Resumo: O presente artigo faz uma abordagem sobre a figura da mora no direito brasileiro. Inicia-se com a noção de obrigação assumida cotidianamente por qualquer pessoa, e que a forma normal de sua extinção é com o seu adimplemento. Entretanto, nem sempre há o cumprimento integral da obrigação, diante desse fato, pode haver o inadimplemento ou mesmo a mora. Assim o presente artigo, de maneira sintética, traz o conceito de mora, faz uma diferença entre a mora do devedor da mora do credor, apresentando os requisitos para que ela seja constituída. Além disso, faz uma breve incursão na possibilidade de ser caracterizada a mora, em razão do não cumprimento dos deveres anexos.
Palavras-chave: Direito Civil. Obrigação. Mora. Inadimplemento.
Abstract: This paper presents an approach about the figure of arrears in Brazilian law. It begins with the notion of obligation undertaken daily by anyone, and the normal way of its extinction is with its due performance. However, there is not always fully comply with the obligation on this fact, there may be a default or arrears. Thus the present article, succinctly, brings the concept of arrears, makes a difference between the arrears of the debtor default and the creditor default, stating the requirements for it to be constituted. In addition, makes a brief incursion into the possibility of the arrears being characterized, due to of not non-fulfillment of duties attachments.
Keywords: Civil Law. Obligation. Arrears. Default
Sumário: Introdução. 1. Conceito de Mora. 2. Distinção entre inadimplemento absoluto e mora. 3. A mora, violação positiva do crédito e os deveres laterais na relação obrigacional complexa. 4. Espécies de Mora. 4.1. Mora do Devedor. 4.1.1. Requisitos. 4.2. Mora do Credor. 4.2.1. Requisitos. Conclusão.
Introdução
A todo direito corresponde uma obrigação, um dever[1]. Nas relações entre pessoas, como por exemplo, pai e filho, marido e mulher, empregador e empregado etc., podemos verificar, na ordem social, o cidadão com a sua pátria. Entretanto, o Direito Romano trouxe um sentido técnico e restrito, conceituando essa palavra de forma mais lata.
Hodiernamente, citando Pontes de Miranda[2], podemos conceituar que “em sentido estrito”, ‘obrigação’ é a relação jurídica entre duas (ou mais) pessoas, de que decorre a uma delas, ao debitor, ou a algumas, poder ser exigida, pela outra, creditar, ou outras, prestação”, ou, nas palavras de outro mestre, Orlando Gomes[3], “o direito das obrigações disciplina, precisamente, as relações travadas entre pessoas para a satisfação de interesses”.
Pode-se dizer que a obrigação se origina da necessidade de uma pessoa, podendo tal necessidade ser de ordem econômica, cultural etc. que busca através de terceiros suprir essa carência. Firmada tal obrigação, deve-se levar em consideração fundamentos intrínsecos, como, por exemplo, a boa-fé, a lealdade, cooperação visando manter a confiança entre os contraentes.
O curso normal de toda obrigação é de ocorrer a sua extinção pelo adimplemento. Visa-se a libertação do devedor. Essa noção de liberdade, aqui mencionada, não se trata da liberdade de as partes se obrigarem, mas sim sob o ponto de vista do devedor estar livre da obrigação assumida. Isso pode ocorrer tanto pelo adimplindo da obrigação, ou até na hipótese de a obrigação tornar-se impossível de se adimplir, poderá haverá liberação do devedor. Caso contrário o devedor estaria eternamente obrigado.
Entretanto, nem sempre a obrigação contraída pelas partes é adimplida ou torna-se impossível, ocorrendo assim o inadimplemento, que pode ser tanto absoluto ou surgir a figura da mora. Tal situação, nas palavras de Agostinho Alvim[4], seria um estado patológico em contraposição ao estado normal. No presente trabalho analisaremos a figura da mora.
1. Conceito de Mora
Tendo em vista que a mora acontece em maior frequência que o inadimplemento, convém um melhor estudo sobre esse instituto. Agostinho Alvim[5], relata, ainda, um outro motivo de suma importância para o estudo da mora, referente à sua dificuldade de estudo.
O conceito clássico de mora restringe somente à demora, retardamento no cumprimento da prestação. No entanto, como bem disposto no artigo 394, do Código Civil, determina que mora refere-se tanto à figura do credor quanto à do devedor, quando não houver o cumprimento da prestação no lugar, tempo e modo convencionado.
Em que pese ser comum atrelar a mora à tardança, não somente a esse aspecto desse instituto está relacionado, conforme nos ensina Judith Martins-Costa ao afirmar de maneira genérica ser possível descrever a mora como a “não-realização da prestação devida, pelo devedor, no tempo, lugar e forma convencionados no contrato ou impostos pela lei”.
Diante desse entendimento da mora, consubstanciada no Código Civil atual, temos alguns pressupostos, (i) subjetivos, ligado à pessoa do credor, quem deve receber a prestação e do devedor, quem deve cumprir a obrigação; (ii) objetivos: ligados ao objeto da prestação e ao local do cumprimento, e; (iii) temporal, ligado ao tempo, data convencionada pelas partes.
Importante salientar que se detivermos somente o conceito de mora vinculado ao retardamento do cumprimento da prestação, haveria conflito com a mora do credor, por exemplo, que se recusa a receber a prestação, ou não coopera para que o devedor tenha a possibilidade de adimplir a prestação.
Portanto, pode-se concluir que o atraso refere-se somente a um dos requisitos para a configuração da mora.
Outro ponto que se verá mais a frente refere-se à questão da culpa. Sendo que esta não é elementar para a caracterização da mora do credor, mas tão somente a do devedor.
Muito importante alertar que a obrigação não está mais sendo vista em sua forma estática, mas sim sob uma ótica complexa e dinâmica, na qual encara a relação obrigacional como um sistema, organismo ou processo, desencadeando-se para o adimplemento, à satisfação do interesse do credor.[6]
No entanto para que isso ocorra, lembra Clovis de Couto e Silva[7], há necessidade de se separar o plano do nascimento das obrigações do adimplemento, sendo a “distância que se manifesta, no mundo do pensamento, entre esses dois atos, e a relação funcional entre eles existente.”
Nesse sentido, Giovani Nanni[8], emana o entendimento de que a mora deve ser estudada, “como instituto dinâmico, investigada de acordo com valores e padrões incorporados pelo Código Civil de 2002, especialmente a boa-fé objetiva, a função social do contrato e a vedação ao abuso de direito”
Entretanto, convém esclarecer que é da situação fática que se extrai a determinação do dever de cooperar, influenciada pelo objeto da prestação ou complexidade da relação obrigacional. Podendo ser um comportamento ativo do credor, ou até mesmo um comportamento passivo em não atrapalhar ou dificultar o cumprimento da prestação pelo devedor.
Tendo em vista esse caráter transitório e dinâmico da mora, dependendo da situação fática do caso concreto, há de se diferenciar os requisitos e efeitos da mora do credor e do devedor, bem como a possibilidade de esta ser purgada (artigo 401, do CC) ou se converter em inadimplemento absoluto (artigo 395, parágrafo único, do CC).
2. Distinção entre inadimplemento absoluto e mora
Constituída a relação obrigacional, direcionada pela cooperação mútua entre os contratantes, chega-se a extinção da obrigação, mediante a liberação do devedor. Desde a gênese da obrigação, a tendência das partes é a de cooperação para que haja a liberação do devedor.
Com efeito, conforme nos ensina Agostinho Alvim, “o cumprimento da obrigação é a regra; o inadimplemento a exceção”[9]. Sendo que havendo o não cumprimento da obrigação há de se verificar se houve mora ou o inadimplemento absoluto, uma vez que os efeitos gerados são distintos.
Não cumprida a obrigação pode haver o inadimplemento absoluto ou mora, sendo que o primeiro, nas palavras de Agostinho Alvim[10], subdivide-se em inadimplemento absoluto total e parcial, na hipótese de a obrigação consistir na entrega de vários objetos sendo que apenas alguns deles forem entregues e os demais pereceram.
Sobre o tema, Renan Lotufo[11] afirma que haverá inadimplemento absoluto quando a obrigação não foi cumprida nem poderá ser feita de forma útil ao credor.
Destaca-se que uma vez o devedor estar em mora, este poderá purgá-la, adimplindo a obrigação, ou, não sendo a prestação de interesse nem utilidade para o credor, ocorrerá o inadimplemento absoluto da prestação. Esse fenômeno é chamado de “caráter transformista” da mora por Araken de Assis[12]
3. A mora, violação positiva do crédito e os deveres laterais na relação obrigacional complexa
Com a introdução do princípio da boa-fé como um dos pilares da relação obrigacional, nasceu uma preocupação em relação aos deveres laterais de conduta, chamado por Judith Martins-Costa de deveres instrumentais[13], sendo que esses deveres começaram a ser levados em consideração e verificados quanto ao cumprimento da obrigação. Isso porque, a principal característica da boa-fé nas relações obrigacionais, é justamente a criação de deveres instrumentais, ou anexos, nas palavras de Antônio Junqueira de Azevedo[14].
Muito embora a violação positiva do contrato tenha surgido na Alemanha, mais precisamente pelo autor berlinense Hermann Staub[15], que analisando o Código Civil Alemão, observou que o conceito de mora, somente se caracterizava pelo retardamento, silenciando-se em caso de cumprimento defeituoso, com a reforma do BGB em 2002, houve incorporação das diretrizes fundamentais sobre a violação positiva do crédito, podendo citar como exemplo o novo §280 que incidi sobre o inadimplemento inexato.
No Brasil o artigo 394[16], do CC de 2002, caracteriza a mora pelo não cumprimento da obrigação no tempo, lugar e forma convencionados ou legalmente determinados. Portanto, o conceito de mora para o nosso Código é amplo, não restando restrito somente ao retardamento da prestação.
Com efeito, em nosso direito pátrio, há reparação em perdas e danos na hipótese de descumprimento por ato positivo ou negativo da obrigação, bem como, da mesma maneira pode haver no não cumprimento a deveres laterais.
Não há mais como limitarmos à estrutura clássica de obrigação, conceituada por Orlando Gomes como sendo “um vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa fica adstrita a satisfazer uma prestação em proveito de outra”[17], por ser insuficiente para açambarcar todas as vicissitudes inerentes à nova leitura do direito obrigacional.
Sendo que, nos dias atuais, passou a relação obrigacional, ser vista como processo[18], havendo necessidade, para se atingir o integral cumprimento da obrigação e consequentemente satisfazer integralmente o credor, impondo deveres laterais, correlatos e comportamentos às partes. Um dos principais expoentes no Brasil foi Clovis V. de Couto e Silva, que ensina que “a relação obrigacional tem sido visualizada, modernamente, sob o ângulo da totalidade. O exame do vínculo como um todo não se opõe, entretanto, sua compreensão como processo, mas, antes, o complementa.” [19]
E complementa que “como expressão ‘obrigação como processo’, tenciona-se sublinhar o ser dinâmico da obrigação, as várias fases que surgem no desenvolvimento da relação obrigacional e que entre si se ligam com interdependência”[20]
Menezes Cordeiro tem o mesmo entendimento no sentido da complexidade da obrigação. Inicialmente traz a ideia de complexidade intra-obrigacional, traduzindo a ideia de que “o vínculo obrigacional abriga, no seu seio, não um simples dever de prestar, simétrico a uma prestação creditícia, mas antes vários elementos jurídicos dotados de autonomia bastante para, de um conteúdo unitário, fazerem uma realidade composta”[21].
Mario Júlio de Almeida Costa[22] não diferencia desse entendimento afirmando que os deveres laterais podem ser o de cuidado, previdência e segurança, deveres de aviso e de informação, os deveres de notificação, os deveres de cooperação, os deveres de proteção e cuidados relativos à pessoa e ao patrimônio da contraparte.
Pode-se afirmar, portanto, que a obrigação vista como um processo amplia a relação obrigacional (nascimento, desenvolvimento, adimplemento), ocorrendo não somente em extensão, mas também em profundidade, com a verificação dos deveres anexos, decorrentes da boa-fé[23].
No Brasil a obrigação é vista como processo, e, portanto, para a satisfação integral do interesse do credor, e consequentemente ocorrer a liberação do devedor, não mais se exige somente o cumprimento da obrigação principal, mas também, do dever secundário e lateral. Sendo certo que o princípio da boa-fé deverá ser observado em todos os momentos desse processo.
Esclarece Menezes Cordeiro[24] que inicialmente a boa-fé não teve uma ligação imediata com a ideia de obrigação complexa, sendo que isso se deu com o entendimento jurisprudencial e que por final houve a promulgação do código alemão.
Verifica-se que a boa-fé está umbilicalmente imbricada na realização de deveres anexos à relação obrigacional, sendo que, como esclarece Fernando Noronha[25], na hipótese de violação de deveres anexos implica sempre a obrigação de reparar os danos que tenham sido causados, enquadrando-os como adimplemento defeituoso de obrigação, mas poderão integrar situações de inadimplemento absoluto, em caso de a violação frustrar o próprio cumprimento da prestação.
Como visto o cumprimento defeituoso abrange não somente as deficiências da prestação principal, como de qualquer dever secundário, mas também a violação de deveres anexos. Lembra Antunes Varela[26] que foi justamente a “inclusão dos deveres acessórios de conduta na relação contratual, feita em grande parte por aplicação da regra da boa-fé, que contribuiu em certa medida para a automatização da figura do cumprimento defeituoso ou da prestação defeituosa.”
Em se tratando de concepção dinâmica da relação obrigacional, os deveres acessórios não são conhecidos antecipadamente, dependendo de cada caso concreto, consubstanciados na conduta da boa-fé[27]. Assim, não pode ser entendida como uma regra estática de comportamento, podendo variar de acordo com a situação fática.
De acordo com o grau de interferência da violação dos deveres anexos à obrigação principal, pode acarretar perdas e danos, cumprimento defeituoso da prestação, mora, inadimplemento absoluto etc.
Importante notar que vastidão de hipóteses que o descumprimento de um dever anexo pode gerar, deve ser analisado caso por caso, a fim de verificar a sua consequência, tudo conforme a boa-fé objetiva.
4. Espécies de Mora
4.1 Mora do Devedor
Conforme dispõe o artigo 394, do Código Civil, “considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer”. Sendo que para a mora do devedor pode ser utilizada as seguintes expressões: mora debendi, mora debitoris ou mora solvendi.
Importante ter em mente que a mora do devedor não se refere somente ao atraso do cumprimento da prestação, mas também, deve-se levar em consideração o modo e lugar.
Assim, não somente no caso de o devedor não efetuar o pagamento no prazo avençado entre as partes estará em mora, muito embora a prestação ainda seja útil e de interesse do credor. Na hipótese de o devedor entregar coisa, objeto da prestação, muito embora dentro do prazo estipulado, mas em local diferente ao convencionado, ou mesmo entregar essa coisa em qualidade outra que não ao acordado, ou em quantidade inferior, haverá, consequentemente, mora solvendi.
4.1.1. Requisitos
Conforme ensina Clóvis Bevilaqua[28] sobre os requisitos da mora do devedor, esta pressupõe: “a existência de dívida certa e liquida; o vencimento da mesma; a inexistência culposa; e a interpelação judicial ou extrajudicial, quando a dívida não é a termo.”
Diante dos ensinamentos de Beviláqua comecemos a verificar os requisitos da mora do devedor, sendo o primeiro a existência de dívida certa e líquida.
Assim, há de se ter um crédito vencido, judicialmente exigível, nas palavras de Orlando Gomes[29]. Diante dessa afirmação temos que “nas obrigações naturais (pelo menos, = sem ação) e nas dívidas sem pretensão (direito mutilado), não há mora”[30], uma vez que tal crédito não pode ser exigido judicialmente.
Assim, para a caracterização da mora debitoris, há necessidade de a obrigação se enquadrar nos três planos, de existência, validade e eficácia. Caso não se enquadre em algum deles, não poderá constituir o devedor em mora.
Veja-se na hipótese de que o devedor seja obrigado a cumprir uma prestação na qual a obrigação é nula. A base para a constituição em mora não tem validade.
Outro requisito refere-se à positividade e liquidez. Sendo que, para Agostinho Alvim, “positiva é a obrigação de dar e de fazer”, pois se se tratar de obrigação de não fazer, do ato comissivo decorrerá, de plano, o inadimplemento. E a liquidez da obrigação pressupõe a certeza, identificada em sua espécie, qualidade e quantidade.
Caso a prestação não seja certa, cabendo a sua determinação ao credor ou a um terceiro, e estes restando inertes, não haverá como imputar qualquer responsabilidade do não cumprimento ao devedor, e, portanto, não poderá restar caracterizada a mora solvendi[31]. Diferentemente se a escolha estiver sob a responsabilidade do devedor.
Da mesma maneira se a liquidação depende do credor ou de terceiro, não há como imputar mora ao devedor. Porém, se essa responsabilidade incumbe ao devedor, e este não a fizer, estará caracterizada a mora solvendi.
O artigo 398, do Código Civil, cria uma hipótese legal e não convencional de mora ex re[32]. Lembrando Renan Lotufo[33] que “o ato ilícito vem regulado pelo novo Código, art. 186, de sorte a não se poder excluir de sua tipificação a mora contratual”.
Em sendo parte da obrigação líquida e outra ilíquida, e a liquidez seja incumbida ao credor, não poderia o devedor deixar de cumprir a parte líquida, sob o argumento de que o credor restou omisso com relação à outra parte. Tal ato seria contrário à boa-fé.[34]
Frisa-se que os argumentos acima referem-se às obrigações positivas, conforme amparado nas lições de Agostinho Alvim, pois na hipótese de se tratar de obrigação de não fazer, o mero ato comissivo, descumprirá por completa a obrigação, havendo, de imediato, o inadimplemento absoluto.
Em que pese haver entendimento diverso[35] favorável à possibilidade de se falar em purgação de mora nas obrigações de não fazer, especialmente nas obrigações de não fazer contínuas e permanentes, somos favorável à corrente que entende não ser possível purgar a mora na obrigação de não fazer.
Entretanto, pela leitura do artigo 390, do Código Civil, que dispõe, que “nas obrigações negativas o devedor é havido por inadimplente desde o dia em que executou o ato de que se devia abster”, pode-se concluir pela impossibilidade de se falar em purgação de mora nas obrigações de não fazer.
A mora do devedor não se restringe ao retardamento culposo, mas também ao cumprimento imperfeito da prestação, referente ao lugar e modo convencionados.
O havendo cumprimento culposo da obrigação por parte do devedor dentro do prazo estipulado, ou na sua ausência, seguindo a regra disposta no artigo 331, do Código Civil, o devedor estará em mora.
A regra disposta no referido artigo, deve ser interpretada em consonância com o artigo 134[36], do Código Civil, conforme ensina Renan Lotufo[37] e Castro Filho[38]. Isso porque, se não tiver sido estipulado um prazo para o cumprimento da prestação, o advérbio “imediatamente”, há de ser mitigado com o entendimento do artigo 134, do CC, verificando-se as condições do caso concreto, levando-se em consideração as circunstâncias e a natureza do negócio.
Na hipótese de ser a obrigação condicional a regra do artigo 332[39], do Código Civil, dispõe que se deve cumprir no momento em que se implementou a condição.
O artigo 333[40], do Código Civil determina as hipóteses em que a dívida desse ser exigida antecipadamente.
Importante nesse ponto ressaltar que nas relações sinalagmáticas, a mora do credor impede que o devedor seja constituído em mora. Estamos falando no presente caso do brocado jurídico excepetio non adimpleti contractus.
Em se tratando de contratos bilaterais a excepetio non adimpleti contractus, afastará a mora do devedor por falta de ilicitude do não-cumprimento, conforme ensina Antunes Varella[41].
A prestação deve ser cumprida em lugar estipulado, caso contrário restará o devedor em mora.
Nesse ponto convém diferenciar a dívida quérables ou quesíveis das portáveis. As primeiras o credor deverá ir ao local do devedor, e a segundo ocorre o inverso, o devedor deverá efetuar o pagamento no local do credor.
Sendo a dívida quérable e o devedor procurado pelo credor se recusa a efetuar o pagamento ou se omite, haverá a mora do devedor. Na hipótese de o credor não o procura-lo, existirá a mora accipiendi.
Nas dívidas portáveis cabe ao devedor ir ao encontro do credor. Se aquele não for ou for em local diverso, estará em mora.
Na hipótese de não ter sido convencionado o lugar para execução da prestação, deve-se seguir a regra disposta no artigo 327[42], do Código Civil, cujo pagamento deverá ser efetuado no domicílio do devedor, salvo se houver convenção pelas partes estipulando local diverso, se a lei dispuser outro local, dependendo da natureza da obrigação ou das suas circunstâncias.
Conforme expõe Giovanni Nanni[43] ausente o pagamento na forma pactuada, seja porque oferecida prestação diversa da que é devida, seja porque não integral, seja porque desprovida de alguma outra característica ou executada por pessoa diversa, haverá a constituição do devedor em mora, exceto se não for por causa a ele imputável.
Portanto, o devedor deve cumprir a obrigação exatamente no modo, lugar e tempo convencionados, caso contrário haverá a mora solvendi.
Foi mencionado, consubstanciado no entendimento de Agostinho Alvim[44], que a culpa é inerente à caracterização da mora. Entretanto, esse mesmo autor esclarece ser possível às partes convencionarem a esse respeito. Sendo assim, por convecção das partes, se houver o retardamento, ainda que não culposo, haverá a produção dos efeitos da mora.
Outro ponto que merece ser abordado no presente trabalho refere-se ao fato de que a prestação deverá ser útil ao credor, caso contrário haverá o inadimplemento absoluto, mesmo na hipótese de o devedor ser capaz de purgar a mora.
Caso o devedor esteja em mora, cabe ao credor, verificando a utilidade da prestação, decidir se poderá haver a purgação da mora ou a sua transformação em inadimplemento absoluto. Isso por que é conferido ao credor a análise da utilidade e interesse na prestação, conforme disposto no parágrafo único do artigo 395[45], do Código Civil.
Podemos citar o clássico exemplo da obrigação de entrega do vestido de noiva que não foi cumprida até o dia do casamento. Em verdade o devedor está em mora, sendo possível para ele purgar a mora, pelo simples ato de entregar o vestido. Entretanto, tal prestação não é mais útil ao credor, e, portanto, mesmo havendo a possibilidade da purgação, haverá o inadimplemento absoluto.
Porém, se a prestação ainda for do interesse do credor, e sendo possível o devedor purgar a mora, poderá aceitar a prestação, mesmo que imperfeita. Importante salientar que o fato de aceitar a purgação da mora não retira o direito do credor de demandar os danos da mora.[46]
Na hipótese de o devedor entender que haja abuso por parte do credor em optar pelo inadimplemento absoluto, em vez de possibilitar a purgação da mora, poderá recorrer ao judiciário.
Com relação à afirmação de Agostinho Alvim de ser subjetivo o conceito de inutilidade, para o credor, Judith Martins-Costa[47] critica tal entendimento, pois para essa autora, há de ser analisados tanto os elementos objetivos quanto os subjetivos para se concluir sobre a inutilidade da prestação, devendo ser analisados os elementos objetivos e subjetivos da relação obrigacional e não somente analisar o caráter subjetivo da inutilidade para o credor.
Para que ocorra a inutilidade da prestação, há de não mais se atender aos fins próprios em que foi constituída, analisando-a de acordo com os princípios que embasam as relações jurídicas obrigacionais, especialmente a boa-fé e a vedação ao abuso de direito.
4.2. Mora do Credor
O credor não cumprindo com seus deveres cooperação objetivando a liberação do devedor, com o consequente adimplemento da obrigação, haverá a mora do credor, ou também denominada mora accipiendi ou mora creditoris.
Há situações em que o credor mesmo não colaborando com os deveres laterais, não restará caracterizada a sua mora, pois o devedor conseguiu cumprir com a prestação assumida. No entanto, na hipótese da ausência de cooperação influenciar na prestação dos deveres principais e secundários, haverá mora ou inadimplemento absoluto por parte do credor, dependendo do caso.
Para que haja a mora do credor, é indispensável qualquer intervenção do credor, seja passivamente, como deixar de ir ao encalço do devedor, deixar de buscar quantia ou coisa, deixar de exercitar o direito de escolha, deixar de apresentar as contas, deixar de fornecer o material etc, ou ainda ativamente, realizando qualquer ato para dificultar o cumprimento da prestação pelo devedor.[48]
Em determinadas situações o devedor estará impossibilitado de cumprir a prestação, em razão de o credor não colaborar para tanto. Ou ainda, por ser indispensáveis atos preparatórios, cuja a responsabilidade é de competência do credor, o devedor ficaria impedido de cumprir a prestação[49].
Nas palavras de Agostinho Alvim[50], “se o credor deixa de cooperar, quando tal obrigação lhe assiste, e o cumprimento da obrigação, por parte do devedor, se tornou impossível, terá havido inadimplemento absoluto por parte do credor”.
Em determinadas situações o não cumprimento da obrigação é mais vantajoso para o credor. Vantagem essa que pode ser de ordem financeira ou econômica, na hipótese de o credor continuar a receber os juros pactuados ou manter a responsabilidade da perda da coisa com o devedor, de ordem moral, na qual o subordinado mantém-se como credor em relação à pessoa em nível hierarquicamente superior, ou até mesmo por negligencia ou preguiça de realizar atos para que haja o adimplemento.
O credor não tem o direito de impedir o cumprimento da obrigação por parte do devedor, eternizando a relação obrigacional, por mero capricho ou arbítrio. Há de se levar em consideração a boa-fé, e consequentemente que o credor haja com correção, lealdade e honestidade, cooperando para que o devedor se liberte da obrigação pactuada.
4.2.1. Requisitos
Em que pese Agostinho Alvim[51], fixe para a caracterização da mora do credor dois requisitos, a oferta do devedor e a recusa do credor, a doutrina moderna[52], é favorável a requisitos um pouco mais amplos, tratando-se de uma relação obrigacional existente, válida e eficaz, permitindo com que o devedor desempenhe no cumprimento da prestação, mediante a colaboração do credor.
No entender de Clóvis Bevilaqua a mora do credor pressupõe a existência de dívida positiva e líquida. Sendo essa liquidez relacionada à possibilidade de ser a prestação adimplida imediatamente, não tendo que se atentar à culpa.[53]
Em sendo de competência do credor tornar a obrigação líquida, este deverá fazê-lo, sob pena de ser constituído em mora pelo devedor, afastando-se a hipótese de se eternizar a obrigação.
Com relação à constituição em mora do credor nas obrigações ilíquidas, alguns autores defendem ser necessária a apresentação de oferta real por parte do devedor, com quantia aproximada, sob pena de restar caracterizada a mora solvendi.
Entretanto, se assim houvesse necessidade, jamais teria a possibilidade de constituir o credor em mora. Se compete ao credor a liquidação da obrigação, e todos os dados necessários para tanto se encontram em poder dele, não há como entendermos ser o caso de o devedor apresentar quantia aproximada. Outrossim, na hipótese de o devedor conter parte dos dados para a liquidação, deverá apresentar de plano, interpelando o credor que complemente.
Tratando-se de obrigação ilíquida, tanto credor quanto devedor deverão cooperar a fim de liquidá-la.
Convém mencionar que a impossibilidade subjetiva do devedor afasta a mora do credor, devendo este provar tal ocorrência. Quanto a do credor não interferem na relação obrigacional.
Com efeito, para a caracterização da mora accipiendi há a presunção de possibilidade de cumprimento da prestação por parte do devedor. Havendo incompatibilidade entre a mora e a impossibilidade da prestação.
Para ocorrer a mora do credor, o devedor deve oferecer efetivamente a prestação, ou nas palavras de Pontes de Miranda[54], o que é preciso, da parte do devedor, é o início de adimplemento, o que pode ocorrer, conforme as espécies, por simples ato verbal (oral ou escrito), ou de simples sinal.
Nota-se que a oferta pode ser feita pelo próprio devedor nos casos ordinários, também pelo seu representante legal, quanto se trata de incapaz, por mandatário habilitado, ou até mesmo por terceiro interessado ou não interessado.[55] Porém quando se tratar de obrigação personalíssima, por óbvio, somente o devedor poderá fazê-la.
Para incorrer em mora por parte do credor a oferta deve ser feita se atentando para a forma, lugar e tempo pactuados. Lembrando que, não havendo prazo estipulado o artigo 331, do Código Civil, deve ser interpretado levando em consideração o entendimento do artigo 134, do mesmo Código.
No entanto, conforme ensina Agostinho Alvim[56], na hipótese de ter sido ajustado termo a favor do devedor, este poderá cumprir a prestação a qualquer tempo, antes mesmo do vencimento. Porém, essa regra contida no art. 133, do Código Civil, não deve ser interpretada abstratamente, há de se verificar se o prazo foi estipulado realmente em relação ao devedor, caso contrário, deverá o devedor aguardar a data do vencimento e eventual recusa do adimplemento por parte do credor não pode caracterizar mora accipiendi.
Com relação ao local do cumprimento da prestação, há de se levar em consideração o pactuado. Se quesível a dívida, seguirá a regra contida no artigo 327, do Código Civil, com o pagamento no domicílio do devedor, se não tiver sido pactuado em sentido diverso, ou a lei dispuser de forma diversa, ou, ainda, as circunstâncias ou natureza da obrigação, se portável, o cumprimento será realizado no domicílio do credor.
Note-se que muito mais fácil a comprovação da mora accipiendi nas obrigações quesíveis, pois se o credor não se deslocar até o domicílio do devedor estará em mora. Enquanto nas portáveis o devedor deverá provar a recusa indevida do credor.
Para valer a oferta, segundo esclarece Agostinho Alvim, deve ser real, e referir-se ao total cumprimento do avençado, não sendo o credor obrigado a receber pagamento parcial, conforme entendimento consubstanciado no artigo 313[57], do Código Civil.
Outra regra, disposta no artigo 314, do Código Civil, determina que “ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou.”
A oferta será válida se o credor tiver ciência inequívoca dela, independente do meio utilizado, verbalmente, por telefone, por correspondência eletrônica etc e no caso de recusa injustificada, haverá mora creditoris.
Importante nesse ponto ressaltar que, diferentemente da mora solvendi, na mora accipiendi não se analisa a culpa[58] para a sua configuração. Ensinando Agostinho Alvim[59] que se trata de coisas distintas, “a justa ou injusta causa se relaciona com os motivos que dizem respeito à prestação ou ao modo de efetuá-la”, e a culpa com motivos pessoais.
Portanto, haverá a mora accipiendi se a tardança do cumprimento da prestação se der em razão da ausência de cooperação do credor, sem que haja uma razão objetiva para recusar.
5. Conclusão
Não havendo o cumprimento da obrigação no tempo ou no lugar ou no modo estipulado pelas partes, ou determinado em lei, estar-se-á diante da mora. Sendo que esta pode ser tanto por parte do devedor, mora debitoris ou mora solvendi, o que é mais comum, quanto por parte do credor, mora accipiendi ou mora creditoris.
da culpa. Sendo que esta não é elementar para a caracterização da mora do credor, mas tão somente a do devedor.
Em sendo no Brasil a obrigação vista como processo, para a satisfação integral do interesse do credor, liberando o devedor da obrigação avençada, há de se verificar o cumprimento da obrigação principal, bem como do dever secundário e lateral, conforme consubstanciado no princípio da boa-fé.
Em que pese o atraso no cumprimento da obrigação seja a forma mais comum da mora do devedor, deve-se levar em consideração o modo e lugar. Assim, para a caracterização da mora há de se ter uma dívida líquida, certa, vencida e a inexistência de culpa por parte do devedor.
Nas obrigações positivas há possibilidade de o devedor purgar a mora, sendo que essa possibilidade não existe nas obrigações de não fazer.
A mora do credor será caracterizada quando não cumpridos os deveres de cooperação para a liberação do devedor, sendo que essa forma de mora também pressupõe a existência de dívida positiva e líquida.
O devedor deve oferecer efetivamente a prestação com o início do adimplemento e por conduta do credor o adimplemento não se concretizou.
Ressalta-se que na mora accipiendi é irrelevante que o credor tenha agido ou não com culpa, basta que a demora no cumprimento da prestação seja em razão da ausência de cooperação do credor, sem que haja uma razão objetiva para recusar.
Informações Sobre o Autor
Marcio Asbahr Miglioli
Mestrando em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Atuante nas áreas de contencioso cível e arbitragem