Resumo: Este artigo trata da análise da problemática das pessoas que são forçadas a se deslocarem em função de causas ambientais e que são conhecidas como “migrantes ambientais”. Tais causas se originam, em grande parte, da má utilização dos recursos naturais pelo homem e são potencializadas pelas alterações climáticas. Nesse sentido, são analisados os fatores que levam estes grupos a se deslocarem, se verificando a relação direta disto com as modificações que ocorrem no meio ambiente. Do mesmo modo, se observa a necessidade premente do desenvolvimento de políticas de proteção a estas pessoas, definindo-se mecanismos que permitam atribuir responsabilidades diferenciadas aos países que mais contribuíram para as causas, baseadas no princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas, bem como que possibilitem a minimização das conseqüências das alterações no ambiente, a mitigação dos efeitos à população, garantindo um reassentamento seguro e eficiente.
Palavras-chave: Migrantes ambientais; direito ambiental; mudanças climáticas
Abstract: This article discusses the analysis of the problems of people are forced to move due to environmental causes and which are known as “environmental migrants”. These causes arise in large part on the misuse of natural resources by humans and are enhanced by climate change. Accordingly, we analyze the factors that lead these groups to move, checking whether the direct relationship of this with the changes that occur in the environment. Similarly, it notes the urgent need to develop policies to protect these people, setting up mechanisms to assign different responsibilities to the countries that contributed most to the causes, based on the principle of common but differentiated, and that allow the minimization of the consequences of changes in the environment, mitigating the effects on population, ensuring a safe and effective resettlement.
Keywords: Migrants environmental, environmental law, climate change
1. Migrantes Ambientais: causas e consequências
Em tempos recentes, as alterações que estão ocorrendo no meio ambiente, resultantes, principalmente, do agravamento das mudanças climáticas, têm potencializado o debate sobre as migrações ambientais. Estudos recentes divulgados pelo IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) revelaram possíveis cenários que, num futuro próximo, trarão mudanças significativas à vida de milhões de pessoas em todo o mundo, independentemente do país que habitam, da classe social a que pertencem ou do grau de contribuição que tenham dado ao aquecimento global. (IPCC, 2007).
As mudanças climáticas serão sentidas de várias formas pela população mundial, influenciando estilos de vida e modelos de produção, vindo a intervir, inclusive, na distribuição das pessoas pelo mundo. Certamente, uma das alterações mais perceptíveis será o aumento do movimento populacional decorrente de questões ambientais. Popularmente conhecidos como “refugiados ambientais”, os grupos que são forçados a se deslocar por causas relacionadas ao meio ambiente vêm sendo tratados também pelas expressões “migrantes” e “deslocados” ambientais, uma vez que o termo “refugiado”, na sua concepção tradicional, exige a movimentação entre um país e outro, o que nem sempre ocorre nessas situações. Nesse sentido, é fundamental uma nova abordagem, que não excluam dos programas de proteção as pessoas que se deslocam dentro do território de seus países (também chamados de deslocados internos), haja vista que este grupo se tornará tão grande quanto o dos que atravessam as fronteiras entre os Estados.
Um estudo das Nações Unidas, elaborado em 2005, afirma que existiam, naquele ano, cerca de 19 milhões de pessoas, entre refugiados, solicitantes de asilo e deslocados internos, sob a proteção do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Ainda que o número de refugiados tradicionais tivesse diminuído em relação à década anterior (em 1992 a quantidade de refugiados somava 18 milhões de pessoas), devido ao fortalecimento do processo de estabilização política, social e econômica nos países mais afetados, tal grupo – cerca de 9 milhões – ainda era grande em relação ao total. Analisados individualmente, tais números parecem volumosos, porém, tornam-se insignificantes quando comparados às estimativas relacionadas às pessoas que se deslocarão por questões ambientais. Quanto ao número de migrantes de todos os gêneros, Bogardi et al. (2007) , utilizando-se de dados da OIM, também de 2005, assegura existirem cerca de 191 milhões de pessoas em todo o mundo, incluindo-se os refugiados e deslocados internos.
Tais números são impressionantes, pois demonstram a dimensão do alcance da mobilidade humana sobre o planeta, seja por fatores econômicos, sociais, culturais ou ambientais. Contudo, alguns números vêm chamando a atenção da comunidade científica e acadêmica, quando atribuídos às migrações especificamente relacionadas a causas ambientais. Myers (2005) afirma que em 1995 já havia cerca de 25 milhões de migrantes em função de causas ambientais[1], sendo que em 2010, tal número poderá atingir 50 milhões de pessoas. O mesmo autor admite que em 2050, caso as previsões sobre as mudanças climáticas se confirmem, existirão mais de 200 milhões de migrantes ambientais. Somente nas áreas com elevação de até 10 metros do nível do mar, habitam, atualmente, cerca de 634 milhões de pessoas, segundo dados do International Institute for Environment and Development. Tais informações, por si só, já demonstram a gravidade do problema que envolve as pessoas deslocadas por fatores ambientais, verificando-se que, uma vez confirmadas tais expectativas, ter-se-á uma quantidade muito maior de migrantes ambientais do que a soma de qualquer outro grupo de pessoas deslocadas.
Possivelmente, a grande parte destes migrantes não poderá optar por manter-se no local em que habita, sendo forçadamente levada a deslocar-se para outras áreas em função das alterações no ambiente decorrentes das mudanças climáticas. Nos possíveis cenários, furacões, enchentes, desertificação e a elevação do nível dos mares serão os eventos que mais provocarão migrantes ambientais. Por outro lado, outros efeitos da degradação ambiental, como a perda de ecossistemas aptos à manutenção da vida, o desmatamento, a falta de água, o esgotamento da diversidade biológica, etc., levarão as pessoas a decidirem pelo deslocamento, não de modo forçado, uma vez que em alguns ambientes degradados ainda é possível a sobrevivência, mas como fatores determinantes na escolha pelo deslocamento.
2. Breves considerações teóricas
Não há unanimidade entre os autores na aceitação de tais informações. Black (2001), por exemplo, entende que os números de deslocados receberam um tratamento neomalthusiano e que, por basearem-se em hipóteses um tanto quanto duvidosas, intentam desviar a atenção para questões, no seu entender, mais importantes, como o desenvolvimento e outras questões relacionadas. Na interpretação de Castles (2002, p.1-2),
“[…] Black argumenta que estes não são refugiados ambientais como tal. Quando fatores ambientais fazem parte das migrações forçadas, elas são sempre lincadas à distância por fatores políticos e econômicos, e focando somente em fatores ambientais isoladamente não contribui no entendimento específico da situação da população deslocada.”
Suhrke (1993), por seu turno, entende que há duas perspectivas opostas que analisam as causas das migrações ambientais: a primeira, que ele chama de “minimalista”, que vê nas mudanças ambientais uma variável que pode contribuir para a migração, mas que ainda é preciso mais conhecimento sobre o processo para se afirmar algo mais concreto; e a segunda perspectiva, denominada “maximalista” que entende que, realmente, a degradação ambiental já deslocou milhões de pessoas e irá fazer o mesmo com um número ainda maior de indivíduos.
Muito embora se deva admitir que parte das migrações por questões ambientais esteja relacionada, também, a motivações econômicas e políticas, não se deve ignorar o fato de que milhões de pessoas deslocam-se em função de mudanças ocorridas no meio ambiente e que um número muito mais expressivo irá somar-se a elas. Desse modo, faz-se pertinente que se observem sempre as razões ambientais sob um viés holístico, pois da mesma forma que Black (2001) admite que tais fatores se relacionam à questões políticas e econômicas, também estas estão intimamente ligadas ao meio ambiente, construindo-se um elo de elementos que, em algum momento, se encontram e se influenciam.
Certamente sejam estes os grandes desafios que circundam a problemática dos migrantes ambientais, e que exigirão certa sensibilidade dos governantes e dos organismos internacionais para que as respostas dadas acabem por não tornar ainda mais complexa a questão. Entende-se que é fundamental que se aprimorem as políticas de cooperação entre os países no sentido de minimizar os impactos causados pelos desastres naturais, seja através do repasse de recursos financeiros, ou pela transferência de tecnologia e recursos humanos necessários à mitigação dos efeitos de tais eventos. Do mesmo modo, busca-se que se construam estratégias de adaptação aos grupos atingidos por desastres naturais, exigindo-se dos países desenvolvidos que contribuam com os Estados mais vulneráveis de forma a criar mecanismos de proteção e de minimização dos impactos.
Os Estados, nessa senda, possuem obrigações comuns de auxiliar aos povos afetados pelos efeitos das alterações climáticas. Exige-se, no entanto, daqueles que, através de suas ações, tiveram um grau maior de participação na origem dos eventos que resultaram em deslocados, uma imputação diferenciada de atribuições que permitam aos países atingidos minimizarem as consequências das alterações em seu ambiente, mitigarem os efeitos econômicos e sociais à população e possibilitarem que se garanta um reassentamento seguro e eficiente nos casos em que não é possível o retorno, quando, por exemplo, ocorrerem inundações pela elevação do nível do mar, almejando-se, como último propósito, que se garanta um mínimo de dignidade às pessoas afetadas.
Nota
Informações Sobre o Autor
Tiago Schneider de Jesus
Advogado. Especialista em Direito Ambiental. Mestre em Direito.