Nova lei do parcelamento-3


Neste terceiro artigo sobre o tema acima abordaremos o instituto da remissão disciplinado pelo art. 14 da Lei nº 11.941, de 27-5-2009.


Remissão não se confunde com a anistia. “Remissão é sinônimo de perdão, significa ato de remitir ou perdoar uma dívida. Não se confunde com remição, que significa ato de remir, de resgatar uma dívida” (cf. nosso Direito financeiro e tributário, 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.500).


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A remissão depende de autorização legislativa de cada entidade política cabendo à autoridade administrativa competente, por despacho fundamentado, a faculdade de promover a remissão total ou parcial do crédito tributário, atendendo às situações descritas, no art. 172 do CTN:


I – situação econômica do sujeito passivo;


II – ao erro ou ignorância escusáveis do sujeito passivo, quanto à matéria de fato;


III – à diminuta importância do crédito tributário;


IV – a considerações de equidade, em relação com as características pessoais ou materiais do caso;


V – a condições peculiares a determinada região do território da entidade tributante.


Como se vê a autorização legislativa não deixa a critério subjetivo da autoridade administrativa as hipóteses de concessão de remissão. Existem critérios objetivos elencados no CTN a serem observados, ainda que existam outros requisitos que dependam da discricionariedade do agente público competente. Os requisitos acima enumerados não são cumulativos. Qualquer um deles pode, de per si, fundamentar a remissão.


A remissão concedida pelo art. 14 da lei sob comento está fundada no inciso III acima transcrito, pois prescreve:


“Art. 14- Ficam remitidos os débitos com a Fazenda Nacional, inclusive aqueles com exigibilidade suspensa que, em 31 de dezembro de 2007, estejam vencidos há 5 (cinco) anos ou mais e cujo valor total consolidado, nessa mesma data, seja igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).


§ 1o O limite previsto no caput deste artigo deve ser considerado por sujeito passivo e, separadamente, em relação: I – aos débitos inscritos em Dívida Ativa da União, no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, decorrentes das contribuições sociais previstas nas alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, das contribuições instituídas a título de substituição e das contribuições devidas a terceiros, assim entendidas outras entidades e fundos;


II – aos demais débitos inscritos em Dívida Ativa da União, no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional;


III – aos débitos decorrentes das contribuições sociais previstas nas alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, das contribuições instituídas a título de substituição e das contribuições devidas a terceiros, assim entendidas outras entidades e fundos, administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil; e 


IV – aos demais débitos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.


§ 2o Na hipótese do IPI, o valor de que trata este artigo será apurado considerando a totalidade dos estabelecimentos da pessoa jurídica.


§ 3o O disposto neste artigo não implica restituição de quantias pagas


§ 4o Aplica-se o disposto neste artigo aos débitos originários de operações de crédito rural e do Programa Especial de Crédito para a Reforma Agrária – PROCERA transferidas ao Tesouro Nacional, renegociadas ou não com amparo em legislação específica, inscritas na dívida ativa da União, inclusive aquelas adquiridas ou desoneradas de risco pela União por força da Medida Provisória no 2.196-3, de 24 de agosto de 2001”


Como se verifica do “caput” do art. 14, a expressão “ficam remitidos os débitos” significa a extinção do crédito tributário nos exatos termos do art. 156, IV do CTN.


Portanto, os créditos tributários de até R$10.000,00 vencidos há cinco anos ou mais na data de sua consolidação, em 31 de dezembro de 2007, estão extintos de plano, independentemente, de despacho da autoridade administrativa competente a que alude o at. 172 do CTN.


Pergunta-se, houve afronta ao citado art. 172 do CTN? Não. Como a remissão está lastreada em dado objetivo, não envolvendo apreciação subjetiva da autoridade tributária competente, não há que se falar em “despacho fundamentado”. A própria lei pode conceder diretamente a remissão, como acontece, também, nos casos de isenções objetivas.


Contudo, há que se observar a afronta ao princípio constitucional da especialidade da isenção, da remissão, da anistia etc. previsto no § 6º, do art. 150 da CF, pois a remissão veio embutida no bojo de uma lei genérica que cuida de diversas matérias. Mas, aí, há que se atentar para o fato de que a própria medida provisória que deu origem à lei sob comento já nasceu com a eiva de inconstitucionalidade formal, como vimos no primeiro artigo sobre este tema.


Feitas as ressalvas acima, examinemos o mérito dessa remissão.


Os créditos tributários remitidos são os da Fazenda Nacional que em seu sentido amplo abrange as contribuições previdenciárias pertencentes à autarquia securitária (INSS).


A soma dos débitos, separadamente considerados na forma dos incisos I a IV, do § 1º, do art. 14, não pode superar os R$ 10.000,00. E esses débitos devem estar vencidos há cinco anos ou mais na data de sua consolidação em 31-12-2007. Isso significa que caso não tenham sido objetos de execução fiscal proposta tempestivamente, interrompendo a prescrição pela citação do executado (inciso I, do parágrafo único, do art. 174 do CTN em sua redação anterior à LC nº 118/2005), esses créditos tributários “remitidos” já estavam extintos por decurso do prazo prescricional de cinco anos (art. 156, V do CTN).


Tanto a MP nº 449/2008, como a Lei nº 11.941/2009 dela resultante, são posteriores à Súmula Vinculante nº 8 do STF:


São inconstitucionais o parágrafo único do art. 5º do Decreto- lei nº 1.569/77 e os arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91, que tratam de prescrição e decadência do crédito tributário”.


Prescrição e decadência submetem-se à disciplina dos arts. 173 e 174 do CTN por força do disposto no art. 146, III, b da CF.


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Conquanto a Súmula vinculante não iniba a ação do legislador em sentido contrário ao seu anunciado (art. 103-A da CF), não atende ao princípio da razoabilidade a elaboração de normas que afrontem o seu conteúdo. Ao circunscrever a remissão aos débitos de até R$ 10.000,00, vencidos há cinco anos ou mais na data de sua consolidação em 31-12-2007, o art. 14 sob comento está a proclamar a validade de cobrança de débitos superiores a esse valor ainda que já atingidos pela prescrição que, no Direito Tributário, atinge o direito material tanto quanto a decadência. De fato, a interpretação do citado art. 14 a contrario sensu conduz à validade da cobrança coativa do crédito tributário constituído anteriormente a 31-12-2002, já fulminado pela prescrição.


O § 2º determina que para o efeito de remissão do IPI deverão ser considerados todos os estabelecimentos da mesma empresa.


O § 3º veda a restituição das importâncias já pagas. Nada impede, contudo, de o contribuinte pleitear sua restituição caso o pagamento tenha ocorrido após a consumação do prazo prescricional de cinco anos, cujo marco inicial, nos tributos de lançamento por homologação, é a data da constituição definitiva do crédito tributário prevista no art. 150, § 4º do CTN. Nos tributos sujetos a lançamento de ofício, o prazo prescricional tem início na data da notificação do lançamento (art. 145 do CTN). É o nosso posicionamento que não é unânime na doutrina especializada.


Finalmente, o § 4º estende os benefícios da remissão aos débitos originários de operações de crédito rural e do Programa Especial de Crédito para Reforma Agrária, fato que revela estar a remissão fundamentada, também, no inciso I, do art. 172, do CTN, c.c. seu inciso III.



Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


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