Múltiplos olhares sobre o patrimônio cultural e natural: um desafio histórico, contemporâneo e emergencial aos estudantes do Direito

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Resumo: O presente trabalho versa sobre os múltiplos olhares acerca do patrimônio cultural e natural como um desafio histórico, contemporâneo e emergencial aos estudantes do Direito, a partir de um breve relato de experiência nas áreas de Educação Patrimonial, patrimônio cultural e patrimônio natural. Inicialmente busca-se entender os conceitos de cultura e patrimônio no âmbito do Direito, e posteriormente analisa-se a questão cultural e patrimonial especificamente no Direito Brasileiro. Ao se identificar eventuais lacunas nesta área, relata-se a contribuição da prática em Educação Patrimonial para a formação acadêmica dos discentes em Direito, experiência didático-pedagógica de êxito praticada pela Faculdade Kennedy de Minas Gerais, no âmbito das disciplinas de Antropologia e História do Direito. Em determinado período de formação curricular, alunos são levados em visita técnica a conhecer a realidade e importância do patrimônio histórico-cultural das cidades de Ouro Preto, São João Del Rey e Tiradentes num processo dinâmico e interdisciplinar que amplia os horizontes de atuação e de formação nesta área do conhecimento. Busca-se com esta atividade exercitar o olhar, a percepção e ampliar o entendimento teórico das concepções dos projetos que consolidaram Minas Gerais no cenário nacional através de sua História, de suas múltiplas categorias patrimoniais com seus conjuntos de identidades e historicidades, bens estes preservados como Memória mineira e nacional desde a década de 1930 quando se iniciou esta discussão no território brasileiro

Palavras-chave: Educação patrimonial – Patrimônio Cultural – Patrimônio Natural – Direito

Abstract: This paper aim to show up the multiple points of view and perspectives about the Cultural Heritage and natural heritage as a historical, contemporary and emergency challenge to students of law, from a brief account of experience in heritage education, cultural heritage and natural heritage. Initially we aim to understand the concepts of culture and heritage within the law, then analyzing the cultural heritage issues specifically according and inside it. by identifying any gaps in this area, the practical contribution to reports in cultural heritage education for the academic training of law students , teaching-learning experiencing in successfully workshops offered by Kennedy School of Minas Gerais, linking the disciplines of Anthropology, History and law. At each first semester at school, students are taken into technical trips to the Historical cities os Ouro Preto, Mariana, Congonhas, São João Del Rey and Tiradentes to get to know Brazilian History as well as Minas Gerais . Its legacy, its reality and its importance as historical and cultural heritage in a dynamic and interdisciplinary process that broadens the horizons of expertise and training this area of knowledge. Search up with this activity exercise reflects the perception and increase the theoretical understanding of the concepts of projects that consolidated Minas Gerais on the National canary through its rich legacy in history, its multiple asset classes with their sets of identities. Their Economic status preserved as iron ore open-cast mining, gold mining, and other minig and National memory since the 1930s when it started this matter in Brazil

Keywords: Heritage Education, natural Heritage, Minas legacy, history, workshops, tirps.

Sumário: Considerações iniciais; 1. Entendendo cultura e patrimônio no âmbito do direito; 2. A questão cultural e patrimonial no direito brasileiro; 3. A contribuição da prática em educação patrimonial para a formação acadêmica dos discentes em direito; Cnsiderações finais; Referências.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O Direito contemporâneo cada vez mais se vê diante de demandas, dilemas e desafios que urgem por respostas e padronizações, em muitos casos, de maneira incisiva e emergencial. A sociedade urbano-industrial capitalista, por sua vez impõe exigências que devem ser observadas e tratadas com o devido respaldo da Lei. No cenário político, social e econômico da atualidade, a Ciência Jurídica já não mais se restringe à Teoria Geral do Processo, aos Direitos Administrativo e Constitucional, aos Direitos Civil e Processual Civil, aos Direito do Trabalho e Processual do Trabalho, aos Direitos Econômico, Empresarial, Tributário e Financeiro, e aos Direitos Penal e Processual Penal. Sobre estas questões, Andrade (2014, p. 02) afirma que:

“Várias permanências e rupturas se alternam no cenário brasileiro, construindo e reconstruindo demandas sociais efetivas. (…) Percebe-se que a sociedade brasileira e mundial evoluiu muito, mas ainda apresenta grandes dilemas e respostas a serem consolidados e legitimados na construção da cidadania e da democracia.”

Assim questões atuais, como meio ambiente, família, relações de trabalho, relações comerciais e administrativas, dentre outros parâmetros sociais requerem tratamento especial e diferenciado, reconfigurando os âmbitos de atuação do Direito e delineando novas perspectivas, interfaces, nuances e desdobramentos. Deste modo, no âmbito de reformulação dos múltiplos direitos, novas áreas, cada vez mais interdisciplinares surgem como os Direitos Humanos, o Direito Ambiental, os Direitos Internacionais Público e Privado e o Direito da Seguridade Social, dentre outros.

Além da atualíssima discussão sobre a questão ambiental cada vez mais apropriada pelo Direito no Brasil e no mundo como uma nova área de atuação, nota-se que a cultura dos povos, sua identidade e diversidade e seus múltiplos patrimônios são cada vez mais uma possibilidade e um desafio ao Direito. O presente trabalho destina-se a estudar brevemente os processos de Educação Patrimonial e Gestão do Patrimônio Cultural e Natural Brasileiro e suas interfaces com as atividades contemporâneas do Direito, bem como analisar o conceito jurídico e a chancela do Patrimônio Histórico e Ambiental no Brasil. Escritos de Elíbio Júnior & Rechia (2007, p. 35) atestam a importância desta questão:

“Por outro lado, a responsabilidade no tocante à valorização ou aos descasos com o patrimônio não se restringe ao papel do Estado. As discussões acerca do patrimônio na atualidade têm se calcado pelos debates em torno da diversidade social e cultural, além do entendimento de que todos têm direito à memória, individual e coletiva, direito a conhecer os seus bens culturais e de outros povos e, por conseguinte, de participar nas decisões que afetam estes mesmos bens, vistos como parte integrante no processo de construção da cidadania”.

Assim, no Brasil e mundo, muitos são os patrimônios preservados como memória de seu povo e elemento máximo de sua história no tempo e no espaço. Muitos monumentos, museus, prédios históricos passam gradativamente a serem elementos coletivos de Preservação e Conservação da sociedade e de sua historicidade. E neste contexto, o Direito se insere cada vez mais como fator preponderante de legitimização e de valorização do patrimônio, elevando-o a um patamar de legado inestimável. Mas do que nunca, o Direito Brasileiro se insere para problematizar os impactos e os usos do Patrimônio Histórico, material e imaterial, legalizando-o como um relevante e inquestionável instrumento de pertencimento, na construção da nacionalidade, e, portanto inviolável e inalienável. Neste contexto, através do Direito, o Patrimônio e a Cultura de um povo recebem tratamento especial, legitimo, e irrevogável, ou seja, a importância desses elementos para o progresso da sociedade são de fato viabilizados. Através do respaldo judicial, efetivam-se práticas preservacionistas e/ou ações de restauração.

1. ENTENDENDO CULTURA E PATRIMÔNIO NO ÂMBITO DO DIREITO

O Conceito de cultura é algo complexo e de ampla discussão. A Cultura, independente de material ou imaterial se consolida como elemento subjetivo, simbólico e existencial. Várias são as variáveis da Cultura, bem como suas escalas que variam do local ao global. Entendendo a complexidade do termo “cultura”, Elíbio Júnior & Poyer (2007, p. 09) afirmam que “as definições de cultura são históricas, ou seja, correspondem a uma determinada leitura sobre a realidade humana, desenvolvida em um momento específico”. Esses autores citam vários pensadores, e conceitos com destaque para Marconi & Presotto[1] (1992, p. 44) para quem “a cultura pode ser analisada ao mesmo tempo a partir de diversos enfoques”: abstração do comportamento, artefatos, atitudes, crenças, ideias, instituições, normas, padrões de conduta, técnicas e valores. Dentro das inúmeras discussões teóricas sobre a Cultura surge o conceito de patrimônio, um conceito também de múltipla complexidade. Prado, Carvalho & Armelim (2006, p 01) afirmam que:

“O patrimônio cultural pode ser relacionado com a memória coletiva, bem como com a história, o passado, enfim, as múltiplas dimensões culturais, que evocam um passado vivo, ou seja, acontecimentos e coisas que precisam de preservação por ser coletivamente significativas em sua diversidade. Ao se reconstruir a memória coletiva, preservando e produzindo o patrimônio coletivo, está-se reconhecendo o direito ao passado enquanto dimensão básica da cidadania. Percebe-se a relevância do patrimônio cultural na vida da sociedade, pois serve de lembrança à memória coletiva que com ele se identifica. Sua perda acarreta a perda desta identidade às futuras gerações. A destruição do patrimônio cultural priva a geração presente e as futuras de dados importantes para sua própria compreensão e constitui um empobrecimento do patrimônio dos povos.”

As diferenças da noção de bens culturais e suas formas de classificação variam de autor para autor, de contexto para contexto, variando no tempo e no espaço e apresentando permanências e rupturas. Silva Júnior, Couto & Santos (2013, p. 10) informam que o patrimônio cultural divide-se em bens materiais (tangíveis) e imateriais (intangíveis):

“- Bens Intangíveis: ideias, costumes, crenças, tradição oral, danças, rituais, saberes, etc.

– Bens Tangíveis: bens móveis e bens imóveis

– Bens móveis: objetos de arte, objetos litúrgicos, livros e documentos, fósseis, coleções arqueológicas, acervos museológicos, documentais e arquivísticos.

– Bens imóveis: monumentos, núcleos urbanos e edifícios, templos, bens individuais, sítios arqueológicos e sítios paisagísticos”.

Nota-se assim a complexidade de sua dimensão e abrangência. O Patrimônio Cultural se constituiu na Europa e no Brasil, entre o século XIX e princípio do século XX (ELÍBIO JÚNIOR & RECHIA, 2007, p. 12). Segundo estes autores, a formulação do conceito de bens patrimoniais esteve ligada a formação dos Estados Nacionais. Elíbio Júnior & Rechia (2007, p. 114) destacam ainda o conceito de Patrimônio interpretado pelo austríaco Alois Riegl[2]. Quanto à idéia de intervenção e preservação do Patrimônio. Ribeiro (2009, p. 26) afirma que:

“O Patrimônio Histórico edificado é uma forma de expressão da história de um povo, de importantes períodos na construção social e econômica dos territórios, constituindo-se em aspecto que define a singularidade do lugar. Os objetos criados a partir do trabalho do homem representam, ao serem associados aos valores que identificam o grupo, o símbolo daquilo que resulta na razão do lugar ser único. A palavra Patrimônio, segundo Choay[3] (2001), relaciona-se a estruturas familiares, econômicas e jurídicas, porém na evolução da sociedade passou a ser utilizada em associação com outros termos, multiplicando-se de significados. Entre esses termos está o Histórico. Portanto o Patrimônio Histórico seria um conjunto de bens representativos, de determinado momento da história, de um grupo social ou da humanidade. Este seria constituído de objetos, expressões, valores, o Patrimônio Histórico e Cultural emerge no mundo dos significados”.

As discussões teóricas e cientificas sobre Patrimônio Cultural e Histórico no Brasil inicialmente estiveram atreladas à História e posteriormente ao Turismo. Isso se deve as várias interfaces entre as atividades turísticas e o patrimônio cultural, sobretudo no que diz respeito às cidades coloniais, fato evidenciado por Andrade (2013, p. 02)

“Minas Gerais preserva importante patrimônio histórico-cultural em várias cidades coloniais, onde se é possível acessar os conteúdos existenciais, ideológicos e socioeconômicos do Brasil Colônia. Neste sentido visitar cidades como Catas Altas, Conceição do Mato Dentro, Congonhas, Diamantina, Mariana, Ouro Preto, Paracatu, Sabará, São João Del Rey, Serro e Tiradentes permite que diferentes públicos se apropriem de diversas abordagens que remetem ao longo período em que o Brasil esteve sob a égide da Coroa Portuguesa”.

A relação entre o patrimônio cultural e o turismo muitas vezes se processa através dos usos e abusos presentes na construção de cenários turísticos que se configuram a partir da idéia de não-lugar[4] (ELÍBIO JÚNIOR & RECHIA, 2007, p. 89). Visando disciplinar usos e coibir abusos, todo um aparato jurídico entra em ação, respaldando a construção de um projeto social dinâmico, e fluente, mas atrelado ao seu passado, e, portanto à sua memória e história.

2. A QUESTÃO CULTURAL E PATRIMONIAL NO DIREITO BRASILEIRO

No Direito brasileiro, as questões patrimoniais estão diretamente ligadas às questões de bens de família, de herança paterna, bens materiais de uma pessoa ou empresa (FERREIRA, 2001, p. 555). No Brasil, historicamente, a noção de Patrimônio surge em 1920, quando a Sociedade Brasileira de Belas Artes organiza um anteprojeto de lei com ênfase para os bens arqueológicos. Ribeiro (2009, p. 40) alega que:

“O Deputado Luiz Cedro, em 1923, apresentou um projeto de lei para a criação de uma “Inspetoria dos Monumentos Históricos dos Estados Unidos do Brasil, com o fim de conservar os imóveis públicos ou particulares, que no ponto de vista da história ou de artes revistam um interesse nacional”. O projeto não foi aprovado, mas para Souza Filho[5] (1999), teve o mérito de abrir a discussão sobre a proteção ao Patrimônio Histórico e Cultural. E em 1925, a pedido do governador de Minas Gerais, o jurista Jair Lins também tratou de defender os bens representativos de nosso passado, mas apresentando um progresso na eleição dos bens a serem guardados pelo seu projeto de lei”.

Tal anteprojeto não alcançou êxito no Congresso Nacional, devido à possível obrigação de desapropriações referentes à propriedade privada, considerada intocável naquele momento (ELÍBIO JÚNIOR & RECHIA, 2007, p. 20). Em 1933, uma das primeiras medidas oficiais de Getúlio Vargas foi decretar Ouro Preto[6] como Monumento Nacional, objetivando a construção e a perpetuação de uma memória histórica relacionada à herois e lugares, que por sua vez eram selecionados como representativos para a História do Brasil (ELÍBIO JÚNIOR & RECHIA, 2007, p. 23). Estes autores evidenciam que:

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“Na Constituição de 1934[7] a proteção dos bens culturais e naturais foi definida como dever do Estado, incluindo a nacionalização do subsolo e a saída de obras de arte do país. No mesmo texto aprovou-se a criação de um serviço de proteção aos monumentos e obras de arte, anexo ao Museu Histórico Nacional, restringindo-se, a princípio, às cidades mineiras. Deve-se ressaltar também, do ponto de vista jurídico, a amenização da propriedade privada, para fins de desapropriação[8], quando comprovada sua função social”[9].

O Serviço de Proteção ao Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, SPHAN, foi oficialmente criado por decreto presidencial. Ribeiro (2009, p. 28) atesta que:

“No Brasil, o sistema jurídico inicia com a regulamentação das políticas de proteção do Patrimônio Histórico e Cultural a partir de 1930. O primeiro grande passo foi dado pela promulgação da lei de número 378, de 13 de janeiro de 1937, que dava nova organização ao Ministério da Educação e da Saúde Pública. Essa lei, em seu artigo 46, determinava a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e dos órgãos necessários ao seu funcionamento, assim como definia a sua finalidade.”

Em 30 de novembro de 1937, é assinado o decreto-lei nº 25, contando com a atuação de um dos protagonistas da Semana de Arte Moderna de 1922, Mário de Andrade[10]:

“Nota-se a presença de bens patrimoniais materiais e imateriais no levantamento de Mário de Andrade, cuja classificação não será aplicada em todos os seus princípios pelo Estado Novo de Vargas. O Estado populista atuava no sentido de criar símbolos de identidade nacional. Como exemplo pode-se citar o decreto-lei 25, de 1937, que criava o tombamento, porém com foco nos bens materiais. (…)

O então SPHAN, de acordo com o decreto presidencial nº 378 ficaria subordinado ao Ministério da Educação e Saúde, sob o comando do Ministro Gustavo Capanema. A direção do SPHAN foi legada a Rodrigo Melo Franco de Andrade, que o dirigiu por 32 anos, até sua morte, em 1969. Sob a sua orientação, o projeto original de Mário de Andrade recebeu modificações significativas ao longo do tempo em que esteve à frente do SPHAN.” (ELÍBIO JÚNIOR & RECHIA, 2007, p. 24).

Na perspectiva do texto expresso no artigo 1º do respectivo decreto, definiu-se o conceito de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional como “o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país” que deveriam ser conservados devido à sua vinculação a fatos memoráveis da História do Brasil, ou por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico (ELÍBIO JÚNIOR & RECHIA, 2007, p. 24). Nota-se a ampliação da definição de patrimônio cultural brasileiro, trazendo a questão ecológica[11] e paisagística para o contexto:

“O Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, equipara o patrimônio natural ao patrimônio histórico e artístico nacional, tornando monumentos naturais, jardins e paisagens, bem como os bens agenciados pela indústria humana, como os parques, passíveis de tombamento, uma vez que o objetivo é conservar e proteger a feição notável que possuam. Segundo o Decreto nº 25, “um jardim histórico é uma composição arquitetônica e vegetal que, do ponto de vista da história ou da arte, apresenta, um interesse público e como tal é considerado monumento”. (ELÍBIO JÚNIOR & RECHIA, 2007, p. 71).

Os bens culturais foram singularizados desde 1937, para serem exatamente localizados, tornados públicos e reconhecidos como bens culturais preserváveis com o procedimento do tombamento[12]. Ribeiro destaca que:

“A Constituição Federal de 1937, em seu artigo 134, trouxe novas temáticas, em relação aos entes federativos com a inclusão dos municípios como entes responsáveis também pela proteção dos monumentos e quanto aos atentados contra o Patrimônio Cultural passaram a ser entendidos como atentados contra o patrimônio nacional. Os bens particulares passam a ser equiparados para a proteção, como se fossem públicos” (MACHADO, 2002[13]).

O tombamento, definitivo e/ou provisório, é uma característica desenvolvida em países que consideram como patrimônio todo o conjunto de fatores ligados à identidade e à memória coletiva. Desta forma, as legislações mais modernas introduzem conceitos mais concretos, sempre ligados à realidade social. No Brasil, país de incontestável diversidade cultural, o decreto-lei n° 25/1937 é deficiente quanto aos bens culturais locais, porque não objetivava na época, a proteção de manifestações diretas da cultura brasileira:

“É a lei mais antiga e o mais importante instrumento de proteção. O decreto lei n° 25/37, de 30 de novembro de 1937, dispõe sobre o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação é de interesse público. Interesse público aqui se refere à vinculação dos bens a fatos memoráveis da história do Brasil ou ao excepcional arqueológico, etnológico, bibliográfico ou artístico. Porém, esta concepção difere bastante daquela adotada na Constituição de 88, que considera o conjunto de bens tudo aquilo que se refere à identidade da nação e dos diversos segmentos formadores da identidade brasileira. Logo, a nova Constituição liga a história à expressão de uma cultura popular, sendo muito mais nacionalista e popular neste sentido”.

Logo, o decreto-lei n° 25/1937 é apenas um código legal de tombamento, pois não legisla sobre outras formas de proteção dos bens culturais além daquele tipificados como arqueológicos, artísticos, bibliográficos e etnológicos. Apesar da efetivação de um meio legal, não basta apenas à presença jurídica do poder público, sendo sempre viável parcerias entre poder civil e privado para garantir e realizar a devida proteção dos monumentos e bens culturais. Ribeiro (2009, p. 42) atesta que:

“(…) A Constituição Federal de 1946 em seu artigo 175 previa a proteção de “obras, monumentos e documentos de valor histórico e artístico, bem como os monumentos naturais e paisagens e os locais dotados de particular beleza, ficavam sob a proteção do Poder Público. No entendimento de Machado (2002), ao estabelecer poder público, deixava em aberto a competência para legislar podendo ser qualquer ente federativo.”

Posterior a esta efetivação legal no final da década de 1940, assim como os sítios históricos, todos os sítios arqueológicos são protegidos pela Lei nº 3.924 de 26 de julho de 1961, sendo considerados bens patrimoniais da União (PEDRO, 2009, p. 13). O tombamento de bens arqueológicos é feito excepcionalmente por interesses científicos ou ambientais. Com certeza, esta lei preenche uma lacuna dentro da política de proteção dos bens brasileiros. A lei homologada põe sob a guarda e proteção do poder público, os monumentos arqueológicos ou históricos e todos os elementos e sítios com vestígios culturais de ocupação paleoameríndia neles existentes.

“Artigo 2°. Consideram-se monumentos arqueológicos ou pré-históricos:

a) as jazidas de qualquer natureza, origem ou finalidade, que representem testemunhos da cultura dos paleoameríndios do Brasil, tais como sambaquis, montes artificiais ou tesos, poços sepulcrais, jazigos, aterrados, estearias e quaisquer outras não especificadas aqui, mas de significado idêntico, a juízo de autoridade competente;

b) sítios nos quais se encontram vestígios positivos de ocupação pelos paleomeríndios, tais como grutas, lapas e abrigos sob rochas;

c) os sítios identificados como cemitérios, sepulturas ou locais de pouso prolongado ou de aldeamento “estações” e “cerâmios”, nos quais se encontram vestígios humanos de interesse arqueológico ou paleoetnográfico,

d) as inscrições rupestres ou locais com sulcos de polimento de utensílios e outros vestígios de atividade de paleoameríndios.”

Tanto o decreto-lei n° 25/1937 quanto a lei n° 3.924/1961 proíbem a exportação de bens culturais sem autorização legalmente expedida pelo órgão competente. Para preencher eventuais lacunas, outras leis foram lançadas ainda na década de 1960.

No final da década de 1960, o SPHAN é reestruturado e transformado no atual IPHAN, Instituto de Proteção ao Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. As políticas de preservação patrimonial foram apropriadas e resignificadas. Para Ribeiro (2009, p. 43) “a Constituição Federal de 1967 e a emenda de 1969 tratavam a questão relativa ao Patrimônio Cultural da mesma maneira: O amparo a cultura é dever do Estado”. Escritos de Ribeiro (2009, p. 61) evidenciam que:

“O contexto das mudanças nos mecanismos de proteção assim como maior participação da população, nesse aspecto, reflete-se em outros territórios jurídicos, como nos instrumentos judiciais. É o caso da lei 4.717, de 29 de junho de 1965, conhecida como lei de Ação Popular que passou a ser utilizada para a proteção do Patrimônio cultural a partir de 1977, quando houve alteração do §1º do artigo 1º, com a nova redação dada pela lei 6.513/77. A lei 7.347/85, conhecida como lei de Ação Civil Pública, que já não apresentava a exigência de um bem tombado com a finalidade de proceder à proteção. No entender de Souza Filho (1999, p. 84) “o patrimônio histórico e artístico ou cultural brasileiro é formado por bens tombados e não tombados.”

Desdobraram-se múltiplas conferências mundiais e nacionais sobre patrimônio sob a égide da ONU e da UNESCO[14]. Sobre esta questão, Ribeiro (2009, p. 30-31) cita o artigo 1º da Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural, aprovada pela Convenção Mundial da UNESCO, em sua décima sétima reunião em Paris, em 16 de novembro de 1972, adotou como definição de Patrimônio Cultural:

“Artigo 1º – Para fins da presente Convenção serão considerados como Patrimônio Cultural:

– Os monumentos: obras arquitetônicas, de escultura ou de pinturas monumentais, elementos ou estruturas de natureza arqueológica, inscrições, cavernas e grupos de elementos que tenham um valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência;

– Os conjuntos: grupos de construções isoladas ou reunidas que, em virtude de sua arquitetura, unidade ou integração na paisagem tenham um valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência.

– Os lugares notáveis: obras do homem ou obras conjugadas do homem e da natureza, bem como as zonas, inclusive lugares arqueológicos, que tenham valor universal excepcional do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou Antropológico”.

Galdino destaca (s/d, p. 02-03) que a partir de 1988, com a redemocratização do país, a Constituição traz relevantes conquistas direcionadas à preservação do patrimônio cultural e natural:

“Artigo 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: […]

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III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;

IV – impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;

V – proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;

VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas.

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: […]

VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;”

A Constituinte[15] em sua Seção II tratando especificamente da cultura atualiza a questão do patrimônio e da memória coletiva através do Artigo 216, que afirmou:

“Constituem patrimônio cultural brasileiro, os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I – as formas de expressão;

II – os modos de criar, fazer, viver;

III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

§1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

§2º Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.

§3º A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais.

§4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.

§5º Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.

§6º É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual de fomento à cultura até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, para o financiamento de programas e projetos culturais, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de:

I – despesas com pessoal e encargos sociais;

II – serviço da dívida;

III – qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados.”

A partir da Constituição, questões legítimas são detalhadas e ampliadas com destaque para o artigo 225 que definiu também a noção de meio ambiente, e a percepção, portanto de uma questão de cunho socioambiental. Ribeiro (2009, p. 47) cita três aspectos e/ou conceitos ambientais e paisagísticos propostos por José Afonso da Silva[16]:

“• meio ambiente artificial, que é formado pelos espaços urbanos, caracteriza-se pela humanização da paisagem.

• meio ambiente cultural, é formado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico e segundo o autor quase sempre é artificial, difere, porém do artificial porque implica em relação de identidade e pertencimento.

• meio ambiente natural é constituído por aquilo que é produto do trabalho da natureza, água, solo, flora, fauna, atmosfera e pela interação entre os seres vivos e seu meio.”

De acordo com Elíbio Júnior & Rechia (2007, p. 25), atualmente, a Constituição Brasileira de 1988, difere os bens socioambientais em arqueológicos, artísticos, culturais, etnográficos, históricos e paisagísticos, bens estes vinculados à cultura, história e memória do país. Os autores afirmam que:

“O tombamento é um ato administrativo realizado pelo Poder Público, nos níveis federal, estadual ou municipal. Os tombamentos federais são da responsabilidade do IPHAN e começam pelo pedido de abertura do processo, por iniciativa de qualquer cidadão ou instituição pública. Tem como objetivo preservar bens de valor histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a população, impedindo a desnutrição e/ou descaracterização de tais bens. Pode ser aplicado aos bens móveis e imóveis, de interesse cultural ou ambiental. É o caso de fotografias, livros, mobiliários, utensílios, obras de arte, edifícios, ruas, praças, cidades, regiões, florestas, cascatas, etc. Somente é aplicado aos bens materiais de interesse para a preservação da memória coletiva.”

Da mesma forma que o patrimônio material, foi legitimado a importância de preservação do patrimônio imaterial, categoria criada pela UNESCO em 1997, com o título de “Obra-prima do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade”, objetivando chamar a atenção mundial para manifestações culturais expressivas que necessitavam de cuidado e efetiva proteção. Trata-se de uma categoria recente no Brasil, em termos de regulamentação de leis (identificação, registro e salvaguarda) e visando preservar essa diversidade cultural, o IPHAN instituiu quatro livros de registros imateriais: Livro das Celebrações, Livro das Formas de Expressão, Livro dos Lugares e Livro dos Saberes. Do ponto de vista normativo, está presente no decreto federal nº 3.551, que em 04 de agosto de 2000, instituiu o “Programa Nacional do Patrimônio Imaterial” deliberando sobre o registro dos bens culturais de natureza imaterial. Aguinaga (2005, p. 05) descreve que:

“O patrimônio cultural imaterial diz respeito àquela porção intangível da produção cultural dos povos, encontradas nas tradições, nos saberes, no folclore, nas línguas, nas festas, e em outras tantas manifestações que são transmitidas de uma geração a outra. Segundo a Convenção para Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, aprovada pela UNESCO em 2003, patrimônio cultural imaterial são as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – junto com os instrumentos, objetos, artefatos, lugares que lhes são associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural.”

Apesar do debate em torno do Patrimônio Nacional e de que como proteger os elementos naturais, materiais e imateriais da cultura provocar polêmicas, o Brasil progrediu amplamente ao contemplar estes aspectos no texto constitucional de 1988. No tocante ao papel do Estado Brasileiro, sobre a proteção jurídica, Elíbio Júnior & Rechia (2007, p. 63), averiguam que pela leitura das leis vigentes e da Constituição Federal, “bem cultural é aquele bem jurídico que, além de ser objeto de direito, está protegido por ter uma qualidade identificadora de uma expressão cultural”. Assim, esses autores afirmam que uma nova qualidade jurídica é agregada ao bem, sem que isto altere a sua propriedade. Pinhão (s/d, p. 10) afirma que a Constituição cria novas formas de proteção[17] como o inventário, o registro, a vigilância e possibilita ao poder público, a criação de outras formas legais de preservação (ELÍBIO JÚNIOR & RECHIA, 2007, p. 63). As leis federais de proteção cultural deliberam sobre a exportação de bens culturais, a proteção dos sambaquis e sobre o processo de tombamento. Segundo Prado, Carvalho e Armelin (2006, p. 04), o Código Penal Brasileiro possui dois artigos[18] em defesa do patrimônio, 165 e 167:

“Dano em coisa de valor artístico, arqueológico ou histórico

Art. 165 – Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa tombada pela autoridade competente em virtude de valor artístico, arqueológico ou histórico:

Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

Alteração de local especialmente protegido

Art. 166 – Alterar, sem licença da autoridade competente, o aspecto de local especialmente protegido por lei:

Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa.

Ação penal

Art. 167 – Nos casos do art. 163, do inciso IV do seu parágrafo e do art. 164, somente se procede mediante queixa”

Do âmbito federal para os âmbitos estadual e municipal cita-se como referência a Constituição Estadual de Minas Gerais que deliberar sobre patrimônio:

“Art. 208 – Constituem patrimônio cultural mineiro, os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, que contenham referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade mineira, entre os quais se incluem:

I – as formas de expressão;

II – os modos de criar, fazer e viver;

III – as criações científicas, tecnológicas e artísticas;

IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados a manifestações artístico-culturais;

V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, espeleológico, paleontológico, ecológico e científico.

Art. 209 – O Estado, com a colaboração da comunidade, protegerá o patrimônio cultural por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, de outras formas de acautelamento e preservação e, ainda, de repressão aos danos e às ameaças a esse patrimônio.

Parágrafo único – A lei estabelecerá plano permanente para proteção do patrimônio cultural do Estado, notadamente dos núcleos urbanos mais significativos.”

É relevante ainda destaca no contexto estadual a Lei nº 13.956, de 24/7/2001. Em Belo Horizonte, além dos artigos 168 e 169 da Lei Orgânica Municipal[19] datada de 21 de março de 1990, destaca-se a Lei nº 7.166, de 27 de agosto de 1996 que estabelece normas e condições para parcelamento, ocupação e uso do solo urbano no município, levando em considerações alterações em seu texto inicial nos anos posteriores[20] à sua promulgação. Em termo de patrimônio histórico, cultural e natural evidencia-se o artigo 7º:

“Art. 7º – São ZPs as regiões sujeitas a critérios urbanísticos especiais, que determinam a ocupação com baixa densidade e maior Taxa de Permeabilidade, tendo em vista o interesse público na proteção ambiental e na preservação do patrimônio histórico, cultural, arqueológico ou paisagístico, e que se subdividem nas seguintes categorias:

(Caput com redação dada pelo Art. 22 da Lei nº 9.959, de 20/7/2010)

I – ZP-1, regiões, predominantemente desocupadas, de proteção ambiental e preservação do patrimônio histórico, cultural, arqueológico ou paisagístico ou em que haja risco geológico, nas quais a ocupação é permitida mediante condições especiais;

II – ZP-2, regiões, predominantemente ocupadas, de proteção ambiental, histórica, cultural, arqueológica ou paisagística ou em que existam condições topográficas ou geológicas desfavoráveis, onde devem ser mantidos baixos índices de densidade demográfica;

III – ZP-3, regiões em processo de ocupação, que será controlado visando à proteção ambiental e preservação paisagística.

Parágrafo único – O parcelamento e a ocupação de área situada em ZP-1 estão sujeitos à aprovação do Conselho Municipal do Meio Ambiente – COMAM.”

3. A CONTRIBUIÇÃO DA PRÁTICA EM EDUCAÇÃO PATRIMONIAL PARA A FORMAÇÃO ACADÊMICA DOS DISCENTES EM DIREITO

O Direito é um ramo do conhecimento dedicado às normas jurídicas essenciais para a vida em sociedade. O profissional formado em Direito exerce atividades indispensáveis para todo tipo de regulação dos relacionamentos de indivíduos e organizações. O Direito relaciona-se não somente com a manutenção da ordem e distribuição da justiça: é também um instrumento de transformação social e de construção da cidadania. O curso de Direito almeja a formação de profissionais qualificados e adaptáveis à realidade em constante transformação com suficiente autonomia de pensamento e capacitado para a busca continua de conhecimentos após a graduação, comprometidos com as transformações sociais da contemporaneidade.

A concepção, os objetivos e o currículo do curso de Direito devem conduzir à formação de um profissional com conhecimentos sólidos e atualizados, embasador da complexa realidade hoje vivenciada. Assim os cursos de graduação e/ou especialização nesta área devem desenvolver os fundamentos básicos e interdisciplinares de competências e habilidades necessárias ao aprofundamento da formação geral e profissional. Levando em consideração da complexidade da vida em sociedade, esta área de formação deve focar no nível de vivências[21] e ação dos estudantes com relação à atual realidade brasileira e mundial. Assim um conjunto expressivo de competências e habilidades é indispensável ao processo de formação humana discentes do curso, de modo a obter uma eficaz visão dos problemas socioambientais e de alternativas para sua solução:

– Apreensão, compreensão e interpretação do arcabouço histórico-social;

– Capacidade de compreensão das dualidades, ambiguidades e conflitos, numa perspectiva de discernimento e mediação;

– Comunhão e consciência solidária dos problemas, desempenhando sua formação humanística para o enfrentamento de múltiplos desafios;

– Conduta e senso éticos, com ampla noção de responsabilidade socioambiental;

– Consciência da necessidade de permanente atualização, não somente técnica, mas também como processo de educação ao longo da vida;

– Criatividade, iniciativa para desenvolver, propor e implantar experiências empreendedoras e inovadoras;

– Predisposição e capacidade para o trabalho em equipe;

– Questionamento crítico de seu tempo e de seu espaço visando à construção e/ou reformulação de novos paradigmas;

– Reflexão crítica dos problemas sociais nas escalas de tempo e espaço em que se inserem;

– Visão atualizada do mundo e, precipuamente, dos problemas comunitários e humanitários do seu tempo e espaço.

Nesta proposta de exercício do “olhar” para a realidade apreendida, deve-se pensar na contribuição da prática em Educação Patrimonial para a formação acadêmica dos discentes em Direito. Para se entender o Patrimônio enquanto direito coletivo e indispensável à cultura de um povo e nação, existem mecanismos de apropriação de sua historicidade, através de diferentes elementos pedagógicos. Por sua essência interdisciplinar, a Educação Patrimonial contribui para a cidadania, para a criticidade, e para a vida em sociedade, sendo indispensável aos indivíduos entenderem diferentes contextos e categorias patrimoniais ao longo de sua existência, exercitando suas identidades individuais e coletivas (NASCIMENTO, 2006, p. 52). Como explicitado anteriormente, a temática do patrimônio histórico tem seus primórdios a partir do decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, que organizou a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, mas a discussão acerca da Educação Patrimonial é bastante recente no Brasil, sendo introduzido no país a partir dos anos 1980[22]. Rangel apud Nascimento (2006, p. 51) dimensiona a Educação Patrimonial:

“É todo e qualquer processo de trabalho educacional centrado no patrimônio cultural como fonte primária de conhecimento individual e coletiva. A partir da experiência e do contato direto com as evidencias e manifestações da cultura, em todos seus múltiplos aspectos, sentidos e significados, o trabalho de Educação Patrimonial busca levas as crianças e adultos a um processo ativo de conhecimento, apropriação e valorização de sua herança cultural, capacitando-os para melhor usufruto de bens e propiciando a preservação de nossas raízes e bens culturais, bem como a geração e a produção de novos conhecimentos, num processo contínuo de criação cultural. O resultado final do trabalho de Educação Patrimonial deve incluir, sempre, a preservação do patrimônio ()”.

Nota-se que a educação para a preservação patrimonial é algo de extrema relevância, ampliando os horizontes dos discentes de diferentes níveis educacionais, desde a educação básica, passando pela técnica-profissionalizante e pela superior. Apropriar-se do patrimônio cultural é também uma forma de romper com o tradicionalismo dos conteúdos e das limitações de suas abordagens. O patrimônio é um legado que imortaliza diferentes e diversas histórias humanas, suas permanências e rupturas.

“Os educadores devem ter em comum o propósito de formar cidadãos conscientes de suas relações socioculturais e éticas com o patrimônio cultural, provocando discussões, estimulando a pesquisa, organizando atividades que envolvam viagens a centros históricos, sítios arqueológicos e sítios naturais”. (NASCIMENTO, 2006, p. 52)

De acordo com Andrade (2014, p. 02) “o acesso a esses receptáculos da memória permite evoluções e ajustes para atender às premissas do direito de ser/estar no mundo e contribui gradativamente para elevação da qualidade de vida dos seres humanos”. Entendendo que não há educação sem cultura, nem cultura sem educação, mas do que nunca, patrimônio é um direito inalienável, assim como são a saúde, a educação e a segurança. Sobre a importância do Patrimônio, Carsalade apud Nascimento (2006, p. 52) evidencia que:

“Sendo a materialização viva da cultura e a fonte de informações e valores na qual se encontra imerso o aprendiz, o patrimônio cultural torna-se base para a construção de significados e, portanto, para o aprendizado. Liga-se à necessidade do aprendiz estabelecer uma forma de entendimento pessoal do mundo, atribuindo sentido aos conteúdos aprendidos, de forma a dotados de caráter significativo e ordenador.”

Assim instrumentalizar discentes na percepção do patrimônio cultural e de legitimá-lo enquanto um direito é criar novas possibilidades que os conduzam a uma nova ordem social, fundamentada num olhar criterioso e cuidadoso para com nossa herança cultural:

“A perspectiva, portanto, é de que o trabalho pedagógico, viabilizado pelo projeto em torno do tema patrimônio cultural, associado às práticas metodológicas da Educação Patrimonial possa viabilizar aprendizados, vivências, socialização, conscientização de direitos sociais, desenvolvimento de competências de leitura crítica do mundo e de participação no processo de transformação da sociedade”. (STARLING & SANTANA apud NASCIMENTO, 2006, p.52)

Diante da possibilidade de oportunizar aos alunos vivências extraclasse que os permitissem in loco, o conhecimento de mundo, a assimilação da cultura e o exercício da cidadania, semestralmente se propõe no âmbito curricular das disciplinas Antropologia e História do Direito, disciplinas obrigatórias do curso de Direito da Faculdade Kennedy de Minas Gerais (FKMG), visitas técnicas a algumas cidades coloniais mineiras: Ouro Preto, São João Del Rey e Tiradentes (Quadro I).

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O objetivo além de acesso aos conteúdos culturais destas cidades, propiciar momentos de aprendizagem diferenciada e interação social, indispensáveis à formação integral do discente, bem como perceber o patrimônio destas cidades como temática inerente ao Direito, e, portanto, como um desafio contemporâneo ao Direito. Segundo Andrade (2013, p. 02):

“Algumas cidades mineiras guardam monumentos, museus e igrejas daqueles tempos. São chamadas de coloniais, e não apenas de históricas, pois toda cidade e lugar possuem uma história, fruto de seu tempo e espaço, materializando hoje oportunidades de visitação a expressivos períodos pretéritos. Essa viagem pedagógica por diferentes espacialidades e temporalidades permite conexões significativas na compreensão dos processos que moldaram os passados mineiro e brasileiro”.

Abordagens contextualizadas com as demandas atuais como Direito Tributário, Direito Ambiental e Direitos Humanos formam um conjunto de abordagens interdisciplinares elencadas durante as respectivas visitas guiadas. Museus, igrejas, casario, prédios públicos, praças, chafarizes, áreas de mineração compõem o cenário visitado e analisado por professores e alunos elencando mosaicos de paisagens culturais e naturais que enriquecem as abordagens teóricas em sala de aula.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ensino superior brasileiro fundamenta-se no pilar Pesquisa-Ensino-Extensão, com a formatação de currículos voltados a formarem um profissional atrelado aos desafios da contemporaneidade. A educação superior no Brasil demanda por novas metodologias que tornem essa formação profissional mais ética, atualizada e interdisciplinar. O presente trabalho procurou refletir e destacar a importância da prática da Educação Patrimonial por discentes do curso de Direito, a partir da experiência de visitas técnicas às cidades coloniais mineiras de Ouro Preto, São João Del Rey e Tiradentes, realizadas pelos alunos da Faculdade Kennedy de Minas Gerais. Ao se analisar os múltiplos olhares sobre o patrimônio cultural e natural, nota-se que o mesmo ainda é um desafio aos estudantes do Direito. Mas não é somente um desafio, em sua forma mais simples, trata-se de uma questão histórica, contemporânea e, portanto emergencial. Assim deve-se pensar na reformulação curricular visando preencher esta lacuna.

Apesar de verificada como demanda e realidade na legislação atual, a questão do Direito do Patrimônio Cultural e Natural ainda não se tornou realidade na formação curricular em Direito. Não há ainda uma disciplina específica e obrigatória que trabalhe este contexto dentro dos cursos de Direito. Assim faz-se necessário abordar seja em disciplinas ou atividades complementares essa questão tão contemporânea da Educação Patrimonial. Quando se fala em Educação Patrimonial e Direito, fala-se em possibilidades de ampliação da cultura, aprendizagem e sociabilidade daqueles que ingressam nesta carreira. A interdisciplinaridade, por sua vez, promove o diálogo, diferentes enfoques e interfaces enriquecendo processos tradicionais de ensino. No caso de formação em Direito, especificamente, faz-se necessário dinamizar o currículo inicialmente proposto, com atividades conectadas com a realidade cultural e com os múltiplos campos de atuação do futuro advogado.

Ao se entender que a ciência do Direito não somente relaciona-se apenas à função de manutenção da ordem e distribuição da justiça, mas também como instância de transformação social e de construção da cidadania, o trabalho buscou contemplar, sobretudo a interface entre as atividades contemporâneas do Direito e os processos de gestão do patrimônio cultural e natural brasileiro, bem como analisar o conceito jurídico e a chancela do patrimônio histórico e ambiental no Brasil. É neste contexto que entra a Educação Patrimonial, que atrelada à Constituição Federal e ao Direito do Patrimônio Cultural e Natural permitirão aos discentes, vivências enriquecedoras. Após analisar-se a historicidade dos mecanismos de proteção legal no Brasil, destaca-se a atual Constituição de 1988 que traz relevantes conquistas direcionadas à preservação do patrimônio cultural e natural, tratando o bem cultural como bem jurídico.

Compreendendo-se que a formação geral do profissional em Direito demanda conhecimentos interdisciplinares e atualizados da realidade histórica social do mundo e do Brasil, destacou-se nesse sentido, a contribuição das atividades extraclasse de reconhecimento do patrimônio natural e cultural que oportunizam aos acadêmicos a consolidação de um entendimento da historicidade e da diversidade da identidade cultural mineira. A prática da Educação Patrimonial propicia momentos de aprendizagem diferenciada ressaltando valores essenciais à formação geral dos discentes no tocante aos aspectos de cidadania, criticidade, sociabilidade, conduta ética e valorização da herança cultural, valorizando, portanto, a questão do Direito como fator preponderante de legitimação e valorização do patrimônio.

 

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Notas
[1] MARCONI, Maria de Andrade, PRESOTTO, Zélia Maria N. Antropologia: uma introdução. 3ª ed. São Paulo:Atlas, 1992

[2] RIEGL, Alois. Le culte moderne des monuments, son essence et sa genèse. Paris, Seuil, 1984.

[3] CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: UNESP, 2001.

[4] BARBOSA, Ycarim Melgaço. O despertar do turismo: um olhar crítico sobre os não-lugares. São Paulo: Aleph, 2001.
CARLOS, Ana Fani Alessandri. O turismo e a produção do não-lugar in Yázigi, Eduardo (org.).Turismo: espaço, paisagem e cultura. 2. ed. São Paulo: HUCITEC, 1999.

[5] SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Bens Culturais e Proteção Jurídica. 2ª ed. Porto
Alegre, EU/Porto Alegre.1999, p. 21

[6] Segundo Ribeiro (2009, p. 41) um fato relevante ocorreu em 1933 quando a cidade de Ouro Preto foi elevada à categoria de Monumento Nacional pelo Decreto 22.928, de 12 de julho. Um dado importante sobre a norma jurídica é a referência ao termo Patrimônio Histórico e Artístico. De acordo com a autora, a decisão de tornar Ouro Preto, monumento nacional foi anterior a Carta de Atenas. De acordo com o IPHAN (2015) a Carta de Atenas, data de novembro de 1933 e foi definido no âmbito de uma assembleia do CIAM – Congresso Internacional de Arquitetura Moderna.

[7] Art. 134, da Constituição Federal Brasileira de 1937: “Os monumentos históricos, artísticos e naturais, assim como as paisagens ou os locais particularmente dotados pela natureza, gozam da proteção e dos cuidados especiais da Nação, dos Estados e dos Municípios. Os atentados contra eles cometidos serão equiparados aos cometidos contra o patrimônio nacional.” (CARVALHO & DANTAS, s/d, p. 4970)

[8] De acordo com Alves (p. 67) tombamento é um instrumento jurídico de proteção ao patrimônio natural e cultural. Quando uma pessoa é proprietária de um bem de valor para a cultura do país, o Estado pode intervir e sujeitá-la a um regime especial de tutela, usando de seu domínio eminente no cumprimento do dever de proteção à cultura. Esta limitação ao direito de propriedade é consentânea com vários dis­positivos constitucionais que, em conjunto, atribuem uma função social à propriedade (arts.5º, XXIII, 170, III, e 182, § 2º).

[9] Sobre a função social da propriedade, Santos e Ovenhausen (2013, p. 01) alegam que para a proteção dos bens culturais, com o objetivo de verificar se as limitações ao direito de propriedade contribuem satisfatoriamente para a valorização, a preservação e conservação do patrimônio edificado. A relação entre o passado e o contemporâneo é essencial para justificar a necessidade de proteger um bem cultural digno de permanecer preservado por várias gerações, pois ele oferece um importante testemunho do passado.

[10] A visão da diversidade cultural do país e a obra de Mário de Andrade em benefício da memória do Brasil constituem-se em fatores importantes na evolução da proteção do patrimônio histórico e cultural do Brasil (RIBEIRO, 2009, p. 29).

[11] Nota-se nesta época, preocupações iniciais com a questão ecológica, com a criação das primeiras unidades de conservação com destaque para o PARNA Itatiaia, primeiro parque nacional do Brasil, criado pelo Decreto federal nº 1713, em 14/06/1937

[12] O termo “tombar” tem origem muito antiga: na Idade Média, em Lisboa, construíram um local para abrigar todos os “tomos” (em grego: volumes, pedaços) e importantes documentos portugueses. Em Portugal, a palavra “tombar” tem o sentido de registrar. É a Torre do Tombo, em Lisboa, que tem também grande relevância cultural graças a Fernão Lopes, um de seus Guardas-Mores, que inaugurou o movimento literário do Humanismo no início de 1400 (PRADO, 2012, p. 74).

[13] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Tombamento: instrumento Jurídico de proteção do patrimônio natural e cultural. In: Direito Ambiental Brasileiro. 10 ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 852-906

[14] A primeira referência a patrimônio comum da humanidade no Direito Internacional Público é encontrada no preâmbulo do Tratado de Constituição da UNESCO de 1945. A UNESCO foi criada em 1945 durante a Conferência de Londres. É uma organização internacional de caráter governamental vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU), especializada em promover uma política de cooperação cultural e educacional. As principais decisões são tomadas na Conferência Geral, constituída pelos representantes dos Estados-membros da Organização, que se reúne a cada dois anos. (ROCHA, 2013, p. 02)

[15] No plano do direito interno, a Constituição Federal de 1988 seguiu a tendência internacional de considerar de forma integrada o patrimônio natural e cultural, ao consagrar a noção de patrimônio cultural no artigo 216 constituído de bens de natureza material (conjuntos urbanos, edificações, obras, objetos, sítios históricos) e imaterial (criações, formas de expressão, modos de vida). (ROCHA, 2013, p. 05)

[16] SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

[17] O inventário, (…) é instrumento primeiro de tutela que apresenta a premissa de que é preciso conhecer para tutelar (…).O instrumento de registro é o ato ou efeito de registrar, inscrever ou lançar em livro especial, pôr em memória (…). A vigilância é ato de observar atentamente, velar, precaver, acautelar, (PINHÃO, s/d, p. 09-10)

[18] De acordo com Galdino (p. 09) na esfera penal, os danos causados ao patrimônio cultural vinham descritos nos artigos 165 e 166 do Código substantivo Penal. Todavia, com o advento da Lei nº 9.605/1998 (Lei dos Crimes Ambientais), o tipo penal de dano ao bem com valor artístico, arqueológico ou histórico cominado no Código Penal restou revogado pelo preceito primário insculpido no artigo 62 da Lei nº 9.605/1998.

[19] Art. 224 que legalmente tombou para o fim de preservação e declarou 29 monumentos naturais, paisagísticos, artísticos ou históricos, foi declarado inconstitucional pelo Tribunal de Justiça (ADIN 859, “Minas Gerais” de 31/03/1996).

[20] 1ª alteração em 2000 (Lei nº 8.137/00) e 2ª alteração em 2010 (Lei nº 9.959/10)

[21] Além dos estágios curriculares obrigatórios e do trabalho de conclusão de curso, as visitas técnicas são de suma importância na formação educacional dos indivíduos (NASCIMENTO, 2006).

[22] A expressão Educação Patrimonial deriva da tradução de Heritage Education (inglês) e foi mencionada pela primeira vez no Brasil na década de 1980, por ocasião do I Seminário de Educação Patrimonial realizado no Museu Imperial em Petrópolis, Rio de Janeiro (LEMOS JÚNIOR, p. 58)


Informações Sobre os Autores

Vagner Luciano de Andrade

Bacharel/Licenciado em Geografia e Análise Ambiental pelo Centro Universitário de Belo Horizonte – UNI-BH e pós-graduado em Administração Escolar, Orientação Educacional e Supervisão Pedagógica, com linha de pesquisa na área de Ciências Sociais, Educação do Campo e Humanidades pela UNIASSELVI. Mestre em Direção e Consultoria Turística pela Universidad Europea Del Atlántico (Espanha)

Maria Cristina Dias Nascimento

Graduada em Estudos Sociais com Licenciatura Plena em História PUC Minas especialista em História Moderna e Contemporânea PUC Minas Mestre em Turismo e Meio Ambiente UNA e Docente da Faculdade Kennedy de Minas Gerais e da Faculdade Promove


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