A Medida Provisória surgiu, no Direito Brasileiro, com a promulgação da Constituição de 1988 e em substituição ao instituto do Decreto-lei.
A figura do Decreto-lei remonta à era Vargas, tendo sido criada pela Constituição que este promulgou em 1937, a qual outorgava, ao Presidente da República, a competência para expedir livremente decretos-lei sobre organização do Governo e da administração federal, o Comando Supremo e a organização das forças armadas.
Previa-se também que o Presidente da República poderia expedir decretos-lei sobre outros temas, desde que autorizado pelo Parlamento além do que, em recessos do Parlamento ou em caso de dissolução da Câmara dos Deputados, poderia o Presidente da República expedir decretos-lei sobre quase todas as matérias de competência legislativa da União, excetuando-se somente modificações à Constituição, direito eleitoral, direito tributário, orçamento, instituição de monopólios, moeda, empréstimos públicos e alienação e oneração de bens imóveis da União.
Getúlio Vargas, como admirador do direito e de seus institutos, sempre “respeitou” tais limitações constitucionais, visto que, apesar de ter legislado sobre direito tributário, direito eleitoral, instituição de monopólios, moeda, empréstimos públicos e alienação, oneração de bens imóveis da União e até ter efetuado alterações na Constituição, nunca se valeu do instituto do Decreto-lei para tanto.
Tamanho era o absurdo do instituto do Decreto-lei, que a Constituição de 1946 fez questão de extingui-lo. Todavia, após o Golpe Militar de 31 de março de 1964 (ocorrido efetivamente em 1º de abril, mas feito com data retroativa para não ser motivo de piada), foi reintroduzido o instituto do Decreto-lei no Direito Brasileiro.
Tanto a Constituição de 1967 como a de 1969 dispunham que o Presidente da República poderia, em casos de urgência ou de interesse público relevante, expedir decretos com força de lei, com vigência imediata, sobre o qual o Congresso Nacional deveria deliberar no prazo de 60 dias.
Ao Congresso Nacional cabia aprovar ou rejeitar o Decreto-lei, não podendo alterar-lhe o teor. Caso não deliberasse no prazo de 60 dias, o Decreto-lei era tido como tacitamente aprovado. Em caso de rejeição, o Decreto-lei era tratado juridicamente como ato revogado, visto que eram mantidos os efeitos produzidos durante o tempo em que tinha estado em vigor.
Durante a constituinte que culminou com a promulgação da Constituição de 1988, sugeriu-se a implantação de Regime Parlamentarista e, neste contexto parlamentarista, a exemplo do que ocorre na França e na Itália, a existência de Medidas Provisórias. Contudo, o Regime Parlamentarista foi derrubado em plenário, mas ficou mantida a figura da Medida Provisória.
Em relação à figura da Medida Provisória, tal como concebida no Brasil, prevê-se a possibilidade de sua promulgação, por parte do Presidente da República, e a necessidade de apreciação por parte do Congresso Nacional.
Todavia, em coerência com o nome “provisória”, o texto constitucional estabelece que, caso não seja esta aprovada no Congresso Nacional, a Medida Provisória perde seus efeitos desde a sua edição, gerando conseqüências no mínimo incomuns, visto que os atos praticados em conformidade com Medida Provisória não aprovada no Congresso Nacional não são jurídicos nem tampouco antijurídicos, tem-se a figura de atos pairando no éter do Direito.
A figura da Medida Provisória tornou-se tão mal utilizada no Brasil que veio sendo gradativamente limitada. Inicialmente foi impedida de ser utilizada para dispor sobre matérias alteradas por Emendas Constitucionais, posteriormente foi impedida sua reedição.
Todavia, enquanto o Congresso Nacional vem gradativamente limitando o uso de Medidas provisórias, o STF ao julgar, em 4 de setembro de 2002, a ADI 425, decidiu que os governadores dos Estados e do Distrito Federal podem editar Medidas Provisórias, em caso de relevância e urgência, desde que a adoção destas esteja prevista na Constituição Estadual e desde que sejam também atendidos os limites previstos na Constituição Federal.
Esta Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 425) havia sido proposta, em 1990, pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) em relação a três Medidas Provisórias editadas pelo Governador do Estado do Tocantins e posteriormente convertidas em lei pela Assembléia Legislativa.
Tem-se um sistema federativo quando o país é organizado em unidades dotadas de autonomia e, no Brasil, a Constituição Federal, em seu artigo 18, estabeleceu que “a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”.
Portanto, no Brasil, os entes federativos são dotados da autonomia que lhes for assegurada pela Constituição Federal.
Ao disciplinar os Estados Federados, a Constituição Federal estabeleceu, em seu art. 25, §1º, que “são reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição”.
Em relação aos Estados Federados e ao Distrito Federal, a Constituição Federal assegurou a denominada competência residual, ou seja, compete-lhe tudo aquilo que não tenha sido vedado ou que tenha sido reservado, pela própria Constituição, a outros entes federados, seja a União, sejam os Municípios.
Quando a Constituição Federal criou a figura da Medida Provisória, não reservou sua competência apenas ao âmbito federal, por conseguinte, sob a ótica constitucional, não há efetivamente óbice a que Estados Federados ou o Distrito Federal adotem medidas provisórias em suas Constituições.
Portanto, sob a ótica jurídica/constitucional, compartilho do entendimento manifestado pela maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, qual seja, a de que não há empecilho há que Estados ou o Distrito Federal adotem o instituto da Medida Provisória.
Por outro lado, sob o aspecto prático, não posso deixar de concordar com o Min. Carlos Velloso quando, ao defender seu voto contrário, disse que “não deveria o Supremo Tribunal Federal conceder aos Estados a faculdade de edição de Medidas Provisórias, que tantas preocupações trouxe a esta Corte”.
Imagino que, após esta decisão do STF, poucos serão os governadores que deixarão de propor emenda, em relação à Constituição de seu Estado, prevendo a possibilidade de adoção de Medida Provisória estadual.
Se hoje já causa arrepios o fato de ter-se um Presidente da República legislando por meio de Medidas Provisórias, imagine-se a situação na qual têm-se, além do Presidente da República, 27 governadores legislando por meio de Medida Provisória.
Não é preciso frisar que provavelmente, tal como ocorre na União, o principal tema a ser tratado pelos Estados, por meio de Medidas Provisórias, sejam questões tributárias.
Parece que estamos cada vez mais distantes de termos um sistema tributário racional, justo e, sobretudo, constante e estável.
Informações Sobre o Autor
Dênerson Dias Rosa
Consultor Tributário, ex-Auditor Fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado de Goiás e sócio da Dênerson Rosa & Associados Consultoria Tributária.