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LOSAN: Marco legal razoável para a implementação da política de segurança alimentar?

Resumo: Este ensaio se propõe a analisar a razoabilidade da Lei nº. 11.346/2006 como contributo para a implementação da política de segurança alimentar no Brasil. Para tanto, utilizou-se de pesquisa documental e bibliográfica de caráter interdisciplinar. Inicialmente, discorreu-se sobre o contexto histórico em que foi urdida a Lei Orgânica de Segurança Alimentar (LOSAN). Em seguida, foram destacadas as inovações trazidas a partir de sua vigência, especialmente, a explicitação de fundamentalidade, aliada à garantia de exigibilidade, do direito à alimentação adequada sob a perspectiva da segurança alimentar e nutricional. Posteriormente, foram tecidos breves comentários acerca do Sistema de Segurança Alimentar (SISAN), sublinhando-se a sua composição, suas diretrizes e seus objetivos. Ainda, discorreu-se sobre a previsão legal de participação da sociedade civil na formulação, na execução, no monitoramento e no controle das políticas e planos pertinentes à matéria. Por derradeiro, concluiu-se pelo êxito da LOSAN ao delinear os contornos da política de segurança alimentar em solos pátrios, sobretudo por sedimentar a exigibilidade do direito à alimentação adequada, explicitar a sua fundamentalidade e responsabilizar o Estado – juntamente com a sociedade civil – pela sua efetiva concretização.


Palavras-chave: LOSAN; política de segurança alimentar; direito à alimentação adequada;


Abstract: This essay intends to analyze the reasonable of the Law 11.346/2006 as a facilitator to the promotion of food security policies in Brazil. Therefore, it was used a documentary and bibliographical research of interdisciplinary character. Initially, it was written about the historical context in which was developed the Lei Orgânica de Segurança Alimentar (LOSAN). Subsequently, it was pointed out the innovations brought from its validity, specially, the formal expression about its fundamentality, allied to the guarantee of exigibility of the right to adequate food under the perspective of the food security and nutritional. Afterward, it was brought short comments  about the Food Security System (SISAN), when it was underlined its composition, directions and objectives. Also, it was commented about the legal foresight of the civil society participation in the formulation, execution, monitoring and in the control of the politics and its relevance to the matter. Finally, it was concluded that LOSAN has brought a positive impact to the brazilian politics of food security, especially due to consolidate the exigibility of the right to adequate food, to set its fundamentality out and to clarify  the State responsible – together with the civil society – for its effective realization.


Keywords: LOSAN; food security policy; the right to adequate food


INTRODUÇÃO:


Malgrado a alimentação adequada seja pressuposto para o gozo de uma vida saudável, historicamente, parca importância tem lhe sido conferida pelo ordenamento jurídico nacional.


Esta desídia foi rompida, primordialmente, a partir da década de 80 do século XX, com o advento da redemocratização, quando as reivindicações por direitos políticos e sociais lograram especial destaque.


Em 1986, ocorreu a I Conferência Nacional de Alimentação e Nutrição, ocasião em que o Poder Público e a sociedade civil conjugaram idéias e esforços em prol da alimentação adequada.


 Como sucedâneo deste encontro, surgiu um movimento de enfrentamento à fome promovido pela sociedade civil, notadamente pela “Ação da Cidadania Contra a Fome e a Miséria e pela Vida”, liderada pelo sociólogo Herbert de Souza, quem alertou sobre os malefícios decorrentes da carência e da dependência alimentar.


No ano de 1993, foi criado o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), primeira entidade formada por representantes do governo e da sociedade que se propôs a cuidar – de modo participativo e sustentável – da promoção do direito à alimentação adequada.


O CONSEA e seus pares, no entanto, enfrentaram grande resistência ao seu trabalho, sobretudo, pela ausência de um disciplinamento legal específico, que forjasse uma política de segurança alimentar, dotada de exigibilidade e sistematicidade.


Este clamor foi recrudescido quando da realização da II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, em 2004, ocasião em que foi discutida e proposta uma política de segurança alimentar, a ser disciplinada por lei específica.


Com base nas discussões e sugestões da Conferência, foi elaborada e sancionada a Lei nº. 11.346/2006, também conhecida como Lei Orgânica de Segurança Alimentar (LOSAN), marco legal que assumiu como objetivo, em síntese, a implementação de uma política de segurança alimentar no Brasil.


Nesse contexto, o estudo, ora em apresentação, propõe-se a verificar a razoabilidade da LOSAN como marco legal para a promoção da política de segurança alimentar e, consequentemente, do direito à alimentação adequada no país, o que se desenvolverá por meio da análise adiante firmada. 


METODOLOGIA:


Para a consecução dos objetivos delineados supra, utilizou-se de estudo descritivo-analítico, de caráter eminentemente documental, pautado no exame de norma infraconstitucional, especificamente, da Lei Orgânica de Segurança Alimentar (LOSAN), conjugado à pesquisa bibliográfica, especialmente a livros e trabalhos especializados na matéria. Tal ensaio é fruto de pesquisa pura, porque pretende ampliar o conhecimento acerca da temática, possui natureza qualitativa, dado o seu intuito de compreender as ações e relações humanas, sendo de espécie explicativa e exploratória, considerando sua perquirição sobre os elementos que possam vir a contribuir para a realidade posta.


DISCUSSÕES E RESULTADOS:


A aprovação da Lei nº. 11.346, de 15 de setembro de 2006, também conhecida como Lei Orgânica de Segurança Alimentar (LOSAN)[1], teve como escopo o delineamento da política de segurança alimentar no Brasil, especialmente no que tange ao esclarecimento e disciplinamento de dois pontos nodais, quais sejam, a fundamentalidade do direito à alimentação adequada e a sistematicidade desta política[2].


No que concerne ao primeiro, portanto, a fundamentalidade do direito à alimentação adequada, a LOSAN foi enfática ao explicitá-la, já no seu art. 2º., demonstrando sua identidade com o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como a responsabilidade do Poder Público na sua concretização.


“Art. 2º. – A alimentação adequada é um direito fundamental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal, devendo o poder público adotar as políticas e ações que se façam necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população.”


A fundamentalidade anunciada acarreta o status de norma de importância suprema, que delineia direito indispensável à concretização da dignidade e da própria vida humana. Nessa oportunidade, deve ser esclarecido, inclusive, que recentemente esta matéria encontrou guarida constitucional por força da Emenda Constitucional nº 64[3], a qual incluiu o direito à alimentação em destaque no rol do disposto no art. 6º., da Constituição Federal, explicitando o seu caráter de fundamentalidade e, assim, ratificando a responsabilidade do Estado para com a sua concretização, bem como a sua ressonância para com a dignidade humana.


Convém ressaltar que a identidade do direito à alimentação adequada para com o princípio da dignidade da pessoa humana não se limita ao disciplinamento meramente legal, mas esteia-se no próprio senso de efetivação dos direitos mais básicos em prol da vida, o que pode ser depreendido do infra citado:


“O que se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, (…)e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana.” (grifo nosso)[4]


Especificamente no que se refere à sistematicidade, a LOSAN se valeu de diversos dispositivos para esclarecer os contornos do Sistema de Segurança Alimentar (SISAN) no Brasil, conferindo especial destaque aos adiante explicitados.


Art. 7º. A consecução do direito humano à alimentação adequada e da segurança alimentar e nutricional da população far-se-á por meio do SISAN, integrado por um conjunto de órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e pelas instituições privadas, com ou sem fins lucrativos, afetas à segurança alimentar e nutricional e que manifestem interesse em integrar o Sistema, respeitada a legislação aplicável. (…)


§3º. Os órgãos e entidades públicas ou privadas que integram o SISAN o farão em caráter interdependente, assegurada a autonomia dos seus processos decisórios.”


Neste artigo a LOSAN enuncia a composição básica do SISAN, sublinhando o seu caráter eminentemente integrativo e interdependente, trazendo, assim, novos contornos para a execução de uma política pública, vez que apregoa uma prática cooperativa entre órgãos e entidades, ao invés de ações isoladas e/ou conflitantes.


O art. 9º. da LOSAN, por seu turno, esclarece as diretrizes básicas do SISAN, dentre as quais frisa-se, pela sua pertinência com o objeto deste estudo, os seguintes:


Art. 9º. – O SISAN tem como base as seguintes diretrizes:


I – promoção da intersetorialidade das políticas, programas e ações governamentais e não-governamentais;


II – descentralização das ações e articulação, em regime de colaboração, entre as esferas de governo;”


Por meio dos dispositivos supra, a LOSAN ratifica o seu propósito inovador, na medida em que inscreve a intersetorialidade e a descentralização dentre as diretrizes da política nacional de segurança alimentar, expressando tanto a relevância como a complexidade da temática, o que impõe uma conjugação de esforços entre setores governamentais e não-governamentais, bem como uma expansão das ações ordinariamente desenvolvidas para a sua efetiva consecução.


 No art. 10 são esclarecidos os objetivos do SISAN e consagrada a co-responsabilidade entre poder público e sociedade civil, senão vejamos:


“Art. 10 – O SISAN tem por objetivos formular e implementar políticas e planos de segurança alimentar e nutricional, estimular a integração dos esforços entre governo e sociedade civil, bem como promover o acompanhamento, o monitoramento e a avaliação da segurança alimentar e nutricional do país.”


Ainda, sobre o tópico co-responsabilização entre Estado e sociedade, merecem ser explicitados o §4º, do art. 7º e inciso III, do art. 8º, os quais estabelecem tanto o encargo da sociedade civil como o modo pelo qual este poderá desempenhá-lo.


Art. 7º. (…)


§ 4º. – O dever do poder público não exclui a responsabilidade das entidades da sociedade civil integrantes do SISAN


Art. 8º. O SISAN reger-se-á pelos seguintes princípios:


III – participação social na formulação, execução, acompanhamento, monitoramento e controle das políticas e dos planos de segurança alimentar e nutricional em todas as esferas de governo.”


Verifica-se que a LOSAN incluiu a sociedade civil em todo o ciclo de implementação do direito fundamental à alimentação adequada, o que tende a favorecer a universalização da política de segurança alimentar, assim como o combate ao desvio de verbas públicas.


Ademais, oportunizou o amplo acesso da sociedade aos dados já consolidados da política e as suas prospecções, o que indubitavelmente corrobora com a construção de um regime genuinamente democrático. [5]


Por todo o exposto, a LOSAN merece crédito. Primeiramente, por empreender uma delimitação razoável da temática, o que tem facilitado a exigibilidade do direito fundamental à alimentação adequada perante a Administração Pública – ou qualquer outro ente que porventura venha a lhe causar danos.


Igualmente, deve ser laureada a sua iniciativa de organizar um Sistema de Segurança Alimentar (SISAN) pautado na intersetorialidade e na descentralização, preconizando uma nova ordem integradora e articuladora das políticas públicas de promoção e controle à alimentação adequada.


A LOSAN foi, também, a responsável por dirimir toda e qualquer dúvida remanescente sobre a fundamentalidade do direito à alimentação adequada, além de ter chamado à responsabilidade o poder público juntamente com a sociedade civil, concedendo a esta amparo legal para articular, monitorar e controlar a política de segurança alimentar. [6]


Aos críticos da LOSAN, restam as reivindicações sobre a parca visibilidade política, o que não se configura em óbice legal, embora, para alguns, seja uma falha na condução do programa de segurança alimentar brasileiro.


Outros questionam a fragilidade dos delineamentos do SISAN e de sua escassa exigibilidade, os quais, embora já dispostos pela LOSAN, deveriam ser regulamentados por lei específica, o que, inclusive, já tem sido discutido na seara legislativa, por meio da Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e Nutricional.[7]


De fato, em atenção às vindicações perpetradas e no intuito de fortalecer a articulação dos órgãos e entidades da administração pública federal vinculados à segurança alimentar, foi criada, recentemente, por meio do Decreto nº. 6273/2007, no âmbito do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN, a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional[8], complementando, assim, o escopo integrador da LOSAN.


CONCLUSÃO:


Diferentemente do perpetrado por algumas críticas, entende-se que a LOSAN tem se constituído em marco legal razoável para a exeqüibilidade da política de segurança alimentar no Brasil, dados os conceitos, instâncias e procedimentos trazidos em seu bojo, o que não significa dizer, por outro lado, que haja ausência de falhas na elaboração da LOSAN e na sua efetivação. Entretanto, verifica-se que muitas dessas deficiências decorrem mais do curto período de implementação da lei, do que propriamente da ausência de qualidade normativa.


Ademais, mostra-se indubitável a oportunidade conferida pela LOSAN para que a sociedade civil esteja a participar do monitoramento e promoção da política de segurança alimentar, o que seguramente, em longo prazo, haverá de trazer resultados expressivos não apenas para a consolidação da lei em epígrafe, como também para o próprio exercício da cidadania.


 


Referências:

BEURLEN, Alexandra. Direito humano à alimentação adequada. Curitiba: Juruá, 2008.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm.>. Acesso em: 20 jul. 2010.

________. Emenda Constitucional nº. 64. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc64.htm.> Acesso em: 20 jul. 2010.

________. Lei nº. 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional –SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=254735> Acesso em: 20 jul.2010.

FRENTE Parlamentar da Segurança Alimentar terá participação social. Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos, Brasília, 12 mai. 2007. Disponível em:< http://www.direitos.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=2942&Itemid=2..> Acesso em: 20 jul. 2010.

LOPES, Ana Maria D`Ávila. Os direitos fundamentais como limites ao poder de legislar.Porto Alegre: Sérgio Fabris, 2001.

ROCHA, Carmén Lúcia Antunes Rocha. Justiça e exclusão social. Anais XII da Conferência Nacional da OAB. 1999.

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

VALENTE, Flávio Luiz Schieck e BEGHIN, Nathalie. Realização do direito humano à alimentação adequada e a experiência brasileira: subsídios para a sua replicabilidade. Brasília [s.n], 2006.


Notas:
[1]BRASIL. Lei nº. 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional –SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=254735> Acesso em: 20 jul.2010.

[2] VALENTE, Flávio Luiz Schieck e BEGHIN, Nathalie. Realização do direito humano à alimentação adequada e a experiência brasileira: subsídios para a sua replicabilidade. Brasília [s.n], 2006, p. 7.

[3]BRASIL. Emenda Constitucional nº. 64. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc64.htm.> Acesso em: 20 jul. 2010.

[4] ROCHA, Carmén Lúcia Antunes Rocha. Justiça e exclusão social. Anais XII da Conferência Nacional da OAB. 1999, p. 60.

[5] SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 175.

[6] BEURLEN, Alexandra. Direito humano à alimentação adequada. Curitiba: Juruá, 2008.

[7]FRENTE Parlamentar da Segurança Alimentar terá participação social. Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos, Brasília, 12 mai. 2007. Disponível em:< http://www.direitos.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=2942&Itemid=2..> Acesso em: 20 jul. 2010.

Informações Sobre o Autor

Isabelle Maria Campos Vasconcelos Chehab

Mestranda em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Especialista em Direito Previdenciário. Professora da Faculdade Integrada do Ceará (FIC) e Faculdade Católica de Quixadá (FCRS).


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