Não incidência do IR sobre juros moratórios decorrentes de salários pagos com atraso

O tema continua controvertido na jurisprudência. O STJ tem posições pela incidência e pela não incidência do imposto de renda sobre juros moratórios.

Para a perfeita compreensão da matéria é preciso recorrer ao Direito Civil e distinguir as duas espécies de juros: os moratórios e os compensatórios ou simplesmente juros. Não há terceira espécie de juros, e isso é importante.

Os chamados juros compensatórios ou simplesmente juros outra coisa não são senão a compensação pela aplicação de um capital.

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Na opinião abalizada de Maria Helena Diniz:

 “Os juros são o rendimento do capital, os frutos civis produzidos pelo dinheiro, sendo, portanto, considerados com bem acessório, visto que constituem o preço de uso do capital alheio, em razão da privação deste pelo dono, voluntária ou involuntariamente” [1]

No mesmo sentido as lições de Silvio Rodrigues[2] e Washington de Barros Monteiro[3].

Assevera Lacerda de Almeida que os juros compensatórios, por representarem a renda ou o fruto do capital “têm certa analogia com o aluguel ou renda no contrato de locação…” [4]

Esses juros compensatórios têm previsão no art. 591 do Código Civil vigente:

“Art. 591. Destinando-se o empréstimo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.”

Os juros moratórios, por sua vez, representam uma indenização pelo retardamento culposo no cumprimento obrigacional. Nesse sentido, as ligações de Silvio Rodrigues e Washington de Barros Monteiro nas obras retrocitadas.

Os juros moratórios estão regulados no art. 404 do Código Civil vigente:

“Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.

Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar.”

Esse parágrafo único não deixa dúvida quanto a natureza indenizatória dos juros de mora. Assim, os juros moratórios, têm natureza indenizatória, o que afasta a incidência do imposto de renda ao teor do art. 43 do CTN, ou seja, a disponibilidade jurídica ou econômica da renda ou proventos de qualquer natureza. Por isso escrevemos:

“Pela própria conceituação constitucional e legal do imposto, o elemento objetivo de seu fato gerador só poderia ser a renda ou proventos no sentido de riquezas novas, de acréscimos patrimoniais, que decorrem de algo preexistente: a fonte produtora.” [5]

Sabidamente, na indenização não há acréscimo patrimonial, pois ela se destina unicamente à recomposição do patrimônio desfalcado. Por isso, a justa indenização paga em dinheiro na hipótese de desapropriação não se sujeito ao pagamento do imposto de renda.

Logo, resulta com solar clareza a não incidência de IR sobre os juros moratórios, de acordo com a corrente jurisprudencial que deixa fora do campo de incidência do referido imposto as verbas de natureza indenizatória (Súmulas 125 e 136 do STJ). O STF, também, tem decidido que verbas de natureza indenizatória estão fora do alcance do imposto de renda: RREE ns. 548.828/RS, 487.121/RS, 559.964/RS, 591.140/RS.

A tese da incidência do IR sobre juros moratórios porque têm natureza de “indenização por lucros cessantes” não tem guarida no âmbito do vínculo trabalhista.

O salário é uma retribuição pecuniária percebida pelo empregado em função do serviço prestado ao empregador. É, pois, uma renda que é produto exclusivo do trabalho. Não deriva do capital, nem da combinação do trabalho com o capital (art. 43, I do CTN).

Em reclamação trabalhista o juiz condena o empregador a pagar juros de mora incidentes sobre os salários pagos com atraso. Indeniza-se o retardamento no cumprimento da obrigação. Inafastável o caráter de indenização por dano emergente.

Essa indenização pela mora não tem o condão de alterar a natureza do principal que continua sendo produto do trabalho e não do capital.Assim, incogitável a idéia de indenização por lucros cessantes, decorrente de pagamento de salários com atraso. O que é possível, em tese, é a invocação pura e simples do texto normativo da Lei nº 4.506/64 para tributar os juros moratórios, sem essa qualificação de “indenização por lucros cessantes.” Ou, os juros têm natureza indenizatória decorrentes da mora, ou eles têm natureza compensatória decorrentes de lucros cessantes. Indenização por lucros cessantes não correspondem a juros, mas à indenização suplementar de que cuida a parte final do art. 404 do CC, isto é, parcela que ultrapassa o valor dos juros moratórios. Indenização por lucros cessantes é comum na desapropriação de um prédio industrial ou comercial em que o proprietário fica privado temporariamente de exercer a sua atividade econômica. Nada têm a ver com os juros moratórios devidos no pagamento de salários com atraso.

Entretanto, essa questão está para ser analisada pela Corte Especial do STJ.

A eventual aplicação literal do parágrafo único, do art. 16 da Lei nº 4.506/64, que inclui entre rendimentos do trabalho quaisquer indenizações pelo atraso no pagamento das remunerações, colidirá frontalmente com as Súmulas 125 e 136 do próprio STJ que se harmonizam com a jurisprudência do STF que exclui do campo de incidência do IR as verbas de natureza indenizatória.

 

Notas:
[1]  Curso de direito civil brasileiro, 2º V., São Paulo: Saraiva, 1997, p 368.
[2] Direito civil: parte geral das obrigações. V.2. São Paulo: Saraiva, 1980, p.315.
[3] Curso de direito civil: direito das obrigações. São Paulo: Saraiva, 1962, p. 369.
[4] Obrigações. Rio de Janeiro: Tipografia Revista dos Tribunais, 1916, p.178.
[5] – Cf. nosso Direito financeiro e tributário. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p; 408-409.

Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


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Equipe Âmbito Jurídico

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