Noções introdutórias sobre Biodireito

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Palavras-chave: Biodireito; Bioética; Princípios do Biodireito; Princípios da Bioética; Princípios Bioéticos.

1.0 – Introdução

O presente estudo visa analisar o iminente surgimento de um novo ramo jurídico, o Biodireito, e surge da vivência de seu autor, o qual, quando no início do estudo do tema, encontrou dificuldades em localizar artigos que tratassem do tema de forma didática e que indicassem, não só questões específicas, mas, mais que isso, que trouxessem uma boa e simplificada definição do que vem a ser o biodireito, quais seus princípios básicos, e quais as relações com outros ramos do Direito.

Não se esta a dizer que não exista bibliografia a respeito, mas é que, pela vivência do autor, verificou-se que, normalmente, estes conhecimentos se acham espalhados de forma bastante esparsa, com pequenas indicações sobre o assunto em trechos de um ou outro texto sobre o tema, o que dificulta a apreensão de conhecimentos por parte dos estudantes que se iniciam na temática específica do biodireito.

Também não se pretende estudar o Biodireito tendo-se por base este ou aquele ordenamento jurídico, mas, pelo contrário, busca-se traçar um esboço de Teoria Geral do Biodireito.

Assim é que o autor procura dar uma abordagem simples e didática sobre o que vem a ser o Biodireito, apresentando seus princípios e estabelecendo algumas relações entre este e outros ramos do Direito, sem esquecer-se de dar sua contribuição para o aprimoramento do ramo jurídico que se apresenta, trazendo princípios que ainda não foram considerados pelos estudantes do tema.

2.0 – Conceitos

Inicialmente, deve-se conceituar o que seja o objeto do presente estudo e, para se conceituar “Biodireito”, deve-se, antes, dar uma idéia do que seja “Bioética”, o que, por sua vez, exige um breve conceito de “Ética”.

Assim, vamos por partes.

2.1 – Ética

Com relação ao conceito de Ética, pode-se afirmar, de forma simplificada, que seja um modelo de conduta humana que seja capaz de guiar o indivíduo, concomitantemente, ao bem pessoal e ao bem público -no sentido de coletivo, do que é bom para a sociedade.

Aplicando-se este conceito no campo profissional, “ética médica” seria, por exemplo, uma relação de normas de conduta que visassem regular o comportamento dos profissionais da medicina de modo a resguardar o bem da própria profissão, através de uma conduta que se pretenda seguida, a fim de garantir a imagem da profissão perante toda sociedade, e, ao mesmo tempo, seria o estabelecimento de um rol de condutas que fossem capazes de resguardar a boa relação -pessoal e profissional- recíproca entre os profissionais da área médica.

2.2 – Bioética: Macro-bioética e micro-bioética

Quanto à Bioética, esta poderia ser considerada, de forma bem simplificada, como sendo a ética da vida -Bio + Ética.

Neste sentido, poder-se-ia dividir a Bioética em dois grandes ramos: Macro-bioética e Micro-bioética.

Macro-bioética seria a ética que visa o bem da vida em sentido amplo -direcionada ao macro-sistema da vida-, e estaria diretamente ligada ao meio ambiente e ao Direito Ambiental.

Neste contexto, Bioética seria um modelo de conduta que pudesse ser capaz de trazer o bem ao meio-ambiente.

Em decorrência da macro-bioética ter-se-ia um código de condutas que deveriam ser seguidas em todo tipo de ação humana -principalmente nas experimentações científicas- que pudesse trazer como conseqüência uma alteração -quer seja benéfica, quer seja prejudicial- ao meio-ambiente.

A micro-bioética, por sua vez, surgiria de uma restrição do objeto da bioética. Seria a ética da vida humana.

Neste contexto, Bioética seria um modelo de conduta que procurasse trazer o bem à Humanidade como um todo, e, ao mesmo tempo, a cada um dos indivíduos componentes da Humanidade.

É neste sentido que, perante os avanços médico-científico-tecnológicos, tem-se utilizado os termos “Bioética” e “Biodireito”, no sentido de proteção da vida humana, principalmente com o intuito de proteger todos os seres humanos que estejam direta, ou indiretamente, envolvidos em experimentos científicos.

2.3 – Biodireito

Desta forma, chega-se ao conceito de “Biodireito”, que seria, justamente, a positivação -ou a tentativa de positivação- das normas bioéticas.

Biodireito seria, portanto, a positivação jurídica de permissões de comportamentos médico-científicos, e de sanções pelo descumprimento destas normas.

Biodireito é um termo que pode ser entendido, também, no sentido de abranger todo o conjunto de regras jurídicas já positivadas e voltadas a impor -ou proibir- uma conduta médico-científica e que sujeitem seus infratores às sanções por elas previstas.

Desta maneira, pode-se dizer de forma mais concisa que Biodireito é o conjunto de leis positivas que visam estabelecer a obrigatoriedade de observância dos mandamentos bioéticos, e, ao mesmo tempo, é a discussão sobre a adequação -sobre a necessidade de ampliação ou restrição- desta legislação.

3.0 – Princípios

De forma geral, todos os autores concordam que os principais princípios da Bioética -e portanto do Biodireito- seriam os princípios da autonomia -do consentimento informado-, da beneficência -não-maleficência-, da justiça e da sacralidade da vida humana -dignidade da pessoa humana.

Porém, como a bioética se divide em macro e micro-bioética, sendo esta uma restrição daquela, assim também se pode dizer que o biodireito seria uma restrição do objeto do Direito Ambiental -apesar de com este não se confundir, conforme se verá-, de forma que existiriam outros princípios comumente aceitos no âmbito do Direito Ambiental, e que também deveriam ser considerados como princípios ligados ao Biodireito, tais como: princípio da ubiqüidade, da cooperação entre os povos, do desenvolvimento sustentável -preservação da espécie humana-, da precaução e da prevenção.

3.1 – Princípio da autonomia

Conforme os autores Marcelo Dias Varella, Eliana Fontes e Fernando Galvão da Rocha, o princípio da autonomia: “[…] refere-se à capacidade de autogoverno do homem, de tomar suas próprias decisões, de o cientista saber ponderar, avaliar e decidir sobre qual método ou qual rumo deve dar a suas pesquisas para atingir os fins desejados, sobre o delineamento dos valores morais aceitos e de o paciente se sujeitar àquelas experiências, ser objeto de estudo, utilizar uma nova droga em fase de testes, por exemplo. O centro das decisões deve deixar de ser apenas o médico, e passar a ser o médico em conjunto com o paciente, relativizando as relações existentes entre os sujeitos participantes […]” (op. cit., pág. 228).

Como muito bem esclarece Aline Mignon de Almeida, “o princípio da autonomia está diretamente ligado ao livre consentimento do paciente na medida em que este deve ser sempre informado; em outras palavras, o indivíduo tem a liberdade de fazer o que quiser, mas, para que esta liberdade seja plena, é necessário oferecer a completa informação para que o consentimento seja realmente livre e consciente.

O princípio da autonomia é considerado o principal princípio da Bioética, pois os outros princípios estão, de alguma forma, vinculados a ele” (op. cit., pág.7).

Gislayne Fátima Diedrich acrescenta que este princípio, segundo o Relatório Belmont publicado em 1978, “[…] abrange ao menos duas convicções éticas: os indivíduos devem ser tratados como agentes autônomos e as pessoas com autonomia diminuída têm direito à proteção. Salientando que pessoa autônoma é aquela ‘capaz de deliberar sobre seus objetivos pessoais e agir sob a orientação dessa deliberação’, reconheceu a comissão que nem todo ser humano é capaz de se autodeterminar, necessitando de maior proteção. Foi considerando que, na maioria das pesquisas envolvendo seres humanos, tal princípio determina que esses entrem na pesquisa ‘voluntariamente e com informação adequada’” (in Maria Celeste Cordeiro Leite Santos,  Biodireito, pág. 219).

Assim, pelo princípio da autonomia, o indivíduo tem o direito de decidir sobre as atividades que impliquem alterações em sua condição de saúde física e/ou mental, impondo-se, de outro lado, para que sua opinião seja adequada, o dever de os envolvidos prestarem todas as informações relevantes sobre o tratamento/pesquisa que se irá realizar.

3.2 – Princípio da beneficência

Conforme destacado pelos juristas Marcelo Dias Varella, Eliana Fontes e Fernando Galvão da Rocha (op. cit., pág. 228), o presente princípio está intimamente ligado ao juramento de Hipócrates (o qual afirma: “aplicarei os regimes para o bem dos doentes, segundo o meu saber e a minha razão, e nunca para prejudicar ou fazer o mal a quem quer que seja”), e significa, nas palavras de Aline Mignon de Almeida, “a ponderação entre riscos e benefícios, tanto atuais como potenciais, individuais ou coletivos, comprometendo-se com o máximo de benefícios e o mínimo de danos e riscos […]” (op. cit., pág. 7).

Este princípio também é identificado por princípio da não-maleficência, uma vez que ordena aos médicos e cientistas que se isentem de qualquer atividade que venha, ou possa vir, a causar um mal despropositado ao paciente.

Trata-se, como visto, de proibir condutas que, apesar de poderem gerar algum conhecimento novo, ou alguma descoberta revolucionária, sejam igualmente capazes de gerar algum malefício ao paciente.

Este princípio deve ser analisado em conjunto com o princípio da autonomia, de forma que é possível uma mitigação da não-maleficência em função da autonomia do paciente, o qual pode optar por fazer parte de algum tipo de experimentação médico-científica, em busca de tratamentos alternativos, desde que lhe sejam previamente esclarecidos todos os riscos potenciais da atividade que será realizada, e, ao mesmo tempo, desde que isto não implique em sacrificar-lhe a saúde, a integridade física ou psíquica, ou, principalmente, sua própria vida, pois esta é sagrada.

3.3 – Princípio da sacralidade da vida e dignidade da pessoa humana

Este princípio envolve a questão vida humana como sendo um valor em si mesma.

Presente de forma clara no meio científico desde Kant, para quem o ser humano é um fim, e nunca um meio, este princípio toma vulto após as atrocidades nazi-fascistas cometidas durante a Segunda Guerra Mundial.

Por este princípio, portanto, a vida humana deve ser, sempre, respeitada e protegida contra agressões indevidas. Trata-se de se respeitar a vida, decorrência lógica do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual considera o ser humano como valor em si mesmo.

Para os juristas Marcelo Dias Varella, Eliana Fontes e Fernando Galvão da Rocha, o princípio da sacralidade da vida humana e da dignidade da pessoa humana “[…] são os principais norteadores da bioética, na medida em que consideram a vida como sagrada e inviolável. Neste sentido, não se justifica a causa do sofrimento e da dor desnecessária, a imputação de um ônus superior ao que a pessoa possa suportar, ainda que, por decisão sua, mesmo para a realização de pesquisas ou qualquer atividade científica. Combate-se assim, a consideração do homem como objeto, como uma ‘coisa’, a favor da compreensão da vida humana como algo sagrado, intangível. Ainda que fora dos aspectos teológicos que a questão envolve, a expressão ‘sagrado’ não necessariamente estará ligada a Deus, mas sim ao caráter inviolável de seu objeto […] a vida humana não pode ser sacrificada em prol da ciência, e da experimentação […]” (op. cit., pág. 230).

É assim que, segundo estes mesmos autores, “[…] Daniel Callahan identifica cinco elementos essenciais para a consideração da sacralidade da vida humana: 1) sobrevivência da espécie humana; 2) preservação das linhas familiares; 3) direito de os seres humanos terem proteção de seus companheiros; 4) respeito por escolhas pessoais e autodeterminação, que inclui integridade mental e emocional; 5) inviolabilidade corporal […]” (op. cit., pág. 230).

Desta forma, pelos princípios da sacralidade da vida e da dignidade da pessoa humana, o ser humano deixa de ser objeto e passa a ser um valor considerável em si mesmo, impedindo-se práticas como a comercialização de órgãos, tecidos, sangue e esperma,impondo-se, assim, a gratuidade da doação destes objetos, e ainda, por outro lado, servindo de fundamento para o princípio da beneficência ou não-maleficência.

Pela combinação destes princípios -dignidade humana + não-maleficência- chega-se a uma limitação do princípio da autonomia, de forma que, mesmo que seja da vontade livre e consciente do paciente, o cientista deve abster-se de determinadas condutas sob pena de inobservância da dignidade da pessoa humana, o qual é, sem dúvida alguma, o mais importante princípio bioético e jurídico da atualidade.

Por se tratar de um direito inalienável e intransmissível (entre outras características), o direito (fundamental se considerado face ao Estado, ou de personalidade se considerado em face às relações privadas) da dignidade da pessoa humana deve ser um limite ao princípio (direito) da autonomia, vedando, como já afirmado, determinadas condutas que possam, mesmo que indiretamente, configurar uma forma de se atentar contra a dignidade do paciente.

É necessário lembrar, neste ponto, que, conforme esclarece Carlos Alberto Bittar ao tratar do direito ao corpo, que apesar deste ser um direito disponível, “[…] os limites naturais são os direitos à vida e à integridade física (portanto: um direito a limitar outro). Daí, não se permite disposição que redunde em inviabilização de vida ou saúde, ou importe em deformação permanente, ou, ainda, que atente contra os princípios norteadores da vida em sociedade […]” (op. cit., pág. 83).

Desta forma, qualquer conduta que termine por transformar -ou equiparar- o ser humano em um simples objeto é atentatória contra a dignidade intrínseca de todos os membros da família humana, e deve ser proibida, mesmo que conte com a concordância da vontade autônoma deste indivíduo.

3.4 – Princípio da Justiça

Pode-se dividir o princípio da justiça em três questões básicas: 1) o ônus do encargo da pesquisa científica; 2) a aplicação dos recursos destinados à pesquisa; e 3) a destinação dos resultados práticos obtidos destas pesquisas.

Sobre o primeiro ponto, todos os membros da sociedade devem, de forma igualitária, e na medida de suas forças, arcar com o ônus da manutenção das pesquisas e da aplicação dos resultados.

Pelo segundo tópico, este princípio implica em uma “[…] distribuição justa e eqüitativa dos recursos financeiros e técnicos da atividade científica e dos serviços de saúde” (Marcelo Dias Varella, Eliana Fontes e Fernando Galvão da Rocha, op. cit., pág. 228), não só para a solução dos problemas do “primeiro mundo”, mas também para a busca de soluções para problemas típicos dos países subdesenvolvidos.

E, finalmente, pela terceira decorrência do princípio da justiça, a ciência deve ser aplicada de forma igual para todos os membros da espécie humana, não devendo existir distinção em função de classe social, ou capacidade econômica daquele que necessita de tratamento médico.

3.5 – Princípio da ubiqüidade

No âmbito do Direito Ambiental, tem-se que, pelo princípio da ubiqüidade, o bem ambiental é onipresente, de forma que uma agressão ao meio ambiente em determinada localidade é capaz de trazer reflexos negativos a todo o planeta Terra e, conseqüentemente, a todos os povos e a todos os indivíduos, não só para os membros da espécie humana, mas para todas as espécies habitantes do planeta.

No âmbito do nascente Biodireito, o princípio da ubiqüidade quer dizer que o direito ao patrimônio genético da humanidade enquanto espécie é também onipresente, de forma que deve-se preservar, a qualquer custo, a manutenção das características essenciais da espécie humana.

Tal princípio tem aplicabilidade, no âmbito do biodireito, principalmente como impedimento das experimentações científicas em células germinais humanas, as quais, uma vez alteradas, poderiam trazer “mutações” indesejáveis para toda a espécie humana, uma vez que a alteração das células germinais de um indivíduo poderia iniciar um processo de disseminação desta “mutação” perante os indivíduos das gerações futuras.

Assim, pelo princípio da ubiqüidade, deve-se considerar que o patrimônio genético da espécie humana deve ser preservado, evitando-se a “contaminação” indesejada de indivíduos de gerações vindouras, de forma que se constitui em um dos fundamentos para a observância do próximo princípio, o princípio da cooperação entre os povos.

3.6 – Princípio da cooperação entre os povos

Sobre este tema, Édis Milaré afirma que a Declaração sobre o Ambiente Humano elaborado pela 1ª Conferência Mundial sobre Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, “[…] enfatizou a necessidade do livre intercâmbio de experiências científicas e do mútuo auxílio tecnológico e financeiro entre os países, a fim de facilitar a solução dos problemas ambientais” (op. cit., pág. 124), ressalvando pouco mais adiante que “[…] a implementação do princípio não importa em renúncia à soberania do Estado ou à autodeterminação dos povos […]” (op. cit., pág. 125).

Este princípio, no âmbito do Biodireito, encontraria um de seus fundamentos no princípio da ubiqüidade, o qual demonstra a necessidade de proteção global contra experimentações indevidas, sobretudo as que envolvam alteração de células germinativas humanas.

Por outro lado, trata-se de um princípio que também decorre de outro princípio também aplicável ao Biodireito, o princípio da Justiça.

Esta decorrência, porém, decorre da aplicação em escala internacional do princípio da Justiça, de forma que os diversos países deveriam concorrer no ônus dos custos das pesquisas científicas, assim como deveriam ter direito de igual acesso aos resultados destas pesquisas.

Assim, o princípio da cooperação dos povos se daria em duas frentes: a primeira na fiscalização das pesquisas e na proteção do ser humano enquanto espécie; e a segunda no tocante aos custos e benefícios das pesquisas científicas.

3.7 – Princípio preservação da espécie humana

Este princípio seria uma transposição para o âmbito do Biodireito do princípio ambiental do desenvolvimento sustentável.

Quanto ao desenvolvimento sustentável do Direito Ambiental, Édis Milaré esclarece tratar-se de um duplo direito: “[…] o direito do ser humano de desenvolver-se e realizar as suas potencialidades, quer individual quer socialmente, e o direito de assegurar aos seus pósteros as mesmas condições favoráveis. Neste princípio, talvez mais do que em outro, surge tão evidente a reciprocidade entre direito e dever, porquanto o desenvolver-se e usufruir de um Planeta plenamente habitável não é apenas direito, é dever precípuo das pessoas e da sociedade. Direito e dever como contrapartidas inquestionáveis” (op. cit., pág. 122).

Assim, na esfera do Biodireito, este princípio significa que o ser humano é livre para realizar as pesquisas que julgue úteis para seu aprimoramento enquanto espécie, sem, entretanto, esquecer-se, jamais, de sua responsabilidade perante as futuras gerações, o que implica no dever de preservação das características essenciais da espécie humana, impondo-se limites objetivos às experimentações científicas que sejam capazes de alterar o ser humano, não apenas como indivíduo, mas também enquanto espécie.

Tal princípio seria uma conseqüência lógica necessária dos princípios da dignidade humana e da sacralidade da vida, de forma que sustentar-se a dignidade da pessoa humana e a sacralidade da vida não teria sentido se não se garantisse, ao mesmo tempo, a preservação da espécie humana.

3.8 – Princípios da prevenção e da precaução

O consagrado Édis Milaré lembra, desta vez, que “de início, convém ressaltar que há juristas que se referem ao princípio da prevenção, enquanto outros reportam-se ao princípio da precaução. Há, também, os que usam ambas as expressões, supondo ou não diferença entre elas. Com efeito, há cambiantes semânticos entre estas expressões, ao menos no que se refere à etimologia. Prevenção é substantivo do verbo prevenir, e significa ato ou efeito de antecipar-se, chegar antes; induz uma conotação de generalidade, simples antecipação no tempo, é verdade, mas com intuito conhecido. Precaução é substantivo do verbo precaver-se (do Latim prae=antes e cavere=tomar cuidado), e sugere cuidados antecipados, cutela para que uma atitude ou ação não venha a resultar em efeitos indesejáveis […]” (op. cit., págs. 117 e 118).

Apesar de demonstrar a diferença existente entre ambos princípios, o dito autor prefere tratá-los por sinônimos, optando pela utilização da expressão “princípio da prevenção”.

Já, por outro lado, o prof. Marcelo Abelha -posição que preferimos- distingue os dois princípios, afirmando que o princípio da precaução precederia ao princípio da prevenção.

3.8.1 – Princípio da precaução

Segundo o professor Marcelo Abelha, este princípio imporia, em caso de dúvidas sobre a possibilidade de certa atividade causar danos ao meio-ambiente, a proibição da autorização do exercício da referida atividade.

Assim, surgiria uma espécie de presunção de que toda atividade é capaz de gerar um dano indesejável ao meio ambiente, devendo o interessado comprovar a não-prejudicialiedade do meio ambiente pelas atividades que pretende exercer, sob pena de indeferimento da licença para o exercício da atividade desejada.

Tal princípio poderia ser encarado como uma decorrência do princípio do desenvolvimento sustentável, que impõe aos membros presentes da família humana o dever de se preservar o meio ambiente para as futuras gerações.

No âmbito do Biodireito, tal princípio implicaria na impossibilidade de se efetuarem toda e qualquer pesquisa científica até que se comprovem a inexistência de conseqüências maléficas -diretas ou indiretas- para o ser humano.

Não se trata de se provar o risco da atividade para, só depois, impedir-se a sua continuação. Muito mais do que isto, trata-se de impor ao interessado na realização da atividade o dever de comprovar a inexistência de risco, sob pena de proibição da prática da atividade científica que se deseja praticar.

Este princípio, no âmbito do Biodireito, decorreria dos princípios da preservação da espécie humana, da dignidade da pessoa humana, da sacralidade da vida e da ubiqüidade, uma vez que, em decorrência destes princípios, todos os membros da espécie humana estão obrigados, em decorrência da dignidade intrínseca de todo ser humano, e da vida humana como objeto sagrado, a garantir a preservação das condições de vida necessárias à preservação da espécie humana.

O ponto de maior aplicação deste princípio seria o da problemática relacionada à questão dos organismos geneticamente modificados, também chamados de transgênicos.

3.8.2 – Princípio da prevenção

No âmbito ambiental, conforme o prof. Marcelo Abelha, a aplicação deste princípio depende da existência de riscos para o meio ambiente, de forma que a autorização para o exercício da atividade só poderá ser concedida em caso de o meio ambiente ser capaz de suportar os riscos e, ainda, se o responsável pela atividade se comprometer a evitar ao máximo possível as externalidades negativas que possam advir da atividade desenvolvida.

Assim, transportando-se o princípio da prevenção para o Biodireito, ter-se-ia que a pesquisa científica só poderá ser realizada se existirem meios de impedir a sua irreversibilidade, e, neste caso, os membros das equipes envolvidas com a pesquisa em questão estão obrigados a tomar todas as medidas possíveis e necessárias para impedir que ocorram problemas decorrentes da pesquisa a ser realizada.

Pode-se considerar este princípio como um reforço do princípio da precaução, de forma que é necessário que os interessados comprovem a inexistência de riscos para a espécie humana na pesquisa a ser realizada para, só depois, poderem praticar a pesquisa, tomando, ainda, todos os cuidados para minimizar as conseqüências adversas das pesquisas a serem realizadas.

3.9 – Princípio da vida humana digna

Há autores que defendem como princípio Bioético o da vida humana digna.

Segundo estes autores, só seria merecedora de proteção a vida humana que conferisse dignidade ao ser humano que a possui. Os argumentos trazidos por estes estudiosos são no intuito de se autorizar condutas como o abortamento e a eutanásia.

Conforme os autores Marcelo Dias Varella, Eliana Fontes e Fernando Galvão da Rocha, “[…] muitos teóricos consideram admissível o sacrifício de vidas humanas, quando não possam viver em iguais condições às dos demais homens, como no caso dos excepcionais e idosos inconscientes. O debate renasce a cada fórum de discussões […]” (op.cit., págs. 230 e 231).

Porém, o correto seria considerar que toda vida humana, por si só, já é um componente que confere dignidade àquele que a possui, mesmo porque, conforme corretamente indagam os mesmos autores, “o que seria vida com qualidade?” (op.cit., pág. 231).

Admitir-se a hipótese da possibilidade do sacrifício de vidas “sem qualidade” seria autorizar condutas como as praticadas durante a Segunda Guerra Mundial pelas forças nazi-fascistas, onde deficientes físicos, idosos, homossexuais e até judeus jovens, fisicamente perfeitos e heterossexuais, eram considerados objetos absolutamente descartáveis, servindo, quando muito, como cobaias humanas para experimentos científicos de toda sorte.

O entendimento de que toda vida humana merece ser respeitada como uma finalidade e jamais como um meio já é, há algum tempo, pacífico no mundo jurídico -salvo breves hiatos temporais, como na época da citada Segunda Guerra Mundial-, principalmente na era pós-kantiana.

A vida, sobretudo a dos membros da espécie humana, é sagrada. Este princípio, absolutamente universal, não se conforma com a concepção segundo a qual só a vida humana digna é merecedora de proteção; principalmente porque, conforme Carlos Alberto Bittar “[…] se entende, universalmente, que o homem não vive apenas para si, mas para cumprir missão própria da sociedade. Cabe-lhe, assim, perseguir o seu aperfeiçoamento pessoal, mas também contribuir para o progresso geral da coletividade, objetivos esses alcançáveis ante o pressuposto da vida” (op. cit., pág. 71).

4.0 – O Biodireito como ramo autônomo do Direito

Quanto à autonomia do Biodireito, cumpre, antes de mais nada, trazer as críticas traçadas por aquele que é apontado como o maior estudioso da Bioética no âmbito nacional, Volnei Garrafa (apud Francisco Vieira Lima Neto in Maria Celeste Cordeiro Leite Santos,  Biodireito, págs. 120 e 121), para quem:

“O neologismo que estão tentando implantar, chamado ‘Biodireito’, é um aleijão. Se a Bioética já veio como uma nova disciplina e requer um pouco de cada uma e a sua grande força é a multidisciplinaridade, imaginem se começam com a Biofilosofia; a Bioeconomia; a Biomedicina; a Biobiologia; a Biopsicologia? Não é essa a concepção. Há o perigo de usar esse modismo – que é francês, para variar, mas não significa que a França não esteja trabalhando seriamente. Nos países que estão atuando seriamente nessa área – a Inglaterra, por exemplo – o grande tema é Bioética e Direito, Bioethics and Law. Essa questão, ao ser reduzida, ficará compartimentalizada, e não é essa a idéia inicial. Faço um apelo para as pessoas que estão querendo colocar a palavra ‘Biodireito’ na rua que pensem duas ou três vezes. Se ‘Biodireito’ significar o Direito trabalhando as questões biotecnológicas, concordo, mas se significar o ‘Biodireito’ com respeito à Bioética, discordo flagrantemente e digo que isso é uma impureza conceitual e um erro metodológico e epistemológico grave.”

Assim, o que se pretende é caracterizar-se o Biodireito como sendo, como visto anteriormente, um estudo jurídico sobre a legislação acerca dos procedimentos e dos limites impostos às experimentações médico-científicas, tendo-se por base a Bioética; de forma que com esta não se confunde, posto que a Bioética é um estudo ético-filosófico sobre a temática relacionada, sobretudo, às técnicas e limites das experimentações e procedimentos médico-científicos; enquanto que, por outro lado, o Biodireito seria a positivação das normas surgidas da Bioética.

A Bioética seria um estágio inicial, anterior ao Biodireito, ao mesmo tempo em que estaria ao lado deste, na busca da adequação da legislação relacionada à matéria às realidades e necessidades práticas.

Assim como a Bioética é, como apontado pelo eminente estudioso, uma matéria multidisciplinar que encontra nesta característica sua força principal, o Biodireito à medida que trata da legislação relacionada à Bioética, deve ser encarada como uma matéria igualmente multidisciplinar -como, aliás, devem ser encarados todos os demais ramos do Direito.

Neste passo, pretende-se estabelecer as relações existentes entre o Biodireito e os outros ramos da ciência jurídica, além de estabelecer a sua relação com outras ciências.

4.1 – Biodireito e Direito Constitucional

Por ser o principal ramo do Direito -uma vez que fixa as diretrizes políticas e jurídicas básicas de um Estado-, o Direito Constitucional é o ponto de partida de todo e qualquer ramo jurídico, assim também do Biodireito.

O Direito Constitucional, ao positivar os Direitos Humanos -transformando-os, assim, em Direitos Fundamentais-, cria limites ao Estado -principalmente enquanto Poder Legislativo-, os quais devem ser respeitados quando da realização de pesquisas científicas.

Desta forma, os limites estabelecidos pelo Direito Constitucional devem ser respeitados pelo Poder Legislativo, impedindo-se normas que sejam capazes de ferir as garantias estabelecidas pela Carta Magna em prol dos indivíduos componentes do Estado.

Assim, os primeiros limites estabelecidos pelo Biodireito no âmbito de qualquer Estado são os limites traçados pelo Direito Constitucional, os quais formam a espinha dorsal do Biodireito, irradiando-se por todas as legislações referentes à matéria.

Desta maneira, ao estabelecer uma Constituição que é inviolável o Direito à vida, à integridade física e à saúde, estes direitos devem ser respeitados e observados pelas legislações infraconstitucionais que tratem de temas ligados às experimentações científicas.

Por outro lado, quando a mesma Constituição estabelece que é livre o exercício de qualquer ofício ou profissão, além de garantir o direito à liberdade de pensamento e de consciência e prática científica, esta Constituição confere à comunidade médico-científica um limite de ingerência em sua profissão que igualmente deve ser observado.

Como não existem direitos absolutos, em se tratando de Direitos Fundamentais, os choques havidos entre os direitos personalíssimos e os direitos da comunidade científica devem ser resolvidos pelo princípio da proporcionalidade, de forma que o exercício de um direito não anule o exercício do outro, pois, uma vez que ambos devem ser protegidos e garantidos, ambos devem guardar um mínimo de efetividade.

Por tudo o que se disse, pode-se concluir que o Biodireito, apesar de tratar de temas tão importantes, como o direito à vida, à liberdade, à saúde e ao livre exercício da profissão, está -como todos os demais ramos do Direito- subordinado ao Direito Constitucional, devendo observar seus limites.

Por outro lado, o Biodireito -sobretudo por sua observância aos ditames Bioéticos-, deve, também, servir de base para eventuais Emendas à Constituição, sempre, porém, respeitando-se a tese da irreversibilidade dos Direitos Humanos (Fábio Konder Comparato, op. cit., passin), segundo a qual não se pode desproteger um direito fundamental anteriormente protegido.

Assim, o Biodireito se assemelha ao Direito Constitucional à medida que impõe limites às liberdades de pesquisas científicas e garante o respeito a direitos mínimos dos indivíduos membros do Estado; porém, ao mesmo tempo diferencia-se deste à medida que o Direito Constitucional trata da organização do Estado, enquanto que o Biodireito trata de questões estritamente ligadas à valorização da vida enquanto objeto e fim de atividades científicas.

 4.2 – Biodireito e Direito Civil

O Biodireito guarda estreitas relações também com o Direito Civil, uma vez que este estabelece o regramento de situações jurídicas que se espalham por todo o Ordenamento Jurídico.

No âmbito do Biodireito, as regras de Direito Civil que possuem maior relevância são as relacionadas aos Direitos de Personalidade -os quais, segundo Carlos Alberto Bittar (op. cit., passin) não tratam de nada além da eficácia horizontal dos Direitos Fundamentais, ou seja, da observância dos Direitos Humanos positivados em um determinado ordenamento jurídico nas relações dos particulares entre si-, além de normas referentes a contratos, como é, por exemplo, o de prestação de serviços médicos; além das normas relativas a responsabilidade civil, e outras tantas.

O Biodireito deve servir-se do Direito Civil, de maneira mais específica, no que toca ao início e fim da vida, além de situações como a capacidade de ser sujeito de direitos, assim também no tocante aos limites do direito da autonomia da vontade privada, ou do direito de utilização e disposição do próprio corpo, além ainda das conseqüências jurídicas que a atividade médico-científica pode acarretar para aqueles que praticam atividades relacionadas.

Por outro lado, o Biodireito, por se tratar de uma matéria necessariamente multidisciplinar, e por se preocupar com questões relacionadas à eticidade das atividades médico-científicas, e por se preocupar, também, em conformar a realidade jurídica com a realidade social, valendo-se da sociologia jurídica, deve servir de parâmetro para o Direito Civil, quer seja para autorizar, quer seja para proibir, espécies específicas de contratos, como, por exemplo, os contratos de barriga de aluguel, de compra e venda, ou de doação de órgãos ou sêmen humanos, entre tantos outros que possam ser vislumbrados.

Desta forma, o Biodireito assemelha-se ao Direito Civil ao estabelecer -ou proibir- algumas modalidades contratuais, ou ao regrar a responsabilidade civil dos cientistas envolvidos em pesquisas e demais atividades médicas; porém, diferencia-se deste quando trata apenas de questões voltadas às atividades médico-científicas, enquanto que o Direito Civil se preocupa com uma generalidade de atividades e situações jurídicas.

4.3 – Biodireito e Direito Ambiental

Como visto anteriormente, o Biodireito pode ser encarado como um ramo jurídico intimamente ligado ao Direito Ambiental, uma vez que ambos derivam da Bioética. O Direito Ambiental variando da macro-bioética, e o Biodireito variando da micro-bioética.

Assim é que ambos os ramos jurídicos devem possuir vários princípios em comum, além de preocupações igualmente comuns.

Nesta área, o que mais aproxima ambas as matérias é, sem dúvida, a questão dos organismos geneticamente modificados, os OGMs.

Os OGMs se ligam ao Direito Ambiental por trazem implicações -nocivas, ou não- à todo o ecossistema, e também se ligam ao Biodireito uma vez que, a depender da extensão e da profundidade das alterações que podem trazer para o meio-ambiente, são capazes de colocar em risco a própria existência do Homem enquanto espécie.

Outro ponto comum de ambas matérias é o que diz respeito à manipulação genética de células germinais humanas, uma vez que, a depender das conseqüências advindas destas experimentações, isto poderia trazer um grande desequilíbrio para a vida no Planeta; como seria, por exemplo, o caso de uma experimentação que implicasse em longevidade excessiva para a espécie humana, uma vez que poderia não haver condições planetárias para a alimentação da superpopulação que poderia decorrer desta alteração genética.

Estas duas disciplinas podem ser consideradas irmãs, residindo a diferenciação de ambas no fato de que o Direito Ambiental se preocupa com uma generalidade maior de situações, protegendo o meio-ambiente como um todo único e indivisível, ao passo que o Biodireito se preocupa com apenas uma porção desta realidade, a porção que toca ao ser humano enquanto espécie, e enquanto portador de valores individuais próprios.

4.4 – Biodireito e Direito Penal

O Direito Penal é outro ramo jurídico ligado ao Biodireito, principalmente quando se estabelece a tipificação de condutas condenadas pelo Biodireito.

Assim é o caso da tipificação do abortamento -excluindo-se desta tipificação os abortamentos terapêutico, ou necessário e o abortamento por má-formação feto-encefálica-, além de condutas como o exercício ilegal da profissão de médico, da lesão corporal resultante da atividade médico-científica, de desrespeito aos limites impostos para a alteração genética das espécies, ou da pesquisa em células-tronco humanas, entre tantas outras possibilidades.

Também o Direito Penal se diferencia do Biodireito na questão da generalidade e especificidade da tipificação de condutas, pois enquanto aquele se preocupa com todas as condutas que possam interferir, direta ou indiretamente, na vida do ser humano, o Biodireito apenas se preocupa em penalizar condutas que digam respeito à atividade médico-científica ou comercial (no que diz respeito, por exemplo, na produção e comercialização de alimentos transgênicos não autorizados).

4.5 – Biodireito e Direito Administrativo

Também existe uma ligeira relação entre o Biodireito e o Direito Administrativo, uma vez que cabe ao Direito Administrativo conceder autorização e fiscalizar o funcionamento de estabelecimentos voltados à prática de atividades médico-científicas, principalmente no que concerne à possibilidade de instalação de clínicas prestadoras de serviços de inseminação artificial, e coisas do gênero.

Desta forma, cabe ao Biodireito a autorização e regulamentação das pesquisas científicas em todo o território nacional, enquanto que ao Direito Administrativo cabe a autorização para funcionamento das empresas e clínicas voltadas ao exercício das atividades reguladas pelo Biodireito, e principalmente, da fiscalização do adequado exercício destas atividades, além, também, da autorização da produção e comercialização de determinados produtos frutos da engenharia genética.

4.6 – Biodireito e Direitos do Consumidor

Apesar de os Direitos do Consumidor formarem, a princípio, um dos objetos de estudo do Direito Civil, no Brasil eles têm ganhado tanta força que já é possível dizer que os Direitos do Consumidor formariam um ramo autônomo do Direito nacional.

Assim, o Biodireito também possui algumas relações com os Direitos do Consumidor, uma vez que o serviço de inseminação artificial -e outros congêneres- podem ser enquadrados na espécie de prestação de serviços regulada pelo Direito Consumerista, principalmente quando estes serviços são prestados por clínicas especializadas na prestação de serviços de inseminação artificial.

Assim, em um primeiro momento, caberia ao Biodireito autorizar determinadas atividades científicas que tenham implicações financeiras suficientes para atrair a atenção de empresas prestadoras de serviços médico-científicos; ao passo que, uma vez efetivamente prestados estes serviços, as referidas empresas prestadoras deste tipo de serviços estariam sujeitas, não só às normas do Biodireito, mas também às normas protetoras dos consumidores.

4.7 – Biodireito e outras ciências

A relação do Biodireito com outras ciências decorreria da sua derivação e dependência direta da Bioética, uma ciência multidisciplinar por natureza.

Assim, o Biodireito estaria de alguma forma ligado à filosofia, uma vez que esta ciência trata de questionamentos voltados à descoberta de significados de Bem, Justiça, Bondade, etc. A filosofia serviria ao Biodireito, portanto, trazendo noções relativas ao significado destes valores, além de trazer tentativas de respostas a questionamentos sobre o confronto entre valores diversos, como é, por exemplo, o caso do conflito entre a autonomia individual e da dignidade da pessoa humana. Qual dos princípios deveria prevalecer? É exemplo de questionamento que a filosofia deve ajudar a responder.

Por outro lado, o Biodireito -como deve ser todo ramo jurídico- também está intimamente ligado à sociologia, uma vez que esta busca examinar a realidade social, na tentativa de se explicar e resolver fenômenos do mundo real. Assim, a sociologia jurídica, ao examinar a sociedade, deve contribuir para o engrandecimento do Biodireito à medida que é capaz de informar, sobretudo ao legislador, quais são os valores reinantes no seio da sociedade, os quais deveriam orientar a sua atuação na elaboração das normas do Biodireito.

Outra ciência que também deve ter forte influência sobre o Biodireito é a Biologia, pois é esta que fornece elementos para a descoberta de fenômenos como o início e fim da vida, além do que, por outro lado, é do avanço da Biologia que surgem os maiores e mais atuais problemas do Biodireito, como são, por exemplo, a questão da manipulação genética, da clonagem, e dos alimentos transgênicos.

Poder-se ia enumerar tantas outras ciências quantas existam na realidade, pois como todos os conhecimentos humanos são capazes de -em maior, ou menor grau- implicarem conseqüências à vida do Homem -e sendo o Biodireito o “direito da vida”-, estes conhecimentos poderiam -e deveriam- ser úteis para o estudo da adequação do Biodireito à realidade social.

4.8 – Biodireito e Religião

Cumpre, por fim, analisar a relação existente entre o Biodireito e Religião.

Não cabe aqui o estudo desta ou daquela religião específica, mas da Religião enquanto fonte de conhecimento e de convicções filosóficas.

Antes de qualquer coisa, deve-se esclarecer que Direito e Religião são coisas distintas e assim devem continuar sendo, sob pena de se repetirem erros do passado (como, por exemplo, a “caça às bruxas” da “Santa” Inquisição) e presentes (como são as chamadas “guerras santas”).

Porém, apesar de serem coisas distintas, pela profundidade das questões que envolvem o estudo do Biodireito, a Religião é capaz de fornecer elementos que não podem, jamais, ser ignorados pelo Direito, como é o caso, por exemplo, da idéia de sacralidade da vida humana.

Assim, toda e qualquer contribuição para os debates acerca da questão da liberação -ou proibição- de certas técnicas científicas devem ser consideradas, desde que não signifiquem o sacrifício da liberdade de consciência dos pesquisadores, médicos, cientistas e demais envolvidos com a questão.

É necessário haver um balanceamento e respeito para com as diversas religiões e convicções filosóficas de todos os membros da espécie humana, o qual deve ser atingido em um ambiente de debates abertos e respeitosos, sem nunca existir a presunção de que a convicção de um grupo seja mais importante, mais perfeita, e mais correta que a de outro grupo, de forma que não seja possível que se presuma a necessidade de prevalência de uma opinião sobre as demais.

5.0 – Considerações finais

Chega-se, desta forma, ao fim do presente estudo, com o qual pretendeu-se apenas fazer uma pequena, simplificada e didática apresentação do que seja o Biodireito, quais seriam seus mais importantes princípios e quais as relações que envolvem este ramo jurídico com alguns outros ramos do Direito.

Princípios outros existem, os quais, conforme a convicção do autor, poderiam ser encarados como derivações dos aqui estabelecidos, de maneira que não se preocupou em fazer um estudo mais aprofundado dos mesmos, como seriam, por exemplo, os casos dos princípios da “não-comercialização de órgãos humanos”, da “gratuidade geral na doação de órgãos, sangue e esperma”, da “não-comercialização de embriões”, todos derivados dos princípios da dignidade da pessoa humana e da sacralidade da vida.

Por outro lado, houve uma preocupação em trazer para o debate acerca do Biodireito, outros princípios que não são, via de regra, apresentados pelos estudiosos deste novo ramo jurídico, como seriam os casos dos princípios da ubiqüidade, cooperação entre os povos, da conservação da espécie humana, da precaução e da prevenção, os quais derivariam do Direito Ambiental na mesma medida em que a Bioética pode ser dividida em macro-bioética e micro-bioética.

Por fim, apresentou-se um breve relato da interligação entre o Biodireito e outros ramos jurídicos, demonstrando algumas de suas semelhanças e dessemelhanças.

Não se buscou, em nenhum momento, o estudo sobre questões práticas ligadas ao Biodireito. Da mesma forma, e pelo mesmo motivo, não houve uma preocupação de trazer uma apresentação de questões ligadas ao direito positivo, uma vez que este estudo possui apenas a pretensão de servir de base para uma iniciação no estudo do Biodireito.

As discussões sobre o estudo apresentado não terminam aqui, muito pelo contrário, tendem somente a aumentar, principalmente devido ao fato de que o Biodireito é um novo ramo jurídico que se encontra em fase inicial de discussão, havendo autores que sequer chegam a considerá-lo como um ramo autônomo do direito (como aparentemente é o caso do grande, e já citado, Volnei Garrafa apud Francisco Vieira Lima Neto in Maria Celeste Cordeiro Leite Santos, Biodireito).

Considerando-se, ou não, o Biodireito como um ramo autônomo da Ciência do Direito, o importante é a manutenção e a ampliação das discussões sobre seus temas centrais: manipulação genética, clonagem, abortamento, eutanásia, ortotanásia, distanásia, mistanásia, e tantos outros que, cada vez mais, ganham força neste mundo a cada dia mais globalizado, onde as descobertas e experimentações científicas tornam-se mais, e mais, admiráveis.

Desta forma, esperamos que as discussões não terminem por aqui, e mais que isso, esperamos poder ter trazido uma contribuição -mesmo que pequena- para o estudo da temática relacionada com as questões da Bioética.

Referências bibliográficas
ALMEIDA, Aline Mignon de. Bioética e biodireito. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2000;
BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003;
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2001;
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 2ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001;
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (org.). Biodireito: ciência da vida, novos desafios. 1ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001;
VARELLA, Marcelo Dias; FONTES, Eliana; ROCHA, Fernando Galvão da. Biossegurança e biodiversidade: contexto científico regulamentar. (trechos) 1ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 1998.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Enéas Castilho Chiarini Júnior

 

Advogado em Pouso Alegre/MG, especialista em Direito Constitucional pelo IBDC (Inst. Bras. de Dir. Constitucional) em parceria com a FDSM (Fac. de Dir. Do Sul de Minas), capacitado para exercer as funções de Árbitro/Mediador pela SBDA (Soc. Bras. para Difusão da Mediação e Arbitragem), e membro, desde a fundação, do Quadro de Árbitros da CAMASUL (Câmara de Mediação e Arbitragem do Sul de Minas), é, ainda, autor de diversas matérias jurídicas publicadas em revistas do Brasil e do exterior, e em diversos sites jurídicos.