Meios extraordinários de investigação criminal e a legislação brasileira referente à criminalidade organizada

Resumo: Os meios processuais tradicionais empregados na apuração da criminalidade individualizada ou comum tais como o interrogatório as buscas pessoais ou até mesmo as interceptações telefônicas apresentam-se insuficientes no tratamento do crime organizado. O autor analisa os meios extraordinários de investigação criminal frente à legislação brasileira acerca da criminalidade organizada,

A Tensão de Forças entre o Jus Puniendi Estatal e o Jus Libertatis dos Indivíduos: O Princípio da Proporcionalidade e a Noção de Processo Justo

Os meios processuais tradicionais, empregados na apuração da criminalidade individualizada ou comum, tais como, o interrogatório, as buscas pessoais, ou até mesmo, as interceptações telefônicas, apresentam-se insuficientes no tratamento do crime organizado.

Todavia, a despeito de se tratar de uma constatação quase intuitiva, a dificuldade enfrentada pelo Estado em obter resultados satisfatórios em face dessa forma de criminalidade não pode, ou pelo menos não deve, ser tratada como se sua superação dependesse apenas de um maior rigor legislativo e de um endurecimento da postura das autoridades frente aos seus autores.

De certo que tais circunstâncias devem se manifestar (considerando tudo o que se disse a respeito das organizações criminosas, seria, no mínimo, ingênuo apostar no contrário), entretanto, o percurso para se chegar até elas requer muita atenção e cautela.

Ao se tratar da criminalidade organizada e da realidade imposta por ela à sociedade pós-industrial, nota-se, claramente, a tendência de limitação de direitos fundamentais dos respectivos investigados e acusados, com que pretende o Estado alcançar um maior grau de eficiência processual penal. A utilização de instrumentos processuais diferenciados, nesse contexto, é apontada como indispensável ao sucesso das operações voltadas à delinqüência organizada.

Opinando sobre a referida postura estatal, afirma Pacheco (2007, p. 35):

“Paralelo a essa turbulência de informações e às vezes movido por discursos calorosos e oportunistas de um direito forjado pelo calor dos fatos e interesses, o Estado engendra novas promessas de repressão, pois culpar alguém, como um sistema fechado em si mesmo, é o que mais dá resultados, em termos de discurso político. Os assuntos de confrontação política cotidiana chegam em prazos cada vez mais breves ao Código Penal, e, dessa forma, novas condutas são criminalizadas, sanções penas são freneticamente aumentadas e métodos inéditos de investigação são adotados na legislação pátria visando à eficácia processual.”

É nesse ponto, portanto, que reside o perigo da busca pela eficiência do processo penal frente ao crime organizado: nas propostas tendentes à restrição de direitos e garantias fundamentais.

Nas palavras de Silva (2003, p. 48), “não se desconhece, todavia, que qualquer iniciativa voltada para limitações de garantias processuais é sempre perigosa em razão do recente histórico de abusos verificado nesse delicado campo”.

A preocupação legítima (que é externada pela grande maioria da doutrina ao tratar desse assunto), deve-se, sobretudo, à história de luta pelo Estado Democrático e Social de Direito vivenciado nos dias de hoje, no Brasil e em tantos outros países do mundo. Trata-se de um “modelo” de Estado que deve respeito às normas por ele estabelecidas, principalmente e em última análise, por ter a sociedade assim desejado.

Nas palavras de Alberto Silva Franco (2007, apud Kozlowsky, 2007):

“[…] o Estado Democrático (e Social) de Direito é aquela concepção sintética que reúne, em relação dialética, a idéia de Estado de Direito, isto é, de um Estado regido pelo Direito que provém da vontade geral expressa pelo povo, e de um Estado Social que interfere, direta e imediatamente, no jogo social; é a fusão entre o Estado-guardião do cidadão e do Estado intervencionista nas relações sociais, a que se acresce a idéia de democracia, isto é, do Estado que exclui a prepotência e é, por sua formação e por seu conteúdo organizacional, democraticamente, legitimado”.

O regime do Estado de Direito tem seu fundamento, portanto, no interesse dos indivíduos e tem por finalidade especial preservá-los e defendê-los em face da arbitrariedade deste mesmo Estado.

A possibilidade de regredir a estágios anteriores da evolução do Estado, por meio da criação e do emprego indiscriminado de instrumentos capazes de restringir direitos arduamente conquistados, sob o pretexto de enfrentamento das organizações criminosas, é real e merece ser responsavelmente debatida.

É nesse contexto que o equilíbrio entre a eficiência do processo penal, sobretudo, no que concerne à formação da prova (jus puniendi), e a legitimidade de determinadas medidas quando confrontadas com os direitos e garantias do indivíduo (jus libertatis), deve ser cuidadosamente buscado.

O pensamento de Pacheco (2007, p. 92) se apresenta bastante oportuno nesse momento:

“Mas ao contrário do que afirmam os simpatizantes do movimento de Lei e Ordem, o garantismo penal não é fraco ou tolerante com a criminalidade, o garantismo apenas impõe limites à lei e ao próprio juízo, restringindo o poder punitivo e garantindo os indivíduos contra qualquer tipo de violência, pública ou privada. Se o que se deseja é uma ciência jurídica real, a primeira coisa a se fazer é imunizar o direito penal contra essa sede de vingança pública e, enfim, acreditar que é possível atingir um nível de racionalidade no exercício do poder estatal, sob pena de perder sua própria identidade.”

Assim sendo, discute-se: é possível defender a necessidade de se dispor de algumas garantias processuais, em se tratando de criminalidade organizada, sem que isso implique no afastamento irremediável das bases do Estado Democrático e Social de Direito e da idéia de Estado garantista?

A resposta para essa questão crucial pode ser coerentemente formulada a partir da análise das atividades essenciais do Estado. Tal exame levará à conclusão de que uma dessas atividades consiste na pacificação social. E, então, deve-se, mais uma vez, indagar: conseguirá o Estado cumprir o seu papel decentemente se continuar a tratar os investigados e acusados de participação em organizações tão perniciosas à sua segurança e ao bem-estar da sociedade com todas as proteções concedidas aos que não representam o mesmo perigo que estes? Seria proporcional esse tratamento?

Segundo Silva (2003, p. 48):

“Nesse contexto, observa-se no cenário internacional uma acentuada propensão quanto à necessidade de assimilação da idéia de que o Estado deve excepcionalmente restringir certos direitos fundamentais de indivíduos envolvidos com a prática de determinadas formas de criminalidade, que colocam em risco os direitos fundamentais dos demais cidadãos. O entendimento nesse caso é no sentido de que a balança necessariamente deve pender em favor dos interesses do Estado, cujos representantes devem buscar a reação proporcional à ameaça produzida à sociedade por certas organizações criminosas, sob pena de malograrem uma das atividades primordiais, que é a de proporcionar a pacificação social.”

E prossegue o autor (2003, p. 48), concluindo seu raciocínio:

“[…] o que se pretende é adaptar os instrumentos processuais de busca e colheita da prova ao desenvolvimento tecnológico e à alteração do padrão de comportamento adotado pelas organizações criminosas, verificadas sobretudo nas últimas décadas. Não se trata, pois, de suprimir garantias processuais arduamente conquistadas nos séculos passados, mas de compatibilizá-las – ou flexibilizá-las, na expressão de Jesús-María Silva Sanches – ao novo paradigma criminal imposto pelas características da criminalidade organizada.”

Vê-se, portanto, que a preocupação com as conquistas democráticas permanece guiando o entendimento dos estudiosos da relação entre Estado e delinqüência organizada, que vêm adotando, basicamente, dois fundamentos teóricos para legitimar a flexibilização daquelas, quais sejam, o princípio da proporcionalidade e a noção de processo justo.

Por proporcionalidade, nessa problemática, entende-se a exigência de se considerar os direitos e garantias fundamentais como partes de um conjunto harmonioso. Como um todo que formam, não há que se falar em direito ou garantia que valha mais do que outro(a), muito menos em algum(a) que seja ilimitado(a).

Desse modo, quando o assunto é criminalidade organizada, faz-se imperioso lembrar que a segurança do Estado, dependente, dentre outros fatores, da prevenção e repressão do crime, e o bem-estar da sociedade também ocupam posição de destaque na ordem jurídica pátria, assentando-se na Constituição Federal.

Neste sentido:

“Os direitos fundamentais, enquanto valores constitucionais, não são absolutos nem limitados, visto que a comunidade não se limita a reconhecer o valor liberdade: liga os direitos a idéia de responsabilidade e integra-os no conjunto de valores comunitários, afigurando-se constitucionalmente lícito ao legislador ordinário restringir certos direitos de indivíduos pertencentes a organizações criminosas que claramente colocam em risco os direitos fundamentais da sociedade”. (SILVA, 2003, P. 49)

A posição do Supremo Tribunal Federal também segue essa linha de argumentação:

“[…] não há, no sistema constitucional brasileiro, direito ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas – e considerando o substrato ético que as informa – permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros”. (MS 23.452/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 16 set. 1999).

O que não se pode admitir, entretanto, são imposições de caráter geral acerca da limitação de determinados direitos e garantias fundamentais diante de situações hipotéticas de afronta à ordem jurídica. O exame da proporcionalidade entre a atitude estatal que represente essa tendência restritiva e a manifestação da organização criminosa deve ser realizado no caso concreto, por meio de requisitos mais bem elaborados, menos genéricos e vagos. A doutrina vem trabalhando no sentido de construir um conteúdo menos volátil para esse princípio, buscando, justamente, o estabelecimento desses requisitos, a serem observados tanto pelo legislador quanto pelo juiz.

Pode-se afirmar que três requisitos são apontados pelos estudiosos como imprescindíveis na análise da proporcionalidade, são eles: a) idoneidade, que se subdivide em a.1) qualitativa e a.2) quantitativa; b) necessidade; e c) proporcionalidade em sentido estrito.

Em apertada síntese, entende-se por idoneidade qualitativa o ajuste entre a medida restritiva de direito(s) e/ou garantia(s) fundamental(s) adotada, especificamente, e a finalidade prevista na lei; enquanto que a idoneidade quantitativa, ao passo que também se trata de uma necessária compatibilidade com os fins da lei, refere-se à duração e intensidade da medida, bem como à determinação dos sujeitos que devem suportá-la.

Seguem alguns exemplos da doutrina com vistas ao aclaramento das idéias aqui apresentadas:

“Para fins de idoneidade qualitativa, deverá a medida restritiva de direitos fundamentais estar em sintonia com sua finalidade prevista na lei (por exemplo, a violabilidade do domicílio somente pode ser decretada para possibilitar a busca e apreensão de pessoas ou objetos relacionados à prática do crime investigado). Para que a restrição de direitos fundamentais seja idônea quantitativamente, a medida deve respeitar o limite necessário para que seja alcançada a finalidade perseguida com sua decretação (por exemplo, a duração de uma interceptação telefônica deve respeitar o prazo previsto em lei, que no Brasil corresponde ao máximo de 15 (quinze) dias, devendo ser prorrogada, conforme faculta a lei, tão-somente se comprovada sua indispensabilidade – art. 5º da Lei nº 9.226/96). Também não é idônea a aplicação da medida que implique restrição de direitos de pessoas que não figuram como suspeitos da participação do crime, o que impõe necessariamente um juízo de probabilidade sobre o êxito da investigação em relação à terceira pessoa, que em princípio não está envolvida com o fato delituoso apurado”. (SILVA, 2003, p. 58)

O segundo requisito é conhecido por “necessidade”, ou ainda, “subsidiariedade”, “intervenção mínima” e “alternativa menos gravosa”, e aponta para a imperiosa verificação, no caso concreto, da aptidão da medida restritiva para a finalidade pretendida, sem que haja qualquer meio menos gravoso capaz de alcançar o mesmo intento.

Ainda de acordo com o magistério de Silva (2003, p. 59):

“Se qualquer das medidas pesquisadas for menos gravosa e suficiente para a finalidade buscada pela investigação, a restrição dos direitos deverá ser considerada desproporcional a sua finalidade, por ofensa ao subprincípio da necessidade.”

Por fim, o emprego da medida restritiva deve estar em consonância com o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito, a ser levado em consideração tanto pelo legislador quanto pelo juiz, que significa o equilíbrio (a proporcionalidade mesma) entre o interesse que o Estado pretende alcançar com o instrumento restritivo e a violação efetiva dos direitos e garantias do indivíduo, ainda que a medida seja idônea e necessária.

 Juntamente com o princípio da proporcionalidade, cujos pontos de maior relevância foram aqui pinçados, a noção de processo justo vem sendo debatida e apontada como um dos fundamentos teóricos capazes de justificar a flexibilização de garantias processuais no tratamento do crime organizado.

 Essa idéia se desenvolve a partir da constatação de que as garantias constitucionais só poderão ser levadas a termo se o Estado contar com um aparato eficiente no âmbito processual penal, uma vez que “o bom funcionamento da jurisdição penal resulta decisivo para assegurar a vigência prática das garantias constitucionais em questão”, buscando, “na medida do possível, a função essencial de absolver os inocentes e de condenar os culpados dentro de um marco intrinsecamente correto e leal”. (SILVA, 2003, p. 50)

Consoante se vê, é plenamente possível falar em restrições a direitos e garantias fundamentais sem que isso signifique um atentado contra o Estado Democrático e Social de Direito, e às árduas conquistas que este representa para a sociedade. Também não representa a institucionalização de um Direito Penal do Inimigo, com o afastamento dos princípios do Estado garantista. Nada disso! Efetivar ditas limitações se justifica na medida em que a conjuntura mundial, em todos os seus sub-sistemas, a partir do fenômeno da globalização e do avanço das organizações criminosas, nos moldes conhecidos atualmente, modificou-se drasticamente, exigindo novas decisões. Tomadas com o bom-senso devido, tais posturas diferenciadas trarão avanços e não retrocesso.   

A Lei 9.034/95 e suas Modificações e os Institutos da Ação Controlada e da Infiltração Policial

Algumas Considerações Sobre a Lei e o seu Processo de Formação

A Lei nº 9.034, de 03 de maio de 1995 (Anexo A), já consideradas as modificações introduzidas pela Lei nº 10.217, de 11 de abril de 2001 (Anexo B), é composta por 13 artigos, divididos em 03 capítulos, e possui o seguinte enunciado: “Dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas”.

O seu art. 1º estabelece: “Esta lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo”.

Cumpre salientar, que o texto original da Lei 9.034 não fazia menção a organizações criminosas, limitando-se a regular os meios de prova e procedimentos investigatórios que versassem sobre crimes oriundos de atividades de quadrilhas ou bandos. O que havia, então, era um descompasso manifesto entre o enunciado da lei e o que dispunha o seu primeiro artigo: o enunciado apresentava um novo instituto jurídico e, em seguida, o dispositivo inaugural da lei restringia sua aplicação aos crimes praticados por quadrilhas ou bandos.

Com a redação modificada pela Lei 10.217, o art. 1º ampliou o objeto da lei, que passou a alcançar, como visto acima, além dos crimes praticados por quadrilhas ou bandos, os perpetrados por associações criminosas de qualquer tipo, bem como por organizações criminosas de qualquer tipo.  

A despeito de não ser o objeto central deste trabalho, faz-se necessárias algumas considerações sobre o posicionamento da legislação pátria quanto à definição de organização criminosa, que representa a noção fundamental do que venha a ser crime organizado.

Antes disso, entretanto, imperioso lembrar que no ordenamento jurídico brasileiro os institutos da “quadrilha ou bando” e da “associação criminosa” encontram tipificação. O primeiro deles, no art. 288 do Código Penal; e o segundo, em dispositivos espalhados por algumas leis especiais, tais como, a prevista na Lei de Drogas (art. 35 da Lei nº 11.343/2005) e a denominada “associação para a prática de genocídio” (art. 2º da Lei nº 2.889/56). Assim sendo, sabe-se o que é quadrilha ou bando, da mesma forma que se sabe o que é associação criminosa.

Apesar de ter sido expressamente referida na Lei 9.034 e, posteriormente, na Lei 10.217, que lhe introduziu mudanças (pontuadas no decorrer desta seção), a expressão “organização criminosa” não veio acompanhada de qualquer conceituação. Muito menos se verificou essa preocupação no tocante ao termo “crime organizado”. Basta dizer que nem mesmo um rol de condutas criminosas foi elencado (taxativo ou exemplificativo) como passíveis de serem enquadradas nessa realidade.

Não se pode olvidar, entretanto, o fato de ter sido a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, adotada em Nova York em 15 de Novembro de 2000 (ANEXO C), internalizada no ordenamento pátrio por meio do Decreto 5.015, de 12 de março de 2004 (ANEXO D). Referida convenção, em seu art. 2º, alínea “a”, adota um conceito para o que denomina “grupo criminoso organizado”, qual seja:

“[…] grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.” (Grifo nosso)

Bem se vê que a definição supra depende do estabelecimento do conteúdo do termo “infração grave”, o qual, de acordo com o mesmo Diploma, significa “o ato que constitua infração punível com uma pena de privação de liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou com pena superior”.

A despeito disso, o objetivo da convenção, estabelecido no art. 1º, “consiste em promover a cooperação para prevenir e combater mais eficazmente a criminalidade organizada transnacional”. (Grifo nosso). Não se pode aplicar, portanto, a definição de organização criminosa prevista na Convenção ao crime organizado estritamente nacional. E mais, ainda nas hipóteses abrangidas pelo seu campo de aplicação, o conceito de organização criminosa continua vago, em virtude da ausência de precisão do lapso temporal, como se nota em “grupo […] existente há algum tempo”.

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº. 3.731, do ano de 1997, o qual pretende preencher algumas lacunas da Lei 9.034/95, inclusive, definindo o que venha a ser organização criminosa. A proposta, aprovada na Câmara dos Deputados em 2003 e que se encontra na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, pune com pena de cinco a dez anos de prisão a associação de três ou mais pessoas com o intuito de cometer qualquer dos crimes relacionados em seu art. 1º.

Para Pacheco (2007, p. 51), “claro está que, no ordenamento jurídico pátrio, a expressão ‘organização criminosa’ ainda se encontra no campo da avaliação subjetiva, quanto às suas significações efetivamente possíveis em um conceito legal fluido e impreciso”.

Trata-se de um conceito aberto, sem preenchimento, cujo fenômeno não conta sequer com uma descrição mínima.

Ainda que se mostre imprescindível um conceito mínimo de organização criminosa, indispensável à identificação do que se classificaria como “crime organizado” (já que este é, simplesmente, o produto das atividades daquela), mister se faz atentar para a relevância de uma definição bem elaborada, conforme lembra Pacheco (2007, p. 51):

“Mesmo diante dessa grave omissão legislativa, a construção de um conceito tem de ser feita sem cair no reducionismo de limitá-la à simples ilação teórica, pois isso a tornaria inócua para a utilização prática no trabalho rotineiro de quem atua na área da justiça criminal.”

Passando à questão dos meios investigatórios previstos na lei sob comento, tem-se que o instituto da ação controlada e a figura do agente infiltrado configuram alguns dos instrumentos (considerados meios extraordinários de investigação criminal) previstos na popularmente denominada “Lei de combate ao Crime Organizado”. Além destes citados, a legislação referida prevê como procedimentos de investigação e formação de provas “o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais” dos investigados, bem como “a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro ou análise, mediante circunstanciada autorização judicial” (estes últimos não serão abordados nessa oportunidade, tendo em vista estarem fora do contexto analisado nesta monografia).

Em verdade, a previsão da infiltração ocorreu, no ordenamento jurídico brasileiro, por meio da Lei nº 10.217, a qual entrou em vigor no 12 de abril de 2001, acrescentando os incisos IV e V à Lei nº 9.034, bem como um parágrafo ao seu art. 2º, e ainda, modificando o “caput” dos artigos 1º e 2º.

O texto original da Lei nº 9.034/95, em seu art. 2º, inciso I, já trazia a previsão do agente infiltrado. Todavia, tal dispositivo foi vetado pelo Presidente da República, no mesmo ano de 1995. O interessante é que a edição da Lei nº 10.217, apenas cinco anos após o veto presidencial, resultou do encaminhamento, pelo próprio Poder Executivo, do Projeto de Lei nº 3.275/2000, que se propunha, dentre outras mudanças, à introdução dessa figura na ordem jurídica pátria.

Onze projetos de reforma foram apresentados ao Ministro da Justiça durante a tramitação do projeto de lei, pela Comissão de Reforma do Código de Processo Penal, sob a presidência de Ada Pelegrini Grinover. Entretanto, as questões levantadas pelos projetos não conseguiram alcançar o intento maior de promover a discussão a respeito de vários pontos da lei, dentre eles, do novo instrumento de investigação criminal denominado infiltração, tendo a Lei 10.217 entrado em vigor sem maior participação da comunidade jurídica.

Se é certo que a Lei 10.217 expressou alguma melhora em relação ao texto original da Lei 9.034, também é correto afirmar que a oportunidade de preencher diversas lacunas foi tristemente desperdiçada, sobretudo, no tema que mais no interessa neste momento, qual seja, o da infiltração policial.

Em última análise, tal situação significa a perda (ou pelo menos, a diminuição significativa) da eficácia desse meio extraordinário de investigação criminal, pela real dificuldade da sua aplicação, conforme se verificará adiante.

Uma Visão Geral da Ação Controlada

A ação controlada está prevista na ordem jurídica pátria, desde o ano de 1995, no art. 2º, inciso II, da Lei 9.034, apresentando-se nos seguintes termos:

Art. 2º Em qualquer fase da persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas:

I – VETADO;

II – a ação controlada, que consiste em retardar a interdição policial do que se supõe ação praticada por organizações criminosas ou a ela vinculado, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações; […]”

Vê-se, logo de início, que não se trata de hipótese de flagrante provocado pelo agente policial, e sim de espécie de flagrante prorrogado ou diferido. Aquele, vedado pelo sistema jurídico nacional, inclusive, por meio de Súmula do Supremo Tribunal Federal (Súmula 145); este, em absoluta consonância com a ordem jurídica vigente. 

Também em um primeiro momento, é possível constatar que o dispositivo encerra falhas graves. A primeira dessas falhas, pode ser identificada pela ausência de outros requisitos além do relativo à necessidade de se tratar a ação objeto da medida de prática de organizações criminosas. Também não há qualquer referência, em toda a lei, ao sujeito ativo da ação controlada, ou seja, àquele(s) a quem incumbe(m) requerer a medida; de igual modo, e por incrível que pareça, não se menciona a necessidade de autorização judicial para o incremento desse meio de investigação criminal.

Uma vez que não disciplinou questões mais primárias, pode-se inferir que a Lei 9.034 foi omissa também em relação à responsabilidade penal do agente policial que retarda a realização do flagrante.

A Lei 11.343/06, a “Nova Lei de Drogas”, no art. 53, II, apresenta uma definição um pouco mais elaborada da ação controlada, denominada aqui de “não-atuação policial”, e em seu parágrafo único, tem-se alguns requisitos a serem aplicados à medida, até então, não encontrados na legislação pátria:

“Art. 53 Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios; […]

II – a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível;

Parágrafo único. Na hipótese do inciso II deste artigo, a autorização será concedida desde que sejam conhecidos o itinerário provável e a identificação dos agentes do delito ou de colaboradores.”

Apesar do cuidado em se estabelecer a autorização judicial para o implemento da ação controlada (ou não-atuação policial), precedida da manifestação do Ministério Público (no que andou bem a “Nova Lei de Drogas”), bem se vê que o legislador brasileiro continua tratando de maneira pouco responsável questões jurídicas sérias.

Pela leitura do parágrafo único acima transcrito, identificam-se dois requisitos trazidos pela lei: a necessidade de estar contido no pedido de autorização da ação controlada o itinerário provável da ação e a identificação dos agentes ou de seus colaboradores nessa mesma representação. Ora, a que se prestaria a medida se a autoridade requisitante já dispusesse dessas informações?   

A doutrina pátria, mais uma vez, tenta suprir a falta legislativa manifestando-se acerca do tema.

Num primeiro momento, observe-se algumas definições do instituto da ação controlada:

“[…] a entrega controlada ou vigiada consiste, basicamente, em uma estratégia policial empregada em investigações, que permite a passagem de certa quantidade de drogas por um determinado território, apesar do conhecimento dos órgãos de repressão estatal, permitindo a continuação `normal´ da viagem, porém, desde que se proceda a um controle secreto (acompanhamento), durante todo o percurso, na expectativa posterior de apreensão da carga ilícita, bem como dos seus remetentes e destinatários.” (PEREIRA, 2007, f. 11)

A ação controlada por policiais

“[…] consiste em estratégia de investigação que possibilita aos agentes policiais retardarem suas intervenções em relação a infrações em curso, praticadas por organizações criminosas, para acompanhar os atos de seus membros até o momento mais apropriado para a obtenção da prova e efetuar suas prisões.” (SILVA, 2003, p. 93)

Concomitantemente com a conceituação, os estudiosos procuram disciplinar alguns requisitos aplicáveis à medida, na tentativa de dotá-la de melhor aplicabilidade, afastando as ações realizadas sem qualquer controle judicial ou acompanhamento do Ministério público (sem o que os riscos de atentados contra os direitos e garantias fundamentais são significativamente aumentados), como o faz Flávio Cardoso Pereira (2007, f. 14), discriminando quatro requisitos.

A transcrição do trecho quantos aos citados requisitos, apesar de um pouco extensa, faz-se necessária em razão da forma sucinta e clara como ele está redigido, apresentando-se bastante oportuno ao nosso propósito em relação a esta seção do trabalho.

“Em primeiro lugar, deverá a lei exigir autorização, pela autoridade judiciária competente, a qual conterá, de forma compulsória, uma detalhada fundamentação das razões da concessão do direito à execução da medida investigatória. Poderá requerer a autorização, tanto a autoridade policial quanto o Ministério público. Da mesma forma, em segundo lugar, como conseqüência da autorização judicial, necessário o controle sobre a execução da operação, devendo o executor (leia-se, a autoridade policial), dar conta ao Ministério Público, através de informes diários, a respeito do andamento das investigações. Evitam-se, assim, eventuais abusos na execução da diligência investigativa. Antecedente à autorização judicial, a nosso ver, imprescindível a realização em conjunto, pelo Ministério Público e pela autoridade policial, de planejamento operacional estratégico, momento em que se analisará a viabilidade e necessidade da utilização desse meio de investigação. Nesse aspecto, entre em jogo a obrigatória análise à luz do princípio da proporcionalidade, vez que é cediço a possibilidade de violação de direitos e garantias fundamentais dos investigados. Por fim, deverá ser a entrega ou ação vigiada utilizada como ultima ratio, ou seja, sua utilização estaria condicionada ao prévio esgotamento de outras formas tradicionais de investigação.”

Importante salientar, ainda, que a ação controlada configura uma medida de política criminal bastante disseminada no âmbito internacional e bastante viável na busca de maior eficácia penal, quando adotada com as cautelas expressas acima. O emprego da medida encontra legitimação no seu fim último, qual seja, o de não se contentar com a identificação e posterior punição dos autores de condutas menos relevantes no seio da organização e buscar alcançar os praticantes de condutas mais perniciosas ao corpo social e ao Estado.

Registre-se, por fim, posicionamento de parte da doutrina para a qual, buscando-se um maior aproveitamento dessa medida investigatória, e sempre que for possível, a ação controlada deve ser desenvolvida concomitantemente com uma infiltração policial. (MENDRONI, 2002 e PEREIRA, 2007)

da Infiltração Policial

Neste ponto do trabalho, o propósito é apresentar o instituto da infiltração policial em termos gerais, assim como se procedeu com a ação controlada. O diferencial, aqui, é que, sendo aquele o instituto-base da presente monografia, as questões mais relevantes relacionadas ao tema desta terão aprofundamento nos dois capítulos seguintes.

A infiltração de agentes policiais, conforme visto anteriormente, encontra-se prevista na Lei nº 9.034, em virtude das modificações introduzidas pela Lei nº 10.217, com a seguinte redação:

“Art. 2º Em qualquer fase da persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas:

I – VETADO;[…]

V – infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação, constituídas pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização judicial.

Parágrafo único. A autorização judicial será estritamente sigilosa e permanecerá nesta condição enquanto perdurar a infiltração.”

Segundo a doutrina, nas palavras de Silva (2003, p. 86):

“A infiltração de agentes consiste numa técnica de investigação criminal ou de obtenção de prova, pela qual um agente do Estado, mediante prévia autorização judicial, infiltra-se numa organização criminosa, simulando a condição de integrante, para obter informações a respeito do seu funcionamento. Apresenta, segundo a doutrina, três características básicas: a dissimulação, ou seja, a ocultação da condição de agente oficial e de suas verdadeiras intenções; o engano, posto que toda a operação de infiltração apóia-se em uma encenação que permite ao agente obter a confiança do suspeito; e, finalmente, a interação, isto é, uma relação direta e pessoal entre o agente e o autor potencial.”

Para Carmona Salgado (2003, apud PEREIRA, 2007, f. 16):

“Trata-se de um instrumento de investigação de que se valem os corpos de polícia de diferentes países, para os fins de lograr um maior grau de eficácia na luta contra a criminalidade, e consiste em que um agente policial, com identidade falsa, se integre na estrutura de uma organização delitiva para obter, desde seu interior, provas suficientes que permitam fundamentar a condenação penal de seus membros, desarticulando, finalmente, se possível, a citada organização.”

A partir dos conceitos supramencionados, é possível extrair algumas características da infiltração policial.

A primeira dessas características diz respeito à natureza jurídica do instituto. A infiltração policial configura uma técnica (ou instrumento) de investigação criminal, que visa à obtenção de provas contrárias aos interesses dos integrantes da organização criminosa. Fica evidente, nesse aspecto, a tentativa do Estado de alcançar um grau mais elevado de eficiência penal frente às organizações criminosas, utilizando-se, para tanto, de um meio extraordinário de investigação.

Nas palavras do professor Flávio Pereira (2008, f. 3), a medida encontra justificação nas próprias características da organização criminosa, notadamente na sua forma de atuação:

“Hodiernamente, as infiltrações policiais possuem como alvo potencial o combate à expansão da criminalidade organizada, a qual possui como característica principal o fato de que sua estrutura logísitca e seu modus operandi são mantidos em absoluto segredo por seus membros, dificultando, sobremaneira, a atuação das infiltrações policiais.”

Uma outra característica relevante a ser apontada é a necessária presença da dissimulação, do engodo e da interação com os participantes da organização criminosa. O agente infiltrado oculta sua real identidade e suas reais intenções, enganando, assim, os membros da organização, e, além disso, deve interagir com eles, com vistas a adquirir a confiança dessas pessoas e levar a termo sua tarefa.

Até mesmo por essa sucinta abordagem, é possível perceber o grau de complexidade de uma infiltração de agentes, com todas as questões paralelas que envolve, sendo, cada uma delas, de suma importância para o sucesso da operação, o que inclui, em primeiro plano, a preservação da vida e da integridade física do infiltrado.

Quando a questão é analisada por outro ângulo, partindo-se dos problemas relacionados aos direitos e garantias fundamentais, a conclusão não é distinta: salta aos olhos a infinidade de questionamentos que pode acarretar uma infiltração mal planejada e mal conduzida. Como explicita Pacheco (2007, p. 117), “a infiltração é uma medida restritiva de direitos fundamentais, podendo vir a afetar eventualmente a autodeterminação informativa, o direito à intimidade e à inviolabilidade de domicílio”.

Certamente, essas razões alimentam as críticas que têm sofrido o instituto da infiltração. Parte da doutrina questiona a “autorização” para que o próprio Estado atue junto a organizações criminosas, utilizando-se de seus agentes para realizar tarefas junto a estas, ainda que de forma dissimulada.

Questiona-se se:

“ nome da eficiência do sistema punitivo, guarda legitimidade o juízo criminal que se apóia na atuação do agente infiltrado, ou melhor, se em nome dessa mesma eficiência, deve reconhecer-se, como racional e justo, que o próprio Estado, em vez de exercer função de prevenção penal, pratique atos desviados, igualando-se ao criminoso.” (FRANCO, 2002, p. 583)                                                                                            

A despeito da relevância do tema, o legislador brasileiro pouco tratou da questão. Como visto acima, limitou-se a determinar o momento possível para a infiltração (em qualquer fase da persecução criminal), a estabelecer a obrigatoriedade da autorização judicial prévia, bem como a exigir o sigilo (desde momento anterior à autorização e enquanto durar a medida).

Frise-se, ainda, que versando a Lei 9.034 sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo, e estando a infiltração de agentes nela inserida, fácil constatar que o âmbito de aplicação deste instituto está restrito às práticas de delitos por parte desses agrupamentos criminosos.

Quanto aos personagens da infiltração, na qualidade de representantes do Estado, o legislador confiou aos agentes policiais e os agentes de inteligência tal tarefa, mas nada falou a respeito do caráter voluntário ou compulsório da atividade.

Ao contrário do que ocorre no cenário nacional, no âmbito internacional, as infiltrações policiais constituem instrumentos prestigiados, sendo reconhecidas em diversas convenções internacionais, tais como, a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, de 2000 (esta, conforme dito, ratificada pelo Brasil); e a Convenção da ONU contra a Corrupção, do ano de 2003. Dito reconhecimento chegou até o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (STEDH), pela sentença datada de 15 de junho de 1992, e ao Convênio entre Estados Membros da União Européia de Assistência Judicial Penal, de 2000. (PEREIRA, 2007, f. 12). Recentemente, inclusive, foi adotado pelas legislações de países como Espanha, Alemanha, França, Argentina, dentre outros.

Ciente desses deslizes legislativos, os especialistas têm se emprenhado em dotar o instituto de aplicabilidade. Nesse contexto, com base na doutrina majoritária (até o momento), é possível apresentar algumas “conclusões parciais”.

Registre-se, em princípio, a defesa por parte da doutrina da aplicação às medidas de infiltração, subsidiariamente e no que couber, do procedimento previsto na Lei nº 9.296/96, a qual, regulamentando o inciso XII, parte final, do art. 5º da Constituição Federal, dispõe sobre a interceptação das comunicações telefônicas e do fluxo de comunicações em sistema de informática e telemática, “pois reflete a moderna concepção do princípio da proporcionalidade em relação à matéria que igualmente pode resultar em restrição ao direito à privacidade”. (SILVA, 2003, p. 88)

Tem-se entendido que a representação pela infiltração de agentes deve ser elaborada pela Autoridade Policial ou pelo Ministério Público, de maneira que, ao se verificar a primeira hipótese, o Ministério Público deve ser ouvido previamente à decisão judicial (anterior ao início da infiltração, fundamentada e sigilosa).

De igual modo, posicionou-se no sentido de que o pedido deve ser autuado em apartado, vez que se trata de medida cautelar que, pela própria natureza, deve ser mantido no mais absoluto sigilo no decorrer de toda a operação.

A doutrina costuma defender a necessidade de estipulação inicial de um prazo para a duração da medida, findo o qual, deverão ser re-analisadas as circunstâncias do caso e decidida, com a participação das autoridades nele envolvidas, a continuação ou cessação da atividade policial. Trata-se de importante iniciativa das partes envolvidas no planejamento da infiltração, como bem lembra Tourinho (TOURINHO, 2003, apud PACHECO, 2007, p. 119):

“[…] dependendo e de acordo com a orientação de cada caso concreto, sobressaindo nesse aspecto a questão da prescrição, causa extintiva de punibilidade, não pode a investigação perdurar tanto tempo a ponto de levar à impunidade dos autores das infrações investigadas.”

Por último, pode-se afirmar que existe uma unanimidade em entender pelo caráter subsidiário da medida da infiltração policial, bem como pelo respeito ao princípio da proporcionalidade. Segundo Pacheco (2007, p. 120):

“[…] de forma análoga à concessão da interceptação das comunicações telefônicas, pode-se extrair que só haverá infiltração se a investigação não puder ser exercida por outro meio, derivando daí sua necessidade, pois é justamente o prévio e o posterior controle judicial que mitigarão os efeitos negativos desta medida, demonstrando o juízo de proporcionalidade em cada caso pelo magistrado. “

No mesmo sentido:

“[…] como toda medida suscetível de restringir um direito fundamental, deverá a infiltração apresentar um caráter de utilização restritiva e somente se adotará tal medida quando não exista outro meio de investigação do delito, menos gravoso para os investigados, o que, normalmente, traduz-se em que a atuação do agente infiltrado seja a ultima ratio.” (Pereira, 2007, f. 21)

Prossegue Pereira (2007, f. 21), tratando, agora, da aplicabilidade do princípio da proporcionalidade no âmbito da infiltração:

“O juízo da proporcionalidade consiste noutro requisito extremamente indispensável ao êxito da infiltração. Impõe-se que a infiltração apenas possa ser utilizada quando os direitos a serem protegidos forem superiores àqueles que serão violados com a infiltração (por exemplo, serão violados os direitos fundamentais de intimidade, privacidade, imagem, honra etc). Assim, quanto ao crime a investigar, na falta de regulamentação, o princípio da proporcionalidade em sentido estrito faz a limitação pelo máximo de gravidade, somente permitindo a infiltração quanto a crimes graves.”

Críticas à parte, o fato é que o instrumento de investigação criminal (meio extraordinário) denominado “infiltração de agentes” está previsto na legislação pátria e, portanto, a permissão legal para o seu implemento foi dado. A medida reveste-se do caráter de legalidade e a lei que a disciplina é auto-aplicável.

Por essa razão, parte da doutrina enxerga o instituto como medida necessária á viabilização do trabalho do Estado, e de seus órgãos de persecução penal, no tratamento das questões afetas à criminalidade organizada, com vistas a uma atuação mais eficaz quanto à formação da prova.

Resta aos estudiosos, mais uma vez, continuar tentando suprir com coerência as faltas do legislador pátrio e cumpre aos aplicadores do Direito, sobretudo aqueles que lidam diuturnamente com as questões criminais, atentarem para as matérias até aqui abordadas e fazerem uso do bom senso ao lançarem mão do instituto da infiltração policial.

 

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Informações Sobre o Autor

Henrique Viana Bandeira Moraes

Servidor público federal especialista em Ciências Criminais


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