Pela primeira vez tivemos um julgamento baseado em provas técnicas e testemunhos em segundo plano, aonde prevaleceu a exposição dos fatos e, não as versões sobre o fato.
A criança, Isabella Nardoni, vitimada no auge de seus cinco anos sofreu esganadura mecânica e politraumatismo. E, na cronologia irrepreensível dos fatos, tanto seu pai, Alexandre Nardoni como também sua madrasta estavam no apartamento nesse momento.
Enquanto isso, seu pai e madrasta só se preocupavam em ligar para parentes, e não, para pedir socorro, seja de policiais ou bombeiros.
A pobre vítima mereceu atenção somente dos moradores do primeiro e terceiro andares, do Edifício London que está fadado a mergulhar no fog macabro produzido por esses acontecimentos trágicos…
O curioso é constatar que o tempo de um beijo foi também o tempo de uma morte… Seu corpo levou aproximados dois segundos em queda, e, essa morte, poderia ter sido evitada.
O caso Nardoni significou um marco no direito brasileiro e levou a comoção extrema toda sociedade seja por sua hediondez, seja pela prisão de todos os envolvidos, até pelo confinamento da mãe da vítima nos dias dos julgamento, além dos jurados que permaneceram isolados e à disposição do juízo.
Nesse caso, todos permaneceram quase sem respirar, aguardando ávidos por justiça, após martirizante leitura de sentença que insere em instantes, penas conclusivas, e simultaneamente da certeza da justiça resgatada.
O bom seria acreditarmos na possibilidade da justiça terapêutica, na profilaxia dos conflitos com a utilização de profissionais multidisciplinares (tais como assistentes sociais, psicólogos, e, etc) capazes de atuarem em diferentes flancos, e evitar os embates fatais principalmente para os vulneráveis entes, como crianças, adolescentes, idosos, e demais portadores de necessidades especiais ou de reduzido discernimento mental.
Nesse sentido, é louvável render uma merecida homenagem aos promotores, representantes do Ministério Público que em sua missão constitucional se esmeram em defender a sociedade.
Aliás, toda a sociedade comemora essa “união” composta de promotoria, defensoria, e do júri, além do juiz em seu papel de supervisor e aplicador da lei num momento em que todos os olhares se voltam a focar e criticar a atuação de cada um dos lados.
E, cada peça desse grande mosaico se complementa formando cenário capaz de realizar um julgamento justo que infelizmente não resgata a vida de Isabella.
E, pela primeira vez nesse país vislumbramos uma inovação salutar processual que realmente buscou respeitar a tão esquecida celeridade processual.
Apesar de tudo, abre-se uma polêmica a respeito da aplicação do renovado processo penal, e das novas normas do júri.
Cogita a defesa numa possível anulação do julgamento do júri, pois teria havido retroatividade da lei penal in pejus, ou seja, em prejuízo dos réus.
Mas, leitores e leitoras, os fatos são exatamente os mesmos, inquestionáveis e dispostos numa fria régua do tempo, e a demonstrar a torpeza e crueldade que culminou com o óbito de uma menina de cinco anos.
No caso Nardoni foram reconhecidas as três qualificadoras do homicídio (meio cruel, recurso que impossibilitou a defesa da vítima e crime cometido para ocultar outro), o que por si só revela a gravidade do fato, e nesse sentido também opina o brilhante doutrinador Luiz Flávio Gomes.
O tribunal do júri é um órgão jurisdicional previsto na Constituição Federal Brasileira, no art. 5º, inciso XXXVIII onde estão assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos e por fim: d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
O instituto do júri por sua localização dentro da Constituição Federal está entre os direitos e garantias fundamentais, e tem a finalidade de ampliar o direito de defesa dos réus e o direito de liberdade.
Em regra, o júri provém decisões mais flexíveis e favoráveis aos réus do que os juízes togados normalmente vinculados a decisões técnicas.
Costuma-se doutrinariamente alegar que o júri enquanto instituição não pode ser abolido nem por emenda constitucional conforme os termos do art. 60 , parágrafo quarto da CF, trata-se de cláusula pétrea.
O júri é órgão judicial da justiça comum e é composto por um juiz togado ( de carreira) e de vinte e cinco jurados. Em cada sessão de julgamento, são sorteados sete dos jurados, para a composição do conselho de sentença. Certas matérias competem ao juiz togado, que exerce a presidência da sessão, a aplicação da pena, a elaboração da sentença, enquanto que outras matérias competem ao conselho de sentença como, a materialidade do fato e autoria.
Também há o júri federal sendo presidido por juiz federal e é previsto no art. 4º do Decreto-Lei 253/1967. Tem competência para julgar crimes dolosos contra a vida que se enquadrem nas hipóteses do art. 109 da CF, como por exemplo, homicídio de funcionário da União em razão das funções ou homicídio praticado a bordo de navio ou aeronave (ressalvada a competência da Justiça Militar).
É o Código Penal que estabelece o que sejam os crimes dolosos contra a vida, que é sua competência atual. E são esses: homicídio doloso ( art. 121), induzimento, instigação ou auxílio a suicídio (art. 122), infanticídio( art. 123), aborto (arts. 124 a 127). O homicídio culposo em princípio não é da competência do júri.
Também o latrocínio que é o roubo seguido de morte também não é considerado crime doloso contra a vida, mas crime contra o patrimônio, uma vez que o CP o prevê no capítulo dos crimes contra o patrimônio e, portanto, não é da competência do júri. Vide ainda a Súmula 603 do STF: A competência para o processo e julgamento de latrocínio é do Juiz singular e não do Tribunal do Júri.
Possui também competência o júri para julgar os crimes conexos desde que não estejam sujeitos à justiça especial ( militar e eleitoral)
É pacífico o entendimento que é juridicamente possível o pedido de revisão criminal dos veredictos júri uma vez que a soberania dos veredictos do júri foi instituída como garantia do acusado, no sentido de garantir os direitos de defesa e de liberdade.
De qualquer maneira, o julgamento do caso Nardoni significou um marco positivo, calcada na lisura de provas técnicas e, propiciou não só um julgamento justo mas também o resgate da tão desgastada imagem da justiça brasileira.
Parabéns Cembranelli!! Parabéns ao Maurício Fossen! Parabéns aos jurados… e a defesa do Dr. Padoval!! Parabéns juristas brasileiros, renovem pois suas esperanças de uma justiça melhor.
Informações Sobre os Autores
Gisele Leite
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.
Denise Heuseler
Professora assistente, bacharel em Direito pela UNESA, Pós-Graduada Lato Sensu em Direito Civil, Advogada, Tutora da FGV On-line. Membro do Conselho do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas (INPJ)