Nova lei do estagiário: Rumo à equiparação com o empregado?

Em 25 de setembro de 2008 foi promulgada a Lei 11788 (publicada no DOU de 26 de setembro de 2008), a nova lei do estagiário, prevendo uma série de novos direitos para esta categoria especial de trabalhadores.


Tendência notada nos últimos anos, a de aproximar trabalhadores sem vínculo empregatício ao empregado, com os novos direitos do estagiário ressurge a questão quanto à existência ou não de uma distinção essencial entre o estagiário e o empregado.


Esteado nos requisitos do vínculo empregatício, não se nota uma diferença fundamental entre os dois trabalhadores, senão vejamos: o estagiário é pessoa natural, laborando de modo subordinado, não-eventual e pessoal.


Único elemento possivelmente distintivo, a onerosidade tem-se tornado cada vez mais freqüente, sobretudo devido à inovação, presente na nova lei, da obrigatoriedade da bolsa para os estágios não-obrigatórios.


Doutrina majoritária apresenta, contudo, um fator distintivo além dos tradicionais requisitos do vínculo empregatício: o exercício do trabalho em complementação aos estudos, fator presente na antiga lei e retomado pela nova lei do estagiário.


Convém, aliás, se demandar: afinal, quais seriam, exatamente, as inovações trazidas pela Lei 11788 para a situação do estagiário? Quais seriam as diferenças em relação à Lei 6494/77, a antiga lei do estagiário?


Passemos, então, a abordar os diferentes aspectos da Lei 11788/08 para responder a essas indagações.


1. Definição (art. 1º Lei 11788/08)


Na antiga e na nova lei, estagiário é o estudante que complementa os seus estudos no local de trabalho.


O que foi alterado, com a nova lei, é de que estudos se trata: aos ensinos médio, profissionalizante, especial e superior, uniu-se, pela nova lei, o ensino fundamental profissionalizante (seus últimos anos), hipótese não prevista pela Lei 6494/77.


2. Tipos (art. 2º Lei 11788/08)


Outra inovação trazida pela nova lei é a criação de dois tipos de estágios: o obrigatório e o não-obrigatório.


O primeiro é o previsto como carga horária obrigatória, prevista na grade curricular do respectivo curso do estagiário, como requisito obrigatório para a conclusão do mesmo. Exemplo dele é o estágio realizado nos escritórios modelos e nos núcleos de prática jurídica das universidades nacionais.


Já o estágio não-obrigatório é o não-previsto na grade curricular do curso do estagiário, não sendo, portanto, requisito para a conclusão do curso.


3. Requisitos (art. 3º, I a III Lei 11788/08)


Três requisitos são apresentados pela nova lei para a caracterização do contrato de estágio: matrícula e freqüência regular do educando num dos ensinos acima mencionados; termo de compromisso entre o estagiário, a instituição de ensino e a parte concedente do estágio; compatibilidade entre as atividades exercidas no estágio e o ensino ministrado ao estagiário.


4. Agentes de integração (art. 5º, caput e §2º Lei 11788/08)


Há, portanto, três partes envolvidas no contrato de estágio: estagiário, instituição de ensino e parte concedente.


Existe a possibilidade, ademais, da presença de um agente de integração, facilitador da colocação do estagiário no mercado de trabalho. Exemplo comum deste agente são os CIEEs, que proliferam pelo país afora.


Estes agentes, pela Lei 11788, podem ser públicos ou privados, devendo, entretanto, ser gratuitos, não podendo cobrar nenhuma forma de contribuição do estagiário pela sua colocação no mercado.


5. Parte concedente (art. 9º Lei 11788/08)


As partes concedentes do estágio podem ser pessoas jurídicas, com fins lucrativos ou não, de direito público ou de direito privado, e profissionais liberais.


Pessoas naturais que não se encaixem na definição de profissional liberal não podem, portanto, contratar estagiários.


6. Direitos do estagiário


Se a Lei 11788/08 trouxe algumas inovações quanto a aspectos básicos do estágio, o ponto em que mais se modificou a regulação do estagiário foi, sem dúvida alguma, a previsão dos seus direitos, que se estenderam consideravelmente.


Pela antiga lei (6494/77), o estagiário tinha, essencialmente, dois únicos direitos: o de uma jornada de trabalho compatível com os seus estudos – e não de 4 ou 6 horas, como muitos pensavam equivocadamente, eis que não existia tal limitação temporal na antiga lei – e a exigência de um seguro contra acidentes pessoais em favor do estagiário.


Tal rol de direitos se estendeu notavelmente, como veremos a seguir, pela nova lei do estagiário.


6.1. Jornada de trabalho


A jornada de trabalho do estagiário, que pela antiga lei só encontrava como limite a garantia do tempo para os estudos do estagiário, com a Lei 11788 passa a ter regulação mais detalhada.


A jornada normal de trabalho do estagiário tem um limite diário de 4 horas e semanal de 20 horas, para os ensinos especial e fundamental, e de 6 horas diárias e 30 semanais para os ensinos médio, profissional e superior[1].


.Tal duração do trabalho pode ser, entretanto, dilatada até 40 horas semanais, nos cursos que alternem teoria e prática, nos períodos sem aulas presenciais[2].


É possível, em contrapartida, a redução da duração do trabalho do estagiário, nos períodos de exames e avaliações no curso ministrado ao estagiário, durante os quais a duração do trabalho não poderá exceder a metade da normal (no caso do estudante universitário, portanto, podendo a jornada chegar, no máximo, a 3 horas diárias)[3].


6.2. Duração do contrato de estágio (art. 11 Lei 11788/08)


Foi fixado, outrossim, pela nova lei do estagiário, um prazo máximo para o contrato de estágio, a saber, de 2 anos.


Nesse sentido, um estudante universitário, por exemplo, só pode permanecer em um mesmo estágio por até 2 anos, podendo, posteriormente, continuar a estagiar, desde que em outra parte concedente.


Exceção interessante a este prazo máximo ocorre com o estagiário portador de deficiência, que não possui prazo máximo para o seu contrato de estágio[4].


6.3. Bolsa e vale-transporte (art. 12, caput Lei 11788/08)


Outras duas novidades relevantes da Lei 11788/08 foram as garantias de dois direitos de há muito reivindicados pelos estagiários: o auxílio-transporte e a bolsa obrigatória.


Ambos os direitos, todavia, só são obrigatórios no caso do estágio não-obrigatório, ou seja, aquele não previsto como requisito na grade curricular do estudante.


Tais direitos, típicos do empregado, podem levar a uma interpretação equivocada da nova lei do estagiário: a de que ele teria se tornado um empregado especial.


Tal confusão é dissipada pela própria Lei 11788/08, que estipula, expressamente, não se tratar o vínculo de estagiário de um vínculo empregatício[5].


Obviamente, tal exclusão não pode ofuscar a aplicação do princípio da primazia da realidade, afastando falsos vínculos de estágio no caso de se desvirtuar o caráter educativo desta forma especial de relação de trabalho. Há, inclusive, previsão de punição às partes concedentes que reincidirem nesta prática fraudulenta, a saber, o de permanecerem durante 2 anos sem poderem contratar estagiários[6].


6.4. INSS (art. 12, §2º Lei 11788/08)


Pela Lei 11788/08, o estagiário continua sendo um segurado facultativo do Regime Geral de Previdência Social, o pagamento do INSS sendo facultativo, portanto, para este tipo de trabalhador.


Cabe ressaltar, contudo, que a própria legislação previdenciária[7] prevê a hipótese de o estagiário ser segurado obrigatório do RGPS, a saber: a do falso estágio, situação que configura, como sabido, um verdadeiro vínculo empregatício, e não estágio.


6.5. Recesso (art. 13 da Lei 11788/08)


A despeito do grande número de novidades trazidas pela nova lei do estagiário, a maior delas é, sem dúvida, a previsão de férias, ou recesso, como prefere o texto legal, de 30 dias.


Tal recesso, que deve ser remunerado[8] (não com o adicional de 1/3, é verdade, direito ainda exclusivo dos empregados), tem garantia mesmo no caso de trabalho durante período inferior a um ano: há disposição prevendo recesso proporcional ao tempo de serviço para o estagiário[9].


6.6. Meio ambiente de trabalho (art. 14 da Lei 11788/08)


Interessante igualmente é a previsão contida no artigo 14 da nova lei do estagiário: a de garantia da aplicação das mesmas normas de saúde e segurança do trabalho asseguradas ao empregado.


Pôs, a nova lei, um termo à triste situação de estagiários que deviam, nos seus locais de trabalho, contentar-se com o seguro contra acidentes pessoais, enquanto os empregados, com os quais eles laboravam diariamente, viam-se cobertos por complexa rede de proteção à qualidade no local de trabalho.


7. Número de estagiários (art. 17 da Lei 11788/08)


Convém destacar outra inovação da lei 11788: a fixação de um limite do número de estagiários proporcionalmente ao número de empregados da parte concedente do estágio, que só pode contratar, doravante, até 20% de estagiários. É bem verdade que tal limite não se aplica no caso de estudantes do ensino médio profissional ou superior[10].         Ainda no domínio do número de estagiários, urge sublinhar, por derradeiro, a interessante fixação de uma cota para deficientes: com a Lei 11788, a parte concedente do estágio passa a ser obrigada a contratar, no mínimo, 10% dos seus estagiários entre portadores de deficiência[11].


Conseqüência lógica de todas essas inovações contidas na Lei 11788, de setembro do ano de 2008, é a conclusão da aproximação do estagiário ao empregado.


Tal conclusão, todavia, não pode levar à ilação equivocada de que o estagiário teria se tornado um empregado especial: ele continua, ainda, sendo um trabalhador especial, mas não um empregado. Desafortunadamente, perdeu o nosso legislador a oportunidade de reparar tal injustiça.


Esperemos que tal distinção desapareça, em breve, trazendo o estagiário ao estatuto jurídico que lhe é devido: o de um empregado especial, complementando os seus estudos no local de trabalho.


 


Notas:

[1] De acordo com o artigo 10, incisos I e II da Lei 11788/08.

[2] Em conformidade com o artigo 10, §1º da Lei 11788/08.

[3] Segundo o artigo 10, §2º da Lei 11788/08.

[4] Sublinhe-se, em tempo, que a nova lei do estagiário previu, igualmente, a ausência de prazo máximo para o contrato de aprendizagem do portador de deficiência, alterando a redação do artigo 428 da CLT, com tal previsão contida no seu novo §3º.

[5] Tal exclusão está prevista nos artigos 3º e 12, §1º Lei 11788/08.

[6] Segundo o artigo 15, caput e §1º da Lei 11788/08.

[7] Por previsão do Decreto 3048/99.

[8] De acordo com o artigo 13, §1º da Lei 11788/08.

[9] Em conformidade com o artigo 13, §2º da Lei 11788/08.

[10] Segundo o artigo 17, §4º da Lei 11788/08.

[11] De acordo com o artigo 17, §5º da Lei 11788/08.


Informações Sobre o Autor

Xerxes Gusmão

Mestre e Doutor pela Université de Paris 1 – Panthéon-Sorbonne, Juiz Federal do Trabalho da 8ª Região


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