O artigo 61 da Lei 9.099/95, a dos
Juizados Especiais Cri-minais, define que infrações penais de menor potencial
ofensivo são as que cominem pena máxima não superior a um ano. Portanto, foram
abrangidas as contravenções penais e um número considerável de crimes,
excepcionando os de legislações especiais. Dia 12 de julho passado, foi editada a Lei 10.259, dos Juizados Especiais Cíveis e
Criminais no âmbito da Justiça Federal. O parágrafo único de seu artigo 2º
conceitua: Consideram-se in-rações de menor potencial
ofensivo, para os efeitos desta lei, os crimes que a lei comine pena máxima não
superior a dois anos, ou multa. Agora, vem a indagação: qual é o conceito de
infrações penais de menor potencial ofensivo no Brasil? É um ou são dois anos?
Entendo que ocorreu o fenômeno
denominado derrogação tácita, conforme o parágrafo 1º do artigo 2º da Lei de Intro-dução ao Código Civil Brasi-leiro.
Sendo assim, o parágrafo único do artigo 2º da Lei 10.259 derrogou o artigo 61
da Lei 9.099. Portanto, as infrações de menor potencial ofensivo passaram de um
para dois anos, tanto no âmbito estadual quanto no federal, sem exceção, ain-da que tenham procedimento especial.
Além do mais, o princípio da isonomia,
consagrado no artigo 5º da Constituição Federal, não permite o tratamento
diferente de pessoas que se encontrem em situações
similares. Exemplo: está prevista pena de seis meses a dois anos, ou multa,
para quem desacatar funcionário público em serviço. No
caso de ser servidor estadual, o infrator poderia ser preso
e autuado em flagrante por este delito. Se fosse funcionário federal, não seria
lavrado auto de prisão em flagrante, apenas um termo circunstanciado de
ocorrência, não havendo a prisão, por vedação do artigo 69, parágrafo único, da
Lei 9.099, que se aplicaria no caso por determinação da lei 10.259.
Quem entende pelo menos um pouco de lei
e, principalmente, de criminosos sabe que a diferença de tratamento é enorme,
pois facilitou a já não muito difícil vida dos bandidos. A condição igualitária
não foi observada, havendo a aplicação de institutos despenalizantes
(composição civil, que extingue a punibilidade e a transação penal) para apenas
um caso, o que não é correto nem aceitável em um país que vive sob os auspícios
de um regime democrático, que em sua Constituição consagrou um estado de direito
pleno.
Nossa opinião não está isolada. Um dos
mais respeitados estudiosos do Direito no Brasil, Damásio Evangelista de Jesus
também se posiciona deste modo. No artigo Ampliando o rol dos crimes de menor
potencial ofensivo, que pode ser lido em seu site (www.damasio.com.br), ele
esclarece: Adotando critério de classificação de acordo com a quantidade da
pena, observa-se que empregam valorações diversas. Diante disso, de prevalecer
a posterior (artigo 2º, parágrafo único da Lei 10.259), inegavelmente, de
direito penal material. Mais benéfica, ampliando o rol dos crimes de menor
potencial ofensivo, derroga a anterior (artigo 5º, inciso XL, da Constituição
Federal; e parágrafo único do artigo 2º do Código Penal). Em face disso,
entendemos que o parágrafo único do artigo 2º da Lei 10.259 derrogou o artigo
61 da Lei dos Juizados Especiais Criminais. Em conseqüência, sejam da
competência da Justiça Comum ou Federal, devem ser considerados de menor
potencial ofensivo aqueles aos quais a lei comine, no
máximo, pena detentiva não superior a dois anos, ou multa.
Diante desta ampliação tácita, que
elevou as infrações de menor potencial ofensivo de um para dois anos, quem
perdeu foi a sociedade, quem ganhou foi o bandido. O
Brasil vive um momento histórico, em que a violência ganha contornos inigualáveis
e os elevados índices de criminalidade apavoram a população. Medidas descaracterizadoras não vão contribuir em nada para debelar
a violência diária. A sociedade clama por ver os criminosos fora das ruas e o
único lugar que o Estado lhes reserva é a cadeia, que, apesar de não recuperar
delinqüente algum, pelo menos separa o joio do trigo.
Informações Sobre o Autor
Antônio Carlos de Lima
Professor de Direito da UNIP e FASAM