Monitorameto social de políticas públicas e o sentido sociopolítico do controle estatal: avanços e retrocessos na relação Estado-sociedade em países de economias dependentes

Resumo: O presente [1]artigo apresenta-se como resultado de pesquisa bibliográfica desenvolvida durante a disciplina de Desenvolvimento e Meio Ambiente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Pelotas, versando sobre a discussão em torno da proposição do monitoramento social de políticas públicas e sua relação com a configuração da relação Estado-sociedade em situação de economias dependentes. Num primeiro momento do texto, apresenta-se em que se constitui essa proposta de monitoramento e sua inserção na configuração do Estado moderno, para em seguida, partindo-se da formulação de Celso Furtado acerca da formação social e econômica de nossas economias dependentes, discutirmos o sentido sociopolítico subjacente à proposição de controle social sobre as políticas públicas. Na conclusão do trabalho, retomando o eixo norteador, conclui-se que enquanto ação técnico-social do Estado o monitoramento social de políticas públicas, que devido a elementos relacionados à nossa formação econômica e social, assume um sentido sociopolítico relacionado à reprodução do Estado, enquanto aparato de classe, não se permitindo o desenvolvimento de processos contra hegemônicos.


Palavras-chave: Desenvolvimento. Monitoramento social. Políticas Públicas.


Abstract: His paper presents the result of literature developed during the course of Development and Environment Program Graduate in Social Sciences, Federal University of Pelotas, dealing with the discussion around the proposition of the social monitoring of public policies and their relationship with the configuration of state-society relationship in a situation of dependent economies. At first the text, presented in this proposal is that monitoring and its role in shaping the modern state, for then starting from the formulation of Celso Furtado about the formation of our social and economic dependent economies, we discuss socio-political meaning behind the proposition of social control over public policy. At the conclusion of the work, picking up a guideline, it is concluded that while technical and social action of the state monitoring of social policies, that due to factors related to our economic and social formation, takes a socio-political sense of the state related to reproduction, as an apparatus of class, not allowing the development of counter hegemonic processes.


Keywords: Development.Monitoringsocial. public politics.    


Sumário: 1. Introdução. 2.Monitoramento social de políticas públicas: um mecanismo de controle da ação estatal fundado na noção de participação social. 3.Progresso-acumulação, desenvolvimento economicista e clientelismo: reelaborações e persistências na função do Estado em economias dependentes. 4. Considerações finais. Referências bibliográficas.


1. Introdução


O presente artigo se constitui enquanto resultado de pesquisa bibliográfica, empreendido na disciplina de Desenvolvimento e Meio Ambiente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Pelotas[2], constituindo-se numa reflexão acerca do sentido sociopolítico contido na proposta de monitoramento social de políticas públicas, no que tange a relação Estado-sociedade em nossa contemporaneidade.


 O monitoramento social de políticas públicas enquanto ação técnico-social[3]do Estado se dá através da geração e manipulação de informações confiáveis[4] a cerca dos resultados das políticas públicas, se efetivando a partir de uma gama variada de áreas do conhecimento, constituindo-se num mecanismo amplamente difundido em todas as áreas da administração pública.


Estando a noção de controle presente desde a fundação do Estado em sua forma burocráticamoderna, tendo sido recursivamente reelaborados mecanismos que viabilizam a legitimidade necessária àviabilidade da sua ação, que se dá através da implementação das políticas públicas. O que nos últimos anos se apresenta incorporando oprincípio da participação social, constituindo-se enquanto uma resposta à ineficiência das formas de controle tecnocráticas e de crise da própria democracia, que se mostra incapaz de gerar o controle sobre a burocracia.


Partindo-se desta constatação e fundamentados na formulação de Celso Furtado acerca da formação sócio histórica de nossas economias dependentes, discute-se o sentido sociopolítico subjacente à proposição de controle social sobre as políticas públicas no contexto de configuração da relação Estado-sociedade em nossa realidade.


O trabalho está estruturado, de forma que após a parte introdutória, num primeiro momento, apresentam-se os principais elementos relacionados à definição de monitoramento social de políticas públicas no contexto de configuração do Estado contemporâneo e o sentido sociopolítico de sua relação com a ideia de controle social sobre as políticas públicas. Numa segunda parte, traçamos a discussão acerca da relação que a pretensão de controle social mantém com as noções de progresso-acúmulo e desenvolvimento num sentido economicista. No terceiro e último momento, momento, trazemos as considerações finais do artigo.


2. Monitoramento social de políticas públicas: um mecanismo de controle da ação estatal fundado na noção de participação social


A noção de monitoramento está intimamente relacionada às ideias de acompanhamento e de controle racional das intervenções, ou seja, quando se monitora alguém ou um processo, há efetivamente uma intencionalidade fundada no controle acerca dos resultados obtidos em função da ação empreendida.


Qualificado de social de políticas públicas, monitoramento, no sentido referido anteriormente, remete a um empreendimento que se pretende pertencer ao conjunto da sociedade, se dando no sentido da disponibilidade que as sociedades têm – em maior ou menor grau – de dispor de mecanismos capazes de acompanhar a ação do Estado, com intuito de controlar o resultado das intervenções realizadas pelo mesmo.


Neste sentido, conforme nosso enfoque sociológico e preocupação central, quando nos referimos a monitoramento social de políticas públicas, não se trata de um fenômeno administrativo ou individual, mas, de processos sociais e políticos que dizem respeito a uma intencionalidade de controle social da intervenção estatal.


Conforme LAGO


“Entendemos por Monitoramento Social de Políticas Públicas um conjunto de práticas que visa ao acompanhamento e ao controle sistemático de uma determinada intervenção do poder público, com o objetivo expresso de (i) garantir políticas públicas de enfrentamento das desigualdades no acesso aos serviços e equipamentos públicos; (ii) ampliar os espaços de planejamento participativo, isto é, democratizar as decisões sobre os investimentos realizados; e (iii) verificar ou mesmo estabelecer a correlação entre o planejamento e a execução, através de um programa de reformas técnico-administrativas necessárias à criação das bases materiais para uma gestão pública democrática em todos os níveis de governo. Esse controle sistemático deve assegurar aos diversos grupos sociais a capacidade política de intervir em todos os componentes e subcomponentes dos projetos e/ou programas em curso” (LAGO, 2003, p. 01).


Sendo assim, do ponto de vista da intencionalidade o monitoramento social de políticas públicas, constitui-se num fenômeno centrado na ideia do controle público acerca dos resultados da intervenção estatal, se direcionando no sentido da garantia da equidade, quanto ao acesso aos resultados dos investimentos públicos, ampliação da cidadania participativa e a eficácia na gestão dos recursos estatais.


No que diz respeito a sua efetividade, está colocado dentro de uma dimensão aplicada de capacidades técnicas e sociais no campo das políticas públicas, conforme Januzzi (2005, p.138) “No campo aplicado das políticas públicas, os indicadores sociais são medidas usadas para permitir a operacionalização de um conceito abstrato ou de uma demanda de interesse programático”. Havendo uma infinidade de temáticas e situações concretas, dependendo da situação geográfica e das áreas da administração pública envolvidas, sempre se configurando a partir da capacidade de geração e manipulação de informações confiáveis no contexto das políticas públicas num nível local, representados por mecanismos como ossistemas de informações municipais ou quaisquer outras intervenções que se deem com o intuito de construir diagnósticos e prognósticos acerca dos resultados de políticas públicas empreendidas num nível local[5], bem como, a capacidade de utilizar dados regionais e/ou nacionais[6], gerados por instituições e/ou agências oficiais. Segundo Lago


“a informação é um dos componentes centrais de qualquer metodologia de monitoramento de políticas públicas, na medida em que subsidia (i) o diagnóstico da realidade social sobre a qual essas políticas atuam e (ii) a avaliação das prioridades contidas nas intervenções públicas. Da qualidade e da natureza da informação dependerá a possibilidade de confrontar o quadro de carências sociais com o direcionamento dos investimentos públicos”(LAGO, 2003, p. 01).


Sendo assim, a informação relaciona-se a dimensão prática do processo, é o que converte aquilo que pertence a uma esfera abstrata relacionada ao princípio da participação social, num conjunto de práticas legitimadas como capazes de gerar a ideia de que é possível a efetivação do controle social acerca da ação estatal. Apresentando-se como algo cada vez mais presente na retórica oficial.


É a articulação entre as dimensões de intencionalidade – que se relaciona a esfera objetiva – e aquelas que dizem respeito à efetividade – relacionada à esfera prática do processo – que possibilita ao monitoramento social de políticas públicas, obter a legitimidade necessária, capaz de constituí-lo como um mecanismo visto como necessário dentro da dinâmica de operação do Estado, segundo Januzzi


“Esse interesse crescente pelo uso de indicadores na administração pública também está relacionado ao aprimoramento do controle social do Estado brasileiro nos últimos 20 anos. A mídia, os sindicatos e a sociedade civil passaram a ter maior poder de fiscalização do gasto público e a exigir o uso mais eficiente, eficaz e efetivo dele, demandando a reorganização das atividades de planejamento em bases mais técnicas” (JANNUZZI, 2005, p. 138)


Demarcando que o controle sobre a ação estatal é algo reivindicado em função de uma dinâmica de resposta as transformações sofridas ao longo do tempo no que diz respeito àrelação Estado-sociedade.


A questão do controle sobre a ação estatal encontra-se presente desde os primórdios da organização da administração pública, remetendo-nos ao século XIX, quando se dá a consolidação da forma burocrática do Estado moderno. Ao mesmo tempo em que esta forma organizativa se apresentava como uma maneira racional de organizá-lo, como uma forma de garantir o melhor desempenho das suas funções, fazia-senecessário o desenvolvimento de mecanismos relacionados à demanda acerca da necessidade do controle sobre a burocracia, passando pela adoção de mecanismos de controle eficazes, o que de certa maneira, conforme Milani (2008, p.552) “passou por estratégias de supervisão, controle e auditoria, consideradas por estudiosos e administradores marcas centrais de uma boa administração”, configurando um controle fundado num conjunto de práticas de caráter técnico, que vai perdurar até o final do século passado, como a única via oficial de controle acerca dos resultados das políticas públicas.


Contemporaneamente observa-se um crescente interesse pela introdução da questão da participação cidadã neste controle, que de acordo com Milani (2008, p. 552) “fomentar a participação dos diferentes atores políticos e criar uma rede que informe, elabore, implemente e avalie as políticas públicas são, hoje, peças essenciais nos discursos de qualquer política pública (auto) considerada progressista”, fazendo parte de um processo dinâmico de reconfiguração da relação Estado-sociedade, segundo Milani


“Mais de um século se passou, e hoje, volta uma questão semelhante, porém mais complexa: se houver desconfiança em relação aos atos dos representantes políticos e sendo a burocracia ineficiente e pouco transparente aos cidadãos, o que fazer para não comprometer as instituições políticas democráticas e assegurar a efetividade da gestão pública? Desde meados dos anos 1980, as respostas ao dilema “necessidade de políticas públicas efetivas versus garantia de controles democráticos” têm sido múltiplas, dependendo sempre de contextos históricos distintos, visto que a evolução das burocracias nacionais conheceu variações importantes” (MILANI, 2008, p. 553).


Nestes termos, a instituição de processos que ampliam a participação social, não se apresenta como uma ruptura radical na relação Estado-sociedade, uma vez que, a ampliação da participação cidadã nas esferas de decisão estatal, não necessariamente, reverterá o processo participativo em favor dos interesses da maioria, segundo Milani


“A participação praticada dessa forma pode aumentar a qualidade da transparência dos dispositivos institucionais; contudo, ela não garante, de modo necessário e automático, a legitimidade do processo institucional participativo na construção do interesse coletivo” (MILANI, 2008, p. 555).


O monitoramento social de políticas públicas, constituindo-se numa forma de controle, fundado sob as bases do princípio da participação social se insere dentro da dinâmica da gestão pública como uma ferramenta estratégica, que tem seu lugar num momento de crise de configuração da relação Estado-sociedade, em que naturalmente emerge a demanda por reformas, tendo o objetivo de instituir um novo arranjo frente aquilo que se encontra desarmonioso, segundo Milani:


“a crise do Estado e a consequente necessidade de reforma revelam igualmente limites dos próprios modelos poliárquicos conhecidos na América Latina e na Europa. As poliarquias das sociedades latino-americanas e europeias apresentam profunda variação em termos de cultura política, confiança nas instituições, respeito às normas sociais, construção da cidadania e o que Robert Dahl (2001) chamou de “entendimento esclarecido” dos cidadãos. Portanto, pode-se afirmar que o processo de transformação por que passam tais sociedades políticas remete-nos, de fato, a uma dupla crise de governança e governabilidade: de um lado, a crise de governabilidade refere-se à capacidade de formulação, gestão, implementação e articulação das políticas públicas, do outro, a passagem da lógica de governo a uma dinâmica de governança associa-se à legitimidade do Estado enquanto ator e arena política do processo decisório” (MILANI, 2008, p. 553).


Sendo dentro deste contexto que o monitoramento social de políticas públicas se apresenta enquanto uma resposta à ineficiência do Estado tecnocrático, que se mostra incapaz de gerar o controle sobre a burocracia e sob a luz do princípio da participação social, reelaboraa relação Estado-sociedade, sem alterar a essência clientelista presente na configuração das relações políticas, pois na visão deOliveira e Seibel (2006, p. 141) “as experiências participativas brasileiras, no âmbito das políticas públicas, provocaram fortes constrangimentos às práticas seletivas clientelistas, não logrando, no entanto, sua supressão”, assegurando-se historicamenteo papel do Estado enquanto agente, que por intermédio das políticas públicas, cumpre seu papel na reprodução da sociedade industrial, fundada sob a égide da noção de progresso-acumulação.


3. Progresso-acumulação, desenvolvimento economicista e clientelismo: reelaborações e persistênciasna função do Estado em economias dependentes


Na base do processo de constituição da sociedade moderna, que se distingue fundamentalmente pela secularização em detrimento do misticismo e do autoritarismo, encontra-se segundo a análise de Celso Furtado uma centralidade conferida à noção de progresso como acúmulo, no sentido de fazer parte de um processo de construção de uma coesão social, necessária à estruturação do poder na sociedade industrial. Na visão de Furtado


“Nessa sociedade tudo podia ser posto em dúvida, e a coesão social passava a depender mais da visão do futuro do que da memória do passado. Essa visão do futuro encontrou sua expressão definitiva na ideia de progresso. Se a humanidade é perfectível ad infinitum, como pensava Condorcet, a ideia de progresso poderá unir os homens de forma ainda mais sólida do que a antiga fé religiosa” (FURTADO, 2008, p. 99).


Deste modo, baseado na noção de progresso, as forças de dominação social, engendraram a estruturação sociopolítica necessária para fundação da sociedade industrial, que sob a luz de um ideário fundado na busca do acúmulo, constituiu a revolução burguesa, que nas palavras de Furtado (2008, p. 99) “não era outra coisa senão a ascensão de forças sociais que tinham na acumulação a fonte do próprio prestígio”, configurando um arranjo no sistema de dominação social, que passa a buscar legitimidade em um porvir visualizado como abundância para coletividade.


Desta maneira, a noção de progresso enquanto acúmulo estará fundamentalmente presente na passagem de uma sociedade feudal para uma sociedade industrial, por um lado, sendo capaz de instituir a ideia de que a sociedade era capaz de superar o ostracismo sociocultural que se encontrava mergulhada. Por outro lado, num quadro em que diante da progressiva tomada de posições de classes antagônicas, em que são geradas inevitáveis instabilidades, fazia-se necessária a construção de uma ideia de consenso, de maneira que, conforme demonstra-nos Furtado (2008, p. 100) “a ideia de progresso iria constituir a célula mater de um tecido ideológico que serviria de ligadura entre grupos antagônicos”.


No caso das economias dependentes, a produção de um consenso é algo determinante, uma vez que são justamente nestes tipos de sociedadesque sãovividas as situações mais degradantes da condição humana advindas do processo de edificação do capitalismo industrial. Sendo nisso que se baseia o protagonismo conferido a esta ideologia, pois, segundo Furtado:


“Em uma sociedade em que grupos e classes sociais, com interesses antagônicos, adquirem progressivamente uma percepção das posições respectivas e uma visão do todo social – processo inevitável em uma sociedade secularizada -, as estruturas de privilégios passam a ser transparentes e, por conseguinte, permanentemente ameaçadas. Forças centrífugas tendem a emergir com a tomada de consciência de antagonismos que se agravam. As lutas de classes, que em sociedades submetidas a formas tradicionais de dominação se manifestam sob a forma de explosões ocasionais de populações levadas ao desespero pela exploração e a opressão, surgirão agora como um processo intermitente, exigindo um quadro institucional que as discipline” (FURTADO, 2008, p. 100).


Diante disso, é que se institui a crença de que somente na acumulação é que a coletividade poderia encontrar as soluções para os seus problemas, inserindo a ideologia do progresso-acúmulo na configuração do poder nas sociedades de economia dependente, que conforme Furtado (2008, p. 107) “foi o cimento de uma superideologia que injetou um fio de solidariedade entre grupos sociais que fatores econômicos objetivos de monta levavam a conflitar”, permitindo as elites a reelaboração das formas de dominação no curso da história do capitalismo enquanto forma hegemônica.


Dentro deste quadro é que o Estado brasileiro é organizado, no sentido de se constituir, enquanto um aparato de classe, funcionando como uma força atuante na configuração das relações de poder capitalistas, de maneira que, mediante a sua efetiva organização, ou seja, em sua forma burocrática moderna, as políticas públicas constituem-se por excelência como o espaço de reprodução de processos sociais de dominação. Sendo através destas, que sob a forma clientelista, a ideologia de progresso-acumulação é materializada, uma vez que, através da distribuição dos bens gerados pelo capitalismo instaura-se um consenso capaz de amenizar e/ou deflagrar o fim dos conflitos oriundos das contradições internas do próprio sistema.


Por intermédio das políticas públicas e no curso de sua realização objetiva é que se concretiza uma cultura política fundada no clientelismo, segundo Oliveira e Sebel


“é no campo das políticas sociais que a seleção social do tipo clientelista assume seu formato mais primário, pois se pauta na organização de relações entre Estado e sociedade baseadas no personalismo, na reciprocidade de benefícios e nas lealdades individuais”. (OLIVEIRA; SEBEL, 2006, p.143).


Mediante essa natureza privatista,somado as questões de ineficiência das formas tecnocráticas de controle, é que emergem práticas técnico-sociais fundadas na pretensão do controle social, como uma reação as contradições referentes à natureza clientelista das políticas sociais, segundo Oliveira e Sebel:


“O clientelismo significa, portanto, uma ação de troca entre sujeitosque, por um lado, demandam um serviço de caráter público que, normalmente,não poderia ser obtido por meio do mercado e, de outro, poraqueles que administram ou têm acesso aos decisores sobre a concessãodesse serviço. Essa intermediação dá-se via “moeda política”, cujodébito será cobrado, provavelmente, no próximo evento eleitoral” (OLIVEIRA; SEBEL, 2006, p.138).


Colocando a questão das políticas públicas numa seara de legitimidade de uma estrutura de poder pautada pelo interesse privado, o que está muito distante daquilo que deveria representar efetivamente dentro de uma situação de um Estado de direito, em que, segundo Oliveira e Sebel (2006, p. 137)“deveriam ser fixadas como de caráter público”,ou seja, operando no sentido da garantia do interesse público, de modo que, as contradições fossem superadas e não acalantadas pela falácia da produção do consenso mediante processos de antagonismos.


Neste contexto é que ações de natureza técnico-sociais, como é o caso do monitoramento social de políticas públicas são tão aceitos no campo institucional, enquanto uma ferramenta de controle da ação estatal, pois, fundado numa concepção baseada na participação cidadã, presente na história da gestão pública como uma resposta a ineficiência dos controles de natureza tecnocráticos, são capazes de constituir uma legitimidade em torno da ideia de controle social do Estado, no sentido de que a todos é oferecido a oportunidade de acessar as informações referentes à ação estatal e consequentemente seu controle relacionado à distribuição das benesses do acúmulo capitalista. 


Em consonância com a análise de Furtado sobre nossa formação sócia histórica de economias dependentes, assim como a noção de progresso acúmulo,destaca-se, sobremaneira, à força social, política e econômica desempenhada pela noção de desenvolvimento, sendo uma noção que nas palavras de Furtado (2000, p. 07) “está no centro da visão do mundo que prevalece em nossa época”.


Partindo de uma concepção acerca do desenvolvimento que o situa como um fenômeno pertencente à esfera das potencialidades humanas, Celso Furtado desenvolve um olhar focado na produção e no uso social da noção de desenvolvimento no curso da história da sociedade industrial, demonstrando a complexidade que envolve tal noção. Na visão do autor


“intenta-se enfocar o desenvolvimento como um processo global: transformação da sociedade não só em relação aos meios mas também aos fins; processo de acumulação e de ampliação da capacidade produtiva, mas também de apropriação do produto social e de configuração desse produto; divisão social do trabalho e cooperação, mas também estratificação social e dominação; introdução de novos produtos e diversificação do consumo, mas também destruição de valores e supressão de capacidade criadora (FURTADO, p. 08).


Deste modo, a noção de desenvolvimento, enquanto invenção humana apresenta-se como um elemento socialmente complexo, estando intimamente relacionado ao um processo que nas palavras de Furtado (2000, p. 07) “permite ver o homem como um agente transformador do mundo”, situando a noção de desenvolvimento corrente em nossa sociedade, como um produto da racionalidade humana, sempre dizendo respeito a uma dimensão relacionada à invenção cultural. Segundo Furtado:


“Existe alguma evidência de que por toda parte, no espaço e no tempo, a invenção cultural tende a ordenar-se em torno de dois eixos: a busca da eficácia na ação e a busca de propósito para a própria vida. É o que desde Max Weber se tem chamado de racionalidade formal ou instrumental e racionalidade substantiva ou dos fins. A invenção diretamente ligada à ação supõe a existência de objetivos previamente definidos”. (FURTADO, 2000, p.. 07).


Posicionando o desenvolvimento como um elemento pertencente a um universo de instrumentalidades referentes à realização da capacidade criadora do ser humano, ou seja, promover o desenvolvimento significa agir no sentido de propiciar aos agentes a realização de suas potencialidades, o que nãoocorre em formações históricas, marcadas pelo autoritarismo que conforme Furtado (2008, p. 110) “o autoritarismo, ao bloquear os processos sociais em que se alimenta essa criatividade, frustra o verdadeiro desenvolvimento”.


Enquanto países de industrialização tardia em condições de dependência, toda e qualquer transformação estrutural ou sociocultural que nos encontramos envolvidos, será conforme Furtado (2008, p. 109) “um esforço de adaptação em face do transplante maciço de técnicas geradas em sociedades que se encontram em fase bem mais avançadas de acumulação”, colocando a questão do desenvolvimento como uma ideia inserida dentro de um quadro de configuração que o distancia de sua essência humana, situa-o dentro de um leque de possibilidades relacionadas a uma essência economicista, que relacionado a um quadro de dependência internacional, de forma que segundo esse mesmo autor:


“da mesma maneira como a ideia de progresso transformou-se em alavanca ideológica para fomentar a consciência de interdependência em grupos de classes com interesses antagônicos, nas sociedades em que a revolução burguesa destruíra as bases tradicionais de legitimação do poder a ideia de desenvolvimento serviu para afiançar a consciência de solidariedade internacional no processo de difusão da civilização industrial no quadro da dependência” (FURTADO, 2008, p. 108).


O que insere a questão do desenvolvimento de cunho economicista como uma peça chave no arranjo do papel do Estado na configuração do capitalismo nos países de economia dependente, no sentido de representar a produção de um consenso, não mais de cunho interclassista interno, mas, determinante na consolidação de uma industrialização de caráter dependente, sendo capaz de se apresentar como um elemento capaz de construir uma legitimidade em torno de um projeto das elites dos países centrais.Forjado sob a égide da aceleração do acúmulo dentro de um quadro de dependência internacional, distancia qualquer possibilidade no que tangeao viés relacionado à potencialização das capacidades humanas em contextos de economias locais, onde a criatividade deve ser o motor do desenvolvimento.


Diante de uma cultura política em que as tradições relacionadas à situação colonial atravessam o tempo e espaço, essa visão economicista de desenvolvimento assume extrema relevância na configuração das relações Estado-sociedade, visto que, perpassando a configuração das relações de poder no Estado brasileiro, fica impossível pensar o campo das políticas públicascomo um espaço propício ao desenvolvimento de potencialidades humanas, voltadas a potencialização de processos contra hegemônicos, apresentando-se como um lócusde reprodução dessa visão negativa do desenvolvimento. Estando a pretensão de um controle pretensamente público contido na proposição do monitoramento social de políticas públicas, inserido dentro de um contexto de garantia de acesso aos produtos deste tipo de desenvolvimento e não propiciando um verdadeiro envolvimento da população beneficiária em processos criativos ao longo do processo de efetivação das políticas públicas.


4. Considerações finais


A propósito de nosso objetivo central neste trabalho, onde se buscoucompreender o sentido sociopolítico subjacenteà pretensão do controle social presente nas práticas de monitoramento social de políticas públicas no que tange a relação Estado-Sociedade, nossas conclusões estão delineadas sob dois eixos fundamentais: Um primeiro relacionado ao sentido assumido pela intenção do controle social sobre as políticas públicas dentro da configuração do estado contemporaneamente, de forma que, se conclui que esse tipo de ação técnico-social insere-se na dinâmica de funcionamento do Estado como um fenômeno relacionado à introdução do princípio de participação social, contendo em sua intencionalidade, de um lado, aspectos positivos do ponto de vista da constituição de uma prática estatal capaz de dar conta da ineficiência tecnocrática e da crise da democracia. Por outro lado, constituindo-se enquanto um conjunto de práticas atreladas à execução das políticas públicas, que em função das características de nossa formação social e econômica, opera muito mais como um legitimador do papel do Estado enquanto aparato de classe, do que um elemento condicionante de processos contra hegemônicos, capazes de alterar nossa cultura política de cunho clientelista.


Um segundo, diz respeito à natureza objetiva do monitoramento social de políticas públicas, que enquanto ação técnico-social do Estado está permeada pelas noções de progresso como acumulação e desenvolvimento num sentido economicista, constituintes de nossa formação econômica dependente. Apresentando-se como mais um recurso legitimador de uma retórica política, por onde, paralelamente trilha a reprodução de práticas sociais, econômicas e políticas ainda colonialistas.


De maneira que, é possível concluir que diante de uma situação em que não tenhamos instituídos verdadeiros canais de participação diretos a nível local, não serão recursos técnico-sociais, empregados com o objetivo expresso de gerar um controle sobre a administração da participação do Estado no jogo de configuração do desenvolvimento economicista, que serão capazes de condicionar processos sociais criativos, desencadeadores de um verdadeiro desenvolvimento relacionado às capacidades humanas.


 


Referências bibliográficas:

FURTADO, Celso. Criatividade e dependência na civilização industrial. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 98-110.

FURTADO, Celso. Introdução ao desenvolvimento: enfoque histórico-estrutural. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. p. 7-30.

JANNUZZI, Martino de Paulo. Indicadores para diagnóstico, monitoramento e avaliação de programas sociais no Brasil. Revista do Serviço Público Brasília, v. 2, n. 56, p. 137-160 Abr/Jun 2005.

SEIBEL,J. Erni; Oliveira, J. M. Heloísa.Clientelismo e seletividade: desafios às políticas sociais. Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, EDUFSC, n. 39, p. 135-145, Abril de 2006.

LAGO, Luciana: Indicadores de Monitoramento Social de Políticas Públicas. Disponível em:>www.fase.org.br/v2/admin/anexos/acervo/10_Luciana%20Lago%20-28.doc <Acesso 03 julho de 2011.

MILANI, Carlos R. S. O princípio da participação social na gestão de políticas públicas locais: uma análise de experiências latino-americanas e europeias.Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 3, n. 42, p.551-79, maio/jun. 2008.

Quivy, Raymond; CAMPENHOUDT, Van Luc. Manual de investigação em ciências sociais. Trad. João Minhoto Marques, Maria Amália Mendes, Maria Carvalho. 4. Ed. Lisboa, 2005. 281 p.

 

Notas:

[1]Parte deste trabalho, será apresentado em forma de comunicação no 1º Seminário Internacional sobre Gestão Pública e Desenvolvimento Regional no Mercosul, a realizar-se em Pelotas-RS entre os dias 05 a 07 de outubro de 2011.

[2]Disciplina optativa do PPPGCS, ministrada pelo professor Dr. Wiliam Héctor Gómez Soto.

[3]O emprego do termo técnico-social no contexto do trabalho, está relacionado à natureza de efetividade do monitoramento, no sentido de se valer de capacidades técnicas e sociais para produção e uso de indicadores, que em última instância, viabilizam o monitoramento dos programas e projetos.

[4]A confiabilidade referida relaciona-se a cientificidade empregada na geração de dados e informações acerca dos programas e projetos que são alvo de monitoramento.

[5]A um nível local, essa geração de informações com intuito de monitoramento acerca das políticas públicas, se dá de forma muito diversificada. Pode ser gerado dentro dos sistemas de informações municipais, que raramente são estruturados – com infraestrutura e recursos humanos necessários – ou através de intervenções pontuais de universidades ou centro de pesquisas que desenvolvem trabalhos sobre alguma temática relacionada.

[6]Em termos regionais e/ou nacionais, são empregados os denominados indicadores sintéticos, que também são diversificados e desenvolvidos por inúmeras instituições de amplo reconhecimento nacional. 


Informações Sobre o Autor

Neilo Márcio da Silva Vaz

Sociólogo. Especializando em Direito Ambiental (interdisciplinar) na Universidade Federal de Pelotas. Atua desde 2005 em consultoria e assessoria social, tendo atuado em projetos relacionados às áreas de Extensão Rural, Educação Ambiental, Habitação de Interesse Social e Monitoramento Social de Políticas Públicas. Colaborador do Instituto Pluris – Pesquisas, Consultoria e Assessoria – Ltda. em Assessoria Social em geral. Membro (discente) do Grupo de Pesquisa “A Efetividade dos Direitos Humanos”,


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