Resumo: Um dos aspectos preponderantes a ser destacado, no que concerne ao estudo da propriedade, está atrelado à perpetuidade. Em uma linha conceitual, pode-se considerar que a Lei Substantiva Civil vigente, ressoando o entendimento consolidado no Estatuto de 1916, alicerçou a perda da propriedade em duas espécies distintas. A primeira é fruto de ato voluntário, ou seja, há a presença do elemento volitivo do proprietário, que se manifestação por meio de um comportamento comissivo ou omissivo. Assim, afiguram como exemplos a serem apresentados no caso em tela: a alienação, o abandono e a renúncia, previsto no art. 1.275, incs. I a III, do Códex de 2002. Noutra toada, a segunda espécie é denominada involuntária, visto que não há qualquer manifestação do proprietário, sendo inexistente o elemento volitivo. Nesta espécie, a perda da propriedade está associada a fatos relativos a objetos, atuando como claros exemplos, consagrados pela legislação vigente, o perecimento e a desapropriação.
Palavras-chaves: Propriedade. Perda. Código Civil.
Sumário: 1 Ponderações Preliminares; 2 Da Perda da Propriedade por Alienação; 3 Da Perda da Propriedade por Renúncia; 4 Da Perda da Propriedade por Abandono; 5 Da Perda da Propriedade por Perecimento; 6 Da Perda da Propriedade por Desapropriação: 6.1 Da Desapropriação Administrativa; 6.2 Da Desapropriação Judicial baseada na Posse Pro Labore ou Posse-Trabalho; 7 Outras Formas de Perda da Propriedade: 7.1 Da Arrematação; 7.2 Da Adjudicação; 7.3 Da Propriedade Resolúvel; 7.4 Do Confisco; 7.5 Da Requisição.
1 Ponderações Preliminares
Ao examinar, inicialmente, a propriedade, dentro do Direito Civil, denota-se que um dos aspectos preponderantes a ser destacado está atrelado à perpetuidade. Ora, denota-se que, a princípio, a propriedade é considerada como irrevogável, sendo transmitida aos sucessores, em decorrência do que articula o preceito da saisine, dogma elencado no art. 1.784 do Código Civil e que atua como flâmula desfraldada. Desta sorte, infere-se que a morte, enquanto fenômeno com consequências no mundo jurídico, tem o condão de acarretar a perda da propriedade, que é transmitida do de cujus para seu lastro sucessório, observando-se, obviamente, as peculiaridades das situações concretas apresentadas. Neste sentido, inclusive, há que se trazer à baila as lições apresentadas por Diniz, quando põe em evidência que “dado o caráter de perpetuidade do domínio, este remanescerá na pessoa de seu titular ou de seus sucessores causa mortis de modo indefinido ou até que por um meio legal seja afastado do seu patrimônio”[1].
Em uma linha conceitual, pode-se considerar que a Lei Substantiva Civil vigente, ressoando o entendimento consolidado no Estatuto de 1916, alicerçou a perda da propriedade em duas espécies distintas. A primeira é fruto de ato voluntário, ou seja, há a presença do elemento volitivo do proprietário, que se manifestação por meio de um comportamento comissivo ou omissivo. Assim, afiguram como exemplos a serem apresentados no caso em tela: a alienação, o abandono e a renúncia, previsto no art. 1.275, incs. I a III, do Códex de 2002.
Noutra toada, a segunda espécie é denominada involuntária, visto que não há qualquer manifestação do proprietário, sendo inexistente o elemento volitivo. Nesta espécie, a perda da propriedade está associada a fatos relativos a objetos, atuando como claros exemplos, consagrados pela legislação vigente, o perecimento e a desapropriação. Ao lado disso, há que se trazer a lume a construção doutrinária apresentada por Farias & Rosenvald:
“No Código Civil de 2002, perde-se a propriedade voluntariamente por alienação, abandono e renúncia (art. 1.275, I, II e III, do CC). A outro giro, perde-se a propriedade involuntariamente, pelo perecimento e desapropriação (art. 1.275, IV e V, do CC). As hipóteses de extinção da propriedade, independentes da vontade de seu titular, serão excepcionais no sistema”[2].
Quadra, ainda, colocar em relevo que o art. 1.275 da Lei Nº. 10.406[3], de 10 de Janeiro de 2002, que institui o Código Civil, refere-se tanto à perda da propriedade imobiliária como da mobiliária, trazendo inovação ao Ordenamento Jurídico, visto que o revogado Diploma Civilista, ao espancar o tema no art. 584, manteve-se adstrito tão somente à primeira. No mais, vale salientar que o rol apresentado no caput do art. 1.275, não se trata de numerus clausus, mas sim é meramente exemplificativo, comportando outras espécies, que são apresentadas por leis extravagantes, bem como em outros dispositivos da própria Lei Específica.
Claros exemplos das ponderações aduzidas, até o momento, são a usucapião e a acessão, que “não são apenas modos originários de aquisição da propriedade, mas também modos de perda da propriedade para aquele proprietário desidioso, que não cuidou de resguardar a sua posse”[4], no tocante à primeiro. Assim como para aquele que teve a coisa, considerada como acessória, unida ou incorporada à propriedade do titular do bem principal[5], em relação à segunda.
2 Da Perda da Propriedade por Alienação
Consagrada no inciso I do art. 1.275 do Código de 2002, a alienação é apresentada como o negócio jurídico, por meio do qual o proprietário, gozando da autonomia privada que dispõe, gratuita (através da doação) ou onerosamente (mediante venda, dação em pagamento ou permuta), transfere a outro o direito que detém sobre determinada coisa, imóvel ou móvel. Em igual sedimento, colhe-se que a alienação “é uma forma de extinção subjetiva do domínio, em que o titular desse direito, por vontade própria, transmite a outrem seu direito sobre a coisa. É a transmissão de um direito de um patrimônio a outro”[6]. Aliás, do vocábulo “alienar” infere-se justamente tal acepção, tornando a coisa alheia. Aqui, cabe ressaltar o instituto em exame é reservado tão somente às transmissões consideradas como voluntárias, frutos de um negócio jurídico bilateral, há a presença do elemento subjetivo, consistente na manifestação de vontade do proprietário da coisa.
A alienação, enquanto forma de transmissão, é constituída de elementos que integram sua natureza, a saber: a) a existência de um direito de posse do titular; b) a manifestação do mencionado direito, externado por meio da vontade do proprietário em transmiti-lo a outrem; c) a aceitação à vontade do proprietário primitivo, substanciada por meio da aceitação do indivíduo beneficiado com a transferência; d) a existência de liame entre a perda do direito para o proprietário primitivo e sua aquisição pelo beneficiado; e, e) a contemporaneidade entre os atos de perda e aquisição de propriedade, assim como a dependência existente entre os mencionados, sendo decorrentes da mesma causa jurídica, ou seja, a perda e aquisição da propriedade do bem, móvel ou imóvel, é fruto do mesmo negócio.
Consoante aduz Venosa[7], o preceito que vigora na espécie em destaque é que o proprietário não poderá transmitir mais direitos do que é detentor. Cuida arrazoar que, em se tratando de alienação de coisa imóvel, necessária se faz revestir tal ato da solenidade carecida, consistente, notadamente quando o bem ultrapassa o quantum de trinta salários mínimos, na escritura pública, para que haja o aperfeiçoamento do entabulado. Ao lado disso, insta trazer à colação a redação do art. 108 do Estatuto Civilista, que assim verbaliza:
“Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário-mínimo vigente no País”[8].
Assim, em decorrência da alienação conter em seu âmago o ideário de transmissibilidade, não se verifica ínterim em que o bem seja despido de titularização, logo, em se tratando de bens imóveis, este não se tornará res nullius. Há uma automaticidade, vez que enquanto o alienante perde a propriedade, esta é ganhada pelo adquirente da coisa. Como bem salienta Farias & Rosenvald, “daí a importância da aferição da existência, validade e eficácia do negócio jurídico transmissivo, ainda que não haja eficácia real”[9].
Em oposição ao exposto, o efeito oriundo da perda da propriedade pela alienação estará sempre subordinado à tradição, como inclusive se infere da redação do art. 1.226 do Código Civil, “Art. 1.226. Os direitos reais sobre coisas móveis, quando constituídos, ou transmitidos por ato entre vivos, só se adquirem com a tradição”. De igual modo, “na compra e venda de bens móveis, a aquisição da propriedade se faz mediante simples tradição do bem. Assim, para fins de demonstração da propriedade sobre veículo automotor, basta que a parte demonstre tê-lo em sua posse, a título de operação de compra e venda”[10]. Obviamente, excetua-se a tal redação os aviões e navios, que necessitam de registro para que a alienação possa restar aperfeiçoada.
Por derradeiro, calha salientar que tão somente inexistirá a alienação sem o consentimento do proprietário do bem, quando restar demonstrada a presença de cláusula de retrovenda, na qual o alienante pode exercer o direito de recobrar a coisa imóvel, atentando-se para o prazo decadencial fixado na lei, qual seja: 03 (três) anos, a contar do registro, como bem entalha o art. 505 da Lei Civilista. “O proprietário estará em situação de sujeição, pois o vendedor poderá unilateralmente alterar a sua esfera jurídica sem qualquer possibilidade de oposição”[11].
3 Da Perda da Propriedade por Renúncia
Em linhas inaugurais, tem-se que a renúncia é um negócio jurídico unilateral, por meio do qual o proprietário da coisa declara, formal e explicitamente, o intento de despojar-se da propriedade. Assim, infere-se que, em oposição ao instituto da alienação, na renúncia nada é transmitido a ninguém, tão somente há a abdicação do direito real existente, sendo a coisa convertida em res nullius. Ao lado disso, pontua Diniz, “a renúncia (CC, art. 1.275, II) é um ato unilateral, pelo qual o proprietário declara, expressamente, o seu intuito de abrir mão de seu direito sobre a coisa, em favor de terceira pessoa que não precisa manifestar sua aceitação”.De igual maneira, pode-se trazer à colação as ponderações apresentadas por Luciano de Camargo Penteado[12]:
“A renúncia é negócio jurídico unilateral não receptício. Daí que seus efeitos dependam de declaração de vontade jurídico-negocial expressa, a qual não depende de outra vontade para produzir seus efeitos específicos. (…) A renúncia tem por efeito tornar o bem sem dono, isto é res nullius. Deste modo, perde a titularidade subjetiva, convertendo-se em bem vago que, preenchidos os pressupostos, poderá ser arrecadado. Assim como a alienação, a renúncia só produz efeitos quando levada a registro no CRI competente (CC 1.275 parágrafo único).”
A renúncia, para restar devidamente caracterizada, segundo Farias & Rosenvald[13], não poderá ser consolidada em favor de outrem, sob pena de corporificar o instituto da doação, tratando-se, obviamente, de uma alienação gratuita. Deste modo, desde que não subsista qualquer prejuízo a terceiros, é sempre possível a renúncia aos direitos incidentes sobre um imóvel. Insta, ainda nesta senda, evidenciar que, em decorrência da gravidade que o instituto em comento possui, como também as consequências produzidas, é exigida a sua formalização, por meio de escritura pública, nos moldes preceituados no art. 108 do Código Civil vigente. Nesta trilha, “o Código de 2002, todavia, no art. 108, dispõe que a escritura pública é essencial também para a renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país”[14].
Ademais, não se pode olvidar que, antes do registro do ato renunciativo, o proprietário poderá desconstituir a abdicação, mantendo a coisa para si ou mesmo alienando-o a terceira pessoa. Em razão da renúncia acarretar a perda jurídica da propriedade imobiliária, não subsiste qualquer óbice que o renunciante se mantenha na posse do bem, exercendo o poder fático sobre a coisa, sem que haja qualquer alteração. Nestes termos, “a modalidade de renúncia à propriedade imobiliária que acarreta imediata aquisição patrimonial para o novo proprietário é a renúncia à herança (art. 1.804, parágrafo único, do CC)”[15].
Para tanto, gize-se que o quinhão alvo da renúncia, por parte do herdeiro, será transferido ao acervo hereditário, em favor dos demais co-herdeiros da mesma classe, sendo necessária a formalização, quer seja por meio de escritura pública, quer seja por meio de declarações que instruirão o processo de inventário, sendo levado ao registro imobiliário, ao final, quando do registro do formal de partilha. Sobre a renúncia da herança, cumpre trazer à baila lição de Orlando Gomes:
“Renúncia é o negócio jurídico unilateral pelo qual o herdeiro declara não aceitar a herança. […] A renúncia é retratável, mas somente se proveniente de violência, erro ou dolo. Não há, portanto, liberdade de revogá-la. […] A impugnação por erro é censurável, por atentar contra o interesse público que quer a estabilidade das transmissões hereditárias. A renúncia tem eficácia retroativa. Tem-se o renunciante como se jamais fora chamado a sucessão. Consequentemente, os herdeiros do renunciante não o representam. Ninguém sucede ao renunciante por direito de representação. Mas, se ele for o único legítimo de sua classe ou se todos os outros da mesma classe renunciarem à herança, poderão os filhos vir a sucessão, por direito próprio. […] Se são renunciantes todos os filhos do auctor sucessionis, seus descendentes de primeiro grau herdam por cabeça, dividindo-se a herança, por exemplo, entre dez netos do mesmo de cujus, tendo o primeiro dois filhos, o segundo, três, e o terceiro, cinco, e não em três partes. […] A renúncia não é translativa. Por outras palavras, não importa transmissão de bens ou direitos. Não se confunde, enfim, com a cessão de herança. É ato abdicativo”[16].
Além disso, faz-se carecido salientar que, em sendo a renúncia praticada tão somente em favor de um dos herdeiros, em detrimento do demais, estar-se-á diante de uma cessão de herança, que não é portadora de aspecto abdicativo, mas sim translativo, dando corpo à alienação. Id est, concede-se a denominação de cessão de direitos ao negócio jurídico de alienação dos bens incorpóreos ou mesmo de uma universalidade de bens corpóreos, que se encontram em processo de divisão. “A renúncia propriamente dita é a abdicativa, também chamada de pura e simples, e é aquela em favor do monte. A renúncia dita translativa equivale à verdadeira cessão de direitos hereditários”[17].
Nessa trilha, cuida arrazoar que, em decorrência da formalidade que reveste o instituto em tela, considera-se que sua aplicação não se estende a perda da propriedade sobre bens móveis. Excetua-se ao exposto, o patrimônio mobiliário que se encontra no direito hereditário, podendo ser alvo da abdicação do herdeiro. Em se tratando de objetos móveis, contumaz é a prática do abandono.
4 Da Perda da Propriedade por Abandono
Também denominado de derrelicção ou derelição, o abandono é descrito como o ato material por meio do qual o proprietário da coisa se desfaz do bem, porque não quer mais ser seu dono. Em razão do abandono não ser um ato expresso, a exemplo do que é a renúncia e a alienação, a materialização de tal instituto é fruto de atos exteriores que demonstram a explícita intenção de abandonar a coisa. Já se decidiu, inclusive, que o simples desprezo físico pela coisa, caso não esteja acompanhado de sinais evidentes de abdicar da coisa, não é suficiente para consubstanciar o abandono. “Em outras palavras, o mero desuso não importa em abandono; fundamental é a conjugação ao elemento psíquico, na perquirição do real interesse do titular de se desfazer da propriedade”[18]. Nesta linha, também, ensina Luciano de Camargo Penteado[19]:
“Outra forma de perda da propriedade é o abandono. Por esta modalidade perde-se a propriedade sem que tenha que falar em negócio jurídico. Para sua configuração basta uma intenção inequívoca de não conservar mais o bem no patrimônio do abandonante, manifestada por algum ato, mesmo que seja a perda da posse com intenção de definitividade”.
Além disso, faz-se necessário salientar, como aspecto caracterizador, é que o abandono constitui negócio jurídico unilateral, tal como a renúncia, estando adstrito à esfera jurídica do abandonante. No mais, a manifestação da vontade daquele que abandona é não receptícia, porquanto não está direcionada a outra pessoa, logo, independe de manifestação da vontade para que o negócio jurídico possa existir e, por consequência, cumprir o fito a que se propõe. Com efeito, o proprietário goza da faculdade de usar a coisa sobre a qual recai seu direito, estando englobada em tal acepção a possibilidade de não-utilizar.
Nessa trilha, faz-se necessário pontuar que o abandono não se presume, ao contrário, sua demonstração é imprescindível para restar configurado o instituto do abandono. Um fato que traz bastante interesse concerne à faculdade consagrada na redação do art. 1.276[20] do Código Civil, diccionando que o imóvel abandonado será alvo de arrecadação, como se bem vago fosse, e, transcorrido o período de três anos fixados na legislação, passará a integrar a propriedade do Município ou do Distrito Federal, se estiver alocado na zona urbano; entretanto, em estando localizado na zona rural, será arrecadado pela União.
Imperioso se revela que o dispositivo legal não traz à lume qual o regramento para aferimento da localização como sendo urbano ou rural, sendo aceito, “por sintonia com o instituto da usucapião (art. 191 da CF) e da tributação (IPTU ou ITR), parece-nos ser a localização do imóvel o fato distintivo para determinar a competência da União ou do Município para o procedimento da arrecadação”[21]. Assim, guardando congruência com o entalhado, imprescindível será a análise do Plano Diretor Urbano, a fim de se constatar a localização do imóvel abandonado, considerando, por exclusão, sua localização na zona rural, quando então a arrecadação será da União.
Outra celeuma existente, no que tange ao assunto em tela, junge-se ao momento em que verifica a perda da propriedade imobiliária, em decorrência do abandono. “Alguns autores defendem a manutenção da propriedade em nome do abandonante até o momento de sua arrecadação pelo Poder Público, podendo reivindicá-la quando bem lhe aprouver”[22]. Desta feita, enquanto a arrecadação não se concretizar, o particular conservará a titularidade, podendo, inclusive, transmitir a propriedade do bem imóvel a outrem.
Ao lado disso, como bem pontua Washington de Barros Monteiro[23], no que tange ao processo de abandono, denota-se dois momentos distintos, quais sejam: há inicialmente a perda da propriedade, em razão do abandono, e, posteriormente, opera-se a sua arrecadação pelo Estado, momento em que a coisa, outrora sem dono, se converte em propriedade pública. Logo, segundo o entendimento explicitado alhures, até que haja a eventual a apropriação do bem abandonado pelo Poder Público, após o defluxo do lapso fixado em lei, o imóvel, alvo do abandono, torna-se res nullius.
Vale salientar que o abandono dispensa a formalidade do registro, todavia, a eficácia da perda da propriedade, em relação à coletividade, só ocorrerá quando houver alteração no Registro Geral de Imóveis, passando a constar o nome do novo proprietário. Assim, para que haja eficácia erga omnes é imprescindível tal formalidade, porquanto, durante o período em que não se consumar, o abandono não terá eficácia completa, sendo considerado como proprietário do imóvel aquele que constar dos assentamentos do registro.
Outra questão que merece ser espancada está adstrita à premissa de que, em razão do decurso do tempo por si só não transferir o imóvel abandonado ao domínio, sendo necessário, como visto acima, a arrecadação, não há qualquer óbice que particular possa completar tempo hábil de posse que autorize à usucapião, utilizando-se da desídia conjunta do abandonante e do Ente Estatal. A prescrição aquisitiva só será interrompida, após iniciado o procedimento de arrecadação. “Ou seja, sendo a coisa ainda registrada em nome do particular, contra ele e os demais litisconsortes a ação será direcionada, eis que ainda não está a propriedade submetida à regra da imprescritibilidade dos bens públicos”[24], cuja disposição encontra-se inserta na redação do art. 102 do Código Civil. Segundo Venosa, “o Estado deve intervir para arrecadar bem abandonado, se ninguém exerce a posse. Embora em curso o processo de arrecadação do Estado, pode ocorrer a prescrição aquisitiva pelo particular”[25].
Ademais, impõe destacar que o caput do art. 1.276 do Estatuto de 2002 alberga em sua redação, em ressonância aos dispositivos constitucionais, notadamente a dignidade da pessoa humana e a função social da propriedade, a premissa que o imóvel abandonado só será alvo de arrecadação se não estiver em posse de outrem. Logo, por tal previsão, constata-se não basta tão somente a demonstração de que o abandonante não mais deseja o bem para si, porquanto “a posse de terceiros sobre o bem é fator suficiente para conceder função social à propriedade e determinar a exclusão da pretensão à titularidade pelo Poder Público”[26]. Neste sentido, já se decidiu:
“Ementa: Apelação Cível. Propriedade e Direitos Reais sobre coisas alheias. Ação Reivindicatória. Improcedência. Abandono do Imóvel pelos proprietários. Inexistência de Interesse pela área, a qual inclusive serviu de lixão por longos anos. Ajuizamento da Ação Dominial quando já consolidada a ocupação por várias famílias e fulminado, pelo decurso do tempo, o direito de propriedade. Descaso que gerou invasão sistemática do terreno. Processo de favelização consolidado. De regra, o proprietário tem direito de reaver a coisa do poder de quem quer que injustamente a possua. Todavia, o direito de propriedade não é absoluto, podendo, em situações excepcionais, perecer, como no caso de evidente abandono por seu titular. Hipótese em que o não-exercício dos poderes dominiais propiciou a instalação sistemática de diversas famílias sobre o imóvel, com desmembramento da área em vários lotes e instalação de luz, água e esgoto, tudo a evidenciar a consolidação do processo de favelização da área. Situação estabilizada sobre o imóvel que inviabiliza o acolhimento da pretensão reivindicatória. Precedente do Superior Tribunal de Justiça. PRELIMINARES REJEITADAS E RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Décima Oitava Câmara Cível/ Apelação Cível Nº. 70034617597/ Relator: Desembargador Pedro Celsa Dal Prá/ Julgado em 02.12.2010) (destaque nosso)
Impõe colocar em destaque, também, que subsiste, a partir do entalhado no §2º do art. 1.276, uma presunção de absoluta de abandono, quando restar consubstanciado a conjugação do desuso, por parte do proprietário, e o inadimplemento os tributos reais. Logo, em subsistindo a inércia do proprietário em promover o pagamento dos tributos incidentes, aliado ao abandono do bem, o procedimento de arrecadação, por parte do Ente Estatal (Município/Distrito Federal ou União) será medida de reafirmação dos preceitos de socialidade, sem que possa o abandonante manejar oposição, porquanto restará modelada a presunção absoluta que dá conta o dispositivo supra. Destarte, verifica-se pela dicção do acimado, repita-se, a valorização do emprego da propriedade como elemento de potencialização da dignidade do indivíduo.
5 Da Perda da Propriedade por Perecimento
Ab initio, importa evidenciar que o perecimento constitui modalidade involuntária de perda da propriedade, porquanto, em decorrência da força da natureza ou de ação antrópica, não mais subsiste o direito, em decorrência de lhe faltar o objeto. No caso em tela, vigora o antigo adágio “perecendo o objeto, perece o direito”. Cumpre avultar que, para a materialização do instituto do perecimento, é imprescindível que o fato material alcance a substância da coisa de forma completa ou, ainda, causando o desproveito das qualidades estruturantes ou do valor econômico que a res possui. Consoante Diniz distingue em seus argumentos, “esse perecimento pode decorrer de ato involuntário, se resultam de acontecimentos naturais, como: terremoto, raio, incêndio etc., ou de ato voluntário do titular do domínio, como no caso de destruição”[27].
Ao lado do acinzelado, valendo-se, ainda, do entendimento doutrinário construído alhures, que, em subsistindo a devastação do prédio, quando ocorre, por exemplo, incêndio, não há um perecimento total, mas apenas parcial, que conservará o direito de propriedade. Como bem destaca Nascimento, “onde resta terreno a propriedade subsiste. Assim, se a construção do edifício desaparece, por implosão ou queda, o domínio persiste sobre terreno e não há que se falar em perda da propriedade”[28]. Logo, por tal dicção, verifica-se que o perecimento não se confunde com destruição ou demolição. O imóvel não é destruído, mas sim o bem acessório a ele agregado e que, comumente, traz vantagem econômica ao proprietário. De outro turno, em restando consubstanciada a demolição, o prédio vem a ser desmanchado, entrementes o terreno permanece, ainda que tenha sofrido desvalorização econômica.
Ainda como reflexo dos preceitos alocados na Carta Constitucional de 1988, verifica-se a possibilidade do perecimento jurídico da propriedade. Nesta hipótese, o objeto sobre o qual o direito real incide ainda existe, todavia, em decorrência de uma determinada situação, há a desnaturação da coisa, culminando na perda da propriedade. Tal exemplo é verificável normalmente quando, em terrenos particulares de grande extensão, se estruturam favelas ou mesmo conjuntos de moradias. Nesta situação, ainda que o bem exista, qual seja: o terreno alvo da invasão, denota-se que sua natureza primária não mais subsiste, em razão das alterações dos aspectos característicos iniciais, porquanto a realidade fática colocada em apreciação teve o condão de provocar a desnaturação da coisa, ocasionado o perecimento. Neste sentido, há que se trazer à colação o entendimento jurisprudencial consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar matéria similar:
“Ementa: Civil e Processual. Ação Reivindicatória. Terrenos de loteamento situados em área favelizada. Perecimento do Direito de Propriedade. Abandono. CC, arts. 524, 589, 77 e 78. Matéria de Fato. Reexame. Impossibilidade. Súmula N. 7-STJ. I. O direito de propriedade assegurado no art. 524 do Código Civil anterior não é absoluto, ocorrendo a sua perda em face do abandono de terrenos de loteamento que não chegou a ser concretamente implantado, e que foi paulatinamente favelizado ao longo do tempo, com a desfiguração das frações e arruamento originariamente previstos, consolidada, no local, uma nova realidade social e urbanística, consubstanciando a hipótese prevista nos arts. 589 c/c 77 e 78, da mesma lei substantiva. II. “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial” – Súmula n. 7-STJ. III. Recurso especial não conhecido”. (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/REsp 75.659/SP/ Relator: Ministro Aldir Passarinho Júnior/ Julgado em 21.06.2005/ Publicado no DJ em 29.08.2005, p. 344) (destaque nosso)
6 Da Perda da Propriedade por Desapropriação
6.1 Da Desapropriação Administrativa
A desapropriação por necessidade de utilidade pública ou interesse social é descrita como modalidade especial de perda da propriedade. Tal fato se deve em razão de pertencer ao âmbito do direito público, sendo espancada pela Constituição Federal e regulamentada por normas administrativas, processuais e civis. Obviamente, respeitando os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais distintos, há que se reconhecer a desapropriação como uma situação especial que tem o condão de causar a perda da propriedade, porquanto esta é transferida, por necessidade ou utilidade pública ao Ente Estatal.
A situação entelada encontra respaldo do interesse da coletividade que se sobrepõe aos interesses individuais, dentre estes a propriedade, em determinadas hipóteses. Cuida ressaltar que a desapropriação é considerada como a forma mais drástica da manifestação do “poder de império”, isto é, da soberania, em âmbito interno, exercida pelo Estado, no que concerne à sua atuação sobre os bens existentes no território nacional. Todavia, é necessário que seja exercido dentro dos limites contornados pelas garantias constitucionais.
Venosa entende “tratar-se de modo originário de aquisição da propriedade, porque é desprezado o título anterior. O título gerado no procedimento administrativo ou no processo expropriatório é registrável por força própria. É dispensada a existência de registro anterior”[29]. Em inexistindo matrícula do imóvel no Registro Geral de Imóveis, esta será feita, em decorrência do registro do título expropriatório. Considerando que se trata de modo originário de aquisição da propriedade, cuida salientar o marcha processual pode se desenvolver sem que a Administração tenha conhecimento quem seja o proprietário do bem expropriado. Há que se evidenciar que, no processo expropriatório, não existe discussão de domínio, mas tão apenas do quantum a ser pago pelo bem desapropriado. Os bens incorporados à Fazenda Pública não podem figurar como objeto de reivindicação, ainda que haja nulidade do processo de desapropriação.
Implica, ainda, traçar que a desapropriação não se confunde com o instituto da alienação, porque se trata de transferência, dotada de cunho compulsório, em decorrência de ato unilateral da Administração Pública. Trata-se de modalidade de perda da propriedade, a partir de uma ótica civilista. No mais, qualquer bem é passível de desapropriação, incluindo-se o subsolo e o espaço aéreo, assim como os pertencentes a Administração, observando que a União poderá desapropriar bens que pertençam aos Estados, Distrito Federal e Municípios e Estados poderão desapropriar bens pertencentes à Municipalidade. Mister se faz pontuar que os imóveis rurais de pequeno e médio porte não são suscetíveis de desapropriação, com o escopo de promoção da reforma agrária, desde que seja a única do proprietário. Assim, a propriedade rural produtiva não será alvo de desapropriação.
A desapropriação pode ser dividida nas seguintes espécies: a) por razões de utilidade pública para satisfazer interesses coletivos, previsto no art. 5º do Decreto-Lei Nº 3.365/1941; b) necessidade pública, por questões urgentes de segurança e salubridade pública; c) interesse social para fins de reforma agrária, preceituada no art. 184 da Constituição Federal. Verifica-se que o instituto em comento se dá duas formas distintas. Uma das formas é a que caminha pela via administrativa, na qual o Ente Estatal expressa o interesse na desapropriação. Caso a desapropriação se dê de forma regular, também denominada direta, confecciona-se um ato administrativo de desapropriação, mediante, via de regra, ao pagamento de indenização em dinheiro. A outra é a judicial, ocorrendo quando não há acordo com o proprietário sobre o valor da oferta, movendo-se a ação contra o titular da propriedade, a fim de que o julgador fixe o numerário a ser pago. “Mediante depósito prévio de importância tida como razoável pelo expropriante e declaração de urgência, poderá ele se imitir na posse provisória do bem, mesmo antes da citação ou do transcurso da lide”[30].
Entrementes, caso a desapropriação se dê sem as observâncias das exigências legais, não se promulgando o decreto expropriatório competente ou mesmo o não pagamento da indenização, ter-se-á a denominada desapropriação indireta, que consiste em um esbulho e ilícito administrativo. Nesta situação, o expropriado gozará de legitimidade para ajuizar a pretensão de reintegração de posse, ou ainda receberá a indenização correspondente ao valor do bem, quando restar devidamente demonstrado que a obra pública já encontra em andamento, prevalecendo, obviamente, o interesse social em detrimento do particular.
Já se decidiu que “a desapropriação indireta caracteriza-se como sendo o fato pelo qual a Administração Pública se apropria de bem particular, sem a observância dos requisitos para sua desapropriação, como a declaração e indenização prévia”[31]. Note-se que a desapropriação indireta é ato manifestamente ilícito, proveniente do apossamento administrativo sem o devido processo legal e, conforme o autor José Carlos de Moraes Salles:
“[…] não importa que tenha sido editada a competente declaração de utilidade pública ou de interesse social: se o desapossamento ocorreu sem o respectivo processo de desapropriação, o ato do Poder Público é ilícito. Essa ilicitude só não se verificará na hipótese de o proprietário do bem haver consentido em que o desapossamento ocorresse, sem acordo ou sem o correspondente processo judicial, visando, assim, colaborar com a Administração. Nem por isso, entretanto, perderá o direito a uma justa indenização, ainda que a posteriori”[32].
Outra modalidade do instituto em comento é desapropriação-sanção, decorrente de uma pena ao proprietário inadimplente, na função social afixada pelo Município, encontrando previsão legal no art. 182, §4º, da Constituição Federal e art.8º da Lei Nº. 10.257/2001. Tal como ocorre na desapropriação com o escopo da reforma agrária, a indenização a ser paga pela desapropriação-sanção será por títulos e não em dinheiro. Isto é, em situação de falta de pagamento do IPTU, a Municipalidade poderá desapropriar o imóvel, como forma de punição ao antigo proprietário que não observou a função social estabelecida pelo Ente Estatal.
6.2 Da Desapropriação Judicial baseada na Posse Pro Labore
Situação peculiar consagrada na redação dos §§4º e5º do art. 1.228 do Código Civil de 2002 alude ao ideário que o proprietário poderá ser privado da coisa, caso o imóvel objeto da reivindicação consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de um determinado número de pessoas e estas tiverem realizado obras e serviços considerados de interesse social e econômico relevante. Vale salientar que mencionadas realizações podem se dar de maneira individual como coletiva. Denota-se que a valorização da construção ou mesmo plantação supere à da propriedade, assim como comprovação da boa-fé daqueles que nela se encontram instalados, tratando-se, com efeito, de requisito de caracterização do próprio instituto. No mais, caberá ao magistrado, fixar a justa indenização a ser paga ao proprietário primitivo, em razão da perda da propriedade.
Diniz, ao abordar o tema, descreve que o instituto em telas, para alguns doutrinadores, daria corpo a uma “usucapião onerosa”, já que os “possuidores-usucapientes” ficariam condicionados ao pagamento de um quantum, a título de indenização, a ser arbitrado pelo juiz. “No entanto, o desideratum do novel Código Civil parece ter sido a configuração de uma desapropriação judicial pela posse qualificada, pois, ante a colisão do direito de propriedade com o princípio da função social da propriedade, privilegiou-se o segundo”[33]. Por mais uma vez, verifica-se que, no sopesar do direito à propriedade e os princípios constitucionais da função social da propriedade e da dignidade da pessoa humana, os corolários afiguram dotado de maciça relevância, tratando-se de verdadeiros pavilhões que regem a interpretação do texto legal e sua amoldagem ao caso concreto.
Ora, por um viés pós-positivista, inovou o Ordenamento Jurídico ao assegurar, notadamente no caso em testilha, que só há que subsistir proteção legal se a propriedade é produtiva, atende aos preceitos socioeconômicos, mediante um aproveitamento racional e adequado, representado por serviços e obras dotados de relevância. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, notadamente quando destaca que “esta doutrina [pós-positivista] é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[34]. O que há de ser preponderado, no caso em destaque, é o alcance e potencialização dos princípios que salvaguardam a dignidade da pessoa humana, o que se dá, comumente, com condições mínimas de sobrevivência.
Quadra evidenciar que a posse, na desapropriação judicial, é maciçamente qualificada, em razão do valor laborativo de um número considerável de pessoas, devendo, obviamente, a quantidade ser apurada, a partir de um critério estruturado na extensão da área possuída, em decorrência da realização de obras, loteamentos ou ainda serviços produtivos. Atua, ainda, como mecanismo qualificador o fato de haver, na área, a construção de residência, de prédio destinado ao lazer ou ao ensino ou mesmo empresa, ou seja, urbanização. Com isso, afere-se as vantagens e proveitos que o trabalho empregado na área trará à coletividade, o que, por vezes, acarreta na geração de empregos, potencialização da produção agrícola e estabelecimento de habitações para a população de baixa-renda. Assim, reafirmam-se os dogmas já explicitados, assim como alardeia-se os aspectos de humanização que devem afetar a propriedade.
7 Outras Formas de Perda da Propriedade
Como fora descrito alhures, os modos de perda da propriedade não se encontram taxativamente previsto na redação do art. 1.275 do Código Civil, tratando-se, na realidade, de um rol meramente exemplificativo, comportando, por extensão, demais situações previstas no Ordenamento Jurídico. Entre os diversos exemplos previstos, cuida-se analisar a arrematação, a adjudicação, a propriedade resolúvel, o confisco e a requisição.
7.1 Da Arrematação
Considerada como uma forma de perda da propriedade, a arrematação é descrita como modo de transferência, forçada, de bens penhorados para a satisfação do direito creditício do exequente. Para tanto, procede-se a penhora dos bens que a parte executada possui. Ao lado do exposto, há que se arrazoar que “é realizada por meio de alienação judicial, na qual bens precisam ser transformados em dinheiro para que se efetue o pagamento do credor. Se estes bens a serem transferidos forem imóveis, será através de praça, porém se forem móveis será por meio de leilão”[35]. Assim, infere-se que há a supressão do elemento subjetivo do proprietário, consistente em sua manifestação de vontade em concordar, ou não, já que há verdadeira expropriação.
Quadra frisar que a transferência do bem arrematado se dá por meio do pagamento da quantia certa, por parte do arrematante que visa ter a propriedade destes. Ao lado disse, mister se faz salientar que os atos executórios que precedem a arrematação são realizados por órgão jurisdicional, através da atuação direta do magistrado. Logo, o aspecto primordial a ser evidenciado tange à premissa de constituir a arrematação verdadeira expropriação realizada pelo Estado, sendo considerado como ato de natureza coativa, dando-se em hasta pública, por meio do leilão (quando o bem for móvel) ou praça (quando o bem for imóvel).
Já se decidiu que “a arrematação possui natureza jurídica de venda, o que torna legítimo considerar o valor dos bens arrematados judicialmente como seu valor venal”[36]. No mais, como é cediço, a carta de arrematação é o documento que configura título formal de aquisição da propriedade arrematada, sendo hábil para proceder a transcrição ou mesmo o registro do bem que foi arrematado. A respeito do tema, há que se citar a lição do ilustre Araken de Assis: “O título formal habilita o arrematante à aquisição do domínio mediante a transcrição ou registro (art. 167, I, n. 26, da Lei 6.015/1973)”[37].
7.2 Da Adjudicação
Em uma primeira plana, tem que se salientar que a adjudicação é descrita como o ato judicial por meio do que se declara e se estabelece que a propriedade de determinada coisa (englobando tanto bem móvel como imóvel) se transfere do proprietário primevo para o credor, sendo o primeiro denominado transmitente e o segundo adquirente. Este assumirá todos os direitos que recaem sobre a coisa, podendo usar, dispor, gozar e frui do bem. Vale salientar que o instituto da adjudicação é verificável durante a fase executória de um processo, por meio da qual o credor ambiciona a satisfação do crédito, por meio de coisa diversa da que lhe é devida. Trata-se de um instituto afeto à ramificação processual do Direito, previsto a partir do art. 647 do Estatuto de Ritos Civis Pátrio.
Ao lado disso, cuida pontuar que o instituto em comento é considerado como mecanismo singelo que tem o condão de acarretar a expropriação patrimonial, consistente na transferência da propriedade e da posse de bem que se encontre penhorado ao adquirente/adjudicante. Ademais, vale realçar que o escopo primordial da adjudicação é a satisfação do crédito vindicado pela parte exequente. Não subsiste, em razão das ponderações aduzidas, constatar que o assunto em tela dá corpo a um modo de perda da propriedade, que a lei autoriza aos credores, com o intuito de receber o crédito exequendo.
Como bem salienta Aragão, “a adjudicação é um ato executório com caráter expropriatório, através do qual o bem que está penhorado é retirado compulsoriamente do patrimônio do executado e incorporado ao patrimônio do exequente”[38], sendo necessária a manifestação do adjudicante para que possa ocorrer a satisfação do crédito existente, o que se dá por meio do recebimento de coisa distinta da que era devida. Em igual sentido dicciona José Frederico Marques, segundo o qual o instituto em destaque é um modo de expropriação, conforme se verifica do excerto: “A adjudicação é ato executivo de expropriação em que o credor figura como adquirente de bem ou bens penhorados”[39].
7.3 Da Propriedade Resolúvel
O art. 1.359 do Estatuto Civilista vigente trata de outra modalidade de perda da propriedade, quando trata da propriedade resolúvel. “A propriedade é resolúvel, quando o negócio jurídico que a constitui subordina expressamente sua duração ao implemento de condição resolutiva ou advento do termo”[40]. Logo, em sendo constatado o evento futuro e certo – ou incerto, quando se tratar de condição resolutiva -, o proprietário perderá o domínio, não sendo possível oposição contra o novo proprietário. Ao lado disso, faz-se necessário acrescer que a propriedade resolúvel é aquele que está sujeita à condição ou termo, oriundo de convenção firmada entre as partes ou decorrente da redação da lei, ou ainda, de um fato jurídico superveniente.
Neste bastião, a propriedade resolúvel é considerada como aquela que, no momento de sua constituição, apresenta uma causa que tem o condão de encerrar, compreendendo tanto um termo extintivo como uma condição resolutória ou revogável. Logo, consubstanciada a causa extintiva, a propriedade é resolvida, id est, será extinto o direito a que ela abarca, não detendo mais eficácia. Nesta senda, o instituto em comento é a propriedade que tem sua própria constituição uma condição que a encerrará em um dado momento futuro.
Trata-se de uma situação dotada de excepcionalidade, porquanto a propriedade é revestida dos aspectos característicos de perpetuidade do domínio. Ao lado disso, é imprescindível que a cláusula que consagra a resolução seja registrada no órgão competente, sob pena de não produzir efeitos erga omnes. Como exemplo do expendido, pode-se trazer à colação o entendimento jurisprudencial, que acena no seguinte sentido:
“Ementa: Agravo de Instrumento. Alienação Fiduciária. Incidente de Impenhorabilidade. A devedora fiduciária não possui legitimidade para alegar a impenhorabilidade do bem dado em garantia porquanto “A alienação fiduciária em garantia expressa negócio jurídico em que o adquirente de um bem móvel transfere – sob condição resolutiva – ao credor que financia a dívida, o domínio do bem adquirido. Permanece, apenas, com a posse direta. Em ocorrendo inadimplência do financiado, consolida-se a propriedade resolúvel" (REsp 47.047-1/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros). Recurso Improvido em Decisão Monocrática”. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Décima Quarta Câmara Cível/ Agravo de Instrumento Nº. 70045023421/ Relator: Desembargadora Judith dos Santos Mottecy/ Julgado em 21.09.2011) (destaque nosso)
7.4 Do Confisco
A Constituição Federal, em seu art. 243[41], traz expressamente a possibilidade do proprietário perder sua propriedade, quando for constatado o cultivo de plantas psicotrópicas. Quando preceitua o dispositivo constitucional que as glebas de qualquer região do país onde for encontrado o cultivo ilegal de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas, deixou claro que a partir do momento em que fica comprovada a existência do citado cultivo, podem ser tomadas as devidas providências para a desapropriação da área cultivada. Em tais situações, a responsabilidade do proprietário é considerada como objetiva, não dependendo, por consequência, da presença do elemento subjetivo para que haja a configuração da conduta. “É objetiva a responsabilidade do proprietário de terras destinadas para o plantio de espécies psicotrópicas, sendo em consequência irrelevante a existência ou inexistência de culpa na utilização criminosa”[42].
Insta pontuar que se considera como irrelevante a circunstância de o proprietário eventualmente não saber do cultivo ilegal realizado no imóvel, e para ele não contribuir mediante conduta comissiva. Deveras, há de se reconhecer que o expropriado, no mínimo, contribuiu com a sua omissão, ao não adotar os cuidados de vigilância, de forma a ensejar o uso ilícito da terra. No mais, há que salientar, ainda, que a perda da propriedade não está adstrita tão somete a área em que as plantas psicotrópicas eram cultivadas, mas sim toda a propriedade. Ao lado disso, figuram como requisitos para a materialização do instituto em tela a presença do trinômio: a constatação da materialidade do crime (cultivo ilegal de planta psicotrópica); a identificação dos imóveis onde foram localizados os plantios e a titularidade destes.
Além disso, perfilhando o entendimento construído por Diniz, não há que se confundir o confisco entalhado no art. 243 da Carta de Outubro como uma forma de desapropriação, eis que esta é caracterizada pelo pagamento de uma indenização referente à área, o que não ocorre no caso do confisco. “Ante a utilização ilegal da propriedade, será ela confiscada e destinada ao assentamento de colonos e ao cultivo de produtos alimentícios e medicamentos”[43]. Aliás, extrai-se tal concepção do Decreto Nº. 577, de 24 de junho de 1992, que dispõe sobre a expropriação das glebas, onde forem encontradas culturas ilegais de plantas psicotrópicas e dá outras providências[44], traz em seu art. 7º tal premissa, passando a área confiscada a incorporar o patrimônio da União.
7.5 Da Requisição
Em um comento introdutório, tem-se que a requisição é o ato por meio do qual o Estado, em proveito de um interesse público, de modo unilateral e executório, constitui determinado indivíduo na obrigação de prestar-lhe serviço ou, transitoriamente, ceder-lhe o uso de uma coisa, obrigando-se, em contrapartida, a indenizar os prejuízos acarretados ao obrigado, provenientes de tal medida. O Códex de 2002 traz em seus dispositivos permissivos para que a autoridade competente, utilize, de maneira provisória, propriedade particular, até onde o bem público exigir. Vale salientar que tais possibilidades encontram-se agasalhadas em determinados contextos, a exemplo de situações de perigo iminente, como é o caso de guerras ou comoções intestinas.
De igual modo, o art. 1.228, §3º, ao abordar a possibilidade de requisição, também permitiu a utilização da propriedade particular para promoção da atividade urbanística, como ocorre, por exemplo, na necessidade de estabelecer traçado viário, parcelamento do solo e equipamentos urbanos, materializando-se como instrumento coadjuvante da estrutura da política urbana habitacional popular. Outrossim, admite-se também a requisição da propriedade particular, de modo transitório, para intervir no domínio econômico ou facilitar a prestação de serviço público. Em todas as situações apresentadas, repita-se, o proprietário da coisa terá direito a perceber indenização. “Nos demais casos o proprietário será previamente indenizado e, se recusar essa indenização, consignar-se-lhe-á judicialmente o valor. Idêntica disposição é encontrada na Constituição Federal”[45].
Há que realçar, também, que em determinadas situações a requisição será considerada como definitiva, quando tiver por objeto bens de consumo, pois não como proceder a devolução da coisa. Como expendido acima, a requisição também se assenta na prestação de serviços, distinguindo-se da desapropriação que está adstrita apenas a bens. Outro aspecto a ser sublinhado concerne ao fato da requisição ser dotada de auto executoriedade, ao passo que a desapropriação depende de acordo ou, na impossibilidade deste, de procedimento judicial.
Informações Sobre o Autor
Tauã Lima Verdan Rangel
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES