Fundamento.
O controle de constitucionalidade traduz a necessária busca da coerência das normas legais com a Constituição, com o texto fundamental de cada sistema politicamente organizado.
Coerência é o mínimo que se pode dizer a respeito da obrigatoriedade das disposições de cada lei respeitarem os dispositivos maiores de cada Constituição.
Hans Kelsen já explicava que a ordem jurídica é um sistema de normas e que, em razão disto, as normas, necessariamente, devem ser válidas. Para se aferir a validade das mesmas, há de haver o parâmetro, o paradigma segundo o qual a lei, ou seja, o documento escrito, geral, inovador e em vigência que reúne todas as normas, seja válido dentro daquele sistema.[1]
Lembra o autor que nós devemos esclarecer em que nos fundamentamos para atribuir validade a uma norma. Observa ainda que a norma não é um enunciado a respeito da realidade e, assim, não deve ser considerada “verdadeira” ou “falsa”, mas sim, na verdade, válida ou não válida.
São as suas palavras: “O fundamento para a validade de uma norma não é, como o teste de veracidade de um enunciado de”ser”, a sua conformidade à realidade. (…) O verdadeiro fundamento são normas pressupostas, pressupostas porque tidas como certas. O fundamento para a validade da norma “não matarás” é a norma geral “obedecerás aos mandamentos de Deus”. (…) O fundamento para a validade de uma norma é sempre uma norma, não um fato. A procura do fundamento de validade de uma norma reporta-se, não à realidade, mas a outra norma da qual a primeira é derivável…”.[2]
Lembra também que o fundamento para a validade de uma norma é sempre uma norma, não um fato.
Em outras palavras, o que chamamos de norma fundamental é aquela norma cuja validade não pode ser derivada de uma norma superior. “Todas as normas cuja validade podem ter sua origem elevada a uma norma fundamental formam um sistema de normas, uma ordem”.
Cretella Jr e Cretella Neto explicam que a “supremacia constitucional” consiste no fato de que a Constituição é considerada pedra angular do sistema jurídico-político do país, configurando validade e legitimidade aos poderes do Estado, dentro dos limites por ela impostos, não podendo ser contrariada por qualquer texto ou dispositivo legal do ordenamento jurídico, sob pena de ser considerado inconstitucional.[3]
Alexandre de Moraes entende que a idéia de controle de constitucionalidade está ligada à supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico, à rigidez constitucional e à proteção dos direitos humanos.[4]
É que a Constituição ocupa a hierarquia do sistema normativo, ou seja, é nela que o legislador encontrará a forma e o conteúdo das leis. Além do mais, “… nas constituições rígidas se verifica a superioridade da norma magna em relação àquelas produzidas pelo Poder Legislativo, no exercício da função legiferante ordinária”.[5]
Jorge Miranda faz a seguinte observação:
“…, não é suficiente a emanação de uma Constituição em sentido formal para que o sistema se dote de um aparelho de fiscalização e, muito menos, de uma fiscalização jurisdicional – porque, lógica e historicamente, não se confundem inconstitucionalidade e fiscalização da inconstitucionalidade. É necessário, além disso, que a supremacia da Constituição se revele um princípio jurídico operativo”.[6]
A supremacia constitucional ganhou muita importância nos Estados Democráticos de Direito e o surgimento e o crescimento dos sistemas de justiça constitucional foram, conforme Cappeletti, fenômenos da maior relevância na evolução de muitos países europeus.[7]
Conclui da seguinte forma o autor paulista:
“O controle de constitucionalidade configura-se, portanto, como garantia de supremacia dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição que, além de configurarem limites ao poder do Estado, são também uma parte da legitimação do próprio Estado, determinando seus deveres e tornando possível o processo democrático em um Estado de Direito”.[8]
Histórico.
Na sua importante e original obra a respeito do processo constitucional, o autor mineiro de Teófilo Otoni, José Alfredo de Oliveira Baracho elabora uma teoria geral dos controles constitucionais.[9]
A origem da teoria dos controles constitucionais estaria nos estudos doutrinários estadunidenses. Isto porque os limites ali impostos ao poder político ajudaram muito para a eficácia e a estabilidade das normas constitucionais e foram fundamentais para a consolidação das estruturas democráticas.
A finalidade da Constituição seria a de limitar a concentração de poder e distribuir as diversas funções estatais entre quem exercesse o poder público, a autoridade.[10]
De acordo com Lowenstein, os controles dos órgãos estatais são muito importantes para o desempenho de instituições democráticas contrariamente aos processos de concentração de poder.[11]
Para Montes, entende-se que o controle da constitucionalidade manifesta-se como aspecto concreto do controle jurídico.[12]
Baracho lembra que são usadas de maneira indistinta as expressões “controle constitucional” e “controle de constitucionalidade” para se nomear indistintamente o fenômeno do controle da legitimidade constitucional dos atos estatais. E ressalta que, na doutrina comparada, a expressão “controle de constitucionalidade é considerada mais apropriada.
É o que diz:
“Dentro de certo rigor terminológico, o controle da constitucionalidade é a categoria que determina a fiscalização dos órgãos constitucionais, através (sic) do limite de suas manifestações ou pronunciamentos”.[13]
Segundo Battaglini, em Esparta e Atenas não existia uma Corte Constitucional, nos moldes italianos atuais, descendente direta da criada pela Constituição da Áustria e influenciada por Hans Kelsen. O que havia na antiguidade era o choque entre a lei fundamental do Estado e outras leis que disciplinavam as relações humanas.[14]
Estudando as instituições políticas antigas, desde a Grécia, Battaglini revela aspectos úteis que podem mostrar alguma vinculação ao sistema de controle. Na Grécia a sanção era contra o proponente da ação e não contra a norma. Ocorre apenas a responsabilidade do cidadão pela atividade legislativa contrária à lei.[15]
Em Roma não havia um controle de constitucionalidade ou de legalidade, como na Grécia. O que existia era tão somente o tribuni plebis que era uma magistratura criada para proteger a plebe. Visava à defesa de uma classe e não da Constituição.[16]
No período medieval, o ato do soberano era limitado pelo direito natural, que o declarava formalmente nulo e não vinculante, para o juiz competente para aplicar o direito.
Maquiavel alerta aos que constituírem uma República para a necessidade de constituírem uma vigilância à liberdade.[17]
Battaglini aborda o Summus Magistratus, apesar de não considerá-lo verdadeiro e específico controle de conformidade da lei à norma constitucional.
A primeira Constituição que tratou do controle de constitucionalidade por meio de órgão especificamente criado foi a da Pennsylvania de 1776.
A Convenção de Filadélfia de 1787 foi importante palco de discussões acerca do controle de constitucionalidade da atividade legislativa, com reflexos no futuro Estado federal: controle da lei do Estado Federal e sobre a lei federal.[18]
Em França, a questão do problema da constitucionalidade nasce juntamente como período revolucionário do século XVIII. Siéyès escrevera projeto considerado o melhor elaborado e mais completo. Previa-se a criação de um Senado que exerceria uma espécie de poder moderador responsável pela prevenção e repressão contra quaisquer abusos de autoridade. Falou-se até mesmo em uma Corte Constitucional: “A Suprema Corte Constitucional provê à tutela da Constituição e da ordem interna do Estado em caso de carência do poder executivo”.[19]
A Constituição napolitana teria um título acerca da “Custódia da Constituição”.
A Constituição italiana do período de Napoleão (Constituição da República Cisalpina de 1797, art. 86) não teve influência a respeito do controle da legitimidade constitucional. O que era previsto em seu texto apenas possibilitava a anulação de ato legislativo por defeito de forma. Este poder pertencia ao Consiglio del seniori.
A Constituição Espanhola de 1812, no capítulo X, traz instituto que objetiva o controle de constitucionalidade da atividade legislativa. Tal instituto era conhecido como Disputación permanente de Cortes.
Romagnosi, na Itália, contribui com a doutrina chamada antagonisti costituzionali, em um regime de garantia constitucional. Nesta doutrina, o tribunal competente é o Senado, que exerceria a vigilância constitucional, dentro e fora do Estado.
A doutrina de Rosmini manifestava-se a favor da existência de um órgão que ao mesmo tempo que controlasse a constitucionalidade das leis, protegesse os direitos constitucionais dos cidadãos. [20]
Já em relação às experiências e doutrinas do controle de constitucionalidade nos países da antiga Germânia, basicamente os de língua alemã, Battaglini faz referência obrigatória à Constituição da Áustria de 1920 e sua previsão da Corte Constitucional austríaca, segundo influência direta de Hans Kelsen.
No entanto, a Constituição imperial, de 1867, primeiramente se manifestou acerca do Tribunal Constitucional.
Instituído pela lei constitucional de 21 de dezembro de 1867, regulamentado em 18 de abril de 1869, o Tribunal Constitucional ou Tribunal do Império era competente para julgar conflito positivo de atribuições entre dois Estados-Federados; conflito positivo de atribuição entre os Estados-Federados e órgãos estatais e julgar os recursos dos cidadãos por violação dos direitos políticos garantidos pela Constituição, esgotado o trâmite no juízo administrativo.[21]
Baracho observa que os estudos acerca do controle de constitucionalidade foram intensos, sendo restritos apenas em regimes políticos não democráticos ou perdendo sua importância em algumas fases de evolução de certos sistemas políticos.[22]
Cappelletti lembra que os povos europeus não devem se surpreender com a atualidade das discussões a respeito do controle judicial da constitucionalidade nos Estados Unidos da América. E lembra que o raciocínio do Juiz Presidente da Corte Suprema, Marshal, em Marbury vs. Madison, no sentido de que a Constituição é a lei superior e os juízes estão obrigados a aplicá-la sobre a lei ordinária que a contrarie.[23]
Jorge Miranda faz importante estudo histórico a respeito dos sistemas de fiscalização da constitucionalidade. Para o autor os grandes pressupostos da fiscalização da constitucionalidade das leis e dos demais atos jurídicos de direito público são a existência de uma Constituição em sentido formal e a consciência da necessidade de garantia dos seus princípios e regras com a vontade de instituir meios adequados.
De outra forma, não basta que se crie uma Constituição formal para que o sistema seja capaz de fiscalizar a sua observância. É necessário o estabelecimento da supremacia constitucional.[24]
O constitucionalismo liberal europeu não tinha clara percepção da necessidade de garantia constitucional por razões que vão desde o fato de se acreditar em uma espécie de harmonia política e na força, ao mesmo tempo obrigatória e de dissuasão das Constituições escritas, pelo fato de a Constituição não ser rigorosamente fundamento ou critério de validade das leis, por considerar-se a lei fruto da razão e não da vontade e pela visão rígida e mecanicista da teoria da separação dos poderes.[25]
O que havia eram garantias graciosas e políticas como o direito de petição à vigilância do cumprimento da Constituição pelas Câmaras e à predisposição, esporádica, de um outro órgão político com essa função. Na Grécia, a partir de 1859,na Noruega, desde 1890 e em Portugal, na mesma época, os tribunais invocaram o poder de não aplicar normas inconstitucionais.
No século XX foi adquirida a convicção de que a Constituição só servirá de garantia dos direitos fundamentais ou da ordem social e política se for garantida.
Citando diferentes autores como ANDRÉ BLONDEL, EDWARD Mc WHINNEY, CAPPELLETTI, WILLIAM COHEN, BREWER CARRIAS, NUNO ROLO RUI MEDEIROS, GOMES CANOTILHO, dentre outros, Miranda estabelece observação histórico-comparativa e constata três grandes modelos ou sistemas típicos de garantia de constitucionalidade: o modelo político, o modelo judicialista e o modelo de Tribunal Constitucional.
No modelo político destaca-se a fiscalização exercida pelo próprio Parlamento, realizada na maioria dos países europeus, União Soviética, Ásia e África. Também ocorre o controle de constitucionalidade por órgão político especialmente constituído para tal, ligado ou não ao Parlamento. França e Romênia conheceram este último modelo.
Em outros sistemas constitucionais como a monarquia constitucional com poder moderador e a monarquia limitada aos sistemas de governo representativo simples, entendeu-se que a garantia da Constituição cabia ao Chefe do Estado.[26]
Após a I Guerra Mundial, mesmo com o surgimento do modelo do Tribunal Constitucional, na Alemanha foi preconizada a atribuição ao Chefe do Estado da função de guardião da Constituição.
O modelo justicialista, segundo Miranda, é baseado no poder normal do juiz se negar a aplicar leis inconstitucionais às causas que deve resolver. É HAMILTON quem disse que nenhum ato legislativo pode ser válido se contrariara Constituição. Os legisladores não são juízes constitucionais de suas funções.
O modelo justicialista em seu estado puro de fiscalização difusa, concreta, incidental e, primeiramente, por via incidental, propagou-se para a Grécia, Noruega, Portugal, para os países anglo-saxônicos com Constituições escritas, para a América Latina, Dinamarca, Romênia, Alemanha, Japão, Itália e Suécia.[27]
Finalmente, o modelo de Tribunal Constitucional agregaria elementos dos modelos político e judicialista, em virtude do Tribunal possuir características de órgão jurisdicional sem ser um tribunal como os demais.
Inicialmente, o Tribunal exerceria a fiscalização abstrata, principal e mediante ação de constitucionalidade. Depois, assumiu o mesmo maiores competências de fiscalização nos incidentes de constitucionalidade que fossem a ele enviados.
Exemplos firmes são os Tribunais Constitucionais da Itália e da Alemanha. Atualmente pode se falar nos seguintes países dotados de tribunais constitucionais: Portugal, Espanha, Equador, Peru, Guatemala, Colômbia, Chile, Bolívia, Hungria, Croácia, Bulgária, Eslovênia, Romênia, Lituânia, Albânia, Macedônia, República Checa, Eslováquia, Rússia, Moldávia, Ucrânia, Polônia, Coréia do Sul, Cabo Verde, Angola e África do Sul.
Na Grécia, França, Bélgica e Moçambique também existem órgãos com bastantes semelhanças com os Tribunais Constitucionais.[28]
No Brasil, a partir da proclamação da República em 1889, o Decreto nº 848,de 11 de novembro de 1890 criou o controle judicial da constitucionalidade das leis copiando o modelo estadunidense, com os controles difuso,concreto e incidental.
As Constituições seguintes consagraram-no e desenvolveram-no até que a Constituição de 1988 completou o sistema com os institutos de controle de inconstitucionalidade por ação, por omissão, pelo controle concreto ou abstrato. Segundo Miranda, foi o início de uma nova fase do sistema de controle de constitucionalidade no Brasil.[29]
Conceito.
Alexandre de Moraes conceitua:
“Controlar a constitucionalidade significa verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a constituição, verificando seus requisitos formais e materiais.
Dessa forma, no sistema constitucional brasileiro somente as normas constitucionais positivadas podem ser utilizadas como paradigma para a análise da constitucionalidade de leis ou atos normativos estatais (bloco de constitucionalidade).
Ressalte-se que, se possível for, a fim de garantir-se a compatibilidade das leis e atos normativos com as normas constitucionais, deverá ser utilizada a técnica de interpretação conforme…”“.
Inconstitucionalidade e Garantia da Constituição.
Segundo Miranda, constitucionalidade e inconstitucionalidade designam conceitos de relação entre a constituição e um comportamento que lhe está ou não conforme, que cabe ou não no seu sentido, que tem na mesma ou não a sua base.
Seriam conceitos resultantes do confronto de uma norma ou um ato com a constituição, correspondentes a atributos que tal comportamento receberia em face de cada norma constitucional.[30]
Parte a análise do fenômeno da inconstitucionalidade do seu primeiro termo, ou seja, a constituição. A constituição aqui é considerada em relação a uma norma determinada, “a certa norma que rege certo comportamento”; por referência a certa norma, ou a certo segmento de norma, independentemente de qual for a sua expressão verbal.
O que há aqui é sempre uma norma violada. Pela inconstitucionalidade se transgride uma norma constitucional de cada vez, uma a uma e não todas ao mesmo tempo igualmente.[31]
Seguidamente, há de analisar-se o comportamento do poder público. Miranda trata da seguinte forma:
“a) Um comportamento de órgão do poder político ou mais amplamente, de entidades públicas e, no limite, de entidades privadas investidas e autoridade pública.
b) Um comportamento de órgão do poder político ou de entidade pública, e não dos particulares, seja em relações jurídico-privadas, seja em relações jurídico-públicas, inclusive no exercício de direitos políticos como o do sufrágio ou o de associação em partidos políticos.
(…)
c) Um comportamento de órgãos de poder político no exercício da sua autoridade própria, sujeito a regras de Direito Público; não um comportamento de entidades públicas (da Administração) sujeito a regras de Direito Privado, não um acto de gestão privada da Administração.
d) Um comportamento tanto positivo – uma acção – como negativo – uma omissão;
(…)
e) Um comportamento infraconstitucional, um comportamento subordinado à Constituição; ou, doutra perspectiva, no caso de acto normativo, uma norma infraconstitucional ou uma norma constitucional – mas esta criada por revisão, e não uma norma constitucional originária, produto do poder constituinte (originário).
f) Um comportamento, seja qual for o seu conteúdo – normativo ou não normativo, geral ou individual, abstracto ou concreto.
g) Qualquer comportamento de Direito interno, mas apenas qualquer norma de Direito internacional e somente quando aplicável na ordem interna.
(…)
Ao invés, os actos que decorram na órbita do Direito internacional não são, enquanto tais, susceptíveis de inconstitucionalidade. Susceptíveis de inconstitucionalidade são, sim, os conteúdos desses comportamentos enquanto deles se desprendam – ou seja, as normas constantes de tratados aplicáveis na ordem interna ou as normas produzidas por órgãos de organizações internacionais com aplicabilidade e eficácia directa. Daí, enfim, que um eventual juízo de inconstitucionalidade de normas jurídico-internacionais, se limite à ordem interna do Estado que o emite, e não para além dela”.[32]
O autor português, com base na obra de Marcello Caetano, ressalta que inconstitucionalidade verdadeira e própria só pode ser inconstitucionalidade específica ou direta.[33]
Ação direta de inconstitucionalidade interventiva.[34]
Também conhecida como representação interventiva, o controle de constitucionalidade da intervenção federal adentrou no regime jurídico nacional a partir da Constituição de 1934, em seu art. 12, §2º.
Rodrigo Lourenço explica que, a partir da Constituição de 1946, o Procurador Geral da República ganhou competência para impugnar a constitucionalidade de atos locais por violação aos princípios constitucionais sensíveis, sendo da competência do Supremo Tribunal Federal o respectivo julgamento.[36]
O autor do Rio de Janeiro observa que, mesmo surgindo 19 anos antes da ação direta de inconstitucionalidade, a ação interventiva perdeu importância no cenário jurídico nacional. Isto se deveu ao fato de que a ação direta de inconstitucionalidade sujeitar um número maior de atos normativos e não gerar os inconvenientes da primeira.
Ao tratar da organização do Estado brasileiro, a Constituição da República determina que a organização político-administrativa compreende todos os entes federativos, ou seja, União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, todos autônomos. Sendo a autonomia a regra, a Constituição mesmo, nos sete incisos do art. 34, prevê os casos nos quais poderá ocorrer a intervenção da União nos Estados e no Distrito Federal.[37]
O fato lembrado por Lourenço é que a intervenção representa gravíssima situação de exceção à autonomia de um ente da Federação.[38]
A violação dos princípios sensíveis da Constituição da República (art. 34, VII) pode causar a ação direta interventiva. O Procurador-Geral da República deve ajuizá-la e o Supremo Tribunal Federal processá-la e julgá-la (art. 36, VI).
Após ajuizamento da representação pelo chefe do Ministério Público da União, segundo o Regimento Interno do STF, o seu Presidente deve procurar eliminar a causa do pedido. Lourenço classifica, de acordo com o citado regimento essa atuação do ministro-presidente como materialmente administrativa.
Infrutíferos os contatos entre as autoridades envolvidas e o Presidente do STF, serão requisitadas informações às primeiras.
Recebidas as informações, o Procurador-Geral da República receberá vistas ao processo para a emissão de parecer.
O Presidente do STF será o relator do pedido de intervenção. O Plenário deverá julgá-lo.
Procedente o pedido, a intervenção será requisitada ao Presidente da República.
O que Moraes explica é que, em uma das possibilidades de decretação da intervenção federal nos Estados e nos Municípios, a do art. 34, VII, há fundamento na defesa e observância dos princípios constitucionais sensíveis, ou seja:
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
b) direitos humanos;
c) autonomia municipal;
d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta;
e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.
Tais princípios são assim chamados em razão de sua inobservância poder acarretar a intervenção federal sobre a autonomia política do Estado ou Distrito Federal que mal exercer suas competências legislativas, administrativas ou tributárias.
Desta forma, quaisquer leis ou atos normativos do poder público, na realização de sua competência constitucional, que viole um dos princípios sensíveis constitucionais, poderá sofrer controle concentrado de constitucionalidade, por meio da ação interventiva.[39]
Para Moraes, no entanto, “…a chamada intervenção normativa dependerá de provimento pelo STF, da ação direta de inconstitucionalidade interventiva, proposta pelo procurador-geral da República, que detém legitimação exclusiva. (…) o fato de a Constituição Federal referir-se à representação do procurador geral da República, não altera sua natureza jurídica de ação”.[40]
Finalidade.
A ação direta interventiva tem dupla finalidade, ou seja, objetiva a declaração de inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo estadual e a decretação de intervenção federal no Estado-membro ou no Distrito Federal. Segundo Moraes, a primeira delas seria de natureza jurídica e a última de natureza política.
Ao julgar procedente a ação interventiva, o STF declara que existiu violação de princípio constitucional sensível e, transitada em julgado, comunica a autoridade interessada e o Presidente da República para as providências constitucionais.
A intervenção federal deverá ser decretada pelo Presidente da República, devendo se limitar a suspender a execução do ato impugnado, se esta medida for suficiente para se restabelecer a normalidade.
Em não sendo suficiente a medida, efetivar-se-á a intervenção e romper-se-á autonomia do Estado-membro.
Em razão da Constituição não exigir a apreciação pelo Congresso Nacional da intervenção, não haverá controle político da mesma.
A sua duração deve ser suficiente para a volta da normalidade do pacto federativo.[41]
Moraes explica os efeitos jurídicos da ação direta interventiva como decorrentes de sua dupla finalidade.[42]
No sentido jurídico, a lei ou o ato normativo inconstitucional será nulo e excluído da ordem jurídica com os efeitos retroativos e de observância obrigatória por todos.
Politicamente, a declaração de inconstitucionalidade gera efeitos políticos consistentes na possibilidade de intervenção federal em um Estado-membro ou no Distrito Federal.
Para Elival da Silva Ramos, os efeitos da decisão na ação interventiva consistem em autorizar o ato de intervenção.[43]
Ressalta Moraes, com base no Regimento Interno do STF, que julgada procedente e transitada em julgado, a ação interventiva deve ser comunicada pelo STF à autoridade interessada e requerido ao Presidente da República a decretação da intervenção.[44]
Enrique Ricardo Lewandowski ressalta que após o provimento da representação ministerial e requisitada a intervenção, é incumbência do Presidente da República decretá-la sem demora em razão de ser a mesma um ato vinculado.[45]
Julgado pela Segunda Turma do STF em 14/03/1989 o Recurso Extraordinário nº 115684 de São Paulo foi relatado pelo Ministro Carlos Madeira gerou o seguinte extrato de ementa: Ação direta interventiva. Intervenção no Município. Decisão judicial descumprida por prefeito. Ilegitimidade “ad causam” de particular. Legitimidade ativa do procurador-geral de Justiça.[46]
Já a sua ementa foi ditada nos seguintes termos: “Intervenção no Município. Representação interventiva com fulcro em descumprimento, pelo prefeito, de ordens judiciais, dirigidas diretamente ao Tribunal de Justiça, em face do arquivamento de idêntico pedido ao Procurador-Geral de Justiça. Impossibilidade na ação direta interventiva, o Ministério Público não é substituto processual, mas parte, deduzindo em juízo pretensão própria (Art. 15, § 3º, ‘D’ da Constituição de 1967/1969; Art. 106, VI da Constituição do Estado de São Paulo). O interessado no cumprimento da decisão não tem legitimidade para propor ao Poder Judiciário a intervenção no Município. Arquivamento do pedido feito ao Procurador-Geral de Justiça em virtude de não se configurar, no Município, situação que exija o restabelecimento da normalidade pela intervenção. Recurso extraordinário conhecido e provido”.
O que houve no caso foi o descumprimento de decisão judicial por um prefeito municipal pela ausência de pagamento de precatório. Restou declarada a ilegitimidade do particular para a ação direta interventiva.
O Recurso Extraordinário 100097, relatado pelo Ministro Soares Muñoz, trata da representação de inconstitucionalidade de Lei municipal. Utilizou-se como fundamento constitucional a previsão da Constituição de 1967/69, art. 15, §3º, “d”.[47]
Consultados mais outros quatro resultados obtidos na pesquisa na página eletrônica do Supremo Tribunal Federal, o que se verificou foi a reafirmação por parte dos Ministros Thompson Flores, Cordeiro Guerra, etc, que somente o Procurador Geral de Justiça é quem tem legitimidade para propor a ação direta interventiva nos Tribunais de Justiça de cada Estado onde se situar o Município que produzira normas inconstitucionais.
A Lei nº 9982, de 3 de dezembro de 1999 disciplina o processo e o julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental, segundo o §1º do art. 102 da constituição Federal.
Cabe ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar originariamente a argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente da Constituição.
O que busca a lei 9982 é evitar ou reparar qualquer lesão a preceito fundamental por parte de ato do poder público.
A argüição também caberá quando for importante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição.
O texto do inciso I da Lei 9982/99 traz ação que não era prevista na Constituição. Segundo Araújo e Nunes Júnior, estaria aqui caracterizada uma inconstitucionalidade pela ocorrência de hipótese não prevista na Constituição. Além do mais, trouxe para o controle concentrado atos normativos municipais, estaduais e federais,até mesmo anteriores à Constituição de 1988.[48]
Podem propor a argüição de descumprimento de preceito fundamental os mesmos legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade. São eles o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador do Estados ou o do Distrito Federal, o Procurador Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, os partidos políticos com representantes no congresso Nacional e as confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional.
A petição inicial deverá indicar qual preceito fundamental se considera violado e por qual ato. Logicamente há de haver provas da violação do preceito fundamental. O pedido deverá ser específico. De acordo comas possibilidades, a petição inicial deverá trazer a comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado.
Naturalmente,a petição inicial deverá conter o instrumento de mandato,ou seja, a procuração, e as cópias do ato questionado com os documentos necessários para a produção da prova.
O relator indeferirá liminarmente as petições ineptas ou as que não forem cabíveis no caso de descumprimento de preceito fundamental.
Havendo alguma outra maneira de se desfazer a lesão ao preceito fundamental a argüição de descumprimento de preceito fundamental não será admitida.
O indeferimento da petição inicial dá direito ao agravo no prazo de cinco dias.
É possível o pedido de medida liminar na argüição de descumprimento de preceito fundamental. Aqui é necessária a decisão da maioria absoluta dos membros do Supremo Tribunal Federal.
Nos casos de maior urgência ou no recesso do Poder Judiciário, o relator da argüição poderá conceder a liminar até que o Tribunal Pleno se reunir e decidir a questão.
O relator poderá ouvir os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato questionado, bem como o Advogado-Geral da União ou o Procurador-Geral da República, no prazo comum de cinco dias.
Doutor em direito administrativo pela UFMG, advogado, consultor jurídico, palestrante e professor universitário. Autor de centenas de publicações jurídicas na Internet e do livro “O Servidor Público e a Reforma Administrativa”, Rio de Janeiro: Forense, no prelo.
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