Mínimo existencial e meio ambiente na visão do STJ

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Resumo: O presente trabalho tem como finalidade a análise dos fundamentos fáticos e jurídicos abordados pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº. 1.366.331-RS, ocasião na qual foi proferida decisão que reafirma o meio ambiente equilibrado como direito fundamental ao lado do direito à saúde e ao saneamento básico. Para tanto, parte-se do breve  relato do Recurso Especial. Adiante, discutem-se as teorias que embasaram o voto condutor do acórdão e cuja apreciação possibilitou o afastamento de qualquer óbice à aplicação dos mencionados direitos fundamentais no caso ora sob análise.  Dessa forma, busca-se demonstrar que só é possível afirmar que existe vida digna, se o meio ambiente for promovido nos moldes constitucionais mínimos previstos.

Palavras-Chave: meio ambiente; dignidade da pessoa humana; vida digna; mínimo existencial.

Abstract: The present research aims to analyze the factual and legal grounds addressed by the Supreme Court in the judgment of Special Appeal n. 1366331 -RS , when a decision was issued reaffirming the balanced environment as a fundamental right, alongside the right to health and sanitation. Therefore, part is the brief account of the special appeal. Forward, discusses the theories that supported the driver vote of the judgment and the assessment of which enabled the removal of any obstacle to the application of fundamental rights mentioned in the case under analysis. Thus,  seeks to demonstrate that you can only say that there is good life, if the environment is promoted in the minimum provided for constitutional manner .

Key Words: environment; dignity of human person; dignified life ; existential minimum.

Sumário: 1. Introdução. 2.  Recurso Especial nº. 1.366.331-RS. 2.1  Relatório. 2.2  Voto. 2.3 Acórdão. 3. Das teorias abordadas no voto condutor. 3.1 Reserva do possível em matéria ambiental. 3.2  Mínimo existencial em matéria ambiental. 3.3 Do direito ao saneamento básico, saúde e meio ambiente equilibrado. 3.4  Da Separação dos poderes e da garantia de efetividade do mínimo existencial. 4. Da solução apresentada pelo Superior Tribunal de Justiça. 5. Conclusões. 6. Referências.

1. INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 nasceu com o intuito de ver concretizado no Brasil a proteção aos direitos e garantias fundamentais tão ansiados pela população. Todavia, trata-se de tarefa muitas vezes obstada por motivos ligados, em geral, à situação financeira dos entes federativos.

Nessa esteira, a concretização dos direitos fundamentais acaba sendo resultado da ponderação entre o que a doutrina denomina Mínimo Existencial e Reserva do Possível, sendo estes, respectivamente, condições básicas para uma sobrevivência digna e a possibilidade econômica do Estado em arcar com tais direitos.

O meio ambiente, então, passa a ser entendido como sendo parte de um mínimo existencial para a vida de qualquer ser humano e, se respeitado, contribui diretamente no respeito ao fundamento do Estado Democrático de Direito Brasileiro, que é a dignidade da pessoa humana.

Nesse contexto, a análise do julgado proferido nos autos do Recurso Especial nº, 1.366.331-RS permite verificar que, embora não exista previsão legal que vincule um direito ou conceito desses ao outro, é pacífica e indissociável a ideia de que estão interligados, e assim devem permanecer, pois para a existência de uma vida digna e saudável e para um real respeito e promoção da dignidade da pessoa humana um mínimo existencial deve ser observado.

2.  RECURSO ESPECIAL Nº. 1.366.331-RS

O acórdão proferido nos autos do Recurso Especial nº. 1.366.331-RS, julgado pela 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça mostra-se como um marco da jurisprudência pátria, ao promover a compatibilização entre as teorias da reserva do possível e do mínimo existencial em um contexto que se mostra assegurado, como direito fundamental, o direito ao meio ambiente equilibrado, através da implementação de políticas públicas de saneamento básico, conforme demonstra-se a seguir.

2.1. RELATÓRIO

O  Recurso Especial nº. 1.366.331-RS foi interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, com espeque no permissivo contido na alínea “a” do inciso III, do artigo 105 da Constituição Federal, com o ensejo de desconstituir o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul nos autos da ação civil pública proposta contra Município de São Jerônimo, ora recorrido, objetivando o cumprimento de obrigação de fazer (art. 3º da Lei 7.347/85) consistente na instalação de uma rede de tratamento de esgoto cloacal, e responsabilidade por danos causados ao meio ambiente e à saúde pública.

Em sede de 1º grau, a sentença julgou procedente em parte o pedido para condenar o ora recorrido à canalização, no prazo de 60 (sessenta)dias, do esgoto pluvial que corre em céu aberto na Rua José Batista Anjolim, em São Jerônimo/RS, bem como determinar que, no mesmo prazo, o Município proceda a limpeza das caixas da rede de esgoto fluvial e cloacal existentes nas Ruas Jerônimo Ferreira, José Batista Anjolim, Antônio de Carvalho, Glauco Saraiva e Caetano Bianchi, situadas na Vila Quininho, devendo, ainda, re/ratificar o levantamento apresentado nas fís. 166/186. Ademais, deferiu a tutela antecipada para o fim de determinar a limpeza das caixas da rede de esgoto pluvial e cloacal existentes nas Ruas Jerônimo Ferreira, José Batista Anjolim, Antônio de Carvalho, Glauco Saraiva e Caetano Biachi, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias.

Inconformadas, ambas as partes interpuseram recurso de apelação.

O acórdão hostilizado, por unanimidade, negou provimento às apelações, com explicitação da sentença. Afirmou o Tribunal a quo, basicamente, que o art. 45 da Lei n° 11.445/07 não impõe a construção de rede de esgotos, como pleiteia o MPE/RS. O dispositivo legal invocado tem a seguinte redação:

“Art. 45. Ressalvadas as disposições em contrário das normas do titular, da entidade de regulação e de meio ambiente, toda edificação permanente urbana será conectada às redes públicas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário disponíveis e sujeita ao pagamento das tarifas e de outros preços públicos decorrentes da conexão e do uso desses serviços. § 1o Na ausência de redes públicas de saneamento básico, serão admitidas soluções individuais de abastecimento de água e de afastamento e destinação final dos esgotos sanitários, observadas as normas editadas pela entidade reguladora e pelos órgãos responsáveis pelas políticas ambiental, sanitária e de recursos hídricos”

Dai o ora mencionado Recurso Especial no qual o ora recorrente sustenta que o acórdão hostilizado violou o art. 45 da Lei 11.445/2007.

 Embora o recurso especial tenha sido inadmitido pelo Tribunal "a quo”, o respectivo agravo foi provido para determinar a conversão dos autos em Recurso Especial, conforme decisão monocrática do relator do presente excepcional (E-STJ-fl. 564).

Em manifestação, o Ministério Público Federal opinou pelo conhecimento e provimento do Recurso Especial, interposto pelo recorrente, a fim de julgar totalmente procedentes os pedidos contidos na Ação Civil Pública, impondo-se ao Município de São Jerônimo obrigação de fazer consistente na instalação de rede de tratamento de esgoto cloacal nas Ruas Jerônimo Ferreira, José Batista Anjolim, Antônio de Carvalho, Glauco Saraiva e Caetano Biachi, em São Jerônimo.

2.2 VOTO

O voto condutor do Excelentíssimo Ministro Relator Humberto Martins abordou todos os supostos óbices à prolação de uma decisão judicial em favor dos direitos fundamentais ao saneamento básico, à saúde e ao meio ambiente equilibrado, decidindo, ao final, pelo provimento do referido Recurso Especial.

2.3. ACÓRDÃO

Por unanimidade, deu-se provimento ao recurso, conforme aresto transcrito a seguir:

“ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REDE DE ESGOTO. VIOLAÇÃO AO ART. 45 DA LEI N. 11.445/2007. OCORRÊNCIA. DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO. RESERVA DO POSSÍVEL. MÍNIMO EXISTENCIAL.1. Cuida-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul objetivando o cumprimento de obrigação de fazer consistente na instalação de rede de tratamento de esgoto, mediante prévio projeto técnico, e de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente e à saúde pública.2. Caso em que o Poder Executivo local manifestou anteriormente o escopo de regularizar o sistema de encanamento da cidade. A câmara municipal, entretanto, rejeitou a proposta.3. O juízo de primeiro grau, cujo entendimento foi confirmado pelo Tribunal de origem, deu parcial procedência à ação civil pública – limitando a condenação à canalização em poucos pontos da cidade e limpeza dos esgotos a céu aberto. A medida é insuficiente e paliativa, poluindo o meio ambiente.4. O recorrente defende que é necessária elaboração de projeto técnico de encanamento de esgotos que abarque outras áreas carentes da cidade.5. O acórdão recorrido deu interpretação equivocada ao art. 45 da Lei n. 11.445/2007. No caso descrito, não pode haver discricionariedade do Poder Público na implementação das obras de saneamento básico. A não observância de tal política pública fere aos princípios da dignidade da pessoa humana, da saúde e do meio ambiente equilibrado.6. Mera alegação de ausência de previsão orçamentária não afasta a obrigação de garantir o mínimo existencial. O município não provou a inexequibilidade dos pedidos da ação civil pública.7. Utilizando-se da técnica hermenêutica da ponderação de valores, nota-se que, no caso em comento, a tutela do mínimo existencial prevalece sobre a reserva do possível. Só não prevaleceria, ressalta-se, no caso de o ente público provar a absoluta inexequibilidade do direito social pleiteado por insuficiência de caixa – o que não se verifica nos autos.Recurso especial provido.” (STJ – 2ª Turma.  Min. Rel. Humberto Martins. Julg. 16/12/14. Dje.19/12/2014).

3.DAS TEORIAS ABORDADAS NO VOTO CONDUTOR

Para reconhecer a prevalência dos direitos fundamentais à saúde, ao saneamento básico e ao meio ambiente equilibrado, o voto condutor do acórdão abordou, de forma precisa, todas as teorias que poderiam obstar tal entendimento, dentre as quais, a reserva do possível em matéria ambiental,  mínimo existencial em matéria ambiental, o direito ao saneamento básico, a saúde e meio ambiente equilibrado, bem como a separação dos poderes e a garantia de efetividade do mínimo existencial.

3.1. RESERVA DO POSSÍVEL EM MATÉRIA AMBIENTAL

Do acórdão proferido no julgamento do Recurso Especial nº. 1.366.331-RS,  extrai-se que “mera alegação de ausência de previsão orçamentária não afasta a obrigação de garantir o mínimo existencial”.

De fato, embora a notória insuficiência de recursos financeiros dos entes federativos tenha ensejado a criação da teoria da Reserva do Possível pelo direito germânico, segundo a qual os direitos sociais a prestações materiais dependem da real disponibilidade de recursos financeiros por parte do Estado, esta não pode obstar a concretização dos direitos fundamentais.

Nesse contexto, embora não previsto explicitamente na Carta Magna como direito fundamental, o direito ao meio ambiente equilibrado se apresenta como tal a medida que é considerado essencial à sadia qualidade de vida que permita uma existência digna.

Assim, e como bem explicitado no voto condutor ora sob análise, a teoria da reserva do possível obriga ao gestor a constante escolha entre as necessidades da população que demandem a aplicação de recursos públicos, sendo que a implementação de politicas públicas de saneamento básico acaba por colaborar com a proteção do meio ambiente, sob pena de ofensa ao princípio da dignidade humana.

3.2. DO MÍNIMO EXISTENCIAL EM MATÉRIA AMBIENTAL

Do julgado objeto do presente estudo, extrai-se, ainda,  que “no caso em comento, a tutela do mínimo existencial prevalece sobre a reserva do possível”, sendo que, a partir dessa ideia, determina-se a implementação das políticas públicas de saneamento básico objeto da ação civil pública da qual se originou o Apelo Nobre em questão.

Assim, o mínimo existencial ultrapassa o patamar do mínimo vital e passa abranger as condições socioculturais, assegurando ao indivíduo um mínimo de civilidade e convivência em um meio ambiente equilibrado.

Com efeito, para o Excelentíssimo Ministro Herman Benjamim, por trás da garantia constitucional do mínimo existencial, subjaz a ideia de que a dignidade da pessoa humana está intrinsecamente relacionada à qualidade ambiental. Ao conferir dimensão ecológica ao núcleo normativo, assenta a premissa de que não existe patamar mínimo de bem-estar sem respeito ao direito fundamental do meio ambiente sadio. 

3.3. DO DIREITO AO SANEAMENTO BÁSICO, SAÚDE E MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO

Ao decidir a demanda, o Superior Tribunal de Justiça posicionou-se no sentido de que  “o caso descrito, não pode haver discricionariedade do Poder Público na implementação das obras de saneamento básico. A não observância de tal política pública fere aos princípios da dignidade da pessoa humana, da saúde e do meio ambiente equilibrado”.

Neste cenário, considerando que o saneamento básico consiste em um conjunto de procedimentos a serem adotados para prover uma situação higiênica saudável para os habitantes, este possui intrínseca relação com os direitos à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, porquanto imprescindível para que o indivíduo não viva em contato direto com o material orgânico prejudicial ao seu organismo.

Com efeito, para José Afonso da Silva, “o meio ambiente é, assim, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas. A integração busca assumir uma concepção unitária do ambiente compreensiva dos recursos naturais e culturais”[1].

3.4. DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E DA GARANTIA DE EFETIVIDADE DO MÍNIMO EXISTENCIAL

Da análise do julgado em questão infere-se que o Superior Tribunal de Justiça adota o entendimento de que a discricionariedade do Estado na aplicação de verbas públicas para a concretização de direitos fundamentais existe somente quando a escolha recaia entre duas ou mais medidas igualmente convenientes, oportunas, razoáveis, justas e, obviamente, lícitas.

Entretanto,  se a legislação vigente impõe uma conduta específica ou, como no caso, socioambientalmente  adequada, deixa de existir qualquer discussão sobre mérito administrativo ou discricionariedade administrativa, subsistindo apenas o exame da legalidade da solução ao ser dada ao caso.

Não por acaso, ações civis públicas propostas em razão de omissão ou de danos causados relacionados com atividades do Estado, especialmente as de defesa do meio ambiente e da saúde, têm encontrado guarida no âmbito de nossos Tribunais, com destaque para o STJ, por ser o Tribunal da Cidadania:

“PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANOS AO MEIO AMBIENTE CAUSADO PELO ESTADO. SE O ESTADO EDIFICA OBRA PÚBLICA – NO CASO, UM PRESÍDIO – SEM DOTÁ-LA DE UM SISTEMA DE ESGOTO SANITÁRIO ADEQUADO, CAUSANDO PREJUÍZOS AO MEIO AMBIENTE, A AÇÃO CIVIL PÚBLICA É, SIM, A VIA PRÓPRIA PARA OBRIGÁ-LO ÀS CONSTRUÇÕES NECESSÁRIAS À ELIMINAÇÃO DOS DANOS; SUJEITO TAMBEM ÀS LEIS, O ESTADO TEM, NESSE ÂMBITO, AS MESMAS RESPONSABILIDADES DOS PARTICULARES. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO”. (STJ – RESP 88776 – Rel. Min. Ari Pargendler. J. 19/05/1997) “ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO: NOVA VISÃO. 1. Na atualidade, o império da lei e o seu controle, a cargo do Judiciário, autoriza que se examinem, inclusive, as razões de conveniência e oportunidade do administrador. 2. Legitimidade do Ministério Público para exigir do Município a execução de política específi ca, a qual se tornou obrigatória por meio de resolução do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. 3. Tutela específi ca para que seja incluída verba no próximo orçamento, a fi m de atender a propostas políticas certas e determinadas. 4. Recurso especial provido.” (RE n. 493.811 – SP 2002/0169619-5. Relatora: Ministra Eliana Calmon. Recorrente: Ministério Público do Estado de São Paulo. Recorrido: Município de Santos)

4. DA SOLUÇÃO APRESENTADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Em resumo, na ponderação entre a reserva do possível e o mínimo existencial a ser assegurado por meio do implemento de políticas de saneamento básico que garantam o respeito ao direito à saúde e ao meio ambiente equilibrado como corolários do princípio da dignidade da pessoa humana, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial nº. 1.366.331/RS estabeleceu o que se segue:

a) A fórmula hermenêutica capaz de conferir efetividade ao direito em discussão, qual seja, a que conduz à aplicação do art. 45 da Lei 11.445/2007, através da prévia elaboração de um projeto técnico de encanamento de esgotos na cidade;

 b) A inexistência de discricionariedade administrativa ou de ofensa à separação dos poderes a justificar a contínua poluição, com o prejuízo da saúde das pessoas, mediante o lançamento de esgoto não tratado no meio ambiente;

c) A compatibilização das teorias da reserva do possível e do mínimo existencial, com a prevalência deste último sobre aquela e o reconhecimento de que a implementação da política pública de saneamento básico diz respeito à satisfação de direitos fundamentais assegurados nas leis e na Constituição Federal;

d) Que no processo, a mera alegação de ausência de previsão orçamentária não tem o condão de demonstrar a inexequibilidade dos pedidos da ação civil pública, nem de afastar a obrigação de garantir o mínimo existencial.

5. CONCLUSÕES

Ao analisar a ADPF nº. 45 MC/DF, o Excelentíssimo Ministro Celso de Mello afirmou, a propósito da teoria da reserva do possível e do mínimo existencial, que “ a negação de qualquer tipo de obrigação a ser cumprida na base dos Direitos Fundamentais Sociais tem como consequência a renúncia de reconhecê-los como verdadeiros direitos”.

Adotando essa linha de pensamento e, considerando o meio ambiente como  componente do conjunto de condições socioculturais que permitam ao indivíduo condições dignas de vida, entende-se, como afirmado pelo Superior Tribunal de Justiça, que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado deve ser protegido e oponível à teoria da reserva do possível.

Assim sendo, em que pese a conhecida e cada vez mais agravada situação precária em que se encontram os cofres públicos, questões orçamentárias não são justificativas plausíveis para eximir o Estado de sua responsabilidade por omissões no implemento de políticas e procedimentos que possibilitem a construção e preservação de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

De fato, tem-se notado que, no mesmo passo em que o meio ambiente equilibrado foi reconhecido como indispensável à vida sadia da população, os Tribunais proferiram mais decisões judiciais favoráveis à quaisquer medidas que visem sua proteção, ainda que decorram de políticas e procedimentos a serem implementados pelos poderes executivo e legislativo.

Trata-se, portanto, de um ativismo judicial necessário à implementação de direito fundamental previsto implicitamente na Constituição Federal, eis que consequência lógica do princípio da dignidade da pessoa humana, a qual pode ser atribuída  uma dimensão ecológica, tendo em vista a qualidade ambiental em que a vida humana se desenvolve.

“A fim de possibilitar um destino digno no horizonte futuro, é chegado o momento histórico de o ser humano humildemente assumir as suas limitações existenciais e reconhecer o valor inerente ao ambiente que o abriga e lhe dá bases naturais para a sua existência digna e saudável.”[2]

 

Referências
AFONSO DA SILVA, José. Direito ambiental constitucional. 8 ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
 BENJAMIN, Antonio Herman. Direito constitucional ambiental brasileiro. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes (org.); LEITE, José Rubens Morato (org.). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007.
FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteção do ambiente: a dimensão ecológica da dignidade humana no marco jurídico constitucional do estado socioambiental de direito. Porto Alegre: Livraria do Advo- gado, 2008, p. 61.
RODRIGUES, Geisa de Assim. Comentários ao artigo 225. In: BONAVIDES, Paulo (org.); MIRANDA, Jorge (org.); AGRA, Walber de Moura (org.). Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. A tutela do ambiente e o papel do Poder Judiciário à luz da Constituição Federal de 1988. Revista Interesse Público, Ed. Fórum, Belo Horizonte, ano 10, n. 50, jul. 2008.
TESSLER, Marga Inge Barth. O juiz e a tutela ambiental: a fundamentação das sentenças. Revista de Doutrina da 4ª Região, n. 24, Porto Alegre, 2008.
 BRASIL: Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.366.331/RS (Rel. Ministro Humberto Martins, Diário da Justiça Eletrônico, 19.12.2014.
 
Notas
[1]AFONSO DA SILVA, José. Direito ambiental constitucional. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p.2.

[2] FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteção do ambiente: a dimensão ecológica da dignidade humana no marco jurídico constitucional do estado socioambiental de direito. Porto Alegre: Livraria do Advo- gado, 2008, p. 61.


Informações Sobre o Autor

Lourrayne Garcia

Pós- graduanda em Direito Público na UNICEUB. Graduada pela UFG/GO. Analista do MPU/Apoio Jurídico/Direito. Procuradoria Geral da República.