Meio ambiente e Direitos Humanos

O presente trabalho se propõe a perquirir a conexão entre meio ambiente e direitos humanos a partir da análise filosófica da fundamentação dos mesmos, dos valores contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos e da conceituação atribuída a direitos humanos e direitos fundamentais.

1. As principais correntes filosóficas e a fundamentação dos direitos humanos.

Desvendar o significado das expressões “direitos humanos” ou “direitos do homem” não é tarefa tão simples e superficial como parece. A conceituação em torno das mesmas desafia o próprio fundamento desses direitos, os quais fora objeto de estudo de diversas correntes filosóficas das quais se destacam: a teoria jusnaturalista, a teoria positivista e a teoria moralista ou de Perelman.

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Debruçando-se sobre cada uma Fábio Konder Comparato definiu a teoria jusnaturalista como “aquela em que fundamenta os direitos humanos em uma ordem superior universal, imutável e inderrogável”.[1]

Tal pensamento, segundo o mesmo autor, leva à conclusão de que os direitos humanos não são criação dos legisladores, tribunais ou juristas e por isso não podem desaparecer da consciência dos homens.

A teoria jusnaturalista concebe, pois, os direitos humanos como inerentes ao próprio homem.

Um dos pais do jusnaturalismo moderno citado Norberto Bobbio é Jonh Locke , segundo o qual, o verdadeiro estado do homem não é o estado civil, mas o estado de natureza no qual os homens são livres e iguais, sendo o estado civil uma criação artificial, que não tem outra meta além da de permitir a mais ampla explicitação da liberdade e da igualdade naturais (BOBBIO).

Contrapondo-se ao pensamento jusnaturalista a teoria positivista admite que direitos humanos seriam apenas e tão somente aqueles que estão positivados, ou seja, previstos na ordem normativa.

Já para a teoria moralista, segundo Comparato (2001, p.34), a fundamentação dos direitos humanos encontra-se na própria experiência e consciência moral de um determinado povo, que acaba por configurar o denominado espiritus razonables.

O autor citado acaba por arrematar que as correntes filosóficas acima elencadas, se analisadas isoladamente, não explicam a incomparável importância dos direitos humanos fundamentais e somente podem alcançar esse objetivo se coexistirem, pois elas se complementam:

A partir da formação de uma consciência social (teoria de Perelman), baseada principalmente em valores fixados na crença de uma ordem superior universal e imutável (teoria jusnaturalista) é que o legislador ou os tribunais (esses principalmente nos países anglo-saxões) encontram substrato político e social para reconhecerem a existência de determinados direitos humanos fundamentais como integrantes do ordenamento jurídico (teoria positivista).[2]

2. A superação do problema da fundamentação através da elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A questão da fundamentação dos direitos humanos está superada para o filósofo Norberto Bobbio o qual acredita que “o problema grave do nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não era o de fundamentá-los, e sim de protegê-los”.[3]

Bobbio consigna que a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, resolveu o problema do fundamento dos direitos humanos. Ressalta, porém, que o grande desafio é encontrar maneiras de efetivá-los.

Ainda sobre o documento emanado pela ONU o citado filósofo enfatiza os valores humanamente fundamentados e reconhecidos pelo consenso.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem pode ser acolhida como a maior prova histórica até hoje dada do consensus omnium gentium sobre um determinado sistema de valores. Os velhos jusnaturalistas desconfiavam – e não estavam inteiramente errados – do consenso geral como fundamento do direito, já que esse consenso era difícil de comprovar. Seria necessário buscar sua expressão documental através da inquieta e obscura história das nações, como tentaria faze-lo Giambattista Vico. Mas agora esse documento existe, foi aprovado por 48 Estados (.); e a partir de então, foi acolhido como inspiração e orientação no processo de crescimento de toda a comunidade internacional no sentido de uma comunidade não só de Estados, mas de indivíduos livres e iguais.[4]

Os direitos consagrados pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 19848 se destinam a todos os homens indistintamente dado o seu caráter de universalidade. Da mesma forma, a positivação, como diria Bobbio “põe em movimento um processo em cujo final os direitos do homem deverão ser, não apenas proclamados ou apenas idealmente reconhecidos, porém efetivamente protegidos até mesmo contra o próprio Estado que os tenha violado”.

Assim, a Declaração Universal dos Direitos do Homem não apresenta conteúdo definitivo no que tange aos direitos ali previstos, pois, como diria o citado filósofo, outros direitos podem emergir gradualmente das lutas que o homem trata por sua própria emancipação e das transformações das condições de vida que essas lutas produzem.

É preciso ter em mente que o documento oriundo da ONU é apenas um marco do reconhecimento dos direitos humanos e que a evolução histórica do homem, assim como a mudança de paradigma relacionado à sua própria existência, poderá culminar no reconhecimento de outros direitos inerentes à condição humana.

3. O reconhecimento do meio ambiente como direito das gerações presentes e futuras.

Embora não tenha havido previsão expressa sobre o reconhecimento do direito ao meio ambiente no documento de 1948, verificamos que em 1972 a Organização das Nações Unidas manifesta-se sobre a problemática ambiental desencadeada por um modelo de exploração desenfreada do ecossistema, celebrando a Declaração de Estocolmo.

A ênfase na preservação e melhoramento do ambiente humano norteou a emissão de vinte e seis princípios, nos quais se vislumbram a preocupação em não dissociar o desenvolvimento dos países das políticas ambientais capazes de assegurar o direito ao meio ambiente equilibrado às presentes e às futuras gerações.

Com a Declaração de Estocolmo de 1972, a questão ambiental ganha proteção internacional, através de um documento, subscrito por vários paises, dentre eles, o Brasil.

Muito embora já tenhamos a questão ambiental reconhecida pela ONU, órgão de expressividade internacional, é preciso ainda buscar o liame jurídico que insere definitivamente o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado como direito humano.

4. Direitos Humanos, Direitos Fundamentais e Meio Ambiente.

José Constan Tobeñas (apud COMPARATO, 2001, p. 40) define os direitos humanos como direitos fundamentais da pessoa humana – considerada tanto no seu aspecto individual como comunitário – que correspondem a esta em razão de sua própria natureza (de essência ao mesmo tempo corpórea, espiritual e social) e que devem ser reconhecidos e respeitados por todo poder e autoridade, inclusive as normas jurídicas positivas, cedendo, não obstante, em seu exercício, ante as exigências do bem comum.

A definição acima citada não é absoluta nem única em relação aos direitos humanos, todavia, traz em seu cerne a indicação de um aspecto extremamente relevante, o qual consiste em categorizar os direitos humanos como direitos fundamentais.

Para José de Albuquerque Rocha “os direitos fundamentais são assim denominados por serem conferidos pela Constituição e por terem função fundamentadora e legitimadora do sistema jurídico-político do chamado Estado de Direito”.[5]

O mesmo autor tratando da relevante distinção entre os direitos oriundos do texto constitucional e os direitos provenientes de lei ordinária em um sistema jurídico como o nosso, esclarece que a distinção tem relevância prática e teórica, “pois a lei ordinária não podendo modificar a Constituição, confere aos direitos fundamentais uma espécie de capacidade de resistência, assegurando-lhes assim uma posição de grande importância no sistema de direitos subjetivos”.[6]

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Feitas, pois, essas breves considerações acerca da definição de direitos humanos e dos direitos fundamentais, faz-se necessário encontrar o liame entre Direitos Humanos e Meio Ambiente, analisando este último sob a ótica de um direito fundamental.

A ligação entre esses dois pontos pode ser verificada a partir da classificação que alguns autores atribuem aos direitos humanos.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho [7] classifica os direitos humanos em direitos de primeira, segunda e terceira geração, compreendendo que tais direitos correspondem, respectivamente, aos direitos de liberdade, igualdade e fraternidade, completando assim o lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade.

A terceira geração de direitos humanos para o mencionado autor, qual seja, a fraternidade, está ligada especialmente à qualidade de vida e à solidariedade entre os seres humanos.

Por tal motivo ele afirma que os principais direitos de solidariedade são: o direito à paz, o direito ao desenvolvimento, o direito ao meio ambiente e o direito ao patrimônio comum da humanidade.

A classificação dos direitos humanos sob o ponto de vista da Constituição Federal de 1988, não segue exatamente a classificação apontada por Manoel Gonçalves Ferreira Filho, mas no que diz respeito especificamente ao meio ambiente, a Carta Magna estabelece um artigo específico, no qual, reconhece-o como direito de todos, competindo à coletividade e ao poder público o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Eis o inteiro teor do art. 225 da Constituição Federal:

Todos têm direito ao ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preserva-lo para as presentes e futuras gerações.

Conclusão:

As correntes que fundamentam os direitos humanos revelam que estes são inerentes ao homem, que é necessário uma positivação para que se possa buscar a efetividade, mas também que os direitos humanos surgem de uma consciência social que faz a humanidade partilhar de valores comuns a  partir da mudança de paradigmas.

O meio ambiente como direito reconhecido no âmbito internacional e consagrado no direito pátrio no art. 225 da Constituição Federal é compreendido como direito fundamental e, por via de conseqüência, também um dos Direitos Humanos relacionados diretamente à qualidade de vida do ser humano.

Dessa forma logo se vislumbra o nexo entre Direitos Humanos e Meio Ambiente, posto que este último sendo previsto expressamente no texto constitucional constitui-se como direito fundamental e inerente a toda uma coletividade.

 

Referências bibliográficas:
BOBBIO, Norberto. A era dos Direitos. 13ª ed., Campus.
BOFF, Leonardo. Princípio Terra. A volta à terra como pátria comum. São Paulo : Ática, 1995.
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos.2ª ed., São
Paulo: Saraiva, 2001.
CONSTITUIÇÃO da República Federativa do Brasil : 1988. 19ª ed. Brasília : Câmara dos
 Deputados, Coordenação de Publicações, 2002.
DECLARAÇÃO de Estocolmo de 1972 [on-line] disponível na internet via http://www.direitoshumanos.usp.br/counter/Onu/Confere_cupula/texto/texto_1.html.
DECLARAÇÃO Universal dos Direitos Humanos [on-line] disponível na internet via http://www.direitoshumanos.usp.br/counter/Onu/Sist_glob_trat/texto/texto_1.html.
ROCHA, José de Albuquerque. Estudos sobre o Poder Judiciário. Malheiros, 1995.
Notas
[1] COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2001,p.34
[2] Ibidem, A afirmação histórica dos Direitos Humanos, p. 35.
[3] BOBBIO, Norberto. A era dos Direitos, 13ª edição, Editora Campos, p. 25.
[4] Ipidem, p. 27
[5] ROCHA, José de Albuquerque. Estudos sobre o Poder Judiciário. Ed. Malheiros, 1995.
[6] Ipidem, p. 58
[7]FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Direitos Humanos Fundamentais. Ed. Saraiva. p. 57.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Márcia Maria dos Santos Souza

 

Advogada, formada pela Universidade Regional do Cariri, Crato/CE. foi professora substituta do curso de Direito da Urca, e pós-graduada latu sensu em Direitos Humanos Fundamentais, assessora jurídica do Conselho de Políticas e Gestão do Meio Ambiente do Ceará.

 


 

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