Medidas sócio-educativas: sinônimo de Pena?

1 – A imputabilidade penal e as medidas sócio-educativas

A palavra imputabilidade tem origem no verbo imputar, que significa atribuir a alguém determinada responsabilidade. Imputabilidade penal, portanto, é a atribuição da responsabilidade penal.

A responsabilidade penal torna a pessoa suscetível de aplicação das normas estabelecidas no Código Penal e de suas sanções, se suas determinações não forem cumpridas.

Logo, imputabilidade penal é a suscetibilidade de tornar a pessoa sujeito do Direito Penal, sendo então considerada como uma condição ou qualificação daquele que pode ser sujeito ativo de ilícito penal.[1]

Os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis, motivo da não aplicação dos dispositivos do Código Penal. Além de estar disposto no atual Código Penal brasileiro[2], a inimputabilidade penal dos menores de dezoito anos incorporou-se à Carta Magna brasileira em 1988, quando foi promulgada, com sua disposição no art. 228:

“Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.”

O menor de dezoito anos é inimputável penalmente, mas está sujeito às normas presentes na legislação especial. Desde 1990, os adolescentes – pessoas de 12 a 18 anos de idade – são responsabilizados por seus atos frente ao Estatuto da Criança e do Adolescente.

O Estatuto foi criado para dar maior ênfase à situação da criança e do adolescente e dar-lhes o status de sujeitos de Direito, para tal fim se projeta com uma proposta insurgente: a responsabilização social. Assim, para atos infracionais cometidos por menores de dezoito anos, o Estatuto prevê medidas sócio-educativas que são dispostas em grau de severidade, no seu art. 112, dependendo, para a aplicação de cada medida, de algumas questões fundamentais que são: a capacidade do adolescente em cumprir determinada medida, as circunstâncias que sucedeu o suposto ato infracional e a gravidade deste último.

As medidas sócio-educativas são prescritas conforme os artigos do Título III, Capítulo IV do Estatuto. Vejamos os artigos das Seção I, “Disposições gerais”, os quais enumeram e caracterizam as tais medidas:

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

I – advertência;

II – obrigação de reparar o dano;

III – prestação de serviços à comunidade;

IV – liberdade assistida;

V – inserção em regime de semiliberdade;

VI – internação em estabelecimento educacional;

VII – qualquer uma das medidas previstas no art. 101, I a VI[3].

§ 1.º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.

§ 2.º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.

§ 3.º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.

Art. 113. Aplica-se a este capítulo o disposto nos arts. 99 e 100.[4]

Art. 114. A imposição das medidas previstas nos incisos II a IV do art. 112 pressupõe a existência de provas suficientes da autoria e da materialidade da infração, ressalvada a hipótese da remissão, nos termos do art. 127.

Parágrafo único. A advertência poderá ser aplicada sempre que houver prova da materialidade e indícios suficientes da autoria.”

2 – Medidas sócio-educativas: sinônimo de pena?

A Doutrina da Proteção Integral, como lembra Gomes da Costa, “afirma o valor intrínseco da criança como ser humano; a necessidade de especial respeito à sua condição de pessoa em desenvolvimento; o valor prospectivo da infância e da juventude, como portadora da continuidade do seu povo e da espécie e o reconhecimento da sua vulnerabilidade, o que torna as crianças e adolescentes merecedores de proteção integral por parte da família, da sociedade e do Estado, o qual deverá atuar através de políticas específicas para promoção e defesa de seus direitos”[5].

O Estatuto da Criança e do Adolescente, em consonância com tal Doutrina, tem por fundamento o seguinte tripé: liberdade, respeito, dignidade.

Quando se pensa nas múltiplas formas de violência, as quais atingem não apenas o caráter físico, como também psicológico, podemos citar mais explicitamente os maus-tratos, a violência sexual em suas várias modalidades, a exploração da força de trabalho infantil, os injustificáveis encarceramentos de adolescentes, etc. são situações reveladoras da falta de respeito para com a nossa infância e adolescência, que de uma forma flagrante ou mascarada rompem com o paradigma que, a todo custo, estamos tentando instituir: a criança e o adolescente como sujeitos de direitos. O que significa que não mais podemos coisificá-los, não mais podemos concebê-los como objetos que passivamente são colocados frente à família, à sociedade e ao próprio Estado. Nesse sentido constitui-se o conceito de criança cidadã, de jovem cidadão, pois não é mais um elemento carente, merecedor de atitudes piegas, a necessitar benefícios, antes é um cidadão, sujeito portanto de direitos exigíveis.

Conceber crianças e adolescentes como pessoas humanas em condições peculiares de desenvolvimento e assim, merecedores de cuidados e atenções especiais implica numa das principais conquistas advindas com a Lei 8.069/90. Esse entendimento resulta no seguinte fato: além dos direitos que os adultos possuem e desfrutam, os quais seriam também aplicáveis à criança e ao adolescente, dentro de um grau de pertinência e adequação,  teriam estes, segundo ao autor supra citado, direitos especiais decorrentes das seguintes circunstâncias:

1 – a criança e adolescente ainda não terem acesso ao conhecimento pleno de seus direitos;

 2 – ainda não atingiram condições de defender seus direitos frente às omissões e transgressões capazes de violá-los;

 3 – não contam com meios próprios para arcar com a satisfação de suas necessidades básicas;

 4 – por se tratar de seres em pleno desenvolvimento físico, emocional, cognitivo e sócio-cultural, a criança e o adolescente não podem responder pelo cumprimento das leis e demais deveres e obrigações inerentes à cidadania da mesma forma que os adultos[6].

Vale ressaltar que, enquanto sujeitos de direitos, possuem aqueles descritos e garantidos no arts. 5º (direitos e deveres individuais e coletivos) e 6º (direitos sociais) da Constituição Federal.

O Estatuto da Criança e do Adolescente ao ter recepcionado a Doutrina da Proteção Integral, além de considerar a criança e o adolescente como sujeito – pessoa em condição peculiar de desenvolvimento – contempla, ainda, a questão da prioridade absoluta. A infância e a adolescência, admitidas enquanto prioridade imediata e absoluta, exige uma consideração especial e isto significa que a sua proteção deve sobrepor-se às medidas de ajustes econômicos, com o objetivo de serem resguardados os seus direitos fundamentais. E mais, tal entendimento resultou na “prioridade absoluta constitucional” determinada no art. 227 da CF, regulamentada na Lei nº 8.069/90, em especial o art. 4º, § único:

“- primazia em receber proteção e socorro em qualquer circunstância;

– precedência no atendimento por serviço ou órgão público de qualquer poder;

– preferência na formulação e execução das políticas sociais públicas;

– destinação privilegiada de recursos públicos às áreas relacionadas com a proteção da infância e da juventude”.

Nesse universo diferenciado, entendemos que a Lei n. 8.069/90 efetivamente não contempla a medida sócio-educativa como uma sanção penal. Chama atenção o fato de que no art. 100 há a evidência de algo inovador: “Na aplicação das medidas, levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários”. Os artigos 119, II; 120, § 1º; 123, § único, de igual modo ratificam a importância das atividades pedagógicas, as quais são obrigatórias, mesmo nas internações provisórias, pois o que se pretende é sempre o resgate desta pessoa humana, inimputável penalmente, que, no entanto, transgrediu normas. O Estatuto acredita que a melhor forma de intervir nesse adolescente em conflito com a lei é incidir positivamente na sua formação, servindo-se, para tanto, do processo pedagógico, como um mecanismo efetivo, que possibilite o convívio cidadão desse adolescente autor de ato infracional em sua comunidade. Pretendem, pois, tais medidas, educar para a vida social.

3 – A idéia da responsabilização estatutária

Analisando a origem da palavra responsabilidade constatamos que significa responder, do latim respondere, portanto invoca a obrigação de assumir pelo ato praticado. A partir dessa premissa básica decorrem a responsabilidade penal, administrativa, civil e, agora, a recente responsabilidade estatutária.

Creio que não apresente nenhum conflito o fato de dizermos que já exista uma grande tradição jurídica em termos doutrinários e jurisprudenciais acerca das três primeiras responsabilidades citadas.

Tivesse pretendido o legislador constitucional ou tecnicamente falando, a assembléia nacional constituinte, que resultou na Magna Carta de 1988, responsabilizar penalmente os menores de dezoito anos não haveria resultado no já citado art. 208.

Com tal diferencial, o texto constitucional deflagrou uma modalidade nova de responsabilidade: aquela que deveria ser contemplada por uma legislação específica. E quando faço menção a esta legislação especial, convém elucidarmos que, com a instauração paulatina da democracia, não mais havia espaço para o segregador sistema previsto no Código de Menores de 1979, que circunscrevia a conceito de menoridade a seis categorias, os chamados menores em “situação irregular” – art. 2º (enumeração taxativa): abandonados ou privados de condições materiais mínimas; submetidos a maus-tratos; em perigo moral ou explorados em atividades contrárias aos bons costumes; privados de representação legal; que apresentavam desvio de conduta e, por último, os autores de infração penal.

Analisando tal dispositivo legal, somos forçados a concluir que o sistema jurídico que se auto intitulava como tutelador, na realidade inferiorizava, diminuía e mais, culpabilizava os excluídos. Reforçando aquele entendimento de que tínhamos no país (ou ainda temos na prática) apenas dois grandes sistemas jurídicos: o do Código Civil para os ricos e o do Código Penal para os pobres.

Foi, portanto, à luz da Constituição Federal de 1988 e dos documentos internacionais que desponta no cenário jurídico e social a Lei n. 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente.

A Lei 8.069/90 é uma norma insurgente, estruturando-se na realidade como um grito positivado de que não mais podíamos “premiar” a pobreza com a punição.

Mas é evidente que ao assumir esta proposta diferenciada não se deseja, nem se advoga a desresponsabilização, a ilicitude, a falta de limites. O menor de 18 anos é inimputável em termos penais, mas imputável estatutariamente.

O Estatuto é criticado por muitos que fazem sobre ele uma leitura parcial, dizendo que o mesmo só contempla direitos, que não prevê obrigações. Não é bem assim. O Estatuto obriga sim, ele responsabiliza condutas contrárias ao ordenamento jurídico através das medidas sócio-educativas.

Fiquemos atentos a seguinte questão: tratam-se de medidas sociais, o que importa entender o adolescente autor de ato infracional como um ser social, não uma patologia ou uma lacra moral que deveria ser objeto de um tratamento. Foi essa a matriz do Código Penal da República, de 1890, quando por força do positivismo, diminuiu a idade da responsabilidade penal, definida no Código Criminal do Império, de 1830, em 14 anos, para os 9 anos de idade, desde que agisse com discernimento.

O Estatuto da Criança e do Adolescente configura-se em uma lei que sem medo resolveu adentrar no difícil campo de crianças e adolescentes marcados por histórias de profundas violências. Não pretende que a esse contigente de cidadãos seja tão-somente assegurados bens materiais ou imateriais a que não tiveram acesso ou foram negligenciados, pois aí estaríamos incidindo na superfície da questão, ou mesmo poderíamos incorrer num erro do passado – culpabilizar única e exclusivamente a família pela situação dos filhos, quando, no entanto, faz-se necessário lançarmos um olhar sobre a nossa sociedade, cujo capitalismo chega aos limites da perversidade, marcada por profundas desigualdades, definidora de um thanatos social. Nesse contexto emerge a nova concepção trazida pelo Estatuto, que parte da idéia fundamental de à criança e ao adolescente é conferida a prioridade constitucional, a qual enseja numa série de respostas a serem tomadas de forma conjunta pela família, pela sociedade e pelo Estado, o que não implica unicamente no atendimento preferencial nos casos limites e emergenciais, vai muito além disso: que esse universo de pessoa humana adquira, efetivamente, o status da prioridade nas políticas públicas. Sobre este tema muitas considerações poderiam ser feitas mas gostaria de trazê-las para o âmbito de nossa discussão: o adolescente em conflito com a lei.

E, por conseguinte, a segunda resposta do Estatuto: as medidas além de serem sociais, o são também educativas. A educação como uma estratégia de intervenção nesse adolescente.

Vejam, não estou falando em tratamento e sim em intervenção, como um procedimento que, se aplicado dentro das matrizes do Estatuto, é capaz de possibilitar uma efetiva inserção desse adolescente na sociedade. Muitos poderiam estar questionando que, passados mais de doze anos do Estatuto, o quadro real da violência não foi objeto de uma alteração positiva, pelo contrário, a situação parece estar ainda mais grave, sobretudo se formos considerar as “razões” apresentadas pelos meios de comunicação, deflagrando a sensação de que mais crimes são cometidos por esses jovens que se “sentem” alforriados pela menoridade.

No entanto, analisemos objetivamente a nossa realidade: quando penso na situação da Febem/SP, que sequer sofreu alteração em seu nome, continua sendo a Fundação do Bem-estar do Menor, na qual os adolescentes são ali jogados – um verdadeiro depósito à moda dos presídios, dos indesejáveis sociais – sem qualquer atendimento psicossocial, pedagógico, de manutenção dos vínculos familiares e comunitários, sem atividades profissionalizantes, torna explícito um fato: o Estatuto da Criança e do Adolescente é flagrantemente desrespeitado. O modelo das instituições de internação, com raras exceções, continuam sendo a do passado, herdadas da fase correcional-repressiva. As pessoas, os prédios, a cultura ainda estão presos à concepção do menorismo, ou seja, da criança e do adolescente objetos e não de acordo com o novo comando constitucional e estatutário que ao proclamar a Doutrina da Proteção Integral elegem a criança e o adolescente como sujeitos de direitos.

O Estatuto opta, convém acentuar, como uma das estratégias de intervenção sobre o adolescente autor de ato infracional, pela educação.

Educação – algo tão antigo e sempre novo. Beccaria, ao insurgir-se contra as as injustiças dos processos criminais em voga – isso em 1764 – em seu opúsculo Dos delitos e das penas, invoca a razão e o sentimento. E dessa obra cito uma passagem preciosa para a compreensão do que estamos tratando:

“(…) o meio mais seguro, mas ao mesmo tempo mais difícil de tornar os homens menos inclinados a praticar o mal, é aperfeiçoar a educação.

(…) Um grande homem, que esclarece os seus semelhantes e que é por estes perseguido, desenvolveu as máximas principais de uma educação verdadeiramente útil. Fez ver que ela consistia bem menos na multidão confusa dos objetos que se apresentam às crianças do que no escolha e na precisão com as quais se lhes expõem.

Provou que é preciso preciso substituir as cópias pelo originais nos fenômenos morais ou físicos que o acaso ou a habilidade do mestre oferece ao espírito do aluno.

Ensinou a conduzir as crianças à virtude, pela estrada fácil do sentimento, a afastá-las do mal pela força invencível da necessidade e dos inconvenientes que seguem a má ação.

Demonstrou que o método incerto da autoridade imperiosa deveria ser abandonado, pois só produz uma obediência hipócrita e passageira”.[7]

Além desses argumentos, faço questão de tornar explícito as minhas concepções acerca da matéria que motiva este artigo: o caráter pedagógico-responsabilizador das medidas sócio-educativas:

Primeiramente constato que entre os chamados novos direitos sociais, os quais proclamam por uma visão multidisciplinar, o Direito da Criança e do Adolescente se consubstancia como um marco histórico, político e social nesse sentido. O próprio Estatuto, em vários momentos, evidencia sua escolha de não absolutização de sua autonomia, quando solicita o recurso à legislação processual civil, à lei da ação civil pública ou mesmo à Consolidação das Leis do Trabalho. Isto posto, em vez de postularmos por um Direito Penal Juvenil, o qual nos reporta aquela visão penalista da história: da sanção negativa, o castigo, a punição – tão desejáveis pelo Movimento da Lei e da Ordem – não seria mais adequado nos subsidiarmos dos grandes institutos garantistas, servindo-nos e efetivamente operacionalizando a “responsabilização estatutária” já recepcionada pelo Estatuto ?

O Direito Penal, ainda que não deva ser reduzido ao penitenciarismo, pelos seus vícios históricos é imprestável para servir de modelo, não se presta de paradigma por excelência para o Direito da Criança e do Adolescente. Faz-se necessário rompermos com a cultura do Talião, do castigo, da pena como sinônimo de fazer sofrer, de expiar pelo mal cometido, para a idéia da efetiva autonomia do sujeito adolescente, que está no bojo da responsabilização social. Ao responsabilizarmos estamos impondo limites, limites estes bem definidos pelo Estatuto que possibilitam o chamamento social, a partir dos 12 anos de idade. Se a Lei 8.069/90 não funciona, sob este prisma, é porque estamos trabalhando com profissionais inabilitados e/ou programas inadequados.

O garantismo pretendido já está previsto no próprio Estatuto, que nos arts. 106 ao 109 trata dos Direitos Individuais e mais especificamente nos arts. 110 e 111, que dizem respeito as garantias processuais: o devido processo legal, o contraditório, pleno e formal conhecimento da atribuição do ato infracional, entre outros.

Em segundo lugar, outra questão merece ser considerada: ainda que não pretendam os defensores do Direito Penal Juvenil o rebaixamento do limite da idade penal, esta concepção que traz em seu âmago a penalização do adolescente, possibilitará o desencadeamento ou mesmo servirá como justificativa para alicerçar as concepções dos que advogam a tese de que os adolescentes devam responder penalmente, ou seja, que sejam imputáveis frente a Justiça Penal Comum.

4 – Medidas sócio-educativas: algumas reflexões

O Estatuto da Criança e do Adolescente tem a pretensão de quebrar com a ideologia da normalidade punitiva e se instaura como um grande sistema alternativo à pena.

É evidente que, nessa percepção, de um modelo construído, a histórica visualização social de que para a prática de uma infração penal – crime ou contravenção – outra resposta não há, senão a própria pena, e como pena leia-se: carcerização, o Estatuto implica um rompimento com o instituído.

Neste contexto, a medida que se apresenta como mais complexa é a internação, que efetivamente impõe ao adolescente a restrição da sua liberdade. A internação constitui-se numa medida de contenção, sob a alegação da impossibilidade de se trabalhar com o adolescente em meio aberto, pois estamos diante de crimes graves. Mas existindo esta previsão estatutária, somos levados ao seguinte questionamento: na sua essência, a medida sócio-educativa de internação não violaria a Doutrina da Proteção Integral?

O Estatuto tem um compromisso real: o resgate com a cidadania, formada pelo tripé que lhe é básico: respeito, dignidade e liberdade. Contudo, ao analisarmos os atuais centros de internação existentes, em sua maioria, estão muito distantes dos princípios nele proclamados, de entidade educacional. E o quadro que descrevemos é agravado quando o meio jurídico, que no mais das vezes continua vinculado à cultura da prisionização, aplica a internação de modo genérico, sem a excepcionalidade e a brevidade de que fala a Lei nº 8.069/90.

Enfim, o Estatuto da Criança e do Adolescente precisa ser assimilado de forma sistêmica, dentro de sua nova filosofia, pois afinal por que toda a nossa dificuldade em cumprirmos esta lei, por que não somos capazes de viabilizar o Direito da Criança e do Adolescente e ainda, que modelo de Justiça da Infância e da Juventude queremos para o séc. XXI, o modelo do controle social, da exclusão, da carcerização, ou o modelo da autonomia, sustentada no trinômio: liberdade, respeito e dignidade, portanto, libertadora e ao mesmo tempo responsável?

 

Referência
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Notas:
[1] JÚNIOR, J.C.. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. p. 4549.
[2] Art. 27. Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.
[3] “Art. 101, I – encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II – orientação, apoio e acompanhamento temporários; III – matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de estudo fundamental; IV – inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;”
[4] “Art. 99. As medidas previstas neste Capítulo poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo.”
“Art. 100. Na aplicação das medidas, levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.”
[5] COSTA, Antônio Carlos Gomes da. “Natureza e implantação do novo Direito da Criança e do Adolescente” IN PEREIRA, Tânia da Silva (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei 8.69/90: estudos sócio-jurídicos,  p. 17.
[6] COSTA, A. C. Op. cit.,  p. 26.
[7]  BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas.Trad. de Paulo M. Oliveira.  Rio de Janeiro: Ediouro, s/d., p. 132.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Josiane Rose Petry Veronese

 

Professora Titular da disciplina Direito da Criança e do Adolescente da Universidade Federal de Santa Catarina, na graduação e nos Programas de Mestrado e Doutorado em Direito. Doutora em Direito. Vice-diretora do Centro de Ciências Jurídicas da UFSC e Coordenadora do NEJUSCA – Núcleo de Estudos Jurídicos e sociais da Criança e do Adolescente. Autora de vários livros entre os quais destacam-se: Interesses difusos e direitos da criança e do adolescente. Minas Gerais: Del Rey, 1997; Temas de direito da criança e do adolescente. São Paulo: LTr, 1997; Entre violentados e violentadores. São Paulo: Cidade Nova, 1998; Os direitos da criança e do adolescente.São Paulo: LTr, 1999; A tutela jurisdicional dos direitos da criança e do adolescente (em co-autoria com Moacyr Motta da Silva). São Paulo: LTr, 1998; Adoção internacional e Mercosul (em co-autoria com João Felipe Corrêa Petry). Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004; Poder familiar e tutela (em co-autoria com Lúcia Ferreira de Bem Gouvêa e Marcelo Francisco da Silva). Florianópolis: OAB/SC editora, 2005; Violência e exploração sexual infanto-juvenil: crimes contra a humanidade (org.). Florianópolis: OAB/SC editora, 2005; Violência doméstica: quando a vítima é criança ou adolescente (em co-autoria com Marli Marlene M. da Costa). Florianópolis: OAB/SC editora, 2005; Limites na educação: sob a perspectiva da Doutrina da Proteção Integral, do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Florianópolis: OAB/SC editora, 2006 (em co-autoria com Cleverton Elias Vieira). Trabalho infantil: a negação do ser criança e adolescente no Brasil. (em co-autoria com André Viana Custódio). Florianópolis: OAB editora, 2007; Educação versus punição: a educação e o direito no universo da criança e do adolescente (em co-autoria com Luciene de Cássia Policarpo Oliveira) Blumenau: Nova Letra, 2008

 


 

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