Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar brevemente a desnecessidade do prequestionamento nos recursos extraordinários e especiais quando se tratar de matéria de ordem pública que possa ser conhecida de ofício pelo juiz, desde que seja dado prévio conhecimento às partes cfr. art. 10 do CPC de 2015, em razão da sua importância para as garantias constitucionais do processo e de uma interpretação sistemática e ponderada sobre a questão. Para tanto nos dispusemos a analisar pensamentos de alguns professores de direito processual e jurisprudência no sentido de que seja permitido o conhecimento das matérias sem necessidade de prequestionamento, perfazendo uma singela análise do CPC de 73 e do Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/15) fundamentando o presente texto nos princípios constitucionais do processo civil moderno e das novas tendências de um processo civil justo, eficiente e célere , pendente pela aplicação dos princípios da proporcionalidade e da ponderação, adotando desta feita uma interpretação mais neoconstitucional do que positivista, como encampado no novo Codex.
Palavras Chaves: Prequestionamento. Matérias de Ordem Pública. Recurso Especial e Extraordinários. CPC/73 e Lei 13.105/15 Novo CPC. Novas Tendências do Processo Civil.
Abstratct: This article aims to briefly analyze the unnecessary prequestioning the extraordinary and special features when it comes to matters of public order, it can be known ex officio by the judge, provided it is given prior notice to the parties cfr. art. 10 of 2015 CPC, because of their importance to the constitutional guarantees of the process and a systematic thoughtful interpretation of the question. For both set out to analyze the thoughts of some procedural law professors and jurisprudence in the sense that it allowed the knowledge of the subjects without prequestioning, making a simple analysis about the CPC 73 and the New Civil Procedure Code (Law 13.105/15) basing this on the constitutional principles of modern civil procedure and new trends of a just civil, efficient and speedy, pending the application of the principles of proportionality and balance, this time adopting a more neoconstitucional interpretation than the positivist, as well the new Codex has absorved, .
Key words: Prequestioning. Matters of Public Order. Special and Extraordinary Appeal. CPC / 73 and Law 13.105/ 15 New CPC. New Trends of Civil Procedure.
Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 2.1. Considerações Elementares sobre o Tema. 2.2. Recursos Especial e Extraordinários e o pré-questionamento das matérias de ordem pública. 2.3. Breve Análise sobre o tema com o advento do Novo CPC Lei 13.105/15. 3. Síntese conclusiva. Referências.
INTRODUÇÃO:
Foi adotado no presente trabalho a linha de pesquisa científica, baseada na interpretação literal, teleológica, sistemática e histórica através do método de raciocínio lógico-indutivo, integrativo e criativo com vistas a contribuir modestamente para fomentar o debate e o conhecimento dentro da ciência processual civil.
A presente pesquisa teve como substrato a consulta, leitura e análise de livros, da legislação constitucional e infraconstitucional pertinentes ao tema, jurisprudência, bem como da doutrina cientifica e artigos especializados citados na bibliografia.
O objetivo do presente artigo é analisar sucintamente a desnecessidade do prequestionamento nos recursos extraordinários e especiais quando se tratar de matéria de ordem pública, que possa ser conhecida de ofício pelo juiz, desde que seja dado prévio conhecimento às partes cfr. art. 10 do CPC de 2015, em razão da sua importância para as garantias constitucionais do processo. Para tanto nos dispusemos a analisar pensamentos de alguns professores de direito processual e jurisprudência no sentido de que seja permitido o conhecimento das matérias sem necessidade de prequestionamento, perfazendo uma singela análise do CPC de 73 e do Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/15) fundamentando a presente posição nos princípios constitucionais do processo civil moderno e das novas tendências de um processo civil justo, eficiente e célere , pendente pela aplicação dos princípios da proporcionalidade e da ponderação, adotando desta feita uma interpretação mais neoconstitucional do que positivista, como a encampada pelo NCPC.
Apesar da celeuma doutrinária e jurisprudencial, pensamos ser contrário a lógica do sistema imaginar que o Supremo Tribunal Federal ou o Tribunal Superior de Justiça, apesar de seu diferenciado e relevante papel, pudessem conhecer de um recurso extraordinário ou especial, se presentes os requisitos constitucionais para tanto e que passassem a julgar questão constitucional ou federal mesmo diante de óbice à existência ou validade do processo. Não nos parece razoável que estes Tribunais deixem de conhecer de matérias de ordem pública, apenas sob o argumento de que esta não teria sido alvo da devida apreciação pela instância inferior através do prequestionamento, visto que a presença dos pressupostos processuais e condições da ação é antecedente lógico do julgamento do mérito dos recursos pelo STF e STJ. Seria um contrassenso, respaldar-se única e exclusivamente no requisito do prequestionamento, sem levar em conta uma análise ponderativa sobre a repercussão geral e social do fato em julgamento, conforme art. 5°, incs. XXXV e LXXVIII ambos da C.F., que garantem a não exclusão do poder judiciário de lesão ou ameaça a direito e a duração razoável do processo, sob a onda renovatória de acesso à justiça cristalizada pelos Professores Mauro Cappelletti e Bryant Garth, ou nos dizeres do Professor Kazuo Watabe “o direito a uma ordem jurídica justa”, ademais com o advento do novo CPC em especial nos artigos 1.029 a 1.035 percebe-se que o mesmo é silente a respeito da matéria do prequestionamento, todavia o mesmo encampa alguns princípios e valores que devem ser sistematicamente e teleológicamente interpretados para afastar a obrigatoriedade do prequestionamente de matérias de ordem pública em especial com base nos art. 485 §3° do NCPC , que dispõe que o juiz conhecerá de ofício da matéria constante dos incisos IV, V, VI e IX, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado.
Mais uma vez, lembramos a crítica tão bem cabida do consagrado Professor Vicente Grego, apesar do mesmo se autodenominar um fatalista, temos esperança que os sucedâneos recursais sejam vistos com olhos cautelosos pelo poder judiciário sob pena de desvirtuar o espírito mais moderno e célere do novo código previstos principiologicamente em seus artigos 1° a 12°, enquanto pensamos que talvez uma boa forma de evitar sucedâneos procastinatórios seja acolher o posicionamento da desnecessidade de prequestionamento em matérias de ordem pública em determinados casos, que uma interpretação ponderativa opte por enfrentar a matéria sem necessidade de pré questionamento, haja vista que a repercussão geral tem neste caso maior importância do que o simples formalismo do prequestionamento.
Em atenção ao princípio da inércia da jurisdição (art. 2° do CPC/73 e do de 2015) e ao conceito de recurso, infere-se que o princípio dispositivo (art. 998 e 999 do novo CPC ) aplicam-se aos recursos. Todavia faz se mister lembrar que o novo CPC traz muitas inovações sobre as normas fundamentais do processo civil , em especial os arts.1°, 6° e 8°, os quais ainda precisam chocar-se com a realidade dos fatos, para vermos a tendência jurisprudencial e doutrinária acerca deste tema.
DESENVOLVIMENTO:
Considerações Elementares Sobre o Tema
Iniciamos o singelo texto, emprestando-nos da conceituação de recurso de renomados doutrinadores[1] como sendo:
“Define Barbosa Moreira recurso como remédio voluntário e idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação ou a integração de decisão judicial que se impugna.
Tal conceito atende às peculiaridades do instituto para o Direito Processual Civil brasileiro, podendo ter maior ou menor extensão segundo a política legislativa adotada em cada país.
Analisando ainda o conceito, temos que recurso é um remédio. Remédio que segundo Carnelutti, é um instrumento, portanto de correção, em sentido amplo”
Segundo o consagrado Professor Moacyr Amaral dos Santos, em obra atualizada pela Professora Maria Beatriz Amaral Santos Kohnen[2] : “Recurso, é pois, o poder de provocar o reexame de uma decisão pela mesma autoridade judiciária ou por outra hierarquicamente superior, visando a obter a sua reforma ou modificação”
De acordo com ilustres Professores Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina[3] recursos são:
“os meios de impugnação às decisões judiciais previstos em Lei, que podem ser manejados pelas partes, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público, com o intuito de viabilizar, dentro da mesma relação jurídico-processual, a anulação, a reforma, a integração ou o aclaramento da decisão judicial impugnada.”
Para um estudo mais aprofundado sobre a teoria geral dos recursos remetemos o leitor às Obras dos Professores Araken de Assis, Manual dos Recursos, 2.ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. e do Professor Nelson Nery Junior, Teoria Geral dos Recursos. 6ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
O certo é que é inerente à natureza humana o inconformismo quanto a perda, seja ela material ou imaterial, como observamos na seara processual, o que leva as partes por meio dos recursos a tentarem obter a reforma da decisão à qual sucumbiram além de ser uma garantia constitucionalmente assegurada em razão do duplo grau de jurisdição. Conforme ensinamento dos consagrados Professores, CINTRA, DINAMARCO e GRINOVER[4]:
“A fim de que eventuais erros dos juízes possam ser corrigidos e também para atender à natural inconformidade da parte vencida diante de julgamentos desfavoráveis, os ordenamentos jurídicos modernos consagram o princípio do duplo grau de jurisdição: o vencido tem, dentro de certos limites, a possibilidade de obter uma nova manifestação do Poder Judiciário. Para que isso ocorra é preciso que existam órgãos superiores e órgãos inferiores a exercer a jurisdição.
Fala-se, então, na terminologia brasileira, em juízos (órgãos de primeiro grau) e tribunais (órgãos de Segundo grau). Quer as justiças dos Estados, quer as organizadas e mantidas pela União, todas elas têm órgãos superiores ou inferiores. Acima de todos eles e sobrepairando a todas as justiças, estão o Supremo Tribunal Federal (cúpula do poder judiciário), e o Superior Tribunal de Justiça; a função de ambos é, entre outras, a de julgar recursos provenientes das Justiças que compõe o Poder Judiciário nacional.
Não podemos adentrar no tema objeto deste artigo sem remeter o leitor a excelente obra da Professora Kátia Aparecida Mangone, intitulada Prequestionamento e Questões de ordem pública no Recurso Extraordinário e Especial, Ed. Saraiva, 2013, sob orientação do renomado Professor Cassio Scarpinella Bueno. Nesta tese de mestrado a referida Professora vai com a devida profundidade no tema em questão, no primeiro Capítulo do livro imergi em ilustres doutrinadores na busca das origens do Recurso Extraordinário, passando por Carlos Maximiniano, Pontes de Miranda, José Afonso da Silva, Pedro Lessa, Alcides de Mendonça Lima e chega a tendências conclusivas que a origem do Recurso Extraordinário advém do writ of error[5] dos americanos.
Em seguida passa às origens do estudo do Recurso Especial passando por nomes como Carlos Mário da Silva Velloso, Rodolfo de Camargo Mancuso, Theotonio Negrão, Athos Gusmão Carneiro, José Carlos Barbosa Moreira, Nelson Luiz Pinto, Cássio Scarpinella Bueno e Maria Stella Villela Souto Lopes Rodrigues (pags. 34-39 da referida obra) quase que todos trazendo as origens do recurso especial na reestruturação constitucional de 1988, concluindo por fim a Professora[6]:
“Após a Leitura da doutrina, inferes-se a importância do estudo e do enquadramento histórico desde o surgimento do recurso extraordinário, na Constituição de 1891, cujo nome se assentou no art. 102 do RegimentoInterno de 1891 da Corte Suprema, observando-se o regime federativo do Brasil, assim como o surgimento do recurso especial na Carta de 1988. Nesse diapasão segue o estudo comparativo sobre as Cortes de Cassação de outros países e os Tribunais Superiores ora em análise”
Ao analisar algumas cortes de outros países a referida Professora Kátia Aparecida Mangnone[7] traz ensinamento de José Afonso da Silva às pag. 39 “ Direito é fenômeno de cultura, reflete , pois, o espírito nacional, Por isso , não há, em dois povos, normas jurídicas idênticas; ainda que a forma de expressão, as palavras sejam idênticas, traduzidas ipsis litteris, o substractum, o conteúdo, há de ter profundas diferenças” ( SILVA, Afonso. Op. Cit., pag. 46 e 47), que o lendário Professor Enrico Tullio Liebman com a devida experiência vivida em duas culturas, já fazia a mesma advertência na introdução de sua clássica obra Autoridade e Eficácia da Sentença.
No transcorrer de sua obra, supracitada Professora remete-nos ao Professor Mauro Cappelletti, discípulo do discípulo de Giuseppe Chiovenda, que leciona que a Cassação nasceu na França com a revolução. Analisa algumas cortes de cassação por via reflexa como a francesa, italiana, espanhola, portuguesa às pags. 41 a 49, trazendo abalizadas lições de magistrados e doutrinados estrangeiros.
“No Recurso Especial e Extraordinário, há o rejulgamento da causa, quando presentes os requisitos para tanto. No Brasil, não há tribunal de Cassação, como existe na Itália e em outros países. O STF e o STJ, não se restringem a cassar a decisão recorrida, porém, eventualmente, podem anulá-la e determinar que outra seja proferida pela instância a quo ( error in procedendo), o que será melhor analisado nos Capítulos III e V )”
Nos capítulos subsequentes a Professora em tela, faz uma profunda análise sobre o prequestionamento e as matérias de ordem pública, abrindo um capítulo para cada tema, por fim faz uma análise com técnica impecável acerca da jurisprudências do STF e do STJ, nas suas diferentes turmas sobre o assunto, e acaba por concluir com respeitáveis argumentos pela necessidade do prequestionamento das matérias de ordem pública assim como a maioria jurisprudência. Posição que respeitamos porém não concordamos como será demonstrado nas linhas abaixo.
Recursos Especial e Extraordinários e o prequestionamento das matérias de ordem pública
Iniciamos o segundo subitem discorrendo sobre norma[8] de ordem pública processual que é aquela que visa assegurar o correto exercício da Jurisdição, sem atenção destinada de modo direto aos interesses das partes da lide.
O Professor das arcadas Cândido Rangel Dinamarco [9]ensina que:
“São de ordem pública ( processuais ou substanciais) referentes a relações que transcendam a esfera de interesses dos sujeitos privados, disciplinando relações que os envolvam mas fazendo-o com atenção ao interesse da sociedade, como um todo, ou ao interesse público. Existem normas processuais de ordem pública e outras, também processuais que não o são.
Não é possível traçar conceitos muitos rígidos ou critérios apriorísticos bem nítidos para a distinção entre uma e outras. Como critério geral, são de ordem pública, as normas processuais destinadas a assegurar o correto exercício da jurisdição (que é uma função pública, expressão do poder estatal), sem a atenção centrada de modo direto ou primário nos interesses das partes conflitantes. Não o são aquelas que tem em conta os interesses das partes em primeiro plano, sendo relativamente indiferente ao correto exercício da jurisdição a submissão destas ou eventual disposição que venham a fazer em sentido diferente”.
Por sua vez o também Professor das arcadas Paulo Henrique dos Santos Lucon, leciona que as chamadas matérias de ordem pública estão relacionadas com o amplo espectro dos requisitos de admissibilidade da tutela jurisdicional. Podem e devem ser conhecidas de ofício pelo órgão jurisdicional, não se operando a preclusão (arts; 301, §4°, e 303, inc. II do CPC/73). Para o Professor a ocorrência de preclusão em determinadas situações é, em síntese, tutelar o resultado do processo. “Na verdade, a razão de ser da possibilidade de o julgador conhecer das matérias de ordem pública nos diversos graus de jurisdição vai muito além do simples imperativo legal: diz respeito a uma diretiva superior, relacionada com o papel do juiz no processo civil moderno”. Em função da importância que tais matérias representam, o Estado-juiz está autorizado a declarar não estar disposto a exercer função jurisdicional[10].
Transposto o que vem a ser matérias de ordem pública, cuja definição é mais fácil tanto na doutrina quanto na jurisprudência, passemos agora a analisar o prequestionamento, cujo caminho é bem mais sinuoso e espinhoso.
O recurso especial e o recurso extraordinário previstos respectivamente nos artigos 541 a 546 do CPC e com respaldo na Constituição Federal artigos 102, III e 105, III, respectivamente, possuem um pressuposto de admissibilidade bastante específico e de difícil superação na prática, que é o chamado prequestionamento. Somente quando houver na decisão recorrida manifestação a respeito de lei federal ou de artigos da Constituição é que restará preenchido o requisito do prequestionamento ( Cfr. Sum. 282 e 356 do STF e Súmula 98 e 211 do STJ ).
Assim, por exemplo, se o tribunal não se manifesta a respeito de uma determinada questão jurídica, a qual envolve a aplicação de um determinado artigo de lei federal ou da constituição não há prequestionamento do tema, salvo se houver a interposição de embargos de declaração, com fundamento na regra prevista do art. 535, II do CPC/73 (Cfr. MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recursos e ações autônomas de impugnação. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, págs. 123 a 126).
Vejamos o que renomados Professores arguem sobre o tema:
O “prequestionamento”, para o Professor Cássio Scarpinella Bueno, deve ser entendido para todos os fins, como sinônimo de “causa decidida”, a despeito de a expressão não ser empregada na Constituição Federal, desde 1967. Com o fim de que o “Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça desempenhem adequadamente a sua missão constitucional , de uniformizar a interpretação e aplicação do direito federal em todo o território brasileiro, é mister que eles julguem, em sede de recurso extraordinário e em sede de recurso especial, o que já foi decidido”. Diferentemente do que insinua seu nome, o prequestionamento, segundo o autor, caracteriza-se pelo enfrentamento de uma determinada tese de direito constitucional ou de direito infraconstitucional federal na decisão a ser recorrida e não pelo debate ou pela suscitação da questão antes de seu proferimento. “A palavra deve ser compreendida como a necessidade de o tema objeto do recurso haver sido examinado, enfrentado, decidido, pela decisão atacada.”[11]
Acerca do prequestionamento Teresa Arruda Alvim Wambier aduz que a noção de prequestionamento, como próprio vocábulo sugere, nasceu como sendo fenômeno que dizia respeito à atividade das partes. As partes é que “questionam”, discutem ao longo do processo sobre a questão constitucional ou federal. A importância dessa atividade das partes sempre foi uma constante na evolução do instituto. Assim como ocorreu com as Constituições que lhe antecederam (a partir de 1946), a Constituição Federal de 1988 não mencionou expressamente o termo “questionar”.
“A noção de prequestionamento passou a referir-se, ao longo do tempo
à necessidade de que constasse da decisão impugnada a questão federal ou constitucional”. Prevaleceu o entendimento jurisprudencial de que o prequestionamento, como a presença da questão na decisão recorrida é imprescindível ao cabimento dos recursos extraordinário e especial. Segundo a autora, a postulação das partes perante o juízo a quo, embora não constitua requisito do recurso especial ou do recurso extraordinário é mecanismo muitas vezes imprescindível para viabilizar o cabimento dos referidos recursos para instâncias superiores.”
A exigência do prequestionamento decorre da circunstância de que os recursos especial e extraordinário são recursos de revisão. Revisa-se o que já se decidiu. “São recursos que reformam decisões impugnadas, em princípio, com base do que consta das próprias decisões impugnadas.”[12]
Para o Professor Paulo Henrique dos Santos Lucon o prequestionamento insere-se nos pressupostos de admissibilidade dos recursos endereçados aos tribunais de superposição brasileiros. Aduz que, na seara dos recursos especial e extraordinário, não há espaço para aplicação dos brocardos da mihi facto, dabo tibi jus ou iura novit curia, próprios das instâncias ordinárias. Isso em razão de que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça não representam terceiro ou quarto grau de jurisdição[13]
Já para o Professor Miguel Garcia Medina o prequestionamento é um dos institutos controversos e multifacetados, sobre o qual pendem divergências. Afirma ser importante a uniformização dos entendimentos jurisprudenciais existentes sobre os requisitos de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário e em especial a configuração do prequestionamento, em todos os seus aspectos:
“A persistência do desacordo jurisprudencial a respeito, segundo pensamos, constitui, para aqueles que pretendem interpor recurso extraordinário ou especial, obstáculo de mais difícil superação que os próprios requisitos constitucionais dos referidos recursos. Prejudica-se, com isto, a realização de tão relevante função desempenhada no sistema jurídico pelos recursos extraordinário e especial e, consequentemente, a razão de ser das Cortes Superiores.”[14]
Entende José Miguel Garcia Medina que o prequestionamento seria ato privativo da parte, que deveria questionar previamente a matéria, isto é, invocá-la antes do julgamento. Já a questão federal ou constitucional decidida constituiria ato privativo do tribunal, prescindindo de atividade prévia da parte. Para o doutrinador, a Constituição Federal exige apenas, para os recursos extraordinário e especial, que tenha havido questão federal ou constitucional decidida pelo tribunal, sendo desnecessário o prequestionamento, ou seja, sendo dispensável a discussão ou controvérsia prévia da matéria. José Miguel Garcia Medina aduz que, apesar de a Constituição Federal não mencionar, expressamente, o termo “prequestionar” como algumas das anteriores o faziam, isso não quer dizer que não há necessidade da presença da questão na decisão recorrida. O ilustre Professor conceitua o prequestionamento como sendo “a atividade postulada das partes, decorrente da manifestação do órgão julgador (juiz ou tribunal) acerca da questão constitucional ou federal determinada em suas razões, em virtude do qual fica o órgão julgador vinculado, devendo manifestar-se sobre a questão prequestionada”. Para o autor, “o prequestionamento é constitucional porque não vai contra as normas constitucionais, servindo para instrumentalizar o conhecimento da questão constitucional ou federal pela decisão recorrida, decorrente da manifestação do princípio dispositivo e do efeito devolutivo perante a instância inferior”[15]
Com o devido respeito às mais abalizadas opiniões a favor da necessidade do prequestionamento a respeito das matérias de ordem pública, tema central do presente artigo, posicionamo-nos pela desnecessidade do mesmo, haja vista: 1.) que em primeiro lugar há divergência com relação a própria conceituação do prequestionamento; 2.) em segundo não há previsão constitucional a respeito, o que via de regra não torna obrigatória o prequestionamento de matéria de ordem pública,; 3.) em terceiro lugar entendemos que há sempre ao menos, decisão implícita sobre matérias cognoscíveis ex ofício; 4.) em quarto lugar nos casos de questões de ordem pública que, por sua natureza, não precluem e são suscetíveis em qualquer tempo e grau de jurisdição, além de serem cognoscíveis ex offício, o quesito do prequestionamento pode ter-se por inexigível, até em homenagem à lógica do processo e a ordem jurídica justa; 5.) em quinto lugar para fins de impugnação (efeito devolutivo), somente cabe recurso extraordinário/especial se for previamente questionada determinada questão jurídica pelo juízo recorrido. Para fins de julgamento com base no efeito efeito translativo, entretanto, uma vez conhecido o recurso extraordinário/especial, poderá o tribunal examinar todas as matérias que possam ser examinadas a qualquer tempo e por fim 6.) em sexto lugar temos o art. 485 §3[16] do Novo CPC que dispõe que o juiz conhecerá de ofício da matéria constante dos incisos IV, V, VI e IX, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado.
Por outro lado entendemos mais além , que o requisito de causa decidida, não necessita que a decisão enfrente neste caso a matéria de ordem pública, podendo esta ser conhecida de ofício desde que seja concedido contraditório prévio para as partes se manifestarem com fulcro no art. 10 do NCPC, para evitar ainda possíveis sucedâneos recursais ou ações autônomas de impugnação caso a matéria não seja conhecida, com o escopo de garantir um processo mais justo e eficaz, ao revés de formalista e burocrático, o que muitas vezes pode acontecer em razão da “jurisprudência defensiva dos tribunais”, como podemos observar pelas Súmula 282 e 256 do STF, uma vez que há divergência jurisprudencial no STJ acerca do tema, bem como vozes doutrinária da melhor qualidade defendendo a não necessidade.
Como podemos perceber a seguir, os doutrinadores citados entendem pela possibilidade de conhecimento de questão de ordem pública, ainda que sem o prequestionamento da matéria. Parcela deles sustenta ser necessário que haja o conhecimento do recurso por outra matéria prequestionada para que se conheça da questão de ordem pública não prequestionada.
A renomada Professora Ada Pelegrini Grinover, em estudo sobre litisconsórcio necessário, leciona que, não tendo sido determinada a citação dos litisconsortes, a nulidade do processo é medida que pode e deve ser pronunciada pelo Superior Tribunal de Justiça, independetemente de prequestionamento, quando do julgamento do recurso especial interposto. Aduz que seria contrário à lógica do sistema imaginar que o Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça, apesar de seu diferenciado e relevante papel, pudessem conhecer de um recurso extraordinário ou especial, se presentes os requisitos constitucionais para tanto e que passem a julgar a questão constitucional ou federal mesmo diante do óbice à existência ou validade do processo. Não parece razoável à doutrinadora e no nosso entender também que, sendo o caso de conhecimento do recurso extraordinário ou especial, o STF ou o STJ deixem de conhecer de matéria de ordem pública, apenas sob o argumento de que esta não teria sido alvo da devida apreciação pela instância inferior. “A presença dos pressupostos processuais é antecedente lógico do julgamento de mérito e, nessa medida tais pressupostos são também antecedente lógico do julgamento do mérito dos recursos pelo STF e STJ. Às condições da ação aplica-se o mesmo raciocínio”[17].
Para o consagrado Professor Paulo Henrique do Santos Lucon é dispensado o prequestionamento nas hipóteses em relação a matérias de ordem pública, que geram nulidade absoluta no processo, decretável até mesmo de ofício a qualquer tempo e grau de jurisdição, e às decisões proferidas nesses processos são nulas[18]. Em outra oportunidade, o autor aduz “matérias relacionadas com as nulidades absolutas, condições da ação e pressupostos de constituição e de desenvolvimento do processo, em certos casos, vão muito mais além do que o requisito do prequestionamento” Conclui que a violação da norma jurídica em razão da inobservância de matéria de ordem pública é de suma importância e não pode ser simplesmente desconsiderada pelo julgador nas instâncias especial e extraordinária. Cita as súmulas 456 e 528 do STF. “Por essa linha, estando comprovado o enfrentamento explícito dos dispositivos legais violados, nada impede que o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, órgãos responsáveis pela preservação da ordem legal e constitucional, apreciem as demais violações”[19]
O Ilustre Professor Nelson Luiz Pinto já se manifestou no sentido de que haveria sempre ao menos, decisão implícita sobre matérias cognoscíveis ex ofício[20]
Para o renomado Professor Rodolfo de Camargo Mancuso, nos casos de questões de ordem pública que, por sua natureza, não precluem e são suscetíveis em qualquer tempo e grau de jurisdição, além de serem cognoscíveis ex offício, o quesito do prequestionamento “pode ter-se por inexigível, até em homenagem à lógica do processo e a ordem jurídica justa”. Cita o binômio “instrumentalidade do processo – efetividade da prestação jurisdicional”, registrando que em algum modo se lhe agrega “ao menos em espírito”, o quanto vem disposto no art. 515, §3°, do CPC/73 que permite ao tribunal, nos casos do art. 267 “julgar a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento”[21]
De acordo com o ilustre Professor José Miguel de Garcia Medina, admitido o recurso, o Tribunal Superior deve se manifestar sobre a ausência das condições da ação, por exemplo, o direito à espécie. Ressalta que tal orientação não dispensa a necessidade de prequestionamento para que o recurso seja conhecido. Exemplifica que não se admite recurso especial fundado em falta de condição da ação se esse tema não tiver sido enfrentado pela decisão recorrida. Entretanto, para o autor, interposto e conhecido o recurso especial com base em outro fundamento, a ausência da condição da ação poderá ser examinada de ofício pelo STJ[22]
Para o vanguardista Professor Fredie Didier Junior, se o recurso extraordinário ou especial for interposto por outro motivo e for conhecido (examinado ou admitido) , poderá o STF ou STJ, ao julgá-lo, conhecer ex officio ou por provocação de todas as matérias que podem ser alegadas a qualquer tempo. Com o juízo positivo de admissibilidade do recurso extraordinário, a jurisdição do tribunal superior é aberta. É assim que se deve entender a menção a “ qualquer tempo ou grau de jurisdição” ( art. 267, §3° do Código de Processo Civil de 73). Entende que a solução do problema passa pelo correto entendimento sobre o Enunciado 456 da Súmula da jurisprudência predominante do STF. Poderá o STF/STJ analisar a matéria que não fora examinada na instância a quo, porque o prequestionamento refere-se apenas ao juízo de admissibilidade. Para fins de impugnação (efeito devolutivo), somente cabe recurso extraordinário/especial se for previamente questionada determinada questão jurídica pelo juízo recorrido. Para fins de julgamento (efeito translativo), entretanto, uma vezconhecido o recurso extraordinário/especial, poderá o tribunal examinar todas as matérias que possam ser examinadas a qualquer tempo.[23]
Há sérias divergências, no entanto, quanto à necessidade de prequestionamento das chamadas “matérias de ordem pública”, como por exemplo, as condições da ação e os pressupostos processuais já com o Código de Processo de 73 (Cfr. BONICIO, Marcelo José Magalhães. Introdução ao processo civil moderno. 1 ª ed. São Paulo: Lex Editora, 2010, pag. 197). Por um lado se tais matérias podem ser conhecidas de ofício pelo juiz a qualquer tempo ou grau de jurisdição (art. 267, par. 3 do CPC/73 ) nada impediria a interposição de recurso especial ou recurso extraordinário tratando, por exemplo, da legitimidade de alguma das partes mesmo que o acórdão recorrido nada houvesse mencionado a respeito (Cfr. Tucci, José Rogério Cruz e, In Lineamentos da Nova Reforma do CPC/73, 2ª Ed, SP, RT, 2002, pag. 100 a 102) no mesmo escólio Rodolfo de Camargo Mancuso , admite nesse caso a aplicação da regra prevista no art. 515, parágrafo terceiro do CPC/73 (In Rec. Ext. e Rec. Esp, 10 ed. SP, RT, 2007, pag. 312). Sobre o tema ver também, Rogério Licastro Torres de Mello em R. Esp. e Matéria de Ordem pública, (in: Rec. Exp. e Rec. Ext: Repercussão Geral e atualidades, Coord, de Rogério Licastro Torres de Mello, SP, método, 2007, p. 231.). Na Jurisprudência conferir o acórdão proferido pelo STJ, nos autos do RESP 734.904-CE, 1 ª Turma, rel Min. Teori Zavascky, D.J. 19/09/2005.
Porém, ao contrário do que tem afirmado a doutrina, a jurisprudência majoritária dos tribunais superiores, não admite a ausência de prequestionamento em hipótese alguma, mesmo que se trate de matéria de ordem pública (STJ. 1ª T. EARESP. 326.097-CE, rel. Min. Denise Arruda, j. 27/04/04, DJ. 24/05/04, STJ, 3ª T, ED. No AGA 377.285-PR, rel. Min. Ari Pargendler DJ. 02/09/02; STJ, RESP. 117.846 rel. Min. Adhemar Maciel, DJ. 01/09/97, STJ, Ag. Rg. no Ag 429.445 rel. Min. Menezes Direito, DJ. 26/08/02).
No entanto em razão de uma interpretação mais ponderada vem sendo admitido, que o tribunal de ofício possa tratar de matéria de ordem pública que não tenha sido prequestionada, no curso de um julgamento de um recurso especial ou recurso extraordinário que não trate de matérias de ordem pública em virtude do chamado efeito translativo que os recursos em geral possuem (MANCUSO, Rodolfo de Camargo; In. Rec. Ext. e Rec. Esp, 10 ed. SP, RT, 2007, pag. 314, MELLO, Rogério Licastro Torres de, Rec. Esp. E Matéria de Ordem Pública. In: Rec. Esp e Rec. Ext. Repercussão Geral e atualidades, Coord. Rogério Licastro Torres Mello, São Paulo, método, 2007, pag. 237) e STJ, 1ª T, Resp. 609.144 rel. min. Teori Zavascky, DJ. 24/05/04, STJ. Resp. 485.986, rel. Min. Eliana Calmon, j. 11/11/03, STJ. R. Esp. 655.479, rel. Min. Eliana Calmon, j. 04/05/2006.
Com relação ao posicionamento de consagrados doutrinadores destacamos que para o Professor Marcelo Magalhães Bonício:
“As matérias de ordem pública são muito valorizadas pelo sistema processual civil brasileiro, inclusive porque aumentam os poderes de atuação do juiz” (BONÍCIO, Marcelo José Magalhães, In. Proporcionalidade e Processo, SP, Atlas, 2006, pag. 75).
“No entanto paradoxalmente, o mesmo sistema deixa de dar importância a essas matérias quando de forma rigorosa, exige o prequestionamento desse tema para admissão de rec. Esp. e R. Extr., como se de repente o interesse público deixasse de existir” (Cfr. BONÍCIO, Marcelo J. M. Processo Civil Moderno, LEX editora, 2009, pag. 198).
De acordo com o Professor Rodolfo de Camargo Mancuso: “ No modelo jurídico-político brasileiro nossos órgãos judiciais colegiados operam, em princípio, como cortes de revisão, podendo, em certos casos, atuar como instâncias de cassação: nesta última hipótese, agindo numa sorte de custos legis procedem a um contraste objetivo de legalidade acerca da estrutura formal do processo e da validade técnico jurídica do julgado, delibação essa que pode levar ao descarte da decisão recorrida, reenviando-se os autos ao juízo a quo. Aliás, bem por isso, os aspectos concernentes à existência e validade do processo, e à condições da ação, são cognoscíveis de ofício, a qualquer tempo e grau de jurisdição ( CPC/73 , arts. 243 a 250; 267, §3°, 475, §3°, 515§§ 3° e 4 (Divergência jurisprudencial e súmula vinculante, e Ed. Ver. Atul. Ampl. São Paulo: RT. 207, pags. 21 e ,213.
Com relação ao efeito translativo como nos ensinam os renomados professores Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina:
“A possibilidade de o órgão ad quem examinar de ofício as questões de ordem pública não é decorrência do efeito devolutivo dos recursos em sentido estrito, nem da atuação do princípio dispositivo, mas do efeito translativo: o poder dado pela lei ao juiz para, na instância recursal, examinar de ofício as questões de ordem pública não arguidas pelas partes não se insere no conceito de efeito devolutivo em sentido estrito, já que isso se dá pela atuação do princípio inquisitório e não pela sua antítese, que é o princípio dispositivo, de que é corolário o efeito devolutivo dos recursos. Mesmo porque o feito devolutivo pressupõe ato comissivo de interposição do recurso, não podendo ser caracterizado quando há omissão da parte ou interessado sobre determinada questão não referida nas razões ou contrarrazões do recurso. Esta é a razão pela qual é perfeitamente lícito ao tribunal, por exemplo, extinguir o processo sem julgamento de mérito interposta apenas pelo autor, não ocorrendo aqui a reformatio in pejus proibida: há, em certa medida, reforma para pior, mas permitida pela lei, pois o exame das condições da ação é matéria de ordem pública a respeito da qual o tribunal deve pronunciar-se ex officio, independentemente de pedido ou requerimento da parte ou interessado ( art. 267, VI e par. 3°, CPC). Dizemos em certa medida porque, na verdade, nem se poderia falar da reformatio in pejus, instituto que somente se coaduna com o princípio dispositivo, que nada tem a ver com as questões de ordem pública transferidas ao exame do tribunal destinatário por força do efeito translativo do recurso” (Cfr. MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recursos e ações autônomas de impugnação. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013 , págs. 151 e 152 ).
Sendo em síntese o efeito translativo como aquele que admite apesar do efeito devolutivo, que algumas matérias, poderão ser conhecidas de ofício, independentemente de requerimento ou arguição da parte, vide art. 267, par. 3° e 301 par. 4°, do CPC/73 e art 10. c.c. art. 485 §3° do NCPC, o que entendemos se aplica com a devida coerência aos Recursos Extraordinário e Especial, para conhecer matéria de ordem pública sem que estas sejam prequestionadas, sendo em nosso sentir a interpretação mais ponderada e mais condizente com os princípios do processo civil moderno. Remetemos ainda ao leitor a clássica obra da professora Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades do Processo e da Sentença, onde o tema matérias de ordem pública é profundamente abordado.
Lembramos ainda que o efeito translativo não se confunde com o efeito expansivo ou extensivo, pois em decorrência deste efeito consideram-se sem efeito os atos ou decisões dependentes da decisão recorrida, naquilo em que forem incompatíveis com o julgamento do recurso. É decorrência do princípio da causalidade. Se o julgamento do recurso afetar outras decisões que não a recorrida, estar-se-á diante do efeito expansivo externo, se, porém o recurso fizer referência apenas a um dos capítulos da sentença, que examina questão preliminar ou prejudicial, e o acolhimento do recurso repercutir no capítulo relacionado à questão subordinada estar-se-á diante de efeito expansivo interno, como no julgamento de agravo pendente de apelação.
Breve Análise sobre o tema com o advento do Novo CPC (Lei 13.105/15)
Observa-se que o novo código de processo civil é silente com relação a necessidade de prequestionamento, sendo assim entendemos que o mesmo perdeu uma boa oportunidade de disciplinar a material e dar maior coerência ao sistema recursal, em especial com relação a necessidade do prequestionamento de matérias de ordem pública para conhecimento em Rexp e Resp.
Já na lei 13.105, do Novo Código Civil, o Recurso Extraordinário e Especial encontram-se previstos nos artigos 1.029 e seguintes. Percebemos ainda uma tendência do novo código de tentar descongestionar o STF e o STJ adotando o incidente de resolução de demandas repetitivas, conforme previsto do art. 1.029 do §4° que prevê a possibilidade considerando razões de segurança judicial ou excepcional interesse social, estender a suspensão a todo o território nacional, até ulterior decisão do recurso extraordinário ou do recurso especial interposto.
Observamos que o novo CPC absorveu bem novas tendências do direito processual que vêm sendo desenvolvidas em países da Europa e da América, em torno do que se convencionou chamar “acesso a justiça”, sendo relevantes, a respeito, os sucessivos trabalhos publicados por Mauro Cappelletti , Bryant Garth, Luigi Paolo Comoglio e Vittorio Denti.com relação ao acesso a justiça.
A concepção individualista do processo ficou superada, mostrando-se insuficiente para atender às exigências dos tempos modernos, de uma sociedade de massa cada vez mais consciente dos seus direitos, embora a grande maioria de seus membros, na prática, impossibilitada de executá-los pela dificuldade de acesso aos órgãos componentes do sistema judiciários. Daí o surgimento do fenômeno da litigiosidade contida (Ref. Prof. WATANABE, Kazuo, Acesso à justiça e sociedade moderna: In: Participação e processo. Coord. Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Kazuo Watanabe. São Paulo: RT, 1988), ou, até mesmo, cada dia mais o descrédito do poder judiciário é o surgimento de revolta dos cidadãos, que optam muitas vezes por usos próprios da violência, próprio de sociedades primitivas, o que é forçoso nos fazer repensar os mecanismos processuais de efetividade do processo.
Em suma, o que pretende essa corrente de pensamento é a abertura da ordem processual aos menos favorecidos da fortuna e à defesa de direitos e interesses supra individuais, com a racionalização do processo, para que o mesmo seja um processo de resultados, não um processo de conceitos extremamente formal e burocratizado. O que se busca é a efetividade do processo, sendo indispensável para isso, pensar no processo como algo dotado de bem definidas destinações institucionais e que deve cumprir os seus objetivos sob pena de ser menos útil e tornar-se socialmente ilegítimo. Nesta revolução trazida a tona por esta recente doutrina, que foi bem digerida pelo NCPC, surge em tempos mais atuais em momento fértil para tanto, uma nova corrente de pensamento que está muito em discussão no meio acadêmico denominado neoconstitucionalismo que reflete diretamente no direito processual, o que alguns já tem intitulado de neoprocessualismo ou formalismo valorativo, haja vista absorção literal dos princípios e normas constitucionais como podemos observar no NCPC em seu arts. 1 a 12.
No capítulo VI, dentro do Título dos recursos do NCPC, são analisados os recursos para o Supremo Tribunal Federal e para o Superior Tribunal de Justiça. Sendo que o primeiro destes recursos é o recurso ordinário previsto no art. 1027 do novo Codex, com o advento da Constituição Federal de 1988 e a criação do Superior Tribunal de Justiça, alterações ocorreram para análise dos recursos ordinários tirados contra denegações de writs em processo de competência originária dos tribunais, como os previstos no art. 1.027, incisos I e II, a do novo diploma processual e também com previsão constitucional nos arts. art. 102, II (Hipóteses de julgamento de Recurso Ordinário pelo STF) e art. 10, II ( hipóteses de julgamento do Recursos Ordinário Pelo STJ). Tem o recurso ordinário eminentemente finalidade de garantir o duplo grau de jurisdição nesses processos, diretamente ajuizados em instâncias superiores. Este recurso funciona também como uma apelação cível contra decisão proferida em processos existentes entre Estados estrangeiros ou Organismos internacionais e municípios ou pessoas domiciliadas ou residentes no Brasil (Cfr. art. 1.027, inc. II, letra b do novo CPC).
Aos recursos ordinários é aplicável a mesma disciplina da apelação, quanto ao procedimento e aos pressupostos de admissibilidade como se observam nos arts. 1027, § 2° e 1.028 do CPC/15. Diante de tal previsão, não podemos negar cabimento de recurso adesivo aos recursos ordinários, similares em cabimento, procedimento e pressupostos da apelação.
Já na sessão II do supracitado capítulo VI o novo diploma processual civil trata dos Recursos Extraordinário e Especial. Estabelecendo Disposições gerais sobre os mesmos nos arts. 1.029 a 1.035, regulamentando o julgamento dos Recursos Extraordinário e Especial Repetitivos nos arts. 1.036 a 1041 e na seção III, no art. 1.042 trata do Recurso de Agravo em Recurso Especial e em Extraordinário.
A definição das hipóteses de cabimento do Recurso Extraordinário e Especial, estão previstas respectivamente na Constituição Federal, nos arts. 102, II e 105, III. A finalidade do Recurso Especial é manter a integridade da legislação infraconstitucional, já a do extraordinário é manter a integridade das normas constitucionais. O novo CPC tenta traçar disposições gerais sobre os mesmos, dispondo que estes recursos nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas que conterão: a exposição do fato e do direito; a demonstração do cabimento do recurso interposto; as razões do pedido de reforma ou de invalidação da decisão recorrida. O recorrido será intimado também para apresentar resposta em petição distinta. Estes recursos poderão ter efeito suspensivo, desde que requerido e concedido nos termos do art. 1.029 §5°. Recebida a petição do recurso pela secretaria do Tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 dias, findo o qual os autos serão remetidos ao Tribunal. A remessa ao Tribunal, dar-se-á independentemente de juízo de admissibilidade. Na hipótese de interposição conjunta dos referidos recursos, os mesmos serão remetidos primeiramente para o STJ detentor de prioridade.
Nos arts. 1.031 a 1.034, dispõe o NCPC sobre a interposição conjunta dos referidos recursos, e os possíveis conflitos de entendimento entre os respectivos tribunais no caso de julgamento e suas soluções. Por sua vez sendo admitido o recurso extraordinário ou o recurso especial por um fundamento, devolve-se ao Tribunal Superior o conhecimento dos demais fundamentos para a solução do capítulo impugnado.
Para a interposição de ambos os recursos é necessário o prequestionamento, conforme podemos observar pelas súmulas 320 do STJ e 735 do STF, posicionamento que não concordamos em razão de todo o exposto acima. Com relação às turmas recursais dos juizados especiais, só é possível interposição de recurso extraordinário e não de especial, conforme Súmula 640 do STF.
Ou ponto interessante regulamentado pelo NCPC diz respeito a repercussão geral a ser reconhecida pelo STF, para conhecimento do Recurso Extraordinário, sendo que para o efeito da repercussão geral será considerado a existência ou não de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo (art. 1035 §1°). O recorrente deverá demonstrar a repercussão geral, para apreciação exclusiva do STF, lembrando que desta decisão não cabe qualquer recurso. De outro canto o próprio NCPC no art. 1.035, § 3°, menciona os casos em que sempre haverá repercussão geral que ocorrem quando o acórdão contrarie súmula ou jurisprudência dominante do STF ou tenha sido proferido em julgamento de casos repetitivos e por fim quando tenha reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal, nos termos do art. 97 da C.F.
Sendo que reconhecida a repercussão geral, o relator do Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional. O recurso que tiver repercussão geral reconhecida deverá ser julgado no prazo de um ano e terá preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e pedido de habeas corpus. Outra importante regulamentação trazida pelo CPC de 2015 diz respeito ao Julgamento de Recursos Extraordinário e Especial Repetitivos previstos nos arts. 1.036 a 1.041, visto que sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições da Subseção II , que trata do julgamento dos Recursos Extraordinário e Especiais repetitivos, sobre os quais não nos alongaremos visto que perderíamos o foco do presente artigo, mas fica aqui novamente o comentário de que o novo CPC, vem acertadamente regulamentado tais questões o que mais uma vez prova a busca pela mais modernas tendências processuais civis com o escopo de um processo justo, eficiente e célere.
Nesse contexto segundo o ilustre Professor Humberto Dalla Bernardina de Pinho[24]:
“Ao dizer que o Código será disciplinado de acordo com os valores e princípios, o legislador está adotando, expressamente, a teoria do direito processual constitucional. Grandes expoentes do direito processual (Merecem destaque, entre tantos doutrinadores, os seguintes: Trocker (1974); Capelletti e Tallon (1973); Comoglio, Ferri e Taruffo (1998); Morello (1988), já sedimentaram a teoria segundo a qual o direito constitucional é tronco da árvore e o direito processual é um de seus ramos. (…)
A edição de novos Códigos é um sinal de ruptura com a modernidade, reduzindo o abismo antes existente entre o direito constitucional (e a interpretação ativa que vem sendo feita de suas normas), e o direito infraconstitucional. (…)
O texto do art. 8° do CPC/2015 (art. 8°: ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.) É o fim da hermenêutica tradicional, baseada no silogismo: a norma é a premissa maior e o fato a menor. Nessa concepção, caberia ao juiz fazer o exame deste, em acordo com aquela. Para tanto seriam usados métodos como a interpretação literal, sistêmica, teleológica e comparativa.
Agora a hermenêutica passa a ser neoconstitucional, pressupondo que as normas podem assumir a feição de regras ou princípios. As regras devem ser interpretadas de acordo com os Princípios. Havendo colisão de regras, usa-se a hermenêutica tradicional. Havendo uma contraposição de princípios, é preciso recorrer à técnica da ponderação, buscando ou uma composição destes ou a solução que melhor se adéqüe ao espírito constitucional.
É bem verdade que essa nova hermenêutica aumenta, e muito, os poderes do juiz. Os mais alarmistas falam em ditadura do juiz. Cria-se portanto a necessidade de uma fundamentação mais profunda nas decisões judiciais. Uma fundamentação analítica, como assevera Marinoni. É o que chamamos do “fundamento do fundamento”: as partes têm o direito de saber quais as premissas que o juiz levou em consideração para tomar aquela decisão.
Igualmente, embora já constitua um grande avanço, não é por si só suficiente. Há enorme discussão sobre a natureza da atividade hermenêutica, sobretudo a dificuldade da separação das fases da interpretação da aplicação, bem como os preconceitos que influenciam internamente o juiz.
É sem dúvida, o sinal de uma nova era, que merece portanto, um novo Código. (…)
Pensar em uma medida de urgência de ofício, envolvendo menores, idosos, hipossuficientes, ou ainda em hipóteses com grande dano a direito indisponível ou da própria coletividade é perfeitamente aceitável.
Porém, em litígios que envolvam partes maiores e capazes, e direitos patrimoniais, parece-me que a postura ativa do magistrado é de todo, desaconselhável.
Pelo menos essa restrição poderia ter sido incluída no texto, adotando-se, assim, um critério híbrido (meio ope legis, meio ope iudicis).
Nunca é demais lembrar que o juiz que age de ofício deve ter um extremo cuidado para que, mesmo involuntariamente, não venha a se aproximar das partes, ferindo a imparcialidade que deve nortear sua conduta na condução do processo.
Vulnerada a imparcialidade, comprometida também estará a isonomia, salvo se o juiz fundamentar analiticamente sua decisão, de modo a demonstrar que está garantida a igualdade no sentido material. (…)
Por outro lado, o novo CPC vai abrir uma nova perspectiva de contraditório, como se observa no texto do art. 9°:
“Art. 9° Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.
Parágrafo único. O dispositivo no caput não se aplica:
I- à tutela provisória de urgência;
II- às hipóteses de tutela de evidência previstas no art. 311, incisos II e III
III- à decisão prevista no art. 701.
Importante observar que tal princípio terá aplicação específica e de grande importância em pelo menos duas situações reguladas pelo projeto.
A primeira diz respeito às decisões de inversão do ônus da prova que em hipótese alguma deve gerar surpresa para a parte atingida.
A segunda se refere aos provimentos de urgência solicitados, nos quais a efetividade depende exatamente da não comunicação à parte contrária. O juiz, num exame de ponderação de interesses entre acesso à Justiça e o contraditório, vai avaliar, no caso concreto, qual deles deve prestigiar. Em sendo deferida a media inautida altera pars, ocorrerá o fenômeno do contraditório diferido ou postergado, que só é admitido em casos excepcionais e acompanhado da devida fundamentação analítica, como lembra Marinoni.
Ainda sobre o princípio do contraditório, o art. 10 revela uma das grandes inovações do novo CPC:
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobrem a qual deva decidir de ofício.
No CPC de 1973, o art. 128 dispõe que o juiz deve decidir a ação “nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa das partes”.
Diante da restrição do atual art. 128, que se refere apenas às questões, a doutrina clássica invoca aqui o adágio iura novit cúria, segundo o qual o juiz seria livre na escolha e na aplicação dos fundamentos jurídicos.
Nesse sentid , José Rogério Cruz e Tucci entende que não existe impedimento para que o juiz requalifique juridicamente a demanda, enquadrando-a em outros dispositivos legais. (…)
Leonardo Greco propõe uma orientação mais restritiva, atentando para a liberdade das partes e também ao princípio da demanda, que atribui ao autor o poder de fixar seus limites objetivos e subjetivos. Nesse sentido, não se pode negar que a vontade do autor é fator essencial na definição dos limites do objeto litigioso e, por isso mesmo tem que ser respeitada. (…)
Em nossa visão, entre duas possíveis soluções extremadas, ou seja :
(1) manter o sistema atual segundo o qual o juiz pode alterar a seu bel prazer os fundamentos jurídicos, ainda que sob o disfarce de modificar a norma aplicável; ou
(2) exigir que o juiz fique absolutamente adstrito aos fundamentos invocados pelas parte, ainda que vislumbre outro, mais adequado andou muito bem a Comissão ao buscar uma solução intermediária ou salomônica.
Pela leitura do dispositivo, vê-se que o juiz traz para os autos um fundamento que não havia sido alegado pelas partes, mas deve propiciar a manifestação destas antes de decidir.
Nessa hipótese quando o juiz traz para os autos um fundamento que não havia sido alegado, não está muito claro ainda quando, até que momento e de que forma fará ele essa inserção.
Por outro lado é preciso se atentar para a enorme mudança que será ocasionada pela parte final do novel dispositivo, quando determina que tal providência deverá ser tomada pelo juiz, ainda que a matéria possa ser examinada de ofício.
Doutrina e jurisprudência vêm caminhando no sentido de que tais matérias, hoje a partir da interpretação do art. 267, §3°, do CPC/1973, seriam condições para o regular exercício do direito de ação, pressuposto processuais e as hipóteses de nulidade absoluta. São em verdade, os mesmos casos que autorizam a utilização da objeção de pré-executividade, na visão da orientação que prevalece no Superior Tribunal de Justiça.”
Parece nos que será um bom momento da jurisprudência e das súmulas dos Tribunais Superiores serem revistas em relação ao prequestionamento das matérias de ordem pública, haja vista o advento do novo CPC e as encampação de mudanças estruturais fundamentais no processo civil. Sendo assim vê-se no tema em discussão doutrinas em ambos os sentidos bem como posicionamento dos tribunais superiores a respeito do tema. Porém talvez seja hora de serem revistas Súmulas e Jurisprudências, para dar um pouco de coerência ao sistema, talvez uma solução híbrida possa ser adotada pelos Tribunais Superiores, para permitir o cabimento de Recursos para os Tribunais Superiores sem que haja sido realizado o prequestionamento de matérias de ordem pública do mesmo, podendo este prequestionamento por economia processual, ser diferido ou postergado para o próprio Tribunal Superior, desde que preenchidos os outros requisitos legais para a interposição do Recurso, com fulcro no art. 10 do novo CPC, trazendo assim uma solução mais harmônica e híbrida, a qual poderá ser decidida caso a casa pelo Tribunal Superior, evitando-se também a jurisprudência defensiva dos Tribunais, e atendendo aos princípios de um processo justo e eficaz. Tais matérias de ordem pública deverão ser ponderadas pelo Tribunal, sob eterna dicotomia entre a segurança jurídica e a efetividade da justiça.
SÍNTESE CONCLUSIVA:
Vem a luz o novo Código de Processo Civil, lei n° 13.105/15, observando os princípios e novas tendências do processo civil moderno, no almejar de um processo justo e eficaz conforme prelecionam os processualistas modernos, bem como mais célere como já previsto em nossa CF. art. 5°, LXXVIII.
A pesquisa deste arquivo foi realizada concebendo-se o Direito como um sistema de acordo com o modelo constitucional do Processo, enfocando o Novo Código de Processo Civil diante da Constituição Federal, com fulcro em abalizada doutrina e jurisprudência.
O prequestionamento, visto como a presença de causa decidida na decisão recorrida há de ser relativizado como demonstrado argumentativamente abaixo em relação a matérias de ordem pública, que é toda aquela questão, que embora não especificada em rol taxativo pelo legislador, apresenta característica de interesse público, visando a proteção do sistema e da coletividade, e não especificamente aos interesses individuais das partes. Deve ser analisada em qualquer tempo e grau de jurisdição, sendo sua observância um ditame imperativo irrenunciável.
A partir das colocações feitas, consta-se que não existe posição pacífica sobre o tema tratado, sequer na doutrina, sequer na jurisprudência, acerca do prequestionamento das questões de ordem pública, ressaltando-se a importância do estudo pela ausência de uniformidade, o que gera dificuldades aos operadores do Direito. Ainda o conceito de prequestionamento não é o mesmo para o Supremo Tribunal Federal e para o Superior Tribunal de Justiça, em especial observando-se o enunciado das Súmulas 282 e 356 do STF e 98 e 211 do STJ, bem como há divergência doutrinária a respeito.
Defendeu-se neste texto a desnecessidade de prequestionamento de matérias de ordem pública em Recurso Extraordinário e Especial, podendo as mesmas serem decididas de ofício pelo STF ou STJ, desde seja concedido contraditório prévio entre as partes, ainda que a mesma não tenha sido decidida na decisão recorrida. Ressalta-se que existem respeitadíssimas posições doutrinárias em sentido contrário a este posicionamento, e que a jurisprudência majoritária do STF e do STJ é na posição contrária a defendida neste artigo. Sendo que existe posicionamento jurisprudencial mais recente relativizando a rigidez da observância do prequestionamento de matéria de ordem pública. Nesse sentido a primeira Seção do STJ, em julgamento de Ação Rescisória em maio/2009, por maioria, que se aplicou o direito a espécie (Súmula 456/STF, por analogia), reconhecendo a falta de interesse de agir da ré na ação indenizatória originária por tratar-se de imóvel adquirido após implementação da restrição administrativa. Considerando que em sede de recurso especial é admitido o conhecimento de matéria de ordem pública, desde que a instância tenha sido aberta por outra questão, entendeu-se que esse entendimento deve ser adotado mo julgamento da Ação Rescisória, na qual o âmbito cognitivo do STJ é muito mais amplo (R 2.075//PR, Rel. Denise Arruda, Rel. para Acórdão Jumberto Martins, julgado em 27/05/2009).A segunda turma do STJ em 17/09/2009, Rel. Mauro Campbell Marques, Resp. 765.970/RS, entendeu que, apesar da ausência de prequestionamento, por se tratar a alegação de ilegitimidade passiva da matéria de ordem pública, considerando que a instância especial foi aberta por outros argumentos, haverá apreciação da controvérsia, ainda que para dela não conhecer.
O presente artigo teve como objetivo analisar sucintamente a desnecessidade do pré-questionamento nos recursos extraordinários e especiais quando se tratar de matéria de ordem pública, e que possa ser conhecida de ofício pelo juiz, desde que seja dado prévio conhecimento às partes cfr. art. 10 do CPC de 2015, em razão da sua importância para as garantias constitucionais do processo. Para tanto nos dispusemos a analisar pensamentos de alguns professores de direito processual no sentido de que seja permitido o conhecimento das matérias sem necessidade de prequestionamento, perfazendo uma singela análise do e CPC de 73 e do Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/15) fundamentando o presente nos princípios constitucionais do processo civil moderno e das novas tendências de um processo civil justo, eficiente e célere , pendente pela aplicação dos princípios da proporcionalidade e da ponderação, adotando desta feita uma interpretação mais neoconstitucinal do que positivista.
Com o devido respeito às mais abalizadas opiniões em favor da necessidade de prequestionamento a respeito das matérias de ordem pública, tema central do presente artigo, posicionamo-nos pela desnecessidade do mesmo, haja vista que : em primeiro lugar há divergência com relação a própria conceituação do prequestionamento ; em segundo não há previsão constitucional a respeito, o que via de regra não torna obrigatória o prequestionamento de matéria de ordem pública; em terceiro lugar entendemos que que há sempre ao menos, decisão implícita sobre matérias cognoscíveis ex ofício; em quarto lugar nos casos de questões de ordem pública que por sua natureza, não precluem e são suscetíveis em qualquer tempo e grau de jurisdição, além de serem cognoscíveis ex offício, o quesito do prequestionamento pode ter-se por inexigível, até em homenagem à lógica do processo e a ordem jurídica justa; em quinto lugar para fins de impugnação ( efeito devolutivo), somente cabe recurso extraordinário/especial se for previamente questionada determinada questão jurídica pelo juízo recorrido já para fins de julgamento (efeito translativo), entretanto, uma vez conhecido o recurso extraordinário/especial, poderá o tribunal examinar todas as matérias que possam ser examinadas a qualquer tempo; em sexto lugar o art. 485 §3° que dispõe que o juiz conhecerá de ofício da matéria constante dos incisos IV, V, VI e IX do caput, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado.
Por outro lado entendemos mais além , que o requisito de causa decidida, não necessita que a decisão enfrente neste caso a matéria de ordem pública, podendo esta ser conhecida de ofício desde que seja concedido contraditório prévio para as partes de manifestarem com fulcro no art. 10 d novo CPC, para evitar ainda possíveis sucedâneos recursais ou ações autônomas de impugnação caso a matéria não seja conhecida, com o escopo de garantir um processo mais justo e eficaz, ao revés de formalista e burocrático, o que muitas vezes pode acontecer em razão da “jurisprudência defensiva dos tribunais”, como podemos observar pelas Súmula 282 e 256 do STF, uma vez que há divergência jurisprudencial no STJ acerca do tema, bem como doutrinária da melhor qualidade.
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Eric Cesar Marques Ferraz
Advogado, Procurador da Câmara Municipal de São Bernardo do Campo – SP, Graduado e Pós Graduado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo