Medidas cautelares ou de antecipação de tutela na arbitragem

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[1] certa insegurança na aplicação de regras processuais dos Estados quanto ao reconhecimento e execução de medidas cautelares, provisórias ou de antecipação de tutela emitidas em outros países, em procedimentos arbitrais. Tais cautelares, porém, são fundamentais para preservar o efeito e eficácia das sentenças a serem proferidas pelo(s) árbitro(s), em certos casos, e a insegurança para sua aplicação deve ser superada. Nas diversas jurisdições essa insegurança pode estar fixada na definição de quem pode conceder a tutela de urgência antes de iniciado o processo arbitral, ou no seu curso, se o tribunal arbitral ou o poder judiciário. Ou, ainda, se a ordem pública interna dos Estados aceitará a coercitividade de alguma dessas medidas.


Devido à lógica, as medidas cautelares e mesmo de antecipação de tutela na arbitragem devem ser outorgadas pelos árbitros. O posicionamento ideal na prática e quanto à doutrina dominante é o de que essas medidas sejam da alçada dos próprios árbitros, pois são eles que virão posteriormente a julgar a causa em sede arbitral, e assim poderão avaliar, in limine, os pressupostos do fumus boni juris e periculum in mora, com análise contrabalanceada do periculum in inverso.


Mas, ao mesmo tempo, não há proibição de que sejam requeridas, pelas partes e/ou pelos árbitros aos juízes estatais e, em todos os casos, quando deferidas e não cumpridas, sejam mandadas executar, coativamente, pelo judiciário.


A Lei-Modelo da Comissão das Nações Unidas para o Desenvolvimento do Comércio Internacional (Uncitral) sobre a Arbitragem Comercial Internacional, que serve de inspiração a diversas leis nacionais, estabelece em seu artigo 9º, não ser “incompatível com uma convenção de arbitragem uma parte requerer uma medida provisória de proteção (an interim measure of protection) a um tribunal, antes ou durante o processo arbitral, bem como a concessão dessa medida pelo tribunal”. Assim, a Lei-Modelo, colocou em pauta a possibilidade de poderem as partes, sem contrariarem a convenção de arbitragem, recorrerem também a um tribunal estatal para obterem o mesmo provimento de urgência, prosseguindo nas obrigações de realização do processo arbitral, independentemente da medida provisória a ser pleiteada e executada, judicialmente, quando for o caso.


Idêntica estipulação faz parte de diversas legislações arbitrais e de regras de instituições sobre a arbitragem como fórmula de solução de conflitos. O artigo 26 do Regulamento Modelo de Arbitragem da Uncitral que, em princípio, se destina a regulamentar arbitragens ad hoc, dispõe clara e textualmente sobre o tema, em seu artigo 26, não deixando dúvidas de que, por solicitação de quaisquer das partes o tribunal (arbitral) pode tomar qualquer medida provisória que considere necessária a respeito da matéria objeto da disputa, incluindo medidas para a conservação de bens envolvendo este objeto, como tais as que ordenem seu depósito com um terceiro ou a venda de bens perecíveis (26.1). E no item 26 (2), que tais medidas tomarão a forma de sentenças interlocutórias, sendo o tribunal arbitral autorizado a requerer garantias para o custeio das mesmas. Em poucas e claras palavras aqui está retratada, na forma do dispositivo arbitral regulamentar da Uncitral, as sugestões dessa que é a Comissão criada em 1966 pelas Nações Unidas para remover obstáculos legais ao fluxo do comércio internacional (reducing or removing legal obstacles to the flow of international trade).


Sendo o direito dinâmico, mais recentemente criaram-se condições para que antes mesmo de se instaurar o procedimento arbitral uma medida cautelar possa ser emitida não pelo judiciário nem propriamente pelo árbitro ou árbitros aos quais caberá analisar o mérito da arbitragem, mas, no mesmo contexto, com auxílio da entidade administradora da arbitragem, por alguém, um tipo de árbitro especial, nomeado preliminarmente pelas partes.


A CCI criou, ao final de 2006 (Publicação CCI 838), Regulamento instituindo um procedimento cautelar pré-arbitral a fim de permitir às partes que assim tenham convencionado, recorrer imediatamente a uma pessoa (denominada “Terceiro Ordenador”) investida de poderes para determinar medidas tendentes a solucionar um problema urgente, inclusive a preservação ou a conservação de provas. Essa determinação, diz o Regulamento, poderá proporcionar uma solução provisória para a controvérsia e estabelecer as bases para a sua solução final, por transação ou por qualquer outro meio.


O recurso a esse procedimento cautelar pré-arbitral, diz ainda o Regulamento, não interfere na competência de qualquer jurisdição arbitral ou estatal competente para julgar o mérito da controvérsia, aconselhando o mesmo regulamento que as partes investiguem nas legislações aplicáveis de seus países se o procedimento cautelar pré-arbitral previsto não apresenta alguma incompatibilidade com a mesma.


Da mesma forma, a AAA criou Regras Opcionais para Medidas Cautelares Emergenciais de Proteção, que as partes podem adotar, através de um ajuste especial ou mesmo na convenção arbitral, para aplicar essas medidas antes da constituição do painel arbitral. Tais regras, que se subdividem em sete itens, acham-se aqui transcritas, no original em inglês, na nota de rodapé número 8 (B) “optional rules for emergency measures of protection”.


Nelas se vê que poderá ser nomeado um único árbitro, de um painel especial para emergências representadas por cautelares a serem expedidas antes da constituição do painel de árbitros e que este árbitro proferirá a cautelar numa sentença interlocutória, que poderá requerer caução numa proporção suficiente para permitir a sua execução.


No Brasil o Código de Processo Civil preceitua que, além dos procedimentos cautelares específicos que regula no capítulo II, que são, entre outros, o arresto, seqüestro, caução, busca e apreensão, exibição judicial, produção antecipada de provas, alimentos provisionais, arrolamento de bens, justificação de fato ou relação jurídica, protestos, notificações e interpelações, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause lesão grave e de difícil reparação ao direito da outra. O artigo 800 do mesmo CPC dispõe que as medidas cautelares, quando preparatórias, devem ser requeridas ao Juiz competente para conhecer da ação principal.


A lei brasileira de arbitragem, objeto de tantos e tão merecidos elogios, no que diz respeito a medidas cautelares não andou, todavia, muito bem, em termos redacionais, cometendo um engano, embora tautológico, ao dispor de uma forma que a melhor e mais lógica interpretação teria que, na verdade, transformar para tornar funcional ou mais funcional.


Na redação do parágrafo 4o do artigo 22, nossa Lei previu que havendo necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, “os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria, originalmente, competente para conhecer a causa”.


Entre nós essa expressão da lei “os árbitros poderão solicitá-las”, gerou um movimento de real interpretação “progressista”, em que vários comentaristas da Lei de arbitragem, como Carlos Alberto Carmona (neste caso lembrado também como um dos participantes da Comissão Relatora da Lei e, assim, um dos seus interpretes autênticos) e Joel Dias Filgueira Júnior sustentaram, desde logo, não excluir a possibilidade de que os árbitros venham a determinar as medidas cautelares e requererem (solicitarem) sua execução ao judiciário, quando isto se faça necessário, mesmo que as partes, elas mesmo, possam também requerer a concessão dessas medidas ao judiciário diretamente, antes da instauração da arbitragem.


Partindo da base processual para a análise da aplicação da antecipação de tutela ao processo arbitral deve-se considerar que o artigo 273 do CPC dispõe poder o juiz, a requerimento da parte, “antecipar total ou parcialmente os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação e; II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.”


A tutela antecipada, sem constituir, propriamente, uma sentença parcial, mas sim uma decisão provisória, que pode ou não ser mantida no laudo ou sentença arbitral final, embora produza efeitos no curso do processo, na opinião do professor Magalhães que aqui reproduzimos e à qual aderimos, “pode ser adotada no processo arbitral, desde que prevista expressamente na convenção arbitral pelas próprias partes ou no regulamento da instituição da arbitragem por elas eleita para regular-lhes a composição da controvérsia”


O epicentro da arbitragem internacional situa-se muitas vezes, numa área fluida, caracterizada por determinantes dependentes da aplicação dos métodos selecionadores das legislações nacionais e das jurisdições competentes e esta complexa teia de fatores atua, por exemplo, na determinação de medidas provisórias ou de antecipação de tutela, em que se alterna a competência original dos tribunais arbitrais e do judiciário estatal e pelos procedimentos de reconhecimento e execução, em cada país, das sentenças arbitrais consideradas estrangeiras, nos termos das convenções internacionais e das legislações internas dos Estados.


As perspectivas para o desenvolvimento e simplificação da regulamentação da arbitragem comercial internacional à luz de suas necessidades práticas, depende, em verdade, de como os problemas a ela relativos serão abordados de lege ferenda. Um desses pontos, certamente, diz respeito à mútua assistência entre cortes estatais e árbitros com relação ao cumprimento de medidas cautelares em processos arbitrais.


Na 67ª Conferência do Comitê sobre Contencioso Internacional Cível e Comercial (Committee on International Civil and Commercial Litigation) da International Law Association, realizada em Helsinque, em 1996, foram adotados vários princípios de aperfeiçoamento acerca das medidas cautelares nos litígios internacionais. A Conferência decidiu enviar as recomendações assim sugeridas para serem consideradas pela Uncitral e pela Conferência da Haia sobre Direito Internacional. Com a maior urgência possível deveriam ser consideradas essas sugestões acerca das medidas cautelares nos procedimentos arbitrais, em que existem, talvez, maiores incertezas quanto a sua execução nos diversos países.


A falta de convenções internacionais prevendo a execução transnacional de medidas acautelatórias nas arbitragens não colabora para um sistema efetivo e cooperacional de justiça transnacional. O tema não foi referido no Protocolo de Genebra de 1923, ou na Convenção de Genebra de 1927, ou, ainda, na Convenção de Nova Iorque de 1958, e, ainda, não pode ser resolvido pela simples indicação feita nos artigos 9º e 17º da Lei-Modelo da Uncitral.


A melhor interpretação da Convenção de Nova Iorque, aliás, afasta o reconhecimento e execução de medidas cautelares a serem cumpridas de um país para outro da noção de sentenças arbitrais estrangeiras, embora alguns, poucos juristas internacionais, sustentem ser possível interpretar que a dita Convenção também abriga, em referências indiretas, essas medidas.


A sugestão de diversos internacionalistas, neste sentido, é a de que a Convenção de Nova York, após cinqüenta anos, possa vir a ser aditada através de uma Convenção suplementar, para passar a permitir entre os países signatários, com maior efetividade e simplificação, o reconhecimento e execução também de medidas cautelares, ampliando-se o critério atualmente contido no artigo V (I) (e) da referida Convenção, no sentido de que o reconhecimento e execução das sentenças arbitrais estrangeiras dependam de terem as mesmas transitado em julgado e delas não mais pender qualquer recurso, ou seja, de serem sentenças arbitrais de meritis, definitivas.




Nota:

[1] Artigo publicado na Revista Consultor Jurídico, 24 de julho de 2008


Informações Sobre o Autor

José Maria Rossani Garcez

Advogado no Rio de Janeiro, titular de J. M. Garcez Advogados Associados – www.jmgarcezadv.com.br – Professor de Direito Internacional Privado e Público na Universidade Cândido Mendes Ipanema; Mestre em Direito Internacional e da Integração pela UERJ.