Repatriamento de obras: uma tendência no mercado de arte

Fernanda Galera Soler

O fenômeno do repatriamento é tema constante de manchetes em jornais nacionais e internacionais em razão da evasão de capitais própria dos crimes de corrupção, mas esse instituto jurídico também está associado às pessoas físicas, visto que o repatriamento pode ser aplicado a qualquer situação e significa fazer regressar à pátria de origem ou ao país natal qualquer pessoa ou bem, inclusive as obras intelectuais.

A ideia de repatriar obras, ou restituir como preferem alguns estudiosos, não é inovadora, em especial quando se trata de obras de artes plásticas. Há quem diga que a origem histórica do repatriamento remonta ao período pós-Segunda Guerra Mundial, em razão do tráfico internacional de obras de arte promovido durante o confronto, sobretudo pelas forças nazistas. Encerrado o conflito, os sobreviventes iniciaram uma busca pelo seu patrimônio perdido, muitas vezes não apenas pelo valor financeiro, mas também por aspectos culturais, religiosos e sentimentais. Na maioria dos casos, no entanto, não houve sucesso na localização e/ou restituição desses bens.

O repatriamento de obras também é tema de filmes, como “A Dama Dourada”, que retrata as dificuldades das pessoas que desafiam o sistema e o que era entendido como fato ou verdade histórica[1], , para restituir obras de arte aos seus verdadeiros donos e países de origem. Atualmente, importantes advogados internacionalistas atuam diretamente em casos que buscam o “retorno ao lar” de obras de arte, com o intuito de preservar não somente os bens de seus clientes, mas também o patrimônio histórico e cultural de determinados países.

Ocorre que o repatriamento de obras não se aplica somente às criações intelectuais que foram perdidas durante a Segunda Guerra, mas também à revitalização da história, da cultura e da identidade de países que foram vítimas de pilhagem, em consequência do imperialismo,  ou de campanhas militares realizadas ao longo dos séculos. Tal fenômeno pode ser percebido após uma simples análise das coleções dos principais museus e/ou acervos particulares do mundo, que contam até mesmo com alas específicas para obras e, em alguns casos, bens culturais de diferentes populações, culturas ou épocas da civilização.

Ora, se tais obras estão em pose de terceiros que não são os proprietários originários das referidas criações, existindo dúvidas acerta da legalidade dessa transferência de propriedade e, na hipótese, de referidos bens serem considerados parte do patrimônio histórico ou cultural de determinada nação, é necessária maior atenção a essas obras.

Tais situações suscitam o debate sobre repatriamento, conforme vem sendo discutido mundo afora, em especial em relação às criações africanas, pré-colombiana, egípcias e gregas, posto que a manutenção de tais peças fora de seus contextos originais – em instituições públicas ou mesmo em galerias particulares –  poderia rememorar os fatos pretéritos e  as diferenças históricas, mas também dificultar o acesso da população de determinadas nações a seu patrimônio histórico e cultural.

Um caso de sucesso que é pouco explorado pelos estudiosos, em razão da sua não finalização,  da existência de dúvidas acerca do seu integral cumprimento e do destino de parte dos bens envolvidos, é a devolução dos itens que estavam na cidade de Machu Picchu, quando do seu descobrimento, ao governo do Peru que atualmente os exibe em um museu na cidade de Cusco.

No Brasil, um dos poucos casos relacionados a esse tema gira em torno de um manto tupinambá, objeto do folclore pátrio que atualmente está na Dinamarca e é reivindicado pela comunidade tupinambá. Os outros casos nacionais envolvendo repatriamento de obras não estão, porém, associados às questões culturais e/ou históricas, mas sim à evasão de divisas, desvio de capitais e dispersão do patrimônio, como o processo de falência do Banco Santos.

É uma discussão ainda incipiente e com pouca repercussão no Brasil, em que pese a riqueza cultural brasileira. Mas casos similares aos acima citados se espalham pelo mundo, motivando a atuação de advogados com um perfil mais negociador, tendo em vista a sensibilidade do tema e a relevância das obras em debate para todos os envolvidos.

 

[1] Referida pontuação é relevante, visto que a história passa por uma curadoria do que é relevante, sendo contada usualmente pelos vencedores e por aqueles que tem acesso à grande mídia.

Importante ressaltar, ainda, que tal fenômeno se repete usualmente quando ocorrem infrações aos direitos humanos, existindo até mesmo Comissões de Verdade, para tentar apurar o que de fato ocorreu em determinadas situações em que a “verdade” não é clara.

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