Livre concorrência: Ética e honestidade

Resumo: Livre concorrência: ética e honestidade. Este pequeno trabalho científico dedica-se à apresentação resumida do que seja livre concorrência que norteiam as relações comerciais. Enquadramos as argumentações em normas constitucionais e infraconstitucionais, assim como, sem se desviar os entendimentos doutrinários.


Palavras chave: Livre concorrência. Ética. Moral. Honestidade. Equilíbrio.


Sumário: 1. Introdução. 2. Principais características da concorrência. 3. Qualificação de alguns crimes e penas relacionadas ao tema. 4. Possibilidade de indenização por perdas e danos. 5. Conclusão.


1. Introdução


Atualmente no comércio brasileiro encontramos muitas mazelas que atravancam o desenvolvimento da economia do país. Uma delas é a concorrência desleal. É comum vermos uma pequena quantidade de comerciantes, sendo formado principalmente pelas grandes empresas, dominando o mercado de consumo. Desta forma, os lucros são mal distribuídos e as pequenas e médias empresas não prosperam.


É papel do Poder Público proporcionar a harmonia nas relações comerciais, garantindo a livre concorrência, mediante a intervenção do Estado no domínio econômico, sob a inspiração do art. 170 da Constituição da República, para coibição de abusos como a concorrência desleal, pela racionalização dos serviços públicos e pelo estudo constante das modificações do mercado de consumo.


Sobre o caput do art. 170 da Constituição da República o Supremo Tribunal Federal já deliberou em Ação Direita de Inconstitucionalidade chegando ao seguinte entendimento, no que se refere à livre iniciativa e o princípio da livre concorrência: “Em face da atual Constituição, para conciliar o fundamento da livre iniciativa e do princípio da livre concorrência com os da defesa do consumidor e da redução das desigualdades sociais, em conformidade com os ditames da justiça social, pode o Estado, por via legislativa, regular a política de preços de bens e de serviços, abusivo que é o poder econômico que visa ao aumento arbitrário dos lucros.” (ADI 319-QO, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 30/04/93).


2. Principais características da concorrência


O assunto que iremos abordar é de supra-relevância aos interesses dos consumidores e fornecedores. Embora se estabeleça no caput do Art. 4° do CDC, que a Política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, seu inciso VI, sem perder conexão com esse fim, alcança, por igual, o fornecedor. Então vejamos:


“Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995) (…)


VI – coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;”


O que se pretende com esta norma é a almejada ordem econômica, prevista no inciso IV, Art. 170 da Constituição da República, princípio da livre concorrência.


Nesse ponto, a lei consumerista se filia às regras estabelecidas pelo Código de Propriedade Industrial, assim como às Leis de Defesa Econômica (Lei n° 8.884/94 – CADE), que buscam outorgar maior desempenho ao combate daqueles que praticam o truste ou formam cartéis, energia que visa à liberdade de mercado e à liberdade da concorrência, sendo beneficiados aqueles que despojam seus interesses na relação de consumo. Sobre abuso do poder econômico lembrou Filomeno o seguinte:


“… no que diz respeito ao abuso do poder econômico, o art. 173 da Carta de 1988, em seus §§ 4° e 5°, expressamente assevera que ‘a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário de lucros’ (§4°); e que ‘a lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-se às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular’(§5°).” (1)


Essa proteção constitucional e infraconstitucional tem validade para os próprios fornecedores e, por conseguinte, aos seus consumidores. Para se entender melhor, agora traremos os significados de algumas práticas abusivas:


“Truste é organização econômico-financeira formada por empresas obedientes a um centro decisório, com o fim básico de interferir no mercado e exercer poder monopolístico. Outras denominações que sinonimizam quanto ao mesmo objetivo: cartel e holding. Sua formação e exercício constituem crime contra a economia popular”. (2)


“Cartel é uma modalidade de consórcio empresarial com intuito de, mediante a distribuição entre si de produtos e mercados, suprimir a livre concorrência. Crime contra a economia popular”. (3)


“O termo dumping é utilizado no comércio internacional para designar a exportação de um produto com preço inferior ao preço de venda do mesmo produto no mercado interno do país exportador”. (4)


As práticas abusivas acima descritas são comuns num mercado monopolizado, onde temos a presença de um grupo de fornecedores que desbancam uma quantidade pequena de micro empresas. Assim, temos como exemplos as indústrias de cervejas que se fundiram com o objetivo fictício de desbaratinar o mercado exportador. Neste caso, aqueles que fizerem parte das empresas fundidas e que são nacionais, acabam perdendo seus mercados consumidores, o que em curto prazo provoca a falência e fim da empresa. Em contrapartida, aquela que realiza o “dumping” (protecionismo econômico), por exemplo, se tornará a empresa titular no mercado e só ela fará parte do mercado fornecedor daquele produto específico. Isso é altamente prejudicial ao consumidor, pois caso isso ocorra, a empresa unitária poderá elevar seus preços, limitar a oferta de seus produtos ou manipular de um modo geral o seu mercado.


Outro caso ocorreu com as grandes farmácias de Fortaleza, que na mesma época estavam dando descontos elevados aos seus clientes, enquanto que outras menores não podiam acompanhar tais atos. Em curto prazo seria ótimo para os consumidores, mas em longo prazo poderia ocorrer a quebra de todas as farmácias concorrentes e aquelas que conseguissem “sobreviver” dominariam todo o mercado. Em defesa dos consumidores e de pequenos fornecedores o órgão estadual de defesa dos consumidores (5) reagiu a todos os atos praticados por aqueles grupos e finalmente conseguiram limitar a percentagem de descontos a serem ofertados. Desta feita, a concorrência ou competitividade se tornam viáveis e não prejudiciais.


A súmula n.° 646 do STF trata de uma situação peculiar, que tanto ocorre nas grandes quanto nas pequenas cidades, que diz: “Ofende o princípio da livre concorrência lei municipal que impede a instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área”. (6) Câmaras Municipais que aprovam leis que obstruem a colocação de estabelecimentos comerciais em uma determinada área é no mínimo antiético e imoral. Por terem os atos administrativos uma motivação específica, não se vislumbra a razão do embaraço criado ao administrado que busca montar seu negócio em uma determinada área, independente da existência de outro comerciante que tenha o mesmo ramo comercial.


3. Qualificação de alguns crimes e penas relacionadas ao tema


Alguns concorrentes desleais na maioria das vezes usam métodos antiéticos e desonestos, estampando e difundindo de forma enganosa, acontecimentos que denigrem a imagem da empresa, afastando de forma fraudulenta clientes e produzindo outros prejuízos ao concorrente. Semelhante conduta, dentre outras, caracterizam crimes tipificados na Lei n.° 9.279, de 14 de maio de 1996 (Regula direitos e obrigações relativas à propriedade industrial), nos seus Arts. 195 e 209, sujeitando o infrator às penalidades de natureza civil e penal. Vejamos a seguir:


Comete crime de concorrência desleal quem: publica, por qualquer meio, falsa afirmação, em detrimento de concorrente, com o fim de obter vantagem; presta ou divulga, acerca de concorrente, falsa informação, com o fim de obter vantagem; emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem; usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos; usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências; substitui, pelo seu próprio nome ou razão social, em produto de outrem, o nome ou razão social deste, sem o seu consentimento;  atribui-se, como meio de propaganda, recompensa ou distinção que não obteve; vende ou expõe ou oferece à venda, em recipiente ou invólucro de outrem, produto adulterado ou falsificado, ou dele se utiliza para negociar com produto da mesma espécie, embora não adulterado ou falsificado, se o fato não constitui crime mais grave; dá ou promete dinheiro ou outra utilidade a empregado de concorrente, para que o empregado, faltando ao dever do emprego, lhe proporcione vantagem; recebe dinheiro ou outra utilidade, ou aceita promessa de paga ou recompensa, para, faltando ao dever de empregado, proporcionar vantagem a concorrente do empregador; divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato; divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude; ou vende, expõe ou oferece à venda produto, declarando ser objeto de patente depositada, ou concedida, ou de desenho industrial registrado, que não o seja, ou menciona-o, em anúncio ou papel comercial, como depositado ou patenteado, ou registrado, sem o ser; divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de resultados de testes ou outros dados não divulgados, cuja elaboração envolva esforço considerável e que tenham sido apresentados a entidades governamentais como condição para aprovar a comercialização de produtos.


A pena a ser cumprida, em caso de condenação, será a de detenção, num período escalonado entre 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.


4. Possibilidade de indenização por perdas e danos


Fica resguardado ao prejudicado o direito de obter perdas e danos, através de ação judicial correspondente, em ressarcimento de prejuízos arcados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não expressos em Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio.


O juiz competente tem a faculdade de, nos autos da própria ação, para evitar dano irreparável ou de difícil reparação, determinar liminarmente a sustação da violação ou de ato que a enseje, antes mesmo da citação do réu, mediante, caso julgue necessário, caução em dinheiro ou garantia fidejussória.


Nas hipóteses de reprodução ou de imitação evidente de marca registrada, o juiz poderá determinar a apreensão de todas as mercadorias, produtos, objetos, embalagens, etiquetas e outros apetrechos que contenham a marca falsificada ou imitada.


5. Conclusão


A intenção das leis relatadas acima é de evitarem esses tipos de manipulações dos mercados, evitando a dominação de um pequeno número de fornecedores e, assim mantendo a harmonia e equilíbrio na relação de consumo.


O que podemos observar atualmente é que a concorrência desleal se fortalece através de várias modalidades de condutas nocivas ao mercado, cabendo, portanto, uma resposta de imediato dos operadores do Direito, como forma de estabelecer a Justiça e paz social.


Atentando a tudo que fora exposto, aconselha-se aos maus concorrentes mudanças de procedimentos e uma reorientação objetivando a disputa leal e ética no mercado. Assim, poderá crescer e se desenvolver, sem, contudo, eliminar o semelhante, que poderá se utilizar dos remédios judiciais para reaver seus prejuízos.


A consciência do que é correto e do que está errado deverá partir de cada ser. Cabe ao interprete da lei embasar os seus mandamentos à realidade concebida e assim determinar o caminho da ética, da honestidade e da moral que devem ser seguidos.


Notas:

1. GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 87.

2. SIDOU, J.M. Othon et. al. Dicionário Jurídico. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 845.

3. SIDOU, J.M. Othon et. al., op. cit., 1999, p. 126.

4. LEAL, João Paulo Garcia. Defesa comercial. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp? id=5932>. Acesso em: 24 abr. 05.

5. PROGRAMA Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.decon.ce.gov.br>. Acesso em: 24 abr. 05.

6. BRASIL. A Constituição e o Supremo. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: < http://www.stf.gov.br/legislacao/constituicao/pesquisa/constituicao.asp>. Acesso em: 12 dez. 05.


Informações Sobre o Autor

Rafael Alencar Xavier

Bacharel em Direito e Pós-graduado em Direito e Processo Constitucionais – UNIFOR


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