Resumo: Importante se mostra o papel do judiciário trabalhista na concretização e efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana e seus correlatos, utilizando-se da força normativa da Constituição, reconhecida, sobremaneira, a partir do fenômeno do neoconstitucionalismo, diante dos casos concretos, no intuito de realizar interpretações construtivas e evolutivas do direito laboral, buscando sempre o equilíbrio entre a livre-iniciativa e o princípio supramencionado.
Palavras-chave: Dignidade da pessoa humana. Judiciário trabalhista. Neoconstitucionalismo.
Abstract : Important shown the role of the labor judiciary in the implementation and realization of the principle of human dignity and its related , using the normative force of the Constitution, recognized greatly from the neoconstitutionalism the phenomenon, on individual cases , in order to implement constructive and evolutionary interpretations of labor law , always seeking a balance between free enterprise and the above-mentioned principle .
Keywords: Human dignity. Labor judiciary. Neoconstitutionalism.
Sumário: Introdução 1. Da Dignidade da Pessoa Humana. 2. Do Direito do trabalhador à saúde. 2.1 Convenções Internacionais de proteção à saúde do trabalhador. 2.1.1. Convenção n. 148 da OIT. 2.1.2. Convenção n. 155 da OIT. 2.1.3. Convenção n. 161 da OIT. 3. Do Direito do trabalhador ao meio ambiente laboral adequado. Conclusão. Referências.
Introdução
Inúmeras são as previsões constitucionais em matéria de segurança e saúde do trabalhador. No entanto, certo é que a Justiça do Trabalho via a questão do ponto de vista de pagamento de adicionais, com a monetarização dos riscos. O rumo dado pelo legislador conduziu a doutrina e a jurisprudência à priorização da discussão sobre o pagamento adicional, ou indenizações, quando, quanto a estas, não raro, já aconteceram danos irreversíveis.
Contudo, como será visto no presente artigo, o posicionamento do judiciário tem se modificado no sentido de encarar a prevenção como prioridade, pondo a proteção da saúde física e mental do trabalhador no ápice da tutela jurisdicional.
1. Da Dignidade da Pessoa Humana
A Carta Maior insculpiu como fundamento da República e do Estado Democrático de Direito nela constituído, dentre outros, a dignidade da pessoa humana. Assim, afirmou-a, em sua plenitude, como valor primário e básico da própria existência do ser humano e pressuposto dos direitos fundamentais ínsitos à Carta Política pátria.
Pautada pela ideia kantiana, o ser humano passou de mero “meio” a ser o fim em si mesmo, merecendo o homem, ser dotado de razão, figurar o centro de imputação jurídica. Nesse ínterim, a dignidade da pessoa humana constitui valor absoluto e intrínseco ao próprio ser.
Nesse mister, o princípio nuper mencionado e declarado na Magna Carta é instituído como elemento central do Estado de Direito, para o qual deve convergir toda a atividade estatal. De acordo com o insigne Barroso, o princípio em destaque tornou-se “o centro axiológico da concepção de Estado Democrático de Direito e de uma ordem mundial idealmente pautada pelos direitos fundamentais”[1]. Destarte, a vida digna do homem foi reconhecida pelo Estado Democrático de Direito como corolário norteador da precípua atividade estatal.
No atinente à indeterminação como atributo geral de todos os princípios, tem-se que há o que a doutrina chama de núcleo, do qual emanam verdadeiras regras. Nesse diapasão, o núcleo do princípio em comento tem sido representado pelo mínimo existencial. Barroso ensina que “Embora existam visões mais ambiciosas do alcance elementar do princípio, há razoável consenso de que ele inclui pelo menos os direitos à renda mínima, saúde básica, educação fundamental e acesso à justiça”[2].
Na mesma linha das considerações feitas até então, Marcelo Novelino pontua que o princípio alhures possui uma tripla dimensão normativa. Segundo o jurista:
“Isso significa que, por meio da interpretação do dispositivo constitucional que a consagra (CF/1988, art. 1.o, III), é possível extrair três distintas espécies de normas:
I) uma metanorma, que atua como diretriz a ser observada na criação e interpretação de outras normas. A atuação como elemento informador do desenvolvimento do conteúdo da Constituição faz da dignidade uma importante diretriz hermenêutica, cujos efeitos se estendem por todo o ordenamento jurídico. Mesmo quando possível o recurso a um direito fundamental específico, ela deve ser considerada como parâmetro valorativo;
II) um princípio, que impõe aos poderes públicos o dever de proteção da dignidade e de promoção dos valores, bens e utilidades indispensáveis a uma vida digna; e,
III) uma regra, a qual determina o dever de respeito à dignidade, seja pelo Estado, seja por terceiros, no sentido de impedir o tratamento de qualquer pessoa como um objeto, quando este tratamento for decorrente de uma expressão do desprezo pelo ser humano”.[3]
Assim, diante dos ensinamentos do professor Novelino e do regramento contido no artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal de 1988, imperioso destacar que a eficácia de tal princípio é imediata, tanto na esfera estatal – eficácia vertical –, como nas relações intersubjetivas entre particulares – eficácia horizontal –, porquanto, sob o prisma do neoconstitucionalismo, a aplicabilidade das regras infraconstitucionais podem emanar diretamente da constituição.
Sucede, pois, que a dignidade da pessoa humana – este o fiat lux da questão –, é princípio tão relevante para a Lex Mater que admite transbordamentos, transcendência ou irradiação para alcançar, já no plano das leis infraconstitucionais, a proteção de tudo que se revele importante na vida do indivíduo.
Considerando-se, a uma, que a noção de dignidade da pessoa humana é fundamento do Estado e, como tal, fundamento da ordem jurídica, e, a duas, que possui eficácia não apenas vertical, mas também horizontal, incidindo sobre as relações entre particulares, impende destacar a sua eficácia imediata fundada em uma posição de poder ou autoridade. Nas relações assimétricas, como a subordinação no contrato de trabalho, a possibilidade de desrespeito à dignidade da pessoa humana se sobressai. Daí a essencialidade de sua aplicação nas relações entre os particulares, isto é, in casu, na relação entre empregador e trabalhador.[4]
Ao contrário de muitos ordenamentos trabalhistas, o Direito do Trabalho brasileiro não enumerou os direitos da personalidade do trabalhador, o que enseja que os enunciados normativos sejam examinados diante do caso concreto, na perspectiva dos direitos que assistem o trabalhador nessa qualidade e quanto à proteção à sua dignidade.
Com efeito, a estrutura inerente ao contrato trabalhista reclama maior exigibilidade ao empregador à sujeição ao princípio in comento, em razão do desequilíbrio econômico e social desse vínculo contratual. Como bem observa Maria do Rosário Palma Ramalho, a especificidade da prestação laboral e o envolvimento global da personalidade do trabalhador no vínculo laboral, que decorrem do relevo do elemento de pessoalidade no contrato, fazem com que a possibilidade de violação daqueles direitos no caso do trabalhador seja, também ela, muito superior.[5]
Nesse diapasão, reverbera a Desembargadora do TRT 21o Região, Maria do Perpétuo Socorro Wanderley de Castro, in verbis:
“Não é a onerosidade do contrato que confere a subordinação: trata-se de elementos paralelos e que concorrem para a configuração do contrato. De outra parte, esse caráter oneroso não agrilhoa o empregado às situações de menoscabo à sua dignidade mediante a pressão pela produtividade; não é ocioso lembrar que o direito à saúde é afirmado como um dos direitos que compõem, inequivocamente, o âmbito da dignidade da pessoa humana. Não deve, contudo, ser enfocado esse direito somente na última instância, isto é, das doenças gravíssimas, dos estados de debilitação da saúde, mas também em razão de procedimentos que venham a comprometê-la.
Com efeito, a nova ética sobre a pessoa humana propugna como pressuposto da dignidade humana o preceito da intangibilidade da vida humana e, ao referir o conjunto de condições – físicas, materiais e culturais, como consequências do princípio, exorta a observância das condições mínimas de existência e alude aos direitos à liberdade e à igualdade.”[6]
Dessa maneira, consoante as ideias do Ilustríssimo professor Everaldo Gaspar, um novo Direito do Trabalho verdadeiramente universal, cujo sentido protetor será irreversivelmente alargado, deve abrigar todos os que desejam viver de um trabalho ou de uma renda compatíveis com a dignidade humana. A proteção da vida, por meio do trabalho livre, eis o contraponto à ideologia do trabalho-dever-apartado da vida, vendido e comprado no interior das organizações produtivas.[7]
Assim, importante se mostra o papel do judiciário trabalhista na concretização e efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana e seus correlatos, utilizando-se da força normativa da Constituição, reconhecida, sobremaneira, a partir do fenômeno do neoconstitucionalismo, diante dos casos concretos, no intuito de realizar interpretações construtivas e evolutivas do direito laboral, buscando sempre o equilíbrio entre a livre-iniciativa e o princípio supramencionado.
2. Do Direito do trabalhador à saúde
Inúmeras são as previsões constitucionais em matéria de segurança e saúde do trabalhador. O artigo 6o, bem como o inciso XXII do artigo 7o, da Magna Carta, sobressaem-se ao estatuir como direito público subjetivo dos trabalhadores o exercício de suas funções em ambiente de trabalho seguro e sadio, cabendo ao empregador tomar as medidas necessárias no sentido de reduzir os riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
Do mesmo modo, os artigos 196 a 200 da Lex Mater afixam a Saúde como direitos de todos e dever do Estado, no sentido de que este o garanta e o promova, mediante políticas sociais e econômicas, ações e serviços públicos de saúde. Em razão da grande importância da matéria, é previsto, outrossim, que cabe ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita de forma direta ou através de terceiros, pessoa física ou jurídica de direito privado.
Ademais, os incisos II e VIII do art. 200 da CRFB/88, adentrando na seara trabalhista, deixa claro que compete ao sistema único de saúde, entre outras atribuições, executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; e colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.
O art. 225 da Lei Maior, igualmente, assegura o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida e protege, especificamente, o meio ambiente do trabalho em seu § 1º, inciso V, in verbis:
“§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (…)
V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;(…)”
Utilizando-se do método hermenêutico da interpretação sistemática dos artigos supramencionados, não há dúvidas que o direito à saúde do trabalhador é garantia imposta constitucionalmente, ressaltando-se que tal salvaguarda pressupõe uma firme atuação do poder público, no sentido de fazer valer as normas ali previstas, fiscalizando o seu cumprimento.
Do exposto, infere-se que o Ordenamento Jurídico Brasileiro albergou importante sistema de proteção à saúde e à vida do trabalhador, porquanto a previsão constitucional é reiterada e especificada na legislação comum. No entanto, Luiz Antônio Colussi, juiz do Trabalho da 4ª Região, chama a atenção da sociedade nos seguintes termos:
“Essas normas constitucionais de proteção não têm alcançado efetividade e não vêm evitando sofrimento a um grande número de trabalhadores, com a perda da saúde, com mutilações, ou com a perda da própria vida, sendo que os acidentes de trabalho e as doenças profissionais vêm aumentando em número que causam grande preocupação e trazem prejuízos incalculáveis ao Estado. (…)
A Fiscalização deixou de ser eficiente por falta de estrutura, por falta de fiscais. Surge então a necessidade de ampliação do diálogo social, para que mais pessoas e entidades se integrem no esforço de prevenção dos acidentes e doenças no trabalho”.[8]
Prossegue o magistrado ponderando que tanto os empregados como as empresas devem buscar prevenir acidentes e doenças profissionais, tendo em vista que estes sofrem diretamente os efeitos negativos da diminuição laboral do obreiro. Ademais, frisa que a atuação dos sindicatos, nesse campo, ainda é tímida quando das negociações coletivas, o que enfraquece, sobremaneira, o já hipossuficiente trabalhador.
Nesse sentido, já decidiu o Colendo Tribunal Superior do Trabalho, cuja ementa segue transcrita:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. DANOS MORAIS. ACIDENTE DE TRABALHO. 1. Na espécie, consta do v. acórdão regional que o reclamante sofreu dois acidentes enquanto se ativava como -bandeirinha-, sinalizando sobre a pintura das faixas para os veículos que transitavam pelas rodovias. Questionável violação do art. 5º, X, da Lei Maior, a ensejar o provimento do agravo de instrumento, nos moldes do art. 896, c, da CLT. Agravo de instrumento conhecido e provido. DANOS MORAIS. ACIDENTE DE TRABALHO. 1. Incumbe ao empregador o dever de proporcionar ao empregado as condições de higiene, saúde e segurança no ambiente laboral, sob pena de afronta ao princípio da prevenção do dano ao meio ambiente, exteriorizado, no âmbito do Direito do Trabalho, na literalidade do artigo 7º, XXII, da Carta Magna. Ao agir com negligência em relação ao dever de promover a segurança do empregado, a empresa fica responsável por reparar os danos causados. 2 . Na espécie, consta do v. acórdão regional que o reclamante sofreu dois acidentes enquanto se ativava como -bandeirinha-, sinalizando sobre a pintura das faixas para os veículos que transitavam pelas rodovias. Conquanto, no caso, não se exclua a possibilidade de responsabilizar a empresa sem a prova do elemento culposo, considerado o risco acentuado da atividade do reclamante, fato é que, a teor do v. acórdão regional, o condutor do veículo afirmou que – não foi possível evitar o acidente porque a sinalização não era suficiente -, donde se extrai que a reclamada faltou com o seu dever de assegurar o meio ambiente de trabalho seguro, atuando com culpa em relação aos acidentes sofridos pelo empregado. Tais premissas atraem a responsabilidade civil da empresa, ensejando o dever de compensar pelos danos morais causados ao reclamante. Recurso de revista conhecido e provido.” (TST – RR: 1437003220065020070 143700-32.2006.5.02.0070, Relator: Hugo Carlos Scheuermann, Data de Julgamento: 21/08/2013, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 30/08/2013)
Na mesma esteira, decidiu o Tribunal Regional do Trabalho da 1a Região:
“DANO MORAL. MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. A submissão a local de trabalho que não atenda às mais elementares regras de higiene impõe a compensação, por danos morais, pela situação degradante do trabalhador. Não obstante, é ônus do demandante a prova das depreciativas condições de trabalho. Provado o fato constitutivo do seu direito, mister se faz deferir o pedido.” (TRT-1 – RO: 00010649320125010059 RJ, Relator: Claudia Regina Vianna Marques Barrozo, Data de Julgamento: 15/04/2014, Quinta Turma, Data de Publicação: 05/05/2014)
2.1 Convenções Internacionais de proteção à saúde do trabalhador
Sabe-se que a Revolução Industrial mudou completamente o quadro dos trabalhadores: de um lado as máquinas, o lucro crescente, o incremento da produção; de outro, o obreiro frágil, a miséria e o aumento do número de mutilados e doentes. Àquela época, consideravam-se os acidentes de trabalho como riscos da própria atividade, sendo imputadas aos obreiros a adoção de medidas preventivas.
Mais à frente, surgem as primeiras leis de acidentes trabalhistas, influenciadas pelas sábias palavras da Encíclica Rerum Novarum. O progresso iniciou na Alemanha e logo espalhou-se por diversos países, tendo o Brasil adotado medidas sobre o assunto por intermédio do Decreto Legislativo n. 3.724, de 15 de novembro de 1919.
Sebastião Geraldo de Oliveira corretamente explana que, durante a Primeira Guerra Mundial, em virtude das grandes manifestações operárias ocorrendo pelos diversos países, foi criada a Organização Internacional do Trabalho – OIT, por meio do Tratado de Versailles, na Conferência da Paz de 1919, promovida pela Sociedade das Nações, no intuito de tratar uniformemente as questões trabalhistas, primando pela justiça social. [9]
No ano de 1957, a comissão mista formada pela OIT e OMS (Organização Mundial da Saúde) expõe importante definição da finalidade da proteção à saúde do trabalhador que logo iria se tornar um marco no tema.
“A saúde ocupacional tem como finalidade incentivar e manter o mais elevado nível de bem –estar físico, mental e social dos trabalhadores em todas as profissões; prevenir todo o prejuízo causado à saúde destes pelas condições de seu trabalho; protegê-los em seu serviço contra os riscos resultantes da presença de agentes nocivos à sua saúde; colocar e manter o trabalhador em um emprego que convenha às suas aptidões fisiológicas e psicológicas e, em resumo, adaptar o trabalho ao homem e cada homem ao seu trabalho.”[10]
A partir daí, o trabalhador passa a ser reconhecido na atividade econômica com essencialidade, devendo sua saúde ser protegida por meio de medidas adotadas pelos diversos agentes sociais.
Várias foram as convenções internacionais que trataram do tema, destacando-se, entretanto, podem as de números 148, 155 e 161 da OIT, já que estas foram ratificadas pelo Brasil nos moldes do artigo 5o, §2o da Constituição Federal. Assim, as convenções nuper mencionadas, por se tratarem de direitos humanos, adquiriram, ao ser ratificadas, status de supralegalidade.
2.1.1. Convenção n. 148 da OIT
Aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo n. b56/1981 e ratificada em 14 de janeiro de 1982, a Convenção n. 148 da OIT tinha como finalidade principal prevenir e atenuar os riscos profissionais no ambiente laboral provenientes do ar, do ruído e de vibrações. Consoante estudos, verificou-se que a contaminação do meio ambiente do trabalho por gases, fumos e poeiras é um dos maiores problemas da indústria.
Tal convenção preza pela colaboração mais estreita possível entre os representantes dos empregados e dos empregadores, numa atuação conjunta, ressaltando, todavia, que a responsabilidade pela aplicação das medidas é do empregador. [11]
2.1.2. Convenção n. 155 da OIT
A convenção n. 155 da OIT, por sua vez, aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo n. 2/1992 e ratificada em 18 de maio de 1992, destacou-se por quebrar o paradigma individualista do direito à proteção, interpretando-o como elemento integrante do conceito de meio ambiente, máxime do meio ambiente do trabalho.
Tal convenção estabelece que o Brasil deve instituir uma política nacional de segurança, saúde dos trabalhadores e meio ambiente do trabalho, tendo como principal objetivo prevenir os acidentes e os danos à saúde do obreiro. Para a consecução de tais finalidades, a convenção diz, ainda, que as causas dos riscos inerentes ao trabalho devem ser reduzidas ao máximo, sendo certo que, em havendo técnicas hábeis a reduzir o agente nocivo, ficará a cargo do empregador sua implementação.
A convenção n. 155 da OIT, reverberando o que já fora mencionado na convenção n. 145 da mesma organização, atenta que a presença de mais de um agente agressivo multiplica os malefícios, e não apenas os somam, em virtude do efeito sinergético. Destarte, vê-se que os agentes, isoladamente considerados, podem até estar dentro dos limites previstos, mas quando há uma exposição simultânea deles, pelos efeitos combinados, o limite de tolerância é suplantado exponencialmente.
Ademais, insta destacar que a convenção n. 155 estabelece a realização de sindicância sempre que ocorrer acidente de trabalho, doença profissional, bem como qualquer dano à saúde do trabalhador.
Por fim, como bem explana Sebastião Geraldo de Oliveira, estabeleceu-se que o trabalhador tem direito à informação acerca dos riscos da atividade que desempenha, e deve, outrossim, cooperar no cumprimento das normas de segurança.[12]
2.1.3. Convenção n. 161 da OIT
A Convenção de n. 161 da OIT, aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo n. 86/1989 e ratificada em 18 de maio de 1990, além de tratar do mesmo tema das supramencionadas convenções, centrou-se na regulamentação dos Serviços de Saúde no local de trabalho. Estes estão incumbidos de prevenir, bem como orientar multidisciplinarmente trabalhadores e empregadores para o alcance de um ambiente de trabalho sadio e seguro.
3. Do Direito do trabalhador ao meio ambiente laboral adequado
O conceito de meio ambiente, albergado no posicionamento central da dignidade humana na organização da sociedade brasileira, é definido, nas preciosas palavras de Paulo Roberto Lemgruber Ebert, como “a totalidade dos elementos materiais e imateriais que circundam os seres humanos e são essenciais para a manutenção de sua integridade física, bem como de sua qualidade de vida”. [13]
Sendo assim, estando o conceito de meio ambiente estritamente vinculado ao metaprincípio da dignidade humana, não há como afastar de seu âmbito de incidência os locais de trabalho, já que lá as pessoas desempenham suas atividades em um contato diário com elementos naturais e artificiais.[14]
Dessa feita, a partir do princípio da unidade constitucional, o conceito de meio ambiente do trabalho resultará da interpretação sistemática de vários dispositivos constitucionais, em especial o artigo 225 da Carta Magna, já mencionado em tópico anterior, assegura a todos um meio ambiente equilibrado, impondo ao poder público o controle das substâncias potencialmente danosas à vida, qualidade de vida e ao meio ambiente.
Da mesma sorte, os artigos 7o, XXII e 170, da Lex Mater, estabelecem expressamente a proteção do obreiro em seu ambiente de trabalho, visando a melhoria de sua condição social e a valorização do trabalho humano, além de condicionar o livre exercício das atividades privadas à defesa do meio ambiente.
Em suma, Celso Antonio Pacheco Fiorillo assevera que o meio ambiente do trabalho é:
“O local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independentemente da condição que ostentem (homens ou mulheres), maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos etc”.[15]
Sabe-se que o homem passa boa parte de sua vida no trabalho, utilizando-se de sua força física e mental, daí o motivo pelo qual o trabalho determina, com frequência, seu estilo de vida e sua condição de saúde.[16]
Outrossim, a legislação infraconstitucional cuidou de condenar o empregador ao pagamento de: (i) adicional de insalubridade àqueles trabalhadores submetidos a ambientes em condições acima dos limites de tolerância estabelecidos pelo Ministério do Trabalho; (ii) adicional de periculosidade àqueles trabalhadores que estão em exposição permanente a inflamáveis, explosivos ou energia elétrica, e, ainda, roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial; e (iii) indenizações por dano moral e material, decorrentes de acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais.
Desta feita, já é possível observar que a Justiça do Trabalho via a questão do ponto de vista de pagamento de adicionais, com a monetarização dos riscos. O rumo dado pelo legislador conduziu a doutrina e a jurisprudência à priorização da discussão sobre o pagamento adicional, ou indenizações, quando, quanto a estas, não raro, já aconteceram danos irreversíveis.
Como critica Claudio Brandão:
“Criaram-se mecanismos de conviver com o mal, e não de evita-lo, sendo, na verdade, um traiçoeiro incentivo salarial para o empregado que, por sua vez, nutre o desejo de aposentar-se precocemente e não reivindica, sequer reclama, a melhoria das condições de trabalho, muitas vezes recusando-se a trabalhar noutro ambiente para permanecer percebendo o acréscimo.”[17]
Desprezava-se, portanto, o debate acerca da saúde do obreiro, pondo em destaque apenas a compensação monetária, o que despertava – e ainda desperta – o interesse do empregado ludibriado pelo aumento da sua remuneração em detrimento de sua saúde.
No Brasil, segundo o Anuário Estatístico de 2012 do Ministério da Previdência Social, foram registrados 705.239 acidentes contra 720.629 em 2011. O número de trabalhadores mortos em 2012 foi de 2.731, enquanto em 2011 foram 2.938. Ficaram permanentemente incapacitados para o trabalho 14.755 trabalhadores no ano de 2012. [18]
Tais dados retratam uma pequena redução numerária, mas o total em cada um dos casos, tanto de acidentes, como de mortos em meio ambiente laboral, ainda é alarmante. Diante desse quadro, no ano de 2012, o Judiciário Trabalhista passou a atinar para tal problema, começando pela Resolução n. 96, do Conselho Superior de Justiça do Trabalho, que institucionalizou o Programa Trabalho Seguro.
Assim, foram realizados diversos eventos, no ano subsequente, no intuito de esclarecer a população e contribuir para a diminuição dos acidentes do trabalho e das doenças profissionais ou ocupacionais.
Resta clarividente, pois, que apesar dos altos índices de acidentes, mortes e doenças ocupacionais, o posicionamento do judiciário tem se modificado no sentido de encarar a prevenção como prioridade, pondo a proteção da saúde física e mental do trabalhador no ápice da tutela jurisdicional.
Ainda no que tange à legislação infraconstitucional no campo da saúde do trabalhador, importante é fazer alusão à Lei n. 8.080, de 19.9.1990, denominada Lei Orgânica da Saúde, que estabelece, logo em seu segundo artigo, a saúde como direito fundamental do ser humano, sendo dever do Estado prover as condições indispensáveis ao seu exercício. O parágrafo primeiro do mesmo artigo dispõe, ademais, que o Estado deve formular e executar políticas econômicas e sociais no intuito de reduzir riscos de doenças e de outros agravos, bem como estabelecer condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
O artigo terceiro, por seu turno, modificado em 2013 e, portanto, já trazendo uma visão mais concretista da prevenção à saúde do trabalhador, assinala, in verbis:
“Art. 3o Os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do País, tendo a saúde como determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais”. (Redação dada pela Lei nº 12.864, de 2013)
Esse enunciado normativo foi próspero ao asseverar que o nível da saúde expressa a organização social e econômica de um país, tendo-se em vista estar diretamente ligado à vida e ao viver condignamente.
Ademais, apesar desse grande avanço, o ilustre Sebastião Geraldo defende que a velocidade das transformações tecnológicas, a introdução de novos modelos de gestão empresarial e as mudanças da estrutura produtiva, trouxeram novas formas de danos à saúde do trabalhador, o que demonstra, novamente, a necessidade de reestruturação no campo jurídico-legal ínsito à proteção do obreiro.
Outro ponto deficiente na matéria, na visão do referenciado jurista, diz respeito à falta de unidade na atuação do Estado para solucionar os problemas relativos à saúde do obreiro. Isto porque se tem vários órgãos e entidades responsáveis por esta proteção, como o Ministério do Trabalho e Emprego, que desenvolve normas de segurança, de higiene e de medicina do trabalho, e fiscaliza seu cumprimento; o Sistema Único de Saúde – SUS –, o qual possui diversas atribuições estabelecidas pela supramencionada Lei Orgânica da Saúde, sobretudo aquelas dispostas em seu artigo 6o, parágrafo 3o; o Ministério da Previdência Social, que cuida dos benefícios acidentários; a Justiça Comum Estadual, que detém a competência de julgar conflitos entre o obreiro e a Previdência Social; a Justiça Federal, à qual compete julgar as ações regressivas da Previdência Social em face do empregador; a justiça especializada do trabalho que, dentre outras, julga as ações indenizatórias decorrentes de acidente de trabalho, propostas por empregados em face de seus empregadores; o Ministério Público do Trabalho, o qual atua junto à justiça especializada; além dos Ministérios Públicos Estaduais, Secretaria de Saúde e do Trabalho dos Estados e Municípios, os quais contribuem, também, de alguma forma, para a guarida da saúde do trabalhador.
A ilação dessa dispersão é que a comunicação entre as diversas entidades e órgãos é dificultada, inexistindo, dessa forma, uma uniformização na aplicação das medidas protetivas previstas na legislação pátria, transformando, por derradeiro, a saúde do trabalhador numa questão secundária.
Corroborando com a insuficiente ou ausente comunicação, no concernente às medidas protetivas do obreiro, colaciona-se a ementa do seguinte julgado do Colendo Superior Tribunal de Justiça – STJ:
“Civil. Processo civil. Recurso especial. Ação de indenização por danos materiais e compensação por danos morais. Lesão por esforço repetitivo – LER. Ambiente de trabalho reputado agressivo pelo acórdão recorrido. Matéria fática. Alegação de inexistência, à época do dano, de norma protetiva editada pelo Ministério do Trabalho sobre ergonomia no maquinário. Irrelevância na hipótese. Responsabilidade civil que não depende desse tipo de regramento específico. Alegação de nulidade da decisão por desrespeito à conclusão pericial. Inocorrência. Valor dos danos morais. Inexistência de demonstração de dissídio. – É perfeitamente possível reconhecer-se a ocorrência de dano moral, este referente a fato concreto ocorrido no passado, ao mesmo tempo em que se afasta a pretensão de pensionamento vitalício, pois foi demonstrada a reversão da doença anteriormente sofrida. O pensionamento só teria cabimento se persistisse a diminuição da capacidade laborativa. – A eventual ausência de norma regulatória emanada por órgão estatal, por si só, não afeta o reconhecimento do dever civil de indenizar pelo dano. Tais normas, quando existentes, apenas reconhecem a necessidade de se adotar medidas preventivas, mas nada dizem quanto à causação do dano e à responsabilidade civil daí decorrente. Estes pontos devem ser analisados, na presente hipótese, de acordo com as normas civis. Recurso especial não conhecido”. (STJ – REsp: 930637 ES 2007/0046179-8, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 25/11/2008, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/02/2009)
CONCLUSÃO
Percebe-se, pois, que o direito à saúde do trabalhador é garantia imposta constitucionalmente, ressaltando-se que tal salvaguarda pressupõe uma firme atuação do poder público, no sentido de fazer valer as normas ali previstas, fiscalizando o seu cumprimento.
Informações Sobre o Autor
Camila de Lemos Vasconcelos
Formada pela Universidade Federal de Pernambuco. Advogada. Pós- graduanda em Direito Publico