SUMÁRIO: 1. Introdução. 2.Conflitos em que se aplica a mediação. 3. Espécies de mediação. 4. Quem pode ser mediador. 5. Fiscalização das atividades de mediação. 6. Prazo para realização da mediação. 7. Incompatibilidades com a função de mediador. 8. A figura do co-mediador. 9. A participação do advogado na mediação. 10. Medidas necessárias para viabilizar a mediação no Brasil. 11. Considerações finais.
RESUMO: O artigo discorre sobre os princípios da mediação e descreve as regras da legislação argentina sobre o assunto, da legislação colombiana sobre conciliação, bem assim do projeto de lei que institucionaliza a mediação no Brasil. Aponta alguns pontos falhos e polêmicos no projeto e procura apontar as medidas necessárias para que a mediação seja implantada de forma eficiente e que contribua para a realização do efetivo acesso à justiça.
1. Introdução:
Atravessamos uma época marcada pela complexidade, pela interdependência, pela velocidade das mudanças e das comunicações. Tudo isso se faz refletir no quadro da resolução de conflitos. É necessário construir métodos que dêem conta dos novos desafios de uma economia globalizada e de uma sociedade cada vez mais consciente de seus direitos e cada vez mais sedenta de canais que viabilizem a resolução célere e pacífica de seus conflitos de interesses. Note-se que a existência de instituições confiáveis para fazer valer as regras do jogo democrático e preservar os direitos prometidos pelo sistema é um dos fatores diretamente ligados ao desenvolvimento de uma sociedade: é o que tem sido chamado de desenvolvimento institucional.
Neste contexto, ganham relevância os métodos consensuais de resolução de controvérsias, como aponta com impecável lucidez a mediadora Tânia Almeida, Vice-Presidente do CONIMA (Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem):
“A tendência mundial de privilegiar a atitude preventiva e a celeridade na solução de desacordos contribui para que ratifiquemos como negativa e indesejável a experiência da resolução de divergências por meio da litigância. Em seu lugar, o diálogo ganha importância na composição de diferenças. O lugar de destaque dos diálogos somente pôde advir depois que o homem precisou abandonar a idéia de certeza e necessitou tornar tênues as fronteiras entre as culturas. Ele não pôde mais deixar de olhar o mundo global e sistemicamente e, portanto, não pôde mais abrir mão de soluções e ações cooperativas, sob pena de ameaçar a própria sobrevivência.” [1]
É inevitável reconhecer que os mecanismos institucionais tradicionalmente disponíveis para a resolução de conflitos não têm dado conta desses desafios, seja no aspecto quantitativo, quando se pensa no direito, recentemente explicitado no texto da Constituição brasileira (art. 5º, LXXVIII), à razoável duração do processo, seja no aspecto qualitativo, quando se pensa na pacificação social que deve ser atingida com a resolução de um conflito, seja ainda no que diz respeito às necessidades de tornar o sistema acessível para todos os titulares de direitos, superando os diferentes obstáculos de ordem econômica e cultural que impedem a realização do acesso à justiça, especialmente quando entendido este em sentido material, como acesso a uma ordem jurídica justa.
A mediação é uma dessas novas formas de resolução de conflitos sempre lembrada quando se fala no congestionamento do nosso Poder Judiciário. Fala-se nela como uma das possíveis soluções para os problemas de acesso à justiça. Entretanto, quando se pensa apenas na questão de desafogar o Judiciário ou de diminuir o tempo de “solução” de um conflito, é evidente que se está enfocando apenas o aspecto quantitativo. E a mediação é muito mais do que isso. Ela oferece muito também sob o aspecto qualitativo aos envolvidos em um conflito jurídico. Pode-se dizer que ela é uma forma autônoma de resolução de conflitos, pois a solução encontrada para o conflito através de mediação não é uma decisão imposta por um terceiro, mas sim alcançada consensualmente pelas partes através de um processo em que cada uma delas tem oportunidade de expor seus interesses e necessidades e descobrir assim um caminho que atenda, tanto quanto possível, aos legítimos interesses e necessidades de ambas.
A mediação difere da negociação, em que cada uma das partes cede um pouco em relação à outra para encontrar uma solução de consenso, apenas em que existe a figura de um facilitador, que propicia a identificação dos verdadeiros interesses das partes em conflito, revelando, muitas vezes, que eles são perfeitamente harmonizáveis, havendo casos em que sequer há necessidade de ceder. Diversamente do conciliador, o mediador não propõe um acordo, não oferece solução para o conflito, não toma posição, mas simplesmente ajuda as partes a “colocar as cartas na mesa”, facilita a retomada da comunicação que se rompera entre elas e traz à luz uma solução reconhecida por ambas as partes, em que ambas saem satisfeitas. A mediação é especialmente recomendada para os conflitos envolvendo partes que têm uma relação continuada entre si, como vizinhos, condôminos, familiares, para citar apenas alguns exemplos. Também é recomendável para conflitos que exijam, sobretudo, uma solução rápida e que seja mantida a confidencialidade. A principal diferença da mediação em relação à decisão judicial é que ela busca a solução do conflito com os olhos voltados para o futuro, ao passo que o julgamento leva em conta, normalmente, apenas os fatos passados levantados e comprovados em juízo.
Para Rosemary Damaso Padilha, que estudou a mediação em seu Mestrado e preside uma organização que atua e capacita em mediação em Curitiba,
“O processo de mediação visa promover o diálogo entre as partes, propiciar a escuta diferenciada dos pontos de vista e razões da outra parte, num ambiente de respeito, levando à conscientização do realismo das próprias exigências. Tal conscientização gera responsabilidade, aumentando o compromisso com o acordo. Leva os envolvidos na disputa a saírem do círculo vicioso de vítima e bandido, da busca de culpados, e envolverem-se na tarefa de encontrar soluções, criando alternativas e chegando a acordos criativos para satisfazer as necessidades de todos os envolvidos no processo. Do padrão adversarial, no qual para que um ganhe é necessário que o outro perca, passa-se a um padrão cooperativo, no qual todos saem ganhando, ou seja, de uma negociação distributiva, de ganhar X perder, passa-se a uma negociação integradora, de ganhar X ganhar.” [2]
Na Colômbia, existe legislação sobre conciliação obrigatória em determinadas causas desde 1991. Na Argentina, existe mediação obrigatória na Justiça Federal da Província de Buenos Aires desde 1996, mas atualmente 22 das 24 províncias argentinas já possuem legislação sobre mediação. Note-se que nos Estados Unidos e no Canadá, a mediação vem sendo implementada com sucesso há alguns anos e também vem sendo desenvolvida, ainda que a passos lentos, nos países europeus.
No Brasil, foi apresentado em 1998 um projeto de lei na Câmara dos Deputados pela deputada Zulaiê Cobra, o qual foi remetido ao Senado Federal em 2002 e aprovado nesta casa durante o mês de julho de 2006. Devido às emendas que sofreu no Senado, o projeto foi devidamente remetido à Câmara para apreciação das alterações.
2. Conflitos em que se aplica a mediação:
A legislação que criou a mediação institucionalizada na Argentina, estabeleceu que esta seria obrigatória nos processos civis e comerciais, exceto em ações envolvendo o Estado ou qualquer de seus entes, falências, ações cautelares, inventários, ações de estado (interdição, etc), bem como em matéria de família (divórcio e separação judicial, anulação de casamento, investigação de paternidade), devendo, porém, as questões patrimoniais derivadas destas últimas ser remetidas à mediação. Nos processos de execução, a tentativa de mediação é facultativa para o exeqüente.
Na Colômbia, a tentativa de conciliação é obrigatória, segundo a lei, em “todas as matérias suscetíveis de transação, desistência ou conciliação”, o que, sem dúvida, não deixa muito claro os assuntos em que se aplica a obrigatoriedade. A legislação, contudo, refere-se de forma expressa às ações trabalhistas, a determinadas ações em matéria de família, aos conflitos de ordem patrimonial envolvendo o próprio Estado, conflitos em matéria civil, em matéria de concorrência e, ainda, envolvendo relações de consumo.
O projeto de lei brasileiro também prevê que a mediação será possível em “toda matéria que admita conciliação, reconciliação, transação ou acordo de outra ordem”. Estabelece, porém, o anteprojeto que ela é obrigatória no “processo de conhecimento” (leia-se processo de conhecimento cível), com exceção das ações de interdição, inventário e arrolamento, falência, recuperação judicial e insolvência civil, imissão de posse, reivindicatória e usucapião, retificação de registro civil e nas ações em que for parte pessoa de direito público, desde que a causa verse sobre direitos indisponíveis, bem como quando as partes optarem pelo juizado especial ou pela arbitragem. A rigor, sequer cabe processo de conhecimento quando houver opção pela arbitragem. O projeto também fala nas ações cautelares, que, obviamente, não instauram processo de conhecimento. Nota-se que o legislador excluiu determinadas ações em que existe interesse público ou social envolvido (falência, recuperação judicial, retificação de registro público, ações envolvendo direitos indisponíveis), causas envolvendo controvérsia sobre a capacidade da pessoa (interdição), o que é absolutamente justificável, bem como aquelas sobre propriedade imóvel (ação reivindicatória, imissão de posse, usucapião), talvez por ser pouco provável a conciliação. Andou bem também o projeto ao excluir as ações que tenham como parte pessoa de direito público apenas quando “a controvérsia versar sobre direitos indisponíveis”, admitindo, assim, que nas relações de caráter privado entabuladas pelo Poder Público, é possível a mediação. O assunto vem causando muita polêmica em matéria de arbitragem, justamente pela falta de um dispositivo semelhante na Lei 9.307/96. De qualquer modo, vem a ser mais um argumento a favor da admissibilidade da arbitragem sobre o tema.
Não se entende bem, por outro lado, as razões de excluir as ações de inventário e arrolamento, já que, quando não houver interesse de menores envolvido, a mediação seria um espaço bastante interessante para solucionar controvérsias entre herdeiros. De todo modo, a mediação aqui não está absolutamente proibida, já que se trata de direitos passíveis de transação, apenas não se reveste de obrigatoriedade.
3. Espécies de mediação:
A primeira diferença que se nota entre as espécies de mediação diz respeito a sua obrigatoriedade ou facultatividade. Tanto na Argentina quanto na Colômbia, a tentativa de mediação (na Argentina) ou de conciliação (na Colômbia) é obrigatória para determinadas classes de processos, sendo chamada inclusive de “requisito de procedibilidade” pelo legislador colombiano. E esta obrigatoriedade se revela bem claramente pela previsão de aplicação de sanção para o não-comparecimento a audiência. Sabe-se que, em Direito, só se pode falar efetivamente de obrigação quando exista uma conseqüência, uma penalidade para o seu descumprimento. Pois bem, em nossos países “hermanos”, ela existe efetivamente: na Argentina, a legislação prevê a aplicação de uma multa equivalente ao dobro dos honorários do mediador no caso de ausência e, na Colômbia, a multa corresponde a nada menos do que dez salários mínimos mensais e pode ser aplicada quer em caso de ausência, quer na hipótese de recusa a discutir as propostas formuladas.
No nosso projeto de lei aprovado no Senado, apesar de constar a obrigatoriedade, bem à moda brasileira, essa obrigatoriedade não é exatamente uma obrigatoriedade: não está prevista a aplicação de qualquer sanção para o não-comparecimento à audiência.
É bem verdade que a questão da obrigatoriedade é um dos grandes pontos polêmicos acerca da mediação, havendo muitas vozes que entendem que a imposição da tentativa de mediação revela-se de todo incompatível com o espírito da mediação. Ponderemos. A obrigatoriedade de comparecimento à audiência preliminar já vem prevista na legislação processual trabalhista e na legislação dos juizados especiais brasileiras desde a sua criação, sendo certo que o índice de acordos nestas duas searas do Judiciário é enormemente superior ao índice de acordos nos processos cíveis em que o acordo é possível, mas não existe obrigatoriedade da tentativa. Por outro lado, se se deseja implementar a mediação em larga escala, não se pode esperar que uns poucos demandantes de boa vontade se disponham a comparecer para a audiência de mediação e passem a relatar sua boa experiência às pessoas em geral para que então aumentem os índices de comparecimento. Infelizmente, temos uma população pouquíssimo educada, com limitações no discernimento e conhecimentos necessários para sopesar o custo de um comparecimento a uma audiência com os benefícios de uma possível solução através da mediação. As pessoas costumam raciocinar apenas a curto prazo e concentrar-se no incômodo de comparecer e, ainda por cima, encontrar o adversário com quem já desistiram de dialogar ao decidir recorrer ao Judiciário. Não sabem como funciona a mediação, e muito menos conhecem (até se verem envolvidas como partes) a alternativa tradicional de solução de litígios: o processo judicial. Ignoram quanto tempo costuma demorar, quais as etapas, quais os critérios de julgamento em um processo judicial. Fica claro, assim, que não estão em condições de ponderar as vantagens e desvantagens da tentativa de mediação. Pode parecer paternalista, mas temos que considerar a nossa realidade social. O importante é que, ao comparecerem, as pessoas sejam tratadas de acordo com suas necessidades e seja realizada uma tentativa de mediação efetivamente capaz de propiciar a solução definitiva daquele conflito.
É interessante mencionar a experiência norte-americana neste sentido, pois, nos EUA, não existe uma regra que obrigue de antemão a submeter determinados conflitos à mediação, mas sim a possibilidade de que o juiz, no caso concreto, remeta as partes à mediação, se entender que esse método é o mais apropriado para manejar o caso delas. Essa análise casuística, que toma em conta a especificidade de cada conflito, aliada ao fato de que naquele país a produção de provas é toda realizada numa fase preparatória, que antecede a propositura do litígio – o que faz com que o resultado de um eventual julgamento seja bastante previsível – torna a possibilidade de acordo bastante grande, de modo que a maior parte dos conflitos acaba sendo resolvidos desta maneira.
No projeto de lei brasileiro, existe uma distinção quanto ao momento em que se realiza a mediação, em mediação prévia e mediação incidental. Poder-se-ia falar, em realidade, em mediação voluntária – pois a voluntariedade é o que caracteriza a mediação prévia, à qual a parte recorre antes mesmo de ajuizar qualquer ação, mas que produz os mesmos resultados do ajuizamento de uma ação, para efeitos de prescrição – e em mediação obrigatória – pois a obrigatoriedade é o que caracteriza a mediação incidental, a ser intentada logo após o ajuizamento de uma ação de conhecimento na área cível (exceto se já tiver sido tentada a mediação prévia).
O projeto de lei brasileiro distingue ainda entre mediação judicial e mediação extrajudicial, sendo a primeira feita por advogados e a segunda por outros profissionais, todos eles devidamente capacitados em mediação.
Indo além da questão normativa, deve-se fazer referência, por fim, às diferentes concepções que embasam a idéia de mediação, que se distinguem, basicamente, em duas vertentes: a) aquela que vê a mediação apenas como a técnica voltada à obtenção de um acordo, encerrando assim o conflito; b) aquela que concebe a mediação como técnica que, a par de possibilitar a solução do conflito, deve possibilitar às partes que aprendam com ele a se relacionar melhor, superando as posturas que levaram ao surgimento daquele conflito e evitando, assim, que venham a se envolver em novos conflitos da mesma natureza.
Segundo Rosemary Padilha,
“SUARES (1997, p. 58-63) cita três modelos de mediação nos Estados Unidos, provenientes de diferentes epistemologias: o Modelo Tradicional-Linear de Harvard, o Modelo Transformativo de Bush e Folger e o Modelo Circular-Narrativo de Sara Cobb. A autora considera que existem diferenças fundamentais entre o modelo de Harvard e os outros dois quanto à conceitualização da comunicação e a meta do processo. Enquanto a escola de Harvard tem como meta o acordo, a transformativa busca a transformação da relação entre as partes envolvidas na disputa e a Circular-Narrativa foca tanto no acordo quanto nas relações.”[3]
Deve-se notar que o projeto de lei brasileiro acolhe implicitamente a orientação que vê na mediação um método para que as partes aprendam a administrar seus conflitos, já que proíbe expressamente que o mediador sugira uma proposta específica de acordo para as partes.
4. Quem pode ser mediador:
A legislação Argentina prevê que o mediador deve ser advogado com pelo menos 3 anos de experiência profissional. O mediador pode ser escolhido diretamente pelas partes ou mediante sorteio dentre os mediadores cadastrados.
Na Colômbia, a conciliação pode ser levada a cabo por determinadas classes de funcionários públicos ou por conciliadores de centros de conciliação privados (estas duas categorias deverão ser devidamente treinadas), por notários (titulares de cartórios extrajudiciais) e, ainda, por advogados. Em nenhum caso, porém, exige-se um tempo mínimo de experiência profissional. Somente os advogados podem conciliar baseados no direito, ao passo que todos os demais podem conciliar com base na eqüidade.
No Brasil, o projeto de lei prevê a mediação feita por advogados com pelo menos 3 anos de atuação profissional ou por profissionais de outras áreas, mas todos eles devem ser previamente capacitados em mediação. O projeto não deixa claro se o Poder Público deverá contratar mediadores ou se a atividade será prestada apenas por entidades da sociedade civil. A exemplo do que ocorre na Argentina e na Colômbia, provavelmente, a atividade de mediação tanto será prestada no seio do Judiciário como por entidades sem fins lucrativos que se dediquem à atividade. Em verdade, as experiências de mediação, na prática brasileira, já vêm se desenvolvendo, à falta de previsão legal específica, há alguns anos, de forma pulverizada, em alguns Estados, seja dentro de órgãos judiciários, seja através de centros de mediação privados.
5. Fiscalização das atividades de mediação:
Na Argentina, o Registro de Mediadores é de responsabilidade do Ministério da Justiça. Além disso, funciona uma Comissão de Seleção e Fiscalização dos Mediadores, constituída por representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Na Colômbia, é também o Ministério da Justiça o órgão encarregado da fiscalização das entidades de conciliação (bem como das entidades de arbitragem).
De acordo com o projeto de lei brasileiro aprovado no Senado, a OAB fica encarregada de exercer a fiscalização da conduta dos mediadores judiciais (advogados), ao passo que aos Tribunais de Justiça é incumbida a tarefa de fiscalizar os mediadores extrajudiciais (demais profissionais capacitados em mediação). Também atua como fiscal, no caso da mediação incidental, o juiz da causa, que pode afastar o mediador e comunicar a irregularidade por ele praticada à OAB ou ao Tribunal de Justiça, conforme o caso.
6. Prazo para realização da mediação:
Na Argentina, o prazo para concluir a tentativa de mediação é de 90 dias a contar do registro da reclamação e de 30 dias quando se tratar de processo de execução. Na Colômbia, o prazo é também de 90 dias a contar do registro da solicitação de conciliação.
No projeto de lei brasileiro, o prazo previsto é de 90 dias a contar do requerimento da mediação, sendo ela prévia. No caso da mediação incidental, não está claro no projeto qual o termo inicial do prazo.
7. Incompatibilidades com a função de mediador:
As legislações sobre o assunto cuidaram de trazer alguns requisitos éticos, a fim de garantir a imparcialidade do mediador ou do conciliador.
Na Argentina, o mediador ficará impedido de atuar para qualquer das partes até um ano após a cessação de sua atuação como mediador, não no caso concreto, mas do exercício da atividade. A proibição é definitiva no que diz respeito às causas em que atuou como mediador.
Na Colômbia, os conciliadores ficam impedidos, em definitivo, de atuar como árbitros, consultores ou procuradores de qualquer das partes em assuntos relacionados ao conflito em que tenham atuado. Prevê ainda a legislação que os centros de conciliação ficam impedidos de atuar em casos nos quais eles ou seus membros sejam diretamente interessados.
O projeto de lei brasileiro prevê que o mediador fica impedido por dois anos (a contar do encerramento da atuação no caso) de prestar qualquer serviço às partes; e, em se tratando de matéria correlata à mediação, o impedimento é definitivo. Naturalmente, prevê-se também que os casos de impedimento e suspeição de juízes estendem-se a mediadores.
8. A figura do co-mediador:
A legislação colombiana prevê que os estudantes do último ano de Psicologia, Serviço Social, Psicopedagogia e Comunicação Social poderão realizar seus estágios em centros de conciliação, apoiando o trabalho do conciliador e o desenrolar das audiências. A legislação argentina não trata do assunto.
O projeto de lei brasileiro inova ao prever a figura da co-mediação, sempre que for recomendável pela natureza ou complexidade do conflito, a qual deverá ser realizada por profissional especializado na área de conhecimento a que concerne o litígio. Prevê-se ainda a figura da co-mediação obrigatória nas controvérsias “que versem sobre o estado da pessoa e direito de família”, casos em que o co-mediador deverá ser um psiquiatra, psicólogo ou assistente social. A previsão merece aplauso, a nosso ver.
9. A participação do advogado na mediação:
A legislação argentina prevê que a assistência do advogado é obrigatória. A legislação colombiana prevê como facultativa a participação do procurador na audiência de conciliação.
O projeto de lei brasileiro, por seu turno, estabelece, de forma bastante obscura, que “a cientificação ao requerido conterá a recomendação de que deverá comparecer à sessão acompanhado de advogado, quando a presença deste for indispensável.” Mais adiante, dispõe que “a intimação deverá conter a recomendação de que as partes deverão se fazer acompanhar de advogados, quando indispensável a assistência judiciária”. Ora, não existe legislação dispondo sobre a indispensabilidade da presença do advogado na mediação! O projeto, de forma dissimulada, simplesmente deixou o assunto em aberto, o que representa uma grande dificuldade prática na implementação do mesmo.
10. Medidas necessárias para viabilizar a mediação no Brasil:
10.1. Capacitação dos mediadores:
O projeto de lei brasileiro estabelece que caberá à OAB, aos Tribunais de Justiça e às pessoas jurídicas especializadas em mediação a realização de cursos para formação e também a seleção de mediadores.
Remete-se ao regulamento, naturalmente, a questão dos critérios de aprovação em tais cursos, bem assim, implicitamente, a questão da duração e dos conteúdos mínimos dos cursos em questão. Estes temas deverão ser muito bem pensados para que a atividade de mediação se desenvolva com eficiência, ética, e em benefício de um acesso à justiça no sentido mais amplo do termo. Faz-se necessária a uniformização de conteúdos básicos para tais cursos a nível nacional, o estabelecimento de critérios sérios para seleção do corpo docente, a inclusão de períodos de prática supervisionada e, evidentemente, critérios instrumentais de avaliação dos conhecimentos teóricos e das atividades práticas desenvolvidas a fim de selecionar apenas aqueles que efetivamente estejam em condições de exercer a desafiante atividade de mediador.
10.2. Mudanças na formação dos operadores jurídicos:
Qualquer estudante ou Bacharel em Direito no Brasil sabe que temos – e sempre tivemos – uma formação jurídica baseada na cultura do litígio. Não somos capacitados para a solução pacífica ou democrática de controvérsias. Quando se usa o termo pacífica aqui, se quer enfatizar que a solução judicial não deixa de ser, como se sabe, uma solução violenta, a violência monopolizada e institucionalizada pelo Estado. Trata-se sempre de uma solução autoritária, já que imposta e não resultante da vontade das partes.
Entretanto, nós operadores jurídicos somos formados apenas para litigar, temos a cultura adversarial, do enfrentamento, não somos treinados para ouvir, para dialogar, para identificar as prioridades e os reais interesses. Somos acostumados a pensar que, necessariamente, alguém vai ganhar e alguém vai perder.
Naturalmente, esta não é a cultura da mediação. O advogado que resolver se dedicar a esta atividade terá que rever seus paradigmas, suas técnicas e passar por profunda transformação profissional e quiçá pessoal.
E aqueles que não resolverem se dedicar a esta atividade terão a obrigação ética de explicar aos seus clientes que existe essa possibilidade de resolução de conflitos, como ela funciona, quais as suas vantagens, bem assim de orientá-los e assisti-los, colaborando com eles e com os mediadores, durante o processo de mediação.
Para que a atividade efetivamente se expanda e produza os frutos que a população brasileira, tão carente de justiça, necessita, será necessário, ainda, que seja revisto o currículo mínimo dos cursos jurídicos, incluindo-se estas temáticas como conteúdo obrigatório, a nível teórico e prático. Naturalmente, depende também de nós, sobretudo os professores de Direito e operadores jurídicos, procurar nos inteirar desse novo assunto e contribuir para a realização dos seus objetivos, já que é dever de todos nós contribuir – seja implementando, seja criticando e aperfeiçoando a proposta – com a realização de mecanismos mais eficazes de acesso à resolução de conflitos.
10.3. Definição dos valores a serem cobrados e da responsabilidade pelo pagamento dos mediadores nas causas de justiça gratuita:
O projeto de lei estabelece que a atividade de mediador será remunerada. Dispõe ainda que o valor pago a título de honorários do mediador será abatido das custas do processo, caso não haja acordo. Não resolve, porém, a questão da responsabilidade pelo pagamento do mediador nos conflitos envolvendo beneficiários da justiça gratuita, o que é uma questão das mais significativas, já que não se poderá depender apenas da atuação de voluntários para que o sistema funcione de forma a atender a demanda e, evidentemente, se o sistema funcionar bem, o maior número de interessados, possivelmente, será de pessoas carentes.
11. Considerações finais:
Embora não exista unanimidade sobre a eficiência, na prática, da mediação na Argentina e da conciliação na Colômbia, basicamente pela falta de estudos completos sobre os resultados obtidos nas tentativas de mediação e conciliação e seu impacto no tempo de duração dos litígios, bem como sobre a satisfação da partes em relação à solução do conflito, é inevitável reconhecer que os princípios da mediação são os mais adequados a uma solução definitiva dos conflitos. A mediação é também uma prática que tem sido experimentada, com mais ou menos sucesso, na solução pacífica de conflitos internacionais, com os enormes benefícios que isto acarreta neste âmbito, em que as soluções heterônomas são praticamente destituídas de força coercitiva.
São interessantes as ponderações de Rosemary Padilha a respeito da posição que deve ser ocupada pela mediação no sistema de resolução de conflitos:
“Para cumprir com o objetivo de agilizar a Justiça, a mediação deveria ser o primeiro serviço prestado ou disponível às pessoas que, não conseguindo chegar a um consenso por si mesmas, buscam a ajuda de um terceiro. A meu ver, não deveria ser uma alternativa de resolução de conflitos, mas a forma natural, normal dentro da cultura, a primeira opção. Caso não fosse possível resolver o conflito com a ajuda de um terceiro imparcial, o mediador, cuja função é facilitar a comunicação, favorecer o diálogo na busca de um acordo amigável, então sim, se buscaria uma alternativa adversarial em que o poder decisório fosse delegado ao terceiro.” [4]
Quero concluir com as palavras de Mary Parker Follett, uma americana que estudou o assunto em meados da década de 20, e que não poderia ter comparado melhor os princípios da solução litigiosa e violenta com os da solução pacífica e negociada de conflitos:
“Al hacer un alegato para algún experimento de cooperación internacional, yo recuerdo con humillación que hemos luchado porque esa es la manera fácil. No se resuelven problemas peleando. Los problemas que provocaron la guerra estarán todos allí esperando para arreglarse cuando la guerra termine. Pero tenemos a guerra como la línea de menor resistencia. Tenemos guerra quando la mente abandona su trabajo de acordar y convenir por ser demasiado difícil. Se dice frequantemente que el conflicto es uma necesidad del alma humana, y que si el conflicto alguna vez desapareciera entre nosotros, los individuos se deteriorarán y la sociedad se derrumbaría. Pero el esfuerzo de acordar es tanto más difícil que la posición comparativamente fácil de pelear, que podemos endurecer nuestros músculos espirituales mucho más eficientemente con lo primero que con lo segundo.” [5]
Mestre em Direito do Estado UFPR e Doutoranda em Direito UFSC
Professora de Direito Constitucional da FACINTER
Advogada e Consultora Jurídica
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