Resumo: Dois temas que encontram-se na temática do dia-a-dia dos municípios brasileiros são os processos de legalização do controle do trânsito urbano e o debate sobre a desconcentração da segurança pública, esta última dependente de modificações no texto constitucional.
Sumário: 1. Municipalização do Trânsito 1.1. O Processo de Municipalização do Trânsito 1.2. Os Munícipes e a Melhoria do Trânsito 1.3. O Que é Trânsito? 1.4. O Que é Municipalizar o Trânsito? 1.5. Por Que Municipalizar? 1.6. A Estrutura Administrativa Municipal 1.7. Arrecadação das Multas 1.8. O Trânsito Municipalizado 1.9. Municipalização Pode Trazer Melhorias 2. Segurança Pública Também é Responsabilidade das Prefeituras 2.1 Municipalização da Segurança Pública 2.1.1. O Sistema Policial Brasileiro 2.1.2. Aspectos Positivos 2.1.3. Aspectos Negativos 2.2. Considerações Finais 3. Referências Bibliográficas
1. Municipalização do Trânsito
O Código de Trânsito Brasileiro – CTB prevê a divisão de responsabilidades e uma sólida parceria entre órgãos federais, estaduais e municipais, num espírito federativo.
Os municípios em particular, tiveram sua esfera de competência substancialmente ampliada no tratamento das questões de trânsito. Aliás, nada mais justo se considerarmos que é nele que o cidadão efetivamente mora, trabalha e se movimenta, ali encontrando sua circunstância concreta e imediata de vida comunitária e expressão política.
Desta forma, compete agora aos órgãos executivos municipais de trânsito exercer 21 (vinte e uma) atribuições. Preenchidos os requisitos para integração do município ao Sistema Nacional de Trânsito, ele assume a responsabilidade pelo planejamento, projeto, operação e fiscalização, tanto no perímetro urbano quanto nas estradas municipais. A Prefeitura passa a desempenhar tarefas de sinalização, fiscalização, aplicação de penalidades e educação para o trânsito.
As administrações municipais vêm enfrentando com seriedade esse desafio. Pouco mais de 500 (quinhentos) municípios brasileiros achavamm-se integrados ao sistema no ano 2000, totalizando 80% da frota nacional de veículos.
Municípios Integrados até 29/07/2003
UF | Total de Municípios | Nº Municípios Integrados |
Acre | 22 | 01 |
Alagoas | 101 | 07 |
Amazonas | 62 | 02 |
Amapá | 16 | 03 |
Bahia | 415 | 11 |
Ceará |
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184 | 30 |
Espírito Santo | 77 | 05 |
Goiás | 242 | 15 |
Maranhão | 217 | 19 |
Minas Gerais | 853 | 22 |
Mato Grosso | 126 | 15 |
Mato Grosso do Sul | 77 | 16 |
Pará | 143 | 18 |
Paraíba | 223 | 16 |
Pernambuco | 185 | 12 |
Piauí |
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221 | 01 |
Paraná | 399 | 11 |
Rio de Janeiro | 91 | 48 |
Rio Grande do Norte | 166 | 13 |
Rio Grande do Sul | 467 | 64 |
Roraima | 15 | 01 |
Rondônia | 52 | 02 |
Santa Catarina | 293 | 30 |
Sergipe | 75 | 03 |
São Paulo | 645 | 185 |
Tocantins | 139 | 02 |
Brasil | 5.506 | 552 |
1.1. O Processo de Municipalização do Trânsito
O Código de Trânsito Brasileiro – CTB introduziu o conceito da municipalização do trânsito. A implantação do CTB vem se dando de forma gradativa, sendo necessário tempo para essa adequação estar concluída, mas avanços importantes ocorreram, no sentido de melhorar as condições do trânsito de nosso país.
A nova divisão de competências provocou modificações nos órgãos existentes, refletindo-se em reestruturações dos seus organogramas e funções, de maneira a atender às novas atribuições.
O processo de municipalização do trânsito demonstra a consciência despertada pelo CTB sobre as questões relativas ao trânsito urbano, assunto de interesse direto das cidades e de seus habitantes. O código introduziu direitos que, se corretamente exercidos pela população, induzirão à maior qualidade dos padrões de segurança no convívio entre motoristas e pedestres.
Percebe-se também que, quanto mais o órgão municipal fizer em termos de melhorias do trânsito, implantando sinalização horizontal, placas, semáforos etc., mais serão exigidas sua manutenção rápida e novas sinalizações.
1.2. Os Munícipes e a Melhoria do Trânsito
O contínuo aperfeiçoamento do trabalho que é realizado pelo órgão de trânsito, obriga a criar um processo permanente de monitoramento do atendimento às expectativas dos munícipes, visando melhorias com relação ao trânsito como um todo e, em especial, na redução do número de acidentes, de mortes e de perdas sociais e econômicas em acidentes, que é o principal objetivo de tudo.
Por outro lado, a gestão do trânsito urbano, prevista principalmente no artigo 24 do CTB, depende e muito do relacionamento dos órgãos ou entidades municipais de trânsito, não só com os outros órgãos do Sistema Nacional de Trânsito – SNT, mas, também, com vários outros setores, como o Poder Judiciário, o Poder Legislativo, a imprensa, as organizações não governamentais, entre outras, que precisam conhecer e participar dessa gestão, mesmo que de forma indireta.
Por tudo isso, o Denatran apoia os municípios no processo de municipalização do trânsito e incentiva o cumprimento das determinações do CTB, que dão competências aos órgãos e entidades executivos municipais de forma originária, entendendo-se, portanto, que municipalizar o trânsito não é opção, é obrigação.
1.3. O Que é Trânsito?
O CTB considera trânsito como a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga e descarga.
O trânsito é, também, o resultado da distribuição dos diversos tipos de uso do solo das cidades e dos deslocamentos diários das pessoas para trabalhar, se educar, se divertir, cuidar da sua saúde, retornar à residência etc.
Todos nós fazemos o trânsito e contribuímos para que ele seja pior ou melhor. Aqueles que trabalham em suas casas colaboram para reduzir o número de veículos nas vias.
O CTB define via como a superfície por onde transitam veículos, pessoas e animais, compreendendo a pista, a calçada, o acostamento, a ilha e o canteiro central.
As ruas, as avenidas, os logradouros, os caminhos, as passagens, as estradas e as rodovias, as praias abertas à circulação pública e as vias internas pertencentes aos condomínios constituídos por unidades autônomas, são consideradas vias terrestres, para efeito do CTB.
1.4. O Que é Municipalizar o Trânsito?
A municipalização do trânsito é o processo legal, administrativo e técnico, por meio do qual o município assume integralmente a responsabilidade pelos seguintes serviços:
– Engenharia:
– definição de políticas de estacionamento, de carga e descarga de mercadorias, de segurança de trânsito, de pedestres, de veículos de duas rodas, de circulação e estacionamento de veículos de tração animal, entre outras;
– planejamento da circulação, de pedestres e veículos, de orientação de trânsito, de tratamento ao transporte coletivo, entre outros;
– projeto de área (mão de direção, segurança, pedestres, sinalização etc.), de corredores de transporte coletivo (faixas exclusivas, localização de pontos de ônibus, prioridade em semáforos etc.), de pontos críticos (congestionamentos e elevado número de acidentes);
– implantação e manutenção da sinalização (vertical, horizontal e semafórica);
– operação de trânsito (estar na via resolvendo os problemas de trânsito);
– análise de edificações geradoras ou atratoras de trânsito de veículos ou de pedestres (pólos geradores de trânsito – escolas dos mais variados tamanhos, shoppings centers, cursinhos, terminais etc.);
– autorização de obras e eventos, na via ou fora dela, que possam gerar impacto no trânsito (obras viárias, shows, jogos de futebol, passeios ciclísticos, maratonas, festas juninas, filmagens etc.).
– Fiscalização:
– exercício do poder de polícia administrativa de trânsito, aplicando as penalidades cabíveis e arrecadando as multas que aplicar dentro da competência legalmente estabelecida e no âmbito da circunscrição do município, através de meios eletrônicos e não eletrônicos;
– autuação, processamento de multas, seleção, capacitação, treinamento, designação e credenciamento de agentes de fiscalização.
– Educação para o Trânsito:
– a criação obrigatória de área de educação para o trânsito e da escola pública de trânsito, conforme Resolução do Contran;
– ações de segurança de trânsito, trabalhando os comportamentos;
– introdução do tema “trânsito seguro” nas ações rotineiras das pessoas de todas as faixas etárias, através de linguagem específica.
– Levantamento, Análise e Controle de Dados Estatísticos:
– volume de veículos por tipo, volume de pedestres, acidentes com vítima, mortos em acidentes, etc.
– Juntas Administrativas de Recursos de Infrações – JARIs:
– criação de JARIs, nomeação de seus membros, aprovação do regimento interno, suporte técnico e administrativo.
O desafio agora, portanto, é efetivar a implantação do processo de municipalização, feita com cuidado, garantindo que a população venha a obter o melhor serviço possível por parte das autoridades de trânsito.
Com o Departamento Estadual de Trânsito – Detran, ficam as questões relacionadas aos condutores (formação, CNH, permissão para dirigir, RENACH etc.) e aos veículos automotores (registro, licenciamento, documentação, RENAVAM etc.), entre outras.
O DNER e os DERs, órgãos executivos rodoviários, lidam com as questões relativas à circulação, estacionamento e parada nas rodovias e com a fiscalização de todas as infrações às regras e à sinalização de trânsito dentro de suas circunscrições, isto é, dentro de sua área de domínio.
À Polícia Rodoviária Federal compete realizar o patrulhamento ostensivo rodoviário e fiscalizar as rodovias federais, com relação a todos os tipos de infrações relacionadas no CTB. Já as Polícias Militares, quando houver convênio firmado com o órgão executivo municipal, deverão executar as atividades de fiscalização previstas nos referidos convênios.
Cada policial militar colocado à disposição pelo convênio, deve ser credenciado pela autoridade de trânsito respectiva, isto é, municipal (quando convênio com órgão municipal) ou estadual (quando convênio com Detran ou DER).
1.5. Por Que Municipalizar?
O administrador municipal terá, sob sua jurisdição, a implantação de uma política de trânsito capaz de atender as demandas de segurança e fluidez e mais facilidade para a articulação das ações de trânsito, transporte coletivo e de carga e o uso do solo. Essas ações são fundamentais para a consecução de um projeto de cidade mais humana e adequada à convivência com melhor qualidade de vida.
Os Planos Diretores dos Municípios não podem deixar de tratar as questões relacionadas a essas três ações, porque as pessoas não teriam como chegar em seus trabalhos ou em suas residências.
É ao prefeito que as pessoas reclamam sobre os problemas de trânsito, pois não só a vida da cidade, mas a própria vida das pessoas estão relacionadas ao circular, caminhar, parar e estacionar.
O município, mesmo aquele de pequeno porte, deve assumir o seu trânsito, pois o CTB é feito principalmente para preservar as vidas dos pedestres, ciclistas, motociclistas ou motoristas de automóveis, caminhões ou ônibus.
O trânsito não é feito só de automóveis ou caminhões. A cidade será tão mais saudável quanto mais seguro for o deslocamento de pessoas e bens. Como a prefeitura é responsável pela autorização das construções de edificações que atraem ou geram deslocamentos de pessoas e veículos, é forçoso reconhecer que ela própria é a responsável pela situação criada no trânsito e, portanto, pela solução dos problemas decorrentes.
É a Prefeitura que autoriza, também, que uma casa possa se transformar numa lojinha ou eventualmente numa escolinha, passando a gerar um número de deslocamentos muito maior do que o inicial, provocando um aumento considerável de veículos e pessoas na via e na região.
Além das garantias de um trânsito em condições seguras, o município passa a ter uma série de obrigações, descritas a seguir de forma sucinta:
Resumo das obrigações e necessidades dos municípios
Legal
Art. 24 e 21 – Municipalizar o trânsito
Art. 1º – Assegurar o direito ao trânsito em condições seguras
Art. 73 – Responder às solicitações dos cidadãos
Art. 75 – Participar de programas nacionais de educação e segurança de trânsito
Art. 74 – Criar área de educação
Art. 74 – Criar Escola Pública de Trânsito
Art. 93, 94 e 95 – Adequar legislação municipal referente a: calçada, passeio, obras e eventos na via e fora da via etc.
Art. 24, 23 e 21 – Fiscalizar o trânsito diretamente através de seus agentes próprios ou indiretamente, através da Polícia Militar (sempre com base em convênio), autuando, aplicando as penalidades de multa e arrecadando as multas que aplicar (diretamente através da arrecadação própria ou indiretamente através do Detran)
Institucional
Art. 8 – Organizar e criar órgão ou entidade municipal de trânsito
Art. 16 – Criar a Jari
Art. 24 e 21 – Integrar-se ao SNT
Art. 25 – Firmar convênio com o Governo do Estado sobre: acesso ao cadastro, bloqueio e desbloqueio; gestão de trechos de rodovias estaduais (se for o caso) etc.
Art. 25 – Firmar convênio com o Governo Federal sobre gestão de trechos de rodovias federais (se for o caso)
Art. 25 – Firmar convênio com outros órgãos ou entidades municipais (se for o caso)
Financeira
Art. 320 – Aplicar recursos das multas em projetos de trânsito
Art. 320 – Repassar 5% das multas para programas nacionais
Art. 16 e 337 – Apoiar financeiramente a Jari e o Cetran
Técnica
Art. 24 e 21 – Planejar, organizar e operar o trânsito no âmbito da circulação, do estacionamento e da parada
Art. 24 e 21 – Responsabilizar-se pela implantação e manutenção da sinalização de trânsito
Art. 95 – Autorizar e fiscalizar obras na via ou fora da via pública
Art. 24 e 21 – Controlar circulação de veículos especiais
Art. 93 – Analisar projetos de pólos geradores
Os municípios precisam criar os órgãos ou entidades executivos municipais de trânsito, que podem surgir de readequação de outros já existentes ou então serem criados por legislação específica.
A preparação do município para formalizar sua integração ao SNT depende da adequação administrativa para executar as atividades de engenharia de trânsito, educação para o trânsito e controle e análise de acidentes e apoio ao funcionamento da Junta Administrativa de Recursos de Infrações – Jari, além da criação de uma estrutura que execute as atividades de operação e fiscalização de trânsito.
O tamanho das estruturas necessárias é evidentemente proporcional ao tamanho das cidades, suas frotas, população etc. Assim, uma única pessoa pode se encarregar de iniciar o trabalho de identificação dos problemas existentes no âmbito do município e buscar as soluções de forma direta, ou contratando os projetos mais complexos, aproveitando esse expediente para adquirir a experiência necessária para novas intervenções.
– O município que tem dificuldade para implantar uma estrutura maior de início, pode criar uma seção, divisão ou departamento de trânsito dentro de uma secretaria ou departamento de transportes, de obras, planejamento ou outra atividade urbana, iniciando o trabalho de administração do trânsito, que será ampliado na medida em que forem sendo percebidas as necessidades locais e criadas as condições políticas e econômicas para isso.
– O município pode também readequar as estruturas existentes da administração direta (secretaria, departamento, coordenadoria, divisão ou seção), ou criar uma estrutura na administração indireta (como uma autarquia ou empresa pública relacionadas a transportes, obras, infra-estrutura urbana, desenvolvimento urbano, entre outros).
Definida a estrutura a ser criada e realizados os estudos necessários para a elaboração da lei de criação ou reformulação da estrutura existente, a Prefeitura encaminhará o projeto de lei à Câmara Municipal para sua aprovação.
1.7. Arrecadação das Multas
Os valores arrecadados com as multas de trânsito registradas no município são destinados à sinalização, engenharia de trânsito, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito.
Dessa forma, parte dos recursos para as intervenções de trânsito são oriundos da arrecadação do dinheiro das multas. Outra parte deve vir do orçamento municipal que complementa esses recursos. Em cidades onde a fiscalização existe de forma efetiva (e sem exageros), o índice de multas aplicadas por veículo por ano é da ordem de 0,5 a 0,7, ou seja, numa cidade com frota de 100.000 veículos, seriam feitas por ano até 70.000 multas.
É necessário encaminhar mensalmente ao Denatran, relatório de controle dos valores recebidos de multas pagas e de valores de recursos devolvidos. Sobre a diferença deverá ser depositado 5% na conta do Funset, conforme determina o CTB (artigo 320, par. único).
1.8. O Trânsito Municipalizado
Assumir a municipalização do trânsito não é simplesmente fiscalizar, autuar, aplicar a penalidade de multa e arrecadar os valores das multas pagas, gerando recursos financeiros ao município. As próprias multas só podem, por lei, ser canceladas quando o recurso interposto for julgado deferido ou acatado pelos membros da Jari ou então pelos membros do Cetran, quando for recurso de segunda instância.
As ações no trânsito podem ser traduzidas em melhorias para a qualidade de vida da população, controlando ou incentivando o desenvolvimento urbano das cidades através de, por exemplo, políticas de estacionamento, programas de sinalização de orientação do trânsito, faixas exclusivas de ônibus, políticas de operação de carga e descarga de mercadorias, entre outros.
Portanto, municipalizar o trânsito deve ser um objetivo a ser seguido com a consciência de sua importância e dos benefícios que poderão ser obtidos.
1.9. Municipalização Pode Trazer Melhorias
A municipalização da gestão do trânsito ainda parece distante da maioria dos municípios brasileiros, que ainda contêm convênio com o Governo do Estado, através da Polícia Militar. Porém, a operação e gestão do trânsito não são mais questões do Estado.
Destaca-se o bom trabalho da PM, mas os serviços hoje realizados pela corporação acaba prejudicando outro de fundamental importância: o policiamentos das ruas. Com o aumento da violência, há uma necessidade maior de policiais nas ruas, com a finalidade de proteger o cidadão. Cuidar do trânsito tornou-se um desvio de função.
Os municípios têm uma importante ferramenta para mudar este quadro: as multas. A legislação determina que os recursos provenientes da aplicação de multas seja revertido, entre outras finalidades, para formação e educação no trânsito.
Inclusive, desta forma, os municípios podem usar parte do dinheiro arrecadado com essas multas, para pagar a mensalidade do curso de capacitação de seus gestores de trânsito, que desenvolverão as soluções para os sistemas de trânsito urbano das cidades.
2. Segurança Pública Também é Responsabilidade das Prefeituras
Há a necessidade das prefeituras participarem dos projetos de aumento da segurança pública e na redução da violência urbana, através da criação de um Conselho de Desenvolvimento e um Fundo Municipal de Recursos.
A participação das prefeituras na segurança pública é defendida tanto pela Associação Nacional dos Prefeitos (ANP), quanto pela Associação dos Prefeitos Municipais (AMP), que reúne prefeitos de 4.500 cidades brasileiras.
Defende-se a criação de uma polícia municipal destinada ao trabalho de segurança preventiva e até de investigação, apuração e punição de delitos considerados leves, através de delegacias e juizados especiais em âmbito municipal.
Tem-se como modelo ações desenvolvidas na área de saúde, processadas através de um Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), idéia que já mereceu atenção e referência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Atualmente a Constituição Federal prevê, em seu artigo 144, que: “a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio“. O mesmo artigo destaca que ela deve ser exercida através da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícias Civis, Polícias Militares e Corpo de Bombeiros Militares. Deseja-se que seja introduzida também a Polícia Municipal.
Destaca-se também a necessidade de se implementar uma ativa coordenação do Programa de Policiamento Comunitário, que prevê uma maior interação entre polícia e comunidade e um mecanismo gerenciado por conselhos populares de segurança – CONSEGs – que, entre outras coisas, têm como obrigação analisar as ações policiais desenvolvidas.
O que não vem a ser a polícia municipal preventiva, que teria também poder de investigação, de instaurar inquéritos e exarar decisões judiciais, com base no Código Processual Penal, através de juizados especiais.
As guardas municipais não podem exercer funções de policiamento ostensivo e preventivo ou atividades de polícia judiciária, por força do art. 144, da CF. Mas, os Municípios não devem ser afastados da preservação da segurança pública. Como conciliar o impedimento constitucional com a necessidade da população de um sistema eficiente de segurança pública?
A atividade de segurança pública é privativa das forças policiais, que devem assegurar ao cidadão o exercício dos direitos e garantias fundamentais previstos no art. 5.º da C.F. As funções de cada órgão policial foi tratada na Constituição Federal, que não prevê a guarda municipal como responsável pelos aspectos da segurança pública, tranqüilidade e salubridade pública.
Os Estados por vedação constitucional não podem legislar sobre determinadas matérias, como direito penal, direito civil, processual penal, processual civil entre outras. No caso dos Municípios, as limitações são ainda maiores.
A Polícia está fragmentada em nosso sistema e desprovida de recursos materiais e humano, o que leva, em alguns Estados, aos policiais militares desenvolverem atividades grevistas, que lhe são expressamente vedadas pela CF, como ocorreu nos Estados de Minas Gerais e em Pernambuco.
Todos são responsáveis pela segurança pública, mas a guarda municipal não foi enumerada entre os órgãos que exercem atividades voltadas para a preservação da ordem pública.
A criminalidade vem aumentando e a população exige uma resposta do Estado, que muitas vezes sofre com a falta de recursos decorrentes do desperdício do dinheiro público. A ausência de políticas sociais faz com que as Cadeias e Penitenciárias fiquem lotadas, o que leva à necessidade do surgimento de novas vagas no sistema prisional, que já demonstrado falido.
As rebeliões são constantes e os presos têm conhecimento da fragilidade do sistema prisional, que dificilmente recupera seus clientes e também sofre com a falta de recursos. Esses indicadores fazem com que a sociedade busque novas soluções para os problemas da segurança pública.
Os poucos Municípios que possuem recursos estão criando suas guardas municipais, no intuito de dar uma resposta à coletividade e participar da luta contra o aumento da violência, que assusta e afasta o investimento do capital internacional.
A sociedade ainda não percebeu que a insegurança somente traz prejuízos e impede a vinda de capital externo voltado para o investimento em setores produtivas, que geram riqueza, renda e contribuem para a melhoria da qualidade de vida da população.
As guardas municipais não possuem legitimidade para exercer o policiamento ostensivo, que é exclusivo da polícia militar, ou atividades de polícia judiciária, que são privativas das polícias civis e federal. E essas restrições podem ser modificadas por meio de Emenda Constitucional.
A prisão levada a efeito pelos guardas municipais não poderá ser considerada ilegal, pois se qualquer do povo poderá e a autoridade deverá, os guardas municipais não praticam nenhuma ilegalidade ao prenderem um cidadão que se encontre em situação de flagrante delito, na forma do Código de Processo Penal.
Os guardas municipais, por força do texto constitucional, encontram-se legitimados a defenderem os bens municipais, sendo que a atividade de policiamento ostensivo somente poderá ser exercida em defesa dos bens pertencentes ao Município. A invasão de competência de um órgão de segurança em outro fere expressamente o disposto na CF.
Somente Emenda Constitucional elaborada pelo Congresso Nacional é que poderá permitir a unificação dos órgãos policiais estaduais ou mesmo dispor sobre a criação de novas forças policiais.
A municipalização da segurança pública é uma realidade a qual o Brasil e seus Municípios ainda não estão preparados, por diversos fatores, dentre eles a falta de recursos e estrutura para o combate ao crime organizado.
Na atual realidade econômica brasileira, existem várias municípios que não possuem condições de oferecer a população nem mesmo um serviço de água e esgoto que seja eficiente, quanto mais um serviço de segurança pública que seja capaz de garantir aos munícipes o respeito à vida, à propriedade, à liberdade, na forma do artigo 5.º da CF.
A melhoria do atual sistema de segurança pública, com uma maior integração das forças policiais existentes, deve ser o primeiro passo antes de se falar na municipalização dos serviços de segurança pública.
As guardas municipais podem ser utilizadas nas atividades de segurança pública. A princípio, para a defesa do patrimônio dos Municípios e de forma subsidiária, em colaboração com as forças policiais, para o combate contra a criminalidade e a preservação da ordem pública.
Os Municípios não são responsáveis pela segurança pública, mas não podem ser afastados da participação da preservação da segurança, sob a alegação de que esta atividade não é de interesse local. A violência é vivida e sentida nas cidades, onde a população sente a dor do cidadão que é assassinado em frente à padaria ou na saída do banco, ou ainda na porta de casa.
2.1 Municipalização da Segurança Pública
O presente tópico destina-se a avaliar a possibilidade e as medidas necessárias para estender aos municípios a competência para a realização, em caráter complementar à polícia militar, de ações de polícia ostensiva.
2.1.1. O Sistema Policial Brasileiro
O sistema policial brasileiro rege-se, atualmente, pelo disposto no artigo 144 do texto constitucional e, como tal, a municipalização da segurança pública só pode ser realizada por meio de uma Emenda à Constituição.
O sistema policial brasileiro é formado, basicamente, por instituições federais de competências específicas, e por instituições estaduais de competência geral (ostensiva e judiciária). Ao Município resta, apenas, a faculdade de constituir guardas (não forças policiais), com vistas à proteção de seus próprios bens, serviços e instalações.
2.1.2. Aspectos Positivos
– A municipalização dos órgãos policiais permitiria, em tese, um maior controle da sociedade
no seu dimensionamento e emprego, elevando a sua eficácia e resultando na efetiva melhoria da segurança que o Estado deve, por força de preceito constitucional, à sociedade e ao cidadão. Controle através da ação de conselhos municipais eleitos periodicamente e dotados de poderes fiscalizatórios e impugnatórios na política local de segurança.
– Em contrapartida, a municipalização permite aos órgãos policiais uma possibilidade maior
de controle da população, na forma de guardas quarteirão (os guardas da paz, no sistema japonês), que conheçam pessoalmente cada morador de sua área de responsabilidade e que concentrem a sua atenção em estranhos que se furtem a tornar ostensivas as suas intenções.
– A interação de cidadão e de policiais que se encontram diariamente desenvolveria
naturalmente um ambiente de confiança mútua, que resultaria na imprescindível colaboração dos primeiros para com os segundos.
2.1.3. Aspectos Negativos
– No Brasil, o Poder Judiciário tem-se pautado por atribuir a cada instância de juizado uma correspondente polícia judiciária e ostensiva – à Justiça Federal, corresponde a Polícia Federal; à Justiça Estadual, correspondem a Polícia Civil e a Polícia Militar; a esfera municipal, por sua vez, não dispõe de Poder Judiciário. Além da falta de previsão de órgãos municipais do Ministério Público para cumprir as atribuições de fiscal da lei.
– Um grande risco para a sociedade decorre de eventual desvio de emprego do órgão policial pelo executivo municipal como, por exemplo: repressão aos direitos de trabalhadores rurais; apropriação de terras de adversários políticos; repressão à livre manifestação; fraudes eleitorais; trabalho escravo etc.
– Como efetivo mínimo de um órgão municipal de policiamento, um delegado, um subdelegado, dois agentes, dois patrulheiros e dois carcereiros, considerando a escala do serviço de plantão, resulta num total de vinte e seis policiais, efetivo mínimo para municípios de 13.000 habitantes ou menores.
Ora, a remuneração digna para estes servidores públicos armados e investidos do poder de polícia apresentar-se-á como um valor absurdo quando comparado à remuneração dos integrantes de outros serviços públicos básicos, como a saúde e a educação.
– A unidade de doutrina policial no sistema vigente é assegurada pela vinculação dos órgãos policiais ao poder central. A municipalização da segurança pública esfacelaria esta estrutura de vinte e seis Estados e Distrito Federal para mais de cinco mil municípios, gerando uma balbúrdia nos procedimentos policiais e a conseqüente insegurança dos cidadãos que transitem entre municípios.
– Não deve ser esquecido que a transição de um sistema para outro, no intuito de eliminar deficiências e criar melhorias, arrastará as mazelas do sistema vigente, uma vez que os recursos humanos ora a serviço dos Estados passarão a compor as polícias municipais, junto com as Guardas Municipais, onde existam. Em conseqüência, a transição dos sistemas levará para os municípios todos os vícios que ora são atribuídos aos policiais civis e militares. A mera mudança de subordinação não tem o condão de modificar personalidades e atitudes.
Esse fatos são expostos na Nota Técnica de Municipalização da Segurança Pública, Consultor Legislativo da Área XVII – Segurança e Defesa Nacional, João Ricardo Carvalho de Souza, que recomenda:
1. a programação do processo ao longo do tempo, de forma a permitir a adaptação dos cidadãos, usuários da prestação de serviço público de segurança, e dos profissionais municipais;
2. a existência de algumas vantagens inegáveis, como o controle mútuo entre a sociedade e a polícia, resultando no aperfeiçoamento do desempenho da polícia;
3. também desvantagens significativas, porém permitindo-se criar uma garantia de que o órgão não seria apropriado em proveito pessoal do poder local.
4. estão em tramitação, no Congresso Nacional, doze Propostas de Emenda à Constituição que atendem essas idéias.
Entende que essa pretensão pode se configurar como uma alternativa válida de aperfeiçoamento, desde que seja cercada de algumas cautelas, como: a implantação seletiva, segundo a capacidade e vocação da participação social no Município; a adaptação simultânea da Magistratura e do Ministério Público para a atuação na esfera municipal; e o estabelecimento de um cronograma de implantação realista, com vistas ao gerenciamento eficaz do processo de transição.
2.2. Considerações Finais
A liderança do tráfico e consumo de drogas na lista de fatores responsáveis pela insegurança nas grandes e médias cidades brasileiras, apenas confirma o que autoridades da área já vêem avisando: os tóxicos respondem por uma fatia majoritária da violência urbana.
Que o desemprego, a ausência de políticas públicas eficientes e dificuldades de atendimento de demandas sociais pelo aparato governamental contribuem para o quadro de insegurança, ninguém tem dúvidas. Mas a conexão automática entre pobres e violência ajudou muito mais na discriminação e preconceito contra os desfavorecidos. A ausência de oportunidades não transforma ninguém automaticamente em criminoso.
Mesmo que a prosperidade econômica nacional tenha proporcionado melhora nos indicadores de qualidade de vida, as desigualdades ainda marcam a sociedade brasileira. Durante décadas, a cidade se refugiou na cômoda e equivocada alegação de responsabilizar somente migrantes pelos problemas de criminalidade. Tal justificativa não cabe mais – se é que algum dia teve validade – e o município precisa enfrentar as causas da violência, como o tráfico de drogas, com mais consistência e rigor.
Informações Sobre o Autor
Mauro Evaristo Medeiros Junior
Procurador da Fazenda Nacional lotado em Joaçaba/SC, formado em Direito pela Associação Catarinense de Ensino, pós-graduado em Direito Civil pela PUC-MG