Limites da discricionariedade administrativa: exoneração de cargo comissionado e a teoria dos motivos determinantes

Resumo: O cargo comissionado possui natureza “ad nutum”, nos termos do artigo 37, inciso II da Constituição Federal, sendo de livre nomeação e exoneração, não necessitando o ato de motivação para a sua prática. Todavia, este permissivo legal, vem causando sérios danos a servidores que em muitos casos são exonerados por motivos falsos ou inexistentes, criados pelo administrador no intuito de beneficiar alguém. Uma afronta aos princípios da impessoalidade, do contraditório e do devido processo legal, uma vez que o administrado não poderia se defender. Com a teoria dos motivos determinantes, a doutrina e a jurisprudência, entendem que se ao ato foi dada motivação, ainda que esta não seja uma exigência legal, se falsa ou inexistente o ato será nulo. Sob este prisma, necessário se faz elucidar sobre a necessidade de motivação nos atos discricionários, bem como, explicar a teoria dos motivos determinantes e como ela vem sendo aplicada no nosso ordenamento jurídico. E ainda, expor e discutir os entendimentos jurisprudenciais aplicáveis, evidenciando os posicionamentos adotados pelo STF, STJ e pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. A metodologia utilizada baseia-se no método indutivo/dedutivo, uma vez que as análises foram feitas num campo geral e específico concomitantemente. Quanto ao material, trata-se de pesquisa teórica, em fontes secundárias, com base no direito positivo, doutrina e jurisprudência, utilizando-se método bibliográfico, através de livros, periódicos e artigos. Desta feita, mister a observância dos motivos determinantes para a prática do ato, buscando-se assim atender tanto ao interesse público, quanto aos interesses dos servidores vítimas de exonerações ilegais[1].

Palavras-chaves: Ato Discricionário.Cargo Comissionado.Teoria dos Motivos Determinantes.

Abstract: The office has commissioned nature "ad nutum", in accordance with Article 37, paragraph II of the Federal Constitution, and free appointment and dismissal, not requiring the act of motivation for their practice. However, this legal permissive, is causing serious damage to servers in many cases are dismissed by false or no reasons, created by the administrator in order to benefit someone. An affront to the principles of impartiality, contradiction and due process, since the administered could not defend themselves. With the theory of compelling reasons, the doctrine and jurisprudence, understand that if the act was given motivation, even if it is not a legal requirement, if false or non-existent the act is null. In this light, it is necessary to elucidate the need for motivation in discretionary acts and explain the theory of motives for and how it is being applied in our legal system. Also, present and discuss the applicable case law understandings, showing the positions adopted by the Supreme Court, Supreme Court and the Court of Justice of Minas Gerais. The methodology is based on inductive / deductive method, since the analyzes were made in a general field and specific concomitantly. As for the material, it is theoretical research on secondary sources, based on positive law, doctrine and jurisprudence, using literature method, through books, journals and articles. This time, Mr. compliance with the relevant reasons to practice the act, seeking thus serve both the public interest, as the interests of victims of illegal dismissals servers.

Keywords: Discricionário.Cargo Act Comissionado.Teoria Determinants of reasons.

Sumário: 1. Introdução. 2. Da investidura no serviço público. 2.1Do concurso público. 2.2 Do processo seletivo simplificado. 2.3 Dos cargos comissionados. 3. Dos atos administrativos. 3.1 Classificação dos Atos Administrativos. 3.2 Elementos do Ato Administrativo. 3.3 Motivo e Motivação. 3.4 Atos Vinculados x Atos Discricionários. 4. Da teoria dos motivos determinantes. 5. Do entendimento jurisprudencial. 6. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

Há muito vem se discutindo, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, sobre a questão da motivação nos atos administrativos discricionários, especialmente naqueles em que a motivação é dispensada.

Alguns autores defendem a ideia de que o motivo seria requisito de validade, mas não a motivação, que seria a explicação do motivo. Outros defendem a tese de que ambos são a mesma coisa, e que a motivação seria requisito indispensável do ato.

Partindo desse ponto, com surgimento na França, passou a vigorar em nosso ordenamento jurídico a Teoria dos Motivos Determinantes.

Essa teoria tem como fundamento a ideia de que mesmo que a lei tenha dispensado a motivação do ato, se esta é declarada, fica o ato vinculado à motivação que lhe foi dada. Ao passo que, se os motivos que ensejaram a prática do ato forem falsos ou inexistentes, será o ato considerado nulo ou passível de anulação.

Um exemplo clássico da aplicação dessa teoria é o caso da exoneração de servidor comissionado “ad nutum”, ou seja, sem a necessidade de explicação dos motivos que ensejaram o ato, tratando-se de cargo de livre nomeação e exoneração.

A norma constitucional prescreve que “a investidura no serviço público somente se dará através de concurso público, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração” (artigo 37, inciso II da Constituição Federal).

Diante deste permissivo, ocorrem inúmeras ilegalidades contra servidores, em desacordo com os princípios constitucionais da impessoalidade, contraditório e ampla defesa, onde valem-se os administradores de falsos motivos ou mesmo de motivos inexistentes na busca por interesses pessoais, perseguições e favorecimentos.

Sendo assim, necessário se faz elucidar sobre a necessidade de motivação nos atos discricionários, ainda que dispensados pela lei, bem como esclarecer sobre a teoria dos motivos determinantes e como ela vem sendo aplicada no nosso ordenamento jurídico.

Caberá abordar ainda, o entendimento jurisprudencial aplicado no caso concreto pelos tribunais superiores e pelos tribunais regionais.

Diante do exposto, faz-se indispensável, uma análise do tema, vez que sustenta enormes controvérsias, tanto doutrinárias quanto jurisprudenciais.

Para o desenvolvimento desse estudo, serão abordados os seguintes temas:

1.  Da investidura no serviço público;

2. Dos Atos Administrativos;

3. Da Teoria dos Motivos Determinantes;

4. Do entendimento jurisprudencial.

2 DA INVESTIDURA NO SERVIÇO PÚBLICO

2.1 DO CONCURSO PÚBLICO 

O concurso público, nos termos do artigo 37, inciso II da Constituição Federal é a porta de entrada para o ingresso no serviço público.

Senão, vejamos:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

IIa investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração (sem grifos no original).”

Tal procedimento evita favoritismos, bem como a entrada de pessoas ineptas nas carreiras públicas, sendo este meio eficaz e eficiente, pois pautado unicamente em critérios objetivos.

À corroborar essa idéia, a definição de Hely Lopes Meirelles, que entende o processo como:

“…o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, fixados de acordo com a natureza e complexidade do cargo ou emprego, consoante determina o art. 37, II, da CF. Pelo concurso afastam-se, pois, os ineptos e os apaniguados que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se matem no poder leiloando cargos e empregos Públicos” (Direito administrativo brasileiro, 30ª ed., Malheiros, 2005, p. 419 – sem grifos no original).

Para, no entanto, que o concurso atinja a finalidade para a qual é proposto, é preciso que o mesmo se paute em princípios administrativos, como bem colocado por MEDAUAR (2009, p. 272) “A exigência de concurso público para ascender a postos de trabalho no setor público atende, principalmente, ao princípio da igualdade e ao princípio da moralidade administrativa”.

Assim, os princípios da igualdade, moralidade administrativa e ainda, o da eficiência são as bases norteadoras do processo.

Conforme explica Santos (2013), igualdade porque entre os candidatos não haverá distinção e serão ofertadas a todos as mesmas oportunidades, ou seja, concorrerão em igualdade de condições, a partir de critérios objetivos.

Moralidade administrativa implica na vedação de favoritismos pessoais, nepotismo inclusive, buscando a aferição do candidato que melhor se coaduna ao cargo

E ainda, o Princípio da Eficiência, que é entendido como a necessidade de selecionar os mais aptos, através de critérios objetivos, aos cargos ofertados.

Assim, a finalidade do concurso é selecionar os mais aptos, em condições de igualdade e através de critérios objetivos, a fim de ocuparem os cargos e empregos públicos com vocação de permanência.

2.2 DO PROCESSO SELETIVO SIMPLIFICADO

Como ressaltado, a realização de concurso público é regra em nosso ordenamento jurídico para ingresso no serviço público.

Contudo, quanto às contratações temporárias para atender excepcional interesse público, é dispensada tal exigência, permitindo-se a realização de processo seletivo simplificado, para garantir a aplicação do Princípio da Impessoalidade.

Nessa esteira, importante destacar os ensinamentos de Fernanda Marinela, que explica a exceção contemplada constitucionalmente.

“Para alguns cargos e empregos, em razão de sua natureza, o texto constitucional dispensa a realização do concurso, permitindo o acesso através de outros instrumentos. São exceções ao concurso: […] IV) as contratações por tempo determinado, hipótese prevista no art. 37, inciso IX, da CF, criada para satisfazer necessidades temporárias de excepcional interesse público, situações de anormalidades em regra incompatíveis com a demora do procedimento do concurso, admitindo a adoção de um processo seletivo simplificado” (MARINELA, 2012, p.635-636, sem grifos no original).

O termo processo seletivo simplificado, está relacionado a “concurso público”, até mesmo porque obedece aos mesmos critérios de divulgação e concorrência e obedece aos mesmos trâmites legais do concurso público, de acordo com José dos Santos Carvalho Filho.

“À primeira vista, tal processo seletivo não seria o mesmo que o concurso público de provas e títulos, assim como previsto no art. 37, II, da CF, parecendo ter-se admitido procedimento seletivo simplificado – exceção ao princípio concursal. A legislação regulamentadora, porém, aludiu a processo seletivo público de provas ou de provas e títulos, o que espelha o concurso público. A expressão empregada no novo texto, além de atécnica, só serviu para suscitar dúvida no intérprete; na verdade, bastaria que o Constituinte se tivesse referido simplesmente ao concurso público – instituto já com definição própria e imune a tais dúvidas” (CARVALHO FILHO, 2013, p.635).

Assim, observa-se que o instituto da contratação temporária através de processo seletivo, é meio importante para atender às necessidades urgentes e temporárias da administração pública, desde que não se confunda temporária com permanente.

2.3 DOS CARGOS COMISSIONADOS

Outra exceção à regra do concurso público são os cargos em comissão, conhecidos habitualmente por cargos de confiança.

De acordo com Santos (2013), tais cargos não exigem a realização de concurso público para sua ocupação e são preenchidos por servidores efetivos ou servidores de carreira, pois, não possuem estabilidade e são de livre nomeação e exoneração, conforme critério da autoridade nomeante.

Cumpre ressaltar que os cargos em comissão só poderão destinar-se à funções de chefia, direção e assessoramento, não podendo a lei criar estes cargos para suprir cargos de função permanente.

À corroborar dessa ideia, os ensinamentos de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

“Com relação às funções de confiança, também não se justifica o concurso público, apenas exigindo a Constituição, no artigo 37, V, que sejam exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo e que se limitem às atribuições de direção, chefia e assessoramento. […] sendo inconstitucionais quaisquer normas que criem funções de confiança ou cargos em comissão para outro tipo de atribuição” (DI PIETRO, 2012, p. 598-599).

Sob este prisma, importante frisar que os cargos em comissão se baseiam exatamente na relação de confiança entre o administrador nomeante e o servidor, tendo em vista a natureza das funções exercidas, desde modo só subsistirão enquanto perdurar a confiança.

Além disso, em 2008 o STF editou a Súmula Vinculante 13 que veda o nepotismo em cargos em comissão, com o seguinte teor: “A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal”.

3 DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

São os atos praticados pela administração pública no exercício da função administrativa, sob o regime de Direito Público, ensejando uma manifestação de vontade do Estado.

Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua Ato Administrativo como: “declaração do Estado […] no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional” (MELLO, 2013, P. 389).

Cumpre ressaltar que “Atos Administrativos” não se confundem com “Atos da Administração”, uma vez que este é gênero e aquele espécie. Atos da Administração são todos os atos praticados pela administração pública, administrativos ou não.

3.1 CLASSIFICAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

A doutrina expõe diferentes classificações dos atos administrativos. Marinela (2012) nos nos traz a classificação dos mais comuns.

Quanto aos destinatários:

a) Gerais: são os atos que se direcionam a estabelecer uma determinada situação que será por todos obedecida. Atingem toda a coletividade. Não individualiza os indivíduos que serão atingidos pelo ato, mas tão somente descrê a situação.

b) Individuais: os destinatários do ato são individualizados.

Quanto ao grau de liberdade:

a) Discricionários: são os atos nos quais a administração pública tem uma margem de escolha nos parâmetros de sua atuação, com base em critérios de oportunidade e conveniência, dentro dos limites legais, também chamado de mérito administrativo.

b) Vinculados: estabelecem um único comportamento possível, não há margem de escolha. Todos os elementos do ato administrativo estão objetivamente definidos na lei.

Quanto ao objeto:

a) Atos de império: são os atos que possuem todas as prerrogativas de Estado, onde o poder público atua com todas as garantias de direito público, impondo obrigações de ordem unilateral sobre o administrado.

b) Atos de gestão: são regidos pelo direito privado, sem prerrogativas públicas.

Quanto à formação:

a) Simples: são aqueles perfeitos e acabados numa única manifestação de vontade. A manifestação de vontade de um único órgão já perfecciona o ato.

b) Compostos: são aqueles que dependem de mais de uma manifestação de vontade, sendo uma principal e a outra acessória. A vontade acessória funciona como ratificadora da vontade principal.

c) Complexos: são aqueles perfeitos e acabados com uma soma de vontades absolutamente independentes, produzidas por mais de um órgão.

Outras classificações:

a) Normativos: decorrem do exercício do poder normativo, por meio dos quais a administração pública expede normas gerais e abstratas, dentro dos limites legais. Servem para detalhar o que foi estabelecido pela lei.

b) Ordinatórios: praticados no exercício do poder hierárquico, visam organizar o funcionamento da Administração e a conduta funcional de seus agentes.

c) Negociais: são aqueles que contém uma declaração de vontade da administração pública para conceder algo ao particular, nas condições previamente previstas por ela.

d) Enunciativos: são os atos onde a administração certifica ou atesta um fato, ou emite opinião sobre determinado tema.

e) Punitivos: são atos sancionatários, que podem decorrer do poder de polícia ou do poder disciplinar, estabelecendo penalidades aos particulares.

3.2 ELEMENTOS DO ATO ADMINISTRATIVO

Elementos ou requisitos, ou até mesmo requisitos de valide do ato administrativo, como preferem alguns autores, são os pressupostos necessários para a validade do ato, ou seja, se ausente um desses elementos, significa dizer que o ato será inválido, passível de anulação.

Não existe também consenso entre a doutrina sobre quais seriam esses elementos. Sendo assim, serão mencionados, a seguir, os elementos previstos na Lei 4.717 /65, artigo 2º.

Competência ou Sujeito Competente: significa dizer que o ato deve ser praticado por um agente público competente, cuja lei lhe tenha atribuído competência para a prática do ato. Cumpre ressaltar que a competência é irrenunciável, já que o agente público não pode abrir mão da competência fornecida pela lei, imprescritível, pois não se perde pelo desuso e improrrogável, uma vez que não se adquire pelo uso, ainda que não haja impugnação.

Forma: é a exteriorização do ato, o meio pelo qual ele se apresenta. Válida somente a prescrita em lei. Entretanto, os vícios de forma poderão ser sanáveis desde que o ato cumpra sua finalidade.

Finalidade: é a prevista na lei, é o que a lei pretende alcançar. De uma forma geral a finalidade será sempre o interesse público, e de uma forma específica a finalidade será aquela prevista na lei.

Objeto: é aquilo que o ato dispõe, é a consequência que o ato enseja no mundo jurídico. Lembrando que para que o ato seja válido, o objeto deverá ser lícito, possível e determinado ou determinável.

Motivo: são as razões que justificam a edição do ato. É a situação de fato e de direito que dá ensejo à prática do ato administrativo. É a subsunção do fato à norma.

Cumpre ressaltar que Motivo e Motivação são expressões diferentes, como se observa a seguir.

3.3 MOTIVO E MOTIVAÇÃO

Motivação é a exposição dos motivos, é a apresentação das razões, das situações de fato e de direito que ensejaram o ato. Conforme explica José dos Santos Carvalho Filho, “a motivação exprime de modo expresso e textual todas as situações de fato que levaram o agente à manifestação da vontade” (CARVALHO FILHO, 2014, p. 114). Já o motivo, como visto, são as razões que justificam o ato, correlacionando o fato a norma.

Em algumas situações, contudo, a motivação é dispensada por lei. O motivo não é dispensado, pois requisito de validade do ato. Assim, entende-se que o ato terá motivo, mas poderá não ter motivação, mesmo sendo este princípio constitucional expresso no artigo 50, da Lei 9784.

Um bom exemplo do exposto acima se refere à “exoneração ad nutum” dos cargos em comissão, prevista no artigo 37, inciso II da Constituição Federal. Nesse caso a exoneração é livre de motivação.

Todavia, se a motivação é feita, ela passará a fazer parte do ato, vinculando-o. Se falsa ou inexistente a motivação, o ato será considerado nulo. Á esta consequência chamamos de “Teoria dos Motivos Determinantes”.

3.4 ATOS VINCULADOS X ATOS DISCIRCIONÁRIOS

No que tange à obrigatoriedade de motivar, alguns autores fazem distinção entre os atos vinculados e os atos discricionários.

Quanto aos atos vinculados, os quais não possuem margem de escolha pelo administrador, nem tampouco juízos subjetivos, já que há uma aplicação quase automática da lei, entendem que a menção do fato e da norma aplicável supriria a motivação, ficando a mesma implícita.

Já no que diz respeito aos atos discricionários, nos quais o administrador possui uma margem de escolha, seria imprescindível a motivação, e ainda, de forma detalhada, a fim de demonstrar a compatibilidade com o ordenamento jurídico.

Essa motivação deverá ser prévia ou contemporânea à prática do ato, explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, nesse caso, serão parte integrante do ato (artigo 50, §2º, da Lei 9784/99), é o que chamamos de “motivação aliunde”.

4 DA TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES

A teoria dos motivos determinantes está atrelada com o motivo do ato, que sendo este falso ou inexistente, deverá o ato ser anulado, haja vista ser o motivo elemento do ato administrativo, que lhe confere legitimidade e validade. Sendo assim, esta teoria vincula o administrador ao motivo declarado, conforme os ensinamentos de Odete Medauar.

“Segundo essa teoria, os motivos apresentados pelo agente como justificativa do ato associam-se à validade do ato e vinculam o próprio agente. Isso significa, na prática, que a inexistência dos fatos, o enquadramento errado dos fatos aos preceitos legais, a inexistência da hipótese legal embasadora, por exemplo, afetam a validade do ato, ainda que não haja obrigatoriedade de motivar” (MEDAUAR, 2009, p. 141)

Veremos uma maior discussão sobre esta teoria ao nos reportarmos aos atos discricionários, justamente os atos que não precisão de motivos para que sejam válidos. Haja vista que “mesmo que um ato administrativo seja discricionário, não exigindo, portanto, expressa motivação, esta, se existir, passa a vincular o agente aos termos em que foi mencionada” (CARVALHO FILHO, 2014, p. 118).

O STJ também se posiciona no mesmo sentido.

“[…] 1. A administração, ao justificar o ato administrativo, fica vinculada às razões ali expostas, para todos os efeitos jurídicos, de acordo com o preceituado na teoria dos motivos determinantes. A motivação é que legitima e confere validade ao ato administrativo discricionário. Enunciadas pelo agente as causas em que se pautou, mesmo que a lei não haja imposto tal dever, o ato só será legítimo se elas realmente tiverem ocorrido. 2. Constatada a inexistência da razão ensejadora da demissão do agravado pela Administração (prática de nepotismo) e considerando a vinculação aos motivos que determinam o ato impugnado, este deve ser anulado, com a consequente reintegração do impetrante […]” (Ag.Rg. no RMS 32.437/MG. STJ – Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin. Julgamento em: 22.02.2011, DJE 16.03.2011)

“[…] O administrador está vinculado aos motivos postos como fundamento para a prática do ato administrativo, seja vinculado seja discricionário, configurando vício de legalidade – justificando o controle do Poder Judiciário – se forem inexistentes ou inverídicas, bem como se faltar adequação lógica entre as razões expostas e o resultado alcançado, em atenção à teoria dos motivos determinantes. Assim, um comportamento da Administração que gera legítima expectativa no servidor ou no jurisdicionado não pode ser depois utilizado exatamente para cassar esse direito, pois seria, no mínimo, prestigiar a torpeza, ofendendo, assim, aos princípios da confiança e da boa-fé objetiva, corolários do princípio da moralidade”. (MS 13.948 – DF, STJ – Terceira Seção, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior. Julgamento em: 26.09.2012, publicado no Informativo nº 504).

Tratando-se de cargos em comissão, de exoneração “ad nutum”, o administrador não precisa declarar um motivo para a exoneração, pois desse independe. Entretanto, se declarado o motivo, o mesmo deverá ser cumprido, ficando o administrador adstrito às razões de fato e de direito que o levaram a prática do ato, conforme preceituado pela teoria dos motivos determinantes.

Ademais o administrador não pode mudar o motivo, há menos que seja na hipótese de tredestinação, a única legalmente permitida, que é o caso da desapropriação, mas desde que seja para atender interesse público.

Sendo o ato da exoneração “ad nutum” um ato discricionário, o judiciário não exercerá controle sobre o mesmo, mas poderá controlar os limites legais da discricionariedade.

5 DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL

O Supremo Tribunal Federal, posiciona-se no mesmo sentido quanto à aplicabilidade da Teoria dos Motivos Determinantes, no que tange à exoneração “ad nutum”, de servidores comissionados.

“EMENTA: – Função de Assessoramento Superior-FAS. Por ser de provimento em confiança, não fazem jus, os seus ocupantes, ao benefício da estabilidade extraordinária outorgada pelo art. 19 do A.D.C.T., em face da restrição expressa no § 2º do mesmo dispositivo. Estando, porém, vinculado, o ato de dispensa do impetrante, a motivo inexistente (norma de medida provisória não inserta na lei de conversão), deve o decreto ser anulado e reintegrado o agente na função, conservada a característica da possibilidade de exoneração, ao nuto da autoridade. Mandado de segurança, para essa finalidade concedido”. (STF. MS 21.170/DF. Rel. Min. Octávio Gallotti. Tribunal Pleno. DJ: 21/02/1997)

Os Tribunais Regionais, também vêm seguindo o mesmo entendimento, reconhecendo que a validade do ato está condicionada à verificação objetiva do pressuposto de fato que impulsionou o administrador, não podendo a tese da “livre exoneração” afastar a garantia do devido processo legal.

Senão, vejamos.

“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – TUTELA ANTECIPADA – REINTEGRAÇÃO NA FUNÇÃO – CARGO COMISSIONADO – DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA – LIMITES – DEVIDO PROCESSO LEGAL – TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES – VALIDADE DO ATO – PRESSUPOSTO FÁTICO QUE O IMPULSIONOU – RECURSO DESPROVIDO. 1. Os cargos de provimento em comissão – cujo preenchimento dispensa a realização de concurso público -, são aqueles destinados para serem ocupados em caráter transitório por pessoa de confiança do administrador, definido constitucionalmente como de livre nomeação e exoneração (art. 37, II da CR/88). Nesse esteio, estabelece o art. 106, b, da Constituição do Estado de Minas Gerais que a exoneração de servidor ocupante de cargo em comissão dar-se-á "a critério do Governo". 2. As exigências do neoconstitucionalismo não se comprazem com o exercício pelo administrador de juízo puramente discricionário, mormente quando o ato que vier a ser praticado repercutir na esfera jurídica de outrem. 3. Conquanto se trate de vínculo precário entre o servidor e a Administração, não se dispensam as garantias do devido processo legal (art. 5º, LV da CR/88) e, como corolário, a cooperação. 4. Não prospera a tese de que a "livre exoneração" prevista no art. 37, II da CR/88 alcança dimensões tão dilatadas a ponto de afastar a garantia do devido processo legal. 
5. Segundo a teoria dos motivos determinantes, exposta a motivação do ato administrativo, a validade dele condiciona-se à verificação objetiva do pressuposto de fato que impulsionou o administrador.
“ (TJMG –  Agravo de Instrumento-Cv  1.0024.12.020223-9/001, Relator(a): Des.(a) Elpídio Donizetti , 8ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 08/11/2012, publicação da súmula em 20/11/2012)

CONCLUSÃO

A Constituição Federal nos apresenta três formas de ingresso no serviço público, seja através do concurso público, para cargos públicos; seja através do processo seletivo simplificado, para empregos públicos e contratos temporários ou seja através da nomeação para cargos em comissão.

Estes, como visto, são cargos de livre nomeação e exoneração, a que dá-se o nome de exoneração “ad nutum”. Neste caso, o administrador não precisa motivar o ato da exoneração, não precisa explicar as razões de fato e de direito que o levaram à prática do ato.

Todavia, a teoria dos motivos determinantes, construção doutrinária e jurisprudencial, elucida que mesmo não sendo obrigatória tal motivação, se o administrador a faz fica esta vinculada ao ato.

Nestes termos, se a motivação do ato for nula ou inexistente o ato também deverá  ser nulo ou anulável.

Há ainda uma corrente que defende que os atos discricionários necessitam de motivação, uma vez que os vinculados já a possuem na norma ensejadora do ato.

Portanto, tratando-se de exoneração de servidor em cargo comissionado, o ato de exoneração deve ser motivado, ainda que apresentado o motivo. Não há como se falar em ato de dispensa sem motivos ou motivação, seja esta explícita ou implícita. E, caso seja o ato falso ou inexistente, o mesmo deverá ser considerado nulo, devendo ser garantido ao servidor demitido o direito ao contraditório e devido processo legal, mesmo nos casos em que a lei dispensa a motivação do ato.

 

Referências
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CHIMENTI, Ricardo Cunha. Curso de Direito Constitucional. 6ª.ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014.
MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 6ª.ed. Niterói: Impetus, 2012.
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MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 13ª.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais , 2009.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo. 20ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1995.
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 30ª.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013.
SANTOS, Heloine Pereira dos. O cadastro de reserva de vagas e o desrespeito às normas constitucionais alusivas ao concurso público. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 112, maio 2013. Disponível em: <https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13348&revista_caderno=4>. Acesso em jan 2015.
STF, Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 20 de maio de 2014.
STJ, Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: http://www.stj.jus.br. Acesso em: 20 de maio de 2014.
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XIMENES, Fábio. Exoneração de cargo em comissão. Realmente precisa de motivação? Aplicação da teoria dos motivos determinantes. Publicado em 25 de jul. 2012. Disponível em: <http://www.webartigos.com/artigos/exoneracao-de-cargo-em-comissao-realmente-precisa-de-motivacao-aplicacao-da-teoria-dos-motivos-determinantes/92882/>. Acesso em: 01 de set. 2014.
 
Nota
[1] Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito para aprovação no curso de pós-graduação em Direito Administrativo, da Universidade Estácio de Sá, sob orientação do professor Célio Egídio da Silva.


Informações Sobre o Autor

Heloine Pereira dos Santos

Advogada especialista em Direito Administrativo


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