização do procedimento, não se configurando alvedrio do administrador, mas dever seu em não realizá-lo.


É importante asseverar, com espeque no entendimento acima esposado, que a escolha da marca, por exemplo, não desvirtua a lisura da contratação, pois, em verdade, Assim, face à existência de fornecedor exclusivo, restará configurada, indubitavelmente, inexigibilidade de licitação, recomendando-se, destarte, a contratação direta da Administração Pública com a empresa fornecedora do produto, no caso concreto.


 


Referências

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella., Direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 19ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

GASPARINI, Diogenes., Direito administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. 

JUNIOR, Jessé Torres Pereira. Comentários à Lei de Licitações e contratações da Administração Pública, São Paulo: Renovar, 2007. p. 290.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos 7ª Ed. Pág.295, São Paulo: Dialética, 2000.

MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo.12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2009.

 

Notas:

[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2004. p.299.

[2] FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 19ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 224.

[3] FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2007. p.225.

[4]  DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella., Direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 310, 320-321.

[5] FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2009. p.238.

[6] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2009, p. 536.

[7] JUNIOR, Jessé Torres Pereira. Comentários à Lei de Licitações e contratações da Administração Pública, São Paulo: Renovar, 2007. p. 290.

[8] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários á Lei de Licitações e Contratos Administrativos 7ª Ed. Pág.295, São Paulo: Dialética, 200

[9] JUNIOR, Jessé Torres Pereira. Comentários à Lei de Licitações e contratações da Administração Pública, São Paulo: Renovar, 2007. p. 341.

[10] Nesse sentido, cf. Idem, Ibidem, p. 344.

[11] GASPARINI, Diogenes., Direito administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 318 e 323.

[12] MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo.12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 106-107.

[13] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 3. ed. Rio de Janeiro: Aide, 1994, p. 170 e 172.


Informações Sobre o Autor

Dayane Sanara de Matos Lustosa

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Advogada e Correspondente Jurídico do LUSTOSA Assessori a e Consultoria Jurídica. Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana Bahia. Colaboradora de vários sites e revistas jurídicas


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