Resumo: O presente artigo pretende abordar questões acerca da herança jacente e vacante, estabelecendo a personalidade jurídica, distinções, bem como analisar a situação do herdeiro quando da reivindicação da herança.
Sumário: I – Introdução; II – Personalidade Jurídica na Herança Jacente; III – Estado de Jacência: Transitório e Limitado? IV – Vacância Situação de Certeza Jurídica; V – O herdeiro suscetível pode reivindicar a herança quando se declara por sentença a vacância? VI – Os herdeiros na linha colateral podem reivindicar a herança quando ela é declarada vaga? VII – O Prazo estabelecido no art. 1822 do Código Civil é prescricional ou decadencial? VIII – Conclusão.
1. INTRODUÇÃO:
Não obstante seja uma lição preliminar, ainda pairam dúvidas, principalmente, entre os estudantes de direito, a respeito da existência ou não de diferenças entre a herança jacente e o espólio.
Ora, quando do estudo do assunto, fica clarificado que a herança jacente distingue-se do espólio. Isto porque no espólio – universalidade de bens deixados pelo falecido, desde a abertura da sucessão até a partilha –, os herdeiros legítimos ou testamentários são conhecidos. Já no caso de herança jacente, não há a determinação nem a certeza da existência de herdeiros.
Defendendo a existência de diferenças entre a herança jacente e o espólio, MARIA HELENA DINIZ explicita que:
“convém distinguir a herança jacente do espólio, que designa a sucessão aberta até a partilha dos bens, porque ambos os institutos são entes despersonalizados. Todavia, diferem entre si, pois no espólio os herdeiros legítimos ou testamentários são conhecidos, ao passo que na herança jacente se configura uma situação de fato em que ocorre a abertura da sucessão, porém não existe quem se intitule herdeiro.”[1]
2. PERSONALIDADE JURÍDICA DA HERANÇA JACENTE
Segundo Carlos Roberto Gonçalves, a herança jacente – existente quando o “de cujus” não tenha deixado testamento, e não há conhecimento da existência de algum herdeiro – não tem personalidade jurídica nem é patrimônio autônomo sem sujeito. Em suas palavras, a herança jacente “consiste, em bem verdade, em um acervo de bens, administrado por um curador, sob fiscalização da autoridade judiciária, até que se habilitem os herdeiros, incertos ou desconhecidos, ou se declare por sentença a respectiva vacância”.[2]
Maria Helena Diniz, em seu Curso de Direito Civil Brasileiro, também preleciona que a herança jacente não goza de personalidade jurídica, por ser uma massa de bens identificada como núcleo unitário. Senão vejamos:
“Massa de bens, identificável como unidade, não se personifica, por lhe faltarem os pressupostos necessários à subjetivação, tais como objetivo social, caráter permanente, reconhecimento pelo Estado, e por não precisar de personalidade, já que pode agir por outro processo técnico que, embora não lhe outorgue a mesma homogeneidade, lhe possibilita a ação sem quaisquer dificuldades”.
Importante destacar que a herança jacente apesar de não possuir personalidade jurídica, lhe é reconhecida a legitimação ativa e passiva para comparecer em juízo, gozando, indubitavelmente, de legitimidade ativa e passiva para acionar e ser acionada em juízo, quando se fizer necessário.
O art. 12, IV, do Código de Ritos traz a herança jacente, bem como a vacante como grupos despersonalizados, que são dotados de capacidade para ser parte e para estar em juízo, representadas processualmente pelo seu curador. Este é inclusive o entendimento de Antônio Cláudio da Costa Machado[3] no Código de Processo Civil Interpretado.
Em sentido contrário, está Sílvio de Salvo Venosa defendendo que por existir um administrador na herança jacente, na pessoa do curador, a herança jacente deve ser classificada como uma entidade com personificação anômala. Para tanto, ele utiliza-se de interpretação diversa ao art. 12, IV, do CPC, entendendo que a herança jacente abarca uma série de medidas que tem por objetivo proteger os bens de um titular ainda desconhecido. “Daí porque não podemos negar uma forma de personificação dessas situações, como a própria lei processual o faz”.[4]
Este, entretanto, é o entendimento minoritário, na medida em que a doutrina e a jurisprudência entendem que, em que pese o art. 12, IV, do CPC, a herança jacente não possui personalidade jurídica, senão vejamos:
“Assembléia Legislativa. Capacidade de ser parte. Na situação examinada não se trata de se enquadrar o fenômeno processual em debate no círculo da substituição processual ou da legitimidade extraordinária. O que há de se investigar é se a Assembléia Legislativa está a defender interesses institucionais próprios e vinculados ao exercício de sua independência e funcionamento, como de fato, "in casu", está. A ciência processual, em face dos fenômenos contemporâneos que a cercam, tem evoluído a fim de considerar como legitimados para estar em juízo, portanto, com capacidade de ser parte, entes sem personalidade jurídica, quer dizer, possuidores, apenas, de personalidade judiciária. No rol de tais entidades estão, além do condomínio de apartamentos, da massa falida, do espólio, da herança jacente ou vacante e das sociedades sem personalidade própria e legal, todos por disposição de lei, hão de ser incluídos a massa insolvente, o grupo, classe ou categoria de pessoas titulares de direitos coletivos, o PROCON ou órgão oficial do consumidor, o consórcio de automóveis, as Câmaras Municipais, as Assembléias Legislativas, a Câmara dos Deputados, o Poder Judiciário, quando defenderem, exclusivamente, os direitos relativos ao seu funcionamento e prerrogativas.” (STJ, 1a. Turma, ROMS 8967-SP, Min. José Delgado, relator para o acórdão, j. 19.11.98).
Enfim, a lei não confere personalidade jurídica à massa falida, ao espólio, à herança jacente ou vacante e ao condomínio. Mas a doutrina e a jurisprudência têm admitido a legitimidade de tais “patrimônios” para atuar em juízo, embora desprovidos de personalidade. Denominam-se “pessoas formais” ou “judiciárias”, que compreendem inclusive as pessoas jurídicas em formação, as pessoas jurídicas em liquidação e até mesmo o condomínio irregular.
3. ESTADO DE JACÊNCIA: TRANSITÓRIO E LIMITADO?
Citando LACERDA DE ALMEIDA, CARLOS ROBERTO GONÇALVES declara que o estado de jacência é transitório e limitado por natureza, sendo caracterizada pela situação de imprecisão.
SÍLVIO DE SALVO VENOSA, sem tecer muitos comentários, é preciso ao esclarecer que “o estado de jacência é simplesmente uma passagem fática, transitória.”
Por certo, a transitoriedade é característica da herança jacente. Os bens dessa herança serão entregues aos herdeiros que se habilitarem, ou então será declarada a herança vacante. Fase em que, diferentemente, haverá uma certeza jurídica.
Por sua natureza, como afirmado alhures, a jacência é transitória. A herança fica sob a administração de um curador até a entrega dos bens ao sucessor legalmente habilitado, ou até a declaração de vacância, quando a herança será incorporada ao Estado.
4. VACÂNCIA: SITUAÇÃO DE CERTEZA JURÍDICA?
A sentença que declara vaga a herança põe fim à imprecisão que caracteriza a situação de jacência, estabelecendo a certeza jurídica de que o patrimônio hereditário não tem titular até o momento da delação ao ente público.
Por certo, a vacância é o estado definitivo da herança que já foi jacente.
A sentença que declara a herança vaga estabelece a certeza jurídica de que o patrimônio hereditário não tem titular até o momento da delação ao ente público. O curador é obrigado a entregar a herança ao Poder Público.
5. O HERDEIRO SUSCETÍVEL PODE REIVINDICAR A HERANÇA QUANDO SE DECLARA POR SENTENÇA A VACÂNCIA?
É de clareza solar, CARLOS ROBERTO GONÇALVES, quando afirma que “a declaração de vacância não impede que o herdeiro sucessível reivindique a herança, enquanto não decorrido o prazo de cinco anos contado da abertura da sucessão, AM mesmo que seja colateral e não tenha se habilitado até a declaração de vacância”.
Esta também é a inteligência do art. 1158 do Código de Processo Civil, quando afirma que “transitada em julgado a sentença que declarou a vacância, o cônjuge, os herdeiros e os credores só poderão reclamar o seu direito por ação direta”. Diante disto, não pairam dúvidas de que pode o herdeiro suscetível reivindicar a herança, mesmo quando por sentença for declarada a vacância.
Apesar de não se terem habilitado até o momento do proferimento da sentença declaratória da vacância e desta ter transitado formalmente em julgado, não perdem os herdeiros, o cônjuge, ou os credores do “de cujus” a possibilidade de ver seus direitos reconhecidos.
MARIA HELENA DINIZ esclarece que:
“a sentença que declara a herança vacante transfere ao Poder Público a propriedade dos bens arrecadados; contudo, essa propriedade não será plena, mas resolúvel (CC, art. 1.359) , pois mesmo vaga a herança permanecerá algum tempo aguardando o aparecimento e a habilitação de herdeiro sucessível”.
Vale frisar, entretanto, que não poderão os herdeiros suscetíveis reclamar a herança incidentemente, posto que o procedimento de arrecadação de herança foi extinto, mas poderão fazê-lo a ação de petição de herança e no caso dos credores da ação de cobrança.
6. OS HERDEIROS NA LINHA COLATERAL PODEM REIVINDICAR A HERANÇA QUANDO ELA É DECLARADA VAGA?
Um importante efeito da declaração de vacância por meio de sentença é afastar da sucessão legítima os herdeiros da classe dos colaterais. O art. 1822, parágrafo único é claro ao afirmar que não se habilitado até a declaração de vacância, os colaterais ficarão excluídos da sucessão.
MARIA HELENA DINIZ é clara ao afirmar que:
“O Código Civil, no parágrafo único do art. 1822, prescreve ainda que os colaterais ficam excluídos da sucessão legítima após a declaração da vacância, se não se habilitarem até a declaração da vacância, de maneira que o seu direito hereditário ficará precluso com a sentença de vacância, ao passo que o efeito preclusivo dos direitos sucessórios dos demais herdeiros do autor da herança foi deferido para o termo final do prazo de 05 anos, contado da data de abertura da sucessão.”
Logo, para se excluir o colateral, basta seu desinteresse em habilitar-se até a decretação da vacância, passando a ser considerado renunciante. Logo, pune-se o deu desinteresse, com a exclusão da herança.
7. O PRAZO ESTABELECIDO NO ART. 1822 DO CÓDIGO CIVIL É PRESCRICIONAL OU DECADENCIAL?
Um dos temas tradicionalmente mais difíceis da Teoria Geral do Direito Civil é justamente a distinção entre a prescrição e a decadência. Muitos são os critérios trazidos pelos doutrinadores com o intuito de distinguir estes dois institutos.
A prescrição é a perda da pretensão de reparação do direito violado, em virtude da inércia do seu titular, no prazo previsto em lei. Este conceito é extraído do art.189 do Código Civil, que assim dispõe:
“Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”.
Portanto, a prescrição não é a perda do direito, e sim a perda da pretensão, reitere-se.
A prescrição tem por objeto direitos subjetivos patrimoniais e disponíveis. Não afeta direitos sem conteúdo patrimonial. Também não atinge o direito de ação em si, que é um direito público, subjetivo e abstrato.
Isso porque o direito de ação tem origem constitucional e significa o poder de pedir ao Estado Juiz um provimento jurisdicional que ponha fim ao litígio.
A pretensão pode ser conceituada como sendo o poder de exigir de outrem coercitivamente o cumprimento de um dever jurídico. Então, pode-se dizer que a prescrição é a perda do direito de exigir de outrem coercitivamente o cumprimento de um dever jurídico.
Por seu turno, a decadência é perda de um direito potestativo, pela falta de seu exercício, no período de tempo determinado pela lei ou pela vontade das partes.
Vê-se que, enquanto a prescrição atinge a pretensão e está ligada a direitos subjetivos, a decadência representa a perda do próprio direito potestativo.
Direitos potestativos são aqueles que conferem ao respectivo titular o poder de influir ou determinar mudanças na esfera jurídica de outrem, por ato unilateral, sem que haja dever correspondente, apenas uma sujeição.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, afirmam que há perfeita correspondência entre os institutos da prescrição e a decadência e a classificação das ações, de acordo com a tutela jurisdicional pretendida.
Nas ações condenatórias, pretende-se obter do réu uma determinada prestação, ou seja, está sendo exercida uma pretensão. Então, somente pode ocorrer a prescrição de direitos exercitáveis através de ações condenatórias.
É constitutiva a ação quando se procura obter, pela via judicial, a criação/modificação/extinção de uma situação jurídica. Já a decadência se refere à perda efetiva de um direito e somente se relaciona a direitos potestativos. Tal manifestação, por ser elemento do próprio exercício do direito, somente pode-se dar por ações constitutivas.
Por fim, as ações declaratórias, que visam somente ao mero reconhecimento de certeza jurídica são imprescritíveis.
Pois bem. O Código Civil assim dispõe:
“Art. 1.822. A declaração de vacância da herança não prejudicará os herdeiros que legalmente se habilitarem; mas, decorridos cinco anos da abertura da sucessão, os bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União quando situados em território federal”.
Como se vê, o prazo a que alude o dispositivo legal acima indicado é decadencial, pois não está sendo dirigida pretensão alguma contra o Estado, mas tão somente há a fixação de prazo para o exercício de um direito.
Informações Sobre os Autores
Dayane Sanara de Matos Lustosa
Advogada e Correspondente Jurídico do LUSTOSA Assessori a e Consultoria Jurídica. Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana Bahia. Colaboradora de vários sites e revistas jurídicas
Dayse Cristina de Matos Lustosa
Consultora Jurídica do LUSTOSA Assessoria e Consultoria Jurídica. Graduada em Direito pela Faculdade Anísio Teixeira de Feira de Santana