Limitações ao poder constituinte reformador

Resumo: A evolução dos fatos sociais pode reclamar ajuste e modificação no texto constitucional, visando ajustar as vontades do poder constituinte originário e da sociedade, mas, contudo, com várias espécies de limitações ao Poder Constituinte de reforma, que é o poder instituído pelo poder originário para realizar a mudança no texto constitucional. Os limites fixados visam a preservação do texto original e a prevalência de determinados princípios.


Palavra chave: Poder constituinte. Poder constituinte reformador. Limites da reforma.


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Abstract: The evolution of social factors can claim adjustment and change in the constitutional text, adjust to the will of the constituent power and from society, but, however, with several types of limitations on the constituent power of reform, which is the power introduced by the to achieve from the change in the text. The limits are aimed at preserving the original text and the prevalence of certain principles.


Keyword: Power constituent. Constituent power reform. Limits of reform.


Sumário: introdução. 1. Poder constituinte de reforma. 2. Natureza jurídica. 3. Características. 4. Titularidade, exercício e competência. 5. Reforma, revisão e emenda constitucional. 6. Competência reformadora e seus limites. 6.1. Limites temporais. 6.2. Limites formais. 6.3. Limites circunstanciais. 6.4. Limites materiais. 6.4.1 Limites materiais explícitos e implícitos. 6.4.2. Cláusulas pétreas. 7. Competência reformadora na Constituição brasileira de 1988. 7.1. Limites procedimentais (formais) da emenda e da revisão. 7.2. Limites circunstanciais. 7.3. Limites temporais. 7.4. Limites materiais: cláusulas pétreas. Conclusão. Referências bibliográficas


INTRODUÇÃO


A idéia de supremacia da constituição decorre de sua origem, alicerçada num poder instituidor de todos os outros poderes, que constitui os demais; daí sua denominação Poder Constituinte. As normas produzidas pelo poder constituinte compõem um texto normativo, localizado em posição de superioridade, em relação às demais normas do ordenamento jurídico de um país. Assim, podemos dizer que o poder constituinte pode ser estudado em uma dupla dimensão: originário e reformador. O poder reformador seria derivado do poder constituinte originário, sendo usado nas alterações do texto constitucional ou sua reforma. Suas principais características são a limitação material de seu exercício e a condicionalidade destes limites impostos; se não houvesse limites, não haveria diferença entre o poder revisor e o poder constituinte originário.


No presente trabalho, analisaremos os limites explícitos e implícitos do texto constitucional, sendo o núcleo imodificável, intocável pelo poder reformador, que veda toda e qualquer alteração do objeto e conteúdo selecionado pelo poder originário, isolando de qualquer alteração ulterior.


1. PODER CONSTITUINTE DE REFORMA


Antes de adentrarmos ao mérito do presente trabalho, devemos ter em mente a idéia da classificação das Constituições. Como sabemos, as constituições possuem forma e conteúdo diversos, o que levou a doutrina a fazer uma classificação adotando os mais variáveis critérios, uns formais, outros substanciais.


Araujo e Nunes Junior (2008, p.3), lecionam que “as classificações não possuem outra finalidade senão realçar as características do texto constitucional segundo valores determinados”. Assim, as classificações seguiram critérios quanto a origem, a forma, conteúdo, sistemática, ideologia e mutabilidade. Aqui nos interessa a classificação quanto à mutabilidade.


Segundo Lopes (1993, p.123), Nelson de Souza Sampaio foi o autor que teria se dedicado mais longamente ao estudo do Poder Constituinte reformador e para ele, teoricamente, poderíamos mencionar quatro tipos de Constituições quanto ao problema de sua reforma: imutáveis, fixas, rígidas e flexíveis.


No entanto, para a doutrina majoritária, no campo da mutabilidade, estabilidade ou consistência, as Constituições se classificam em flexível, rígidas, semi-rígidas(ou semi-flexíveis)[1]. Para Lopes (1993, p.124) “denomina-se imutáveis as constituições que não permitem qualquer tipo de alteração, nem reforma”, nem revisão. Pretendem ser eternas não admitindo que nenhum poder as possa reformar legitimamente e muito menos revogar ou revisar, exaure-se em uma só expressão, ou atinge sua forma definitiva e imutável de modo que não seria concebível, nem legítima, a recorrência do Poder Constituinte, ou como ensina Pontes de Miranda(1987, p.145):


“Aquelas que nem sequer cogitaram o modo pelo qual se haviam de emendar, ou haviam de ser revistas; que tinham por imperecíveis aos seus princípios e a si mesmas, constituições, enfim, que se impondo ao tempo e “impedindo” que este lhes corroa o texto, só deixam ao povo, ou as gerações que nela não vêem solução para os seus destinos, os recursos da revolução.”


Importante salientar que há também Constituições fixas que são aquelas que somente podem ser modificadas por um poder de competência igual ao que as criou, ou seja, por nova manifestação do Poder Constituinte. Esse tipo não possui nenhum interesse prático, tendo seu estudo apenas interesse histórico.


Ressalte-se que em nosso tempo, constitui um absurdo falar em texto constitucional imutável, perpétuo, pois a Constituição destina-se a regular a vida de uma sociedade em contínua mutação.


Assim, quanto a mutabilidade das Constituições, temos necessariamente três tipos, as flexíveis que são aquelas que permitem a modificação de seu conteúdo através de um procedimento semelhante ao da aprovação de lei ordinárias, as rígidas, que exigem um procedimento legislativo especial (solene) e complexo para a alteração de seu texto e as semi-rígidas (também chamadas de semi-flexíveis) que são aquelas que só exigem um procedimento especial para apenas parte de seu texto, ou seja, apresenta uma parte rígida e outra parte flexível.


Embora as constituições sejam concebidas para durar no tempo, a evolução dos fatos sociais pode reclamar ajuste e modificação no texto constitucional, uma alteração posterior, visando ajustar as vontades do poder constituinte originário e da sociedade. Assim, o próprio poder constituinte originário prevê a possibilidade de alteração na Lei Maior, justamente para regenerá-la e conservá-la na essência eliminando normas e revitalizando o texto para atender os anseios da sociedade e acompanhar o desenvolvimento social.


Os adeptos as constituições flexíveis apontam como mérito a flexibilidade, pois seus textos constitucionais sempre estão predispostos a se adaptarem as necessidades mutantes da sociedade, mas as constituições flexíveis podem acarretar conseqüência indesejadas num país sem espírito conservador e sem tradições firmes.


Já a maioria da doutrina, entende que a constituição por nascer com a pretensão de ser eternas, mas não imodificáveis, as rígidas possuem a solução intermediária entre a inalterabilidade da Constituição e sua banalização pela facilidade de reforma, sendo assim, as constituições rígidas marcam a distinção entre o poder constituinte originário e os poderes constituídos, inclusive os de reforma, reforçando a supremacia da Constituição , na medida em que repelem que o legislador ordinário disponha em sentido contrario ao texto maior e levam a instituição de mecanismos de controle de constitucionalidade de leis, como garantia real de superlegalidade das normas constitucionais.


Se as constituições são criadas com a pretensão de serem definitivas, no sentido de voltadas para o futuro, sem duração prefixada, nenhuma constituição deixa de sofrer modificação ao longo do tempo para adaptar-se aos novos tempos, as circunstancias ou ainda, para acorrer às exigências de solução de problemas que podem nascer de sua própria aplicação e interpretação (MIRANDA, 2002).


O poder constituinte de reforma, então, é o poder instituído pelo poder constituinte originário para alterar a Carta Constitucional visando a adaptação do texto original ás modificações ocorridas na sociedade, adequando-se as exigências sociais que são mutáveis, podendo essa reforma consistir no acréscimo, modificação ou supressão de partes do texto constitucional.


 “O poder constituinte de reforma é um poder secundário ou derivado” (ARAUJO; NUNES JUNIOR, 2008, p.10), criado pelo poder constituinte originário que lhe estabelece o procedimento a ser seguido e as limitações a serem observadas. Assim, não é inicial, nem incondicionado, nem ilimitado, é um poder que esta subordinado ao poder originário.


O poder de reforma recebe denominações diversas pela doutrina, sendo eles: poder constituinte derivado reformador, poder constituinte constituído, poder constituinte sedundário, poder constituinte instituído ou poder constituinte de segundo grau.


 Canotilho (1991, p.99), nos ensina que:


“Os poderes constituídos movem-se dentro do quadro constitucional criado pelo poder constituinte. O Poder de revisão constitucional é, consequentemente, um poder constituído tal como o poder legislativo. Verdadeiramente o poder de revisão constitucional só em sentido impróprio se poderá considerar constituinte; será quando muito, “ uma parodia ao poder constituinte verdadeiro”.


Nesse sentido, Temer (2008, p.36 ), em sua obra preceitua que:


“É certo que por força da reforma criam se normas constitucionais. Já agora, entretanto, a produção, dessa normatividade não é emanação direta da soberania popular, mas indireta, como também ocorre no caso da formulação da normatividade secundária (leis, decretos, sentenças judiciais). No caso da edição de lei, por exemplo, também há derivação indireta da soberania popular. Nem por isso se aludira a um “Poder Constituinte Originário”. Parece-nos mais conveniente reservar a expressão “Poder Constituinte” para o caso de emanação normativa direta da soberania popular. O mais é fixação de competência: a reformadora (capaz de modificar a Constituição); a ordinária (capaz de editar a normatividade infraconstituicional). É apropriado, assim, denominar a possibilidade de modificação parcial da Constituição como competência reformadora.” (grifo do autor)[2]


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O poder constituinte reformador, também chamado de competência reformadora, caracteriza-se pela possibilidade de poder alterar o texto constitucional, função exercitada por órgãos determinados pelo poder originário, respeitando a regulamentação prevista pela própria Constituição. Essa atividade reformadora sujeita-se a limitações impostas pelo Poder Constituinte Originário e serão o objeto principal deste estudo.


2. NATUREZA JURÍDICA


O entendimento que prevalece na doutrina é que o poder constituinte reformador tem natureza jurídica. O poder constituinte instituído é um poder de direito e não um poder de fato ou poder político como o poder constituinte originário, nesse sentido: “ Diferentemente do originário que é poder de fato, o poder de reforma é jurídico”(TEMER, 2008, p.36); ” O Poder de reforma constitucional, ao invés, é um poder instituído na Constituição. Portanto há uma competência jurídica…”(BASTOS, 2000, p.34); “Diferentemente do Poder Constituinte Originário, que é político, o derivado é jurídico, pois apenas revela o exercício de uma competência reformadora.”( ARAUJO; NUNES JUNIOR, 2008, p.11)


O poder constituinte reformador não extrai sua força do mero fato, mas deriva da regra do direito, da regra constitucional que o admite, portanto, possui natureza jurídica.


3. CARACTERÍSTICAS


O poder constituinte reformador, não dispõe dos mesmos atributos do poder originário, é um poder instituído pelo poder constituinte originário, sendo instituído por um outro poder (provém de outro), extrai-se uma primeira característica do poder reformador: a de que ele é derivado, pois deriva de um outro poder que o estabelece na própria Constituição, sendo assim, decorre uma segunda característica, a de ser subordinado ao poder que o instituiu, com limites implícitos e explícitos na Constituição que o criou, portanto, é limitado porque um “corpo submetido a formas constitutivas só pode decidir algumas coisas segundo a Constituição”(SIEYÈS, 1988, p.124).


Por fim, o último traço característico reside no condicionamento do Poder Constituinte reformador as regras impostas pela Constituição, ou seja, pelo poder originário pelas quais se podem processar as modificações constitucionais, sendo, portanto, condicionado a regras preestabelecidas.


Assim, “caracteriza-se o Poder Constituinte instituído por ser derivado (provém de outro), subordinado (esta abaixo do originário, de modo que é limitado por este) e condicionado (só pode agir nas condições postas, pelas formas fixadas)”. (FERREIRA FILHO, 1999, p.28).


Em razão disso, por ser um poder derivado da atividade constituinte originária, esta lhe impõe limitações, e, na doutrina praticamente não existe divergências sobre ser o poder de reforma um poder derivado e jurídico, sendo que o debate encontra-se em torno dos limites da reforma constitucional, que veremos a seguir.


4. TITULARIDADE, EXERCÍCIO E COMPETÊNCIA


Costuma-se distinguir a titularidade e o exercício do Poder Constituinte.


No tocante a titularidade, o entendimento predominante na doutrina é que a mesma pertence ao povo. A vontade do constituinte é a vontade do povo, que se expressa através de seus representantes legais, desta forma, a titularidade do poder constituinte reformador é do povo e o exercício é dos representantes legais do povo, que são aqueles que, em nome do povo, cria o Estado editando a Constituição.


 Temer ( 2008, p.33)leciona que:


“ Esse exercício pode dar-se por vias diversas: a)pela eleição de representantes populares que integram “uma Assembléia Constituinte”; ou b) Pela revolução quando um grupo exerce aquele poder sem manifestação direta do agrupamento humano.”


No Brasil, a competência para exercício do poder constituinte reformador previsto pela Constituição Federal de 1988 pertence aos membros do Congresso Nacional, ou seja, aos deputados e senadores devidamente eleitos pelo povo, que exercem a função legislativa derivado do Poder legislativo e extraordinariamente também exercem a função reformadora que provem do poder reformador.


5. REFORMA, REVISÃO E EMENDA CONSTITUCIONAL


Segundo a maior parte dos autores, reforma constitucional é um gênero do qual são espécies a revisão e a emenda. Em sentido amplo, a reforma da constituição como gênero é o processo técnico de mudança constitucional, seja através de emendas ou de revisão.


A Emenda constitucional é a espécie normativa que integra o processo legislativo, sendo seu objeto a reforma da Constituição, uma vez aprovada, promulgada e publicada, a emenda passa a situar e ter a mesma eficácia da Constituição, já a revisão é a ampla alteração do texto constitucional, dedicando-se ao processo de mudanças constitucionais pelos processos e conformidade aos limites estabelecidos na Carta Magna.


Quanto a essas expressões não se encontram na doutrina ou nos textos constitucionais qualquer uniformidade ou preferência acentuada. Mesmo tomando-se o estudo do direito constitucional de um mesmo pais, como o nosso, não se pode deixar de observar que ora se valeram de um ora de outro, ora de mais de um dos termos em foco.


A revisão, a reforma e a emenda são formas de atuação do poder constituinte reformador.


Em nosso país, a Constituição Federal trouxe em seu texto duas formas de realizar o poder reformador, ou a competência reformadora. A primeira delas é a Emenda, descrita no artigo 60 da Lei maior. A segunda vem descrita no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, recebendo a denominação de revisão.


6. COMPETÊNCIA REFORMADORA E SEUS LIMITES


Diferentemente do que ocorre com o Poder Constituinte Originário, não existe duvidas doutrinárias quanto a pertinência de cláusulas limitativas do exercício do Poder Reformador, uma vez que o mesmo é um poder instituído, portanto, está sujeito a limitações de forma e de conteúdo.


O Direito positivo contém varias espécies de limitação ao Poder Constituinte de reforma, todos eles previstos pelo próprio ordenamento e podem ser distinguidos por diversas categorias, tendo por base a via de penetração no sistema constitucional.


Uma primeira categoria é dos limites internos, também chamados de endógenos ou autônomos, que provém da própria constituição e que estabelece limites instransponíveis à derivação constituinte.


Esses limites se subdividem-se em limites processuais e limites materiais (também chamados de limites substanciais) , os primeiros são aqueles, cujo próprio nome indica, que se referem a precaução adjetiva ou tramitação que se deve cumprir quanto ao procedimento de reforma, já os segundos se referem as limitações de conteúdo material frequentemente conhecido como “cláusulas pétreas”, já que contem a parte proibida da reforma.


Já os limites exógenos ou heterônomos, podem ser os pactos federais que conduzem a uma limitação do órgão constituinte enquanto a forma de estado que visa estabelecer, a supremacia federal que impõe limites ao Poder Constituinte decorrente e os tratados internacionais, quer em tempo de guerra ou em tempo de paz (VANOSSI apud LOPES, 1993, p.141).


Estes limites impostos pelo Poder Constituinte Originário ao poder de reforma, visa evitar a ruptura da ordem jurídica do Estado e todas as suas limitações devem embutir-se de idêntico espírito.


Analisaremos a seguir os limites à competência reformadora.


6.1 Limites temporais


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A regra geral é que as constituições podem ser modificadas a qualquer tempo, bastando apenas ambiente político favorável. No entanto, existem casos em que a constituição só admite alteração após certo tempo de sua promulgação ou de tempos em tempos. Isso se dá, para consolidar a “ordem jurídica e política recém-estabelecida, cujas instituições, ainda expostas à contestação, carecem de raiz na tradição ou de base no assentimento dos governados” (BONAVIDES, 2001, p.176).


Outra modalidade é a que determina uma reforma constitucional a um certo tempo de vigência (termo certo ou relativamente certo), bem como a que estabelece a periodicidade das modificações como por exemplo de dez em dez anos.


O que importa considerar de mais relevante nesse ponto é a natureza materialmente imodificável dessas normas de cunho temporal, cujo bem explica Lopes (1993, p.143):


“Acreditamos que todas essas normas de limitação temporal da revisão constitucional, sejam permanentes ou transitórias, não podem ser afastadas através de reforma da Constituição, porque, do contrario, ter-se-ia conferido ao Poder reformador a faculdade de liberta-se das condições de tempo do seu exercício, impostas pelo legislador constituinte.”


As proibições de ordem temporal estabelecem um período de fixidez da Constituição que não pode ser abolido ou encurtado pelo Poder Reformador, diferentemente do que ocorre quanto ao inverso, ou seja, quanto a possibilidade de se prever ou estender o prazo de irreformabilidade da Constituição, pois, em tal hipótese estaria o Poder reformador criando ou tornando mais rigorosas as condições de tempo para o seu exercício pactuando com o objetivo de eternidade da norma constitucional.


6.2 Limites formais


Trata-se de limites referente ao tramite a ser adotado pelo órgão incumbido de fazer a reforma, ou seja, os limites formais especificam a tramitação procedimental de propostas de reforma ou de revisão, como, por exemplo, circunstancias especiais, espécie de maioria, quórum de votação, casas legislativas.


6.3 Limites circunstanciais


São as limitações impostas para estabelecer os limites de segurança quanto ao momento de reforma do texto constitucional em razão de algumas circunstancias especiais presentes no Estado quando da tramitação do processo de revisão. Os limites circunstanciais existem para vetar qualquer reforma em situações de crise institucional, em razão do ambiente em que se instaura nesses momentos impróprios como em estado de guerra, de sitio ou qualquer outra situação que possa calar a opinião pública ou limitar outros direitos individuais, bem como a modificação constitucional quando o território nacional esta em todo ou em parte ocupado por tropas estrangeiras.


6.4 Limites Materiais


Os limites materiais tem a ver com o objeto da reforma. A Constituição prevê certas matérias que são imutáveis e não podem sofrer alteração, assim, os órgãos com competência para a reforma ficam impedidos de sobre elas deliberar. Se tornam imutáveis, não podendo sofrer qualquer tipo de alteração., são as chamadas clausulas pétreas.


No Brasil, desde a Constituição de 1891 tem sido estabelecidas limitações materiais ao poder de reforma. Na Atual Constituição, as limitações materiais encontram-se no artigo 60, §4.º, segundo o qual não poderá ser objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos poderes e os direitos e garantias individuais.


6.4.1 Limites materiais explícitos e implícitos


Os limites materiais explícitos são aqueles contidos em cláusulas da Constituição que limitam a competência do poder revisor ou reformador. Essas cláusulas, quanto ao alcance, podem ser gerais ou individualizadoras de certos princípios, e, quanto ao objeto podem abranger toda e qualquer matéria constitucional. Os limites materiais explícitos são as chamadas cláusulas pétreas anteriormente estudadas, já os limites materiais implícitos são aqueles contidos e identificados ao longo do texto constitucional, decorrentes dos princípios, do regime, da forma de governo adotados. Para Bonavides (2001, p.178) tais limitações “ são basicamente aquelas que se referem a extensão da reforma, á modificação do processo mesmo de revisão e a uma eventual substituição do poder constituinte derivado pelo poder constituinte originário.”


Silva (2009, p.68) demonstra-as, com base em Nelson de Souza Sampaio, são elas:


“- as concernentes ao titular do poder constituinte, pois uma reforma constitucional não pode mudar o titular do poder que cria o próprio poder reformador;


– as referentes ao titular do poder reformador, pois seria despautério que o legislador ordinário estabelecesse novo titular de um poder derivado só da vontade do constituinte originário;


– as relativas ao processo da própria emenda, distinguindo-se quanto à natureza da reforma, para admiti-la quando se tratar de tornar mais difícil seu processo, não aceitando quando vise atenuá-lo.”


6.4.2. Cláusulas pétreas


O constituinte originário estabelece para defesa de sua obra cláusulas de irreformabilidade total ou parcial da Constituição. BASTOS (2000, p.35), nos ensina que “[…] limitações de fundo ou materiais, fenômeno que dá lugar ás chamadas ‘cláusulas pétreas’, ‘intocáveis’, ‘irreformáveis’ ou ‘eternas’.”


As cláusulas pétreas são limites fixados ao conteúdo ou substância de uma reforma constitucional e que operam como verdadeira limitação ao exercício do poder constituinte reformador. Elas traduzem um esforço do constituinte para assegurar a integridade da Constituição, impedindo que eventuais reformas provoquem a destruição, o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanças de identidade.


Mendes, Coelho e Branco (2008, p.218-219), destacam que:


“O significado último das clausulas pétreas esta em prevenir um processo de erosão da Constituição. A cláusula pétrea não existe tão-só para remediar situação de destruição da Carta, mas tem a missão de inibir a mera tentativa de abolir o seu projeto básico. Pretende-se evitar que a sedução e de apelos próprios de certo momento político destrua um projeto duradouro.”


A fixação de cláusulas pétreas é comum nas Constituições rígidas e nada mais faz senão adjetivar a rigidez constitucional, conferindo-lhe uma técnica ideológica da qual não se desvincula durante toda a permanência na vida do Estado, exatamente por isso, que a maioria das clausulas pétreas guardam relação direta com a irreversibilidade da forma de governo, inalterabilidade dos princípios fundamentais da Constituição e inderrogabilidade da declaração de direitos.


O objetivo maior das clausulas pétreas não é proteger a redação de uma norma constitucional, mas evitar a ruptura com princípios e estruturas essenciais à Constituição, sendo essas estruturas essenciais que se encontram ao abrigo de imutabilidade pelo poder reformador.


Assim, a cláusula pétrea protege os princípios constitucionais modelados na norma e não a norma em si.


Na Constituição Brasileira de 1988, as cláusulas pétreas encontram-se no rol do artigo 60, §4.º.


7. A COMPETÊNCIA REFORMADORA NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988.


A constituição brasileira prevê em seu texto duas formas de se realizar a competência reformadora, ou o poder reformador. A primeira delas é a Emenda Constitucional prevista no artigo 60, da Magna Carta de 1988. A segunda encontra-se descrita no artigo 3.º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, com o nome de Revisão.


7.1 Limites procedimentais (formais) da Emenda e da Revisão


Os limites formais também chamados de procedimentais devem obedecer os seguintes preceitos:


a) Iniciativa do Presidente da República ou a um terço, no mínimo, de Deputados Federais ou um terço de senadores, ou ainda, por mais de metade das Assembléias Legislativas estaduais.


b) a proposta deve ser discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos de votação, discutida e aprovada em um turno volta a ser discutida e votada em outro, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.


Temer (2008, p.37), leciona que “este procedimento deve ser rigorosamente obedecido sob pena de inconstitucionalidade em razão de desobediência à forma.”


Após votada e aprovada a emenda é promulgada pelo Congresso Nacional e recebe um numero, cumpre salientar que não há sanção presidencial nem veto.


Ainda importante ressaltar que quando a proposta houver sido rejeitada ou havida por prejudicada, não poderá ser ela renovada na mesma sessão legislativa.


No tocante a revisão, o art.3.º do Ato das Disposições Constitucionais transitórias previa um procedimento diferenciado para a alteração da constituição, que iniciar-se-ia após cinco anos , contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral. Assim, em 1993, a revisão constitucional foi feita, encerrando-se com a promulgação de seis emendas constitucionais de revisão em 07 de junho de 1994, dessa forma, inadmissível, no Brasil, o procedimento de revisão.


Assim, a nossa Constituição somente poderá ser alterada por meio de Emendas Constitucionais.


7.2 Limites circunstanciais


A Constituição Federal de 1988, no artigo 60, §1.º dispõe sobre a proibição de tramitação de emendas constitucionais na vigência de intervenção federal, estado de defesa ou de estado de sitio, visando garantir a tranqüilidade social.


7.3. Limites temporais


No que se refere a revisão constitucional, já extinta em nosso país, previa que o limite temporal para que a mesma corresse seria de cinco anos, a contar da data da publicação da Carta de 1988. Assim, poderia o poder de reforma, apenas ampliar esse tempo, mas jamais reduzi-lo. Como visto, os limites temporais foram devidamente observado, pois foi feita a revisão constitucional em 1993, resultando na edição de seis emendas constitucionais revisoras.


No tocante as Emendas Constitucionais em nosso país não há limites temporais, podendo ser editadas a qualquer tempo.


7.4 Limites materiais: Cláusulas pétreas


Dispõe o artigo 60, §4, da Constituição Federal que:


 “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:


I- a forma federativa de Estado;


II- o voto direto, secreto, universal e periódico;


III- a separação dos poderes;


IV- os direitos e garantias individuais.”


Primeiramente, devemos ter em mente que o supracitado artigo impede a deliberação de proposta de emenda tendente a abolir determinados princípios, o que significa dizer que a proibição visa impedir a extinção de determinados pontos dos incisos supramencionados, visando a preservação de certos princípios, quais sejam:


a) Forma federativa do Estado


Não poderá ser objeto de emenda uma proposta tendente a abolir a forma federativa de Estado, ou seja, o modo de ser federal do Estado Brasileiro criado pela Constituição de 1988. Essa proibição desde a Constituição de 1891 está presente no direito pátrio, com exceção apenas do período teoricamente vigente da Constituição de 1937, vedando a transformação do Estado brasileiro em Estado Unitário.


b) Voto direto, secreto, universal e periódico


A escolha de representantes políticos diretamente pelo povo está assegurada, impedindo eleições indiretas. O constituinte também garantiu o voto secreto, entendido como elemento fundamental do sistema democrático e cristalizou o universo dos indivíduos que entendeu aptos a participarem do processo eleitoral. Já a periodicidade dos mandatos é a conseqüência da característica periódica do voto, não autorizando qualquer modificação nos cargos políticos que o constituinte previu como suscetíveis de eleição em hereditários ou vitalício.


Essa cláusula pétrea do sufrágio universal, direto, secreto e periódico é a expressão do princípio democrático. Não estava prevista no direito brasileiro anterior.


c) a separação dos poderes


Consagra-se como necessário e insuprimíveis quaisquer dos três poderes do Estado brasileiro, ou seja, o poder executivo, legislativo e o judiciário, “reservando-se em favor de cada poder as atribuições inerentes à sua função básica”(FERREIRA FILHO, 2009, p.96). Assim, a emenda que suprima, restrinja a independência de qualquer dos poderes como previsto pelo constituinte originário seria imprópria.


d) os direitos e garantias individuais


No tocante aos direitos e garantias individuais, mudanças que minimizem a sua proteção não são admissíveis. Não se permite através desta cláusula que o constituinte reformador suprima o rol das liberdades públicas.


“Esses direitos e garantias individuais protegidos são os enumerados no art. 5.º da Constituição e em outros dispositivos da Carta.”(MENDES, COELHO e BRANCO, 2008, p.224).


Para a doutrina, existe polêmica, quanto a extensão dos direitos e garantias individuais abrangidos pela cláusula pétrea.


Ferreira Filho( 2009, p.97-98) nos ensina que:


“Em primeiro lugar ao pé da letra, o texto, cuja óbvia intenção é proteger os direitos fundamentais, exclui da garantia os direitos sociais (e nem se fale dos direitos de solidariedade). Parece isto absurdo. Porque proteger uma espécie de direitos fundamentais mais do que outra? Assim, deve-se entender que o legislador disse menos do que queria e, portanto, os direitos sociais estão incluídos na proibição. Afinal, na interpretação – já ensinavam os romanos- há de prevalecer o espírito, não a letra”.


Para nós, os direitos e garantias fundamentais, abrangidos pela cláusula pétrea, seriam além dos limites do art. 5.º abrangendo os direitos sociais descrito na Constituição Federal, do artigo 6.º ao 11 da CF, além de outros direitos previsto em toda Carta de 1988.


CONCLUSÃO


O poder constituinte reformador, ou a competência reformadora caracteriza pela possibilidade de alteração do texto constitucional, função exercida pelos órgãos de caráter representativo, no Brasil, pelo Congresso Nacional, respeitando a regulamentação imposta pelo Poder constituinte originário que o criou.


São comuns nas Constituições rígidas, que estabelecem o procedimento e o órgão competente para exercitar o poder de reforma, fixando-se os limites procedimentais, também chamado de formais, relacionados diretamente com a iniciativa, a competência, forma, quorum de votação, objetivando um processo de alteração solene e mais difícil que o processo legislativo comum. Existem também limites circunstancias que consistem em vedar a alteração constitucional em situações anormais e as limitações materiais explicitas e implícitas.


As primeiras denominadas de cláusulas pétreas são limitações impostas pelo constituinte originário no próprio texto constitucional, esse núcleo é imodificável, intocável pelo poder reformador, vedando toda e qualquer alteração do objeto e conteúdo selecionado pelo poder originário, isolando de qualquer alteração ulterior, normalmente a matéria tratada como clausula pétrea diz respeito a assuntos estruturais do Estado e das liberdades públicas.


Há também os limites implícitos no decorrer de todo o texto constitucional que também não podem ser alterados, apesar de não estarem previstas de forma clara, subentende-se que não seria passível de alteração por usurpar a idéia e a vontade do poder constituinte originário.


Em nosso país a Constituição previu dois tipos de alteração do texto constitucional, a emenda e a revisão, sendo que esta ultima esgotou-se após sua realização, ocorrida depois do lapso temporal de cinco anos após a promulgação da Carta de 1988.


No plano formal o constituinte e livre para eleger suas metas prioritárias na defesa da constituição e as clausulas limitativas não devem engessar o desenvolvimento político do Estado. Por outro lado, a finalidade original da rigidez, das normas limitativas e das clausulas pétreas da Constituição destinam não somente impedir a reforma total da constituição como também qualquer modificação dos elementos de identificação e ideologia do Estado, visando reconhecer que os valores e as motivações que serviram ao constituinte originário como carga propulsora de um sentimento de perenidade e não de eternidade, assim, os valores constitucionais devem ser mantidos, não no plano absoluto, mas com relativização também dos fatores reformistas.


 


Referências bibliográficas

ARAUJO, Luiz Alberto David. NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional.12ª ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 21.ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

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Notas:

[1] Pela reforma ortográfica da Língua portuguesa, essas palavras sofreram modificações, assim, de acordo com a nova regra: semirrígidas e/ou semiflexíveis, contudo, nos textos estudados a grafia ainda é anterior à nova regra.

[2] Nesse sentido: Luiz Alberto David de Araújo e Vidal Serrano Nunes Junior.


Informações Sobre o Autor

Daniela Queila dos Santos Bornin

Mestranda em Direito Constitucional- área de concentração: Sistema Constitucional de Garantia de Direitos pela Instituição Toledo de Ensino- ITE- Bauru- SP. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Unirp/São José do Rio Preto-SP. Advogada Militante na área Cível e Criminal na Comarca de Olímpia-SP


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