Novas formas de família

Resumo: Novas concepções na constituição de famílias vêm surgindo em nosso  ordenamento jurídico. São conceitos criados a partir da personalidade humana, devendo a entidade familiar ser entendida como grupo social fundado em laços afetivos, promovendo a dignidade do ser humano, no que toca a seus anseios, no que diz respeito a seus sentimentos, de modo a se alcançar uma maior plenitude.[1]

Palavras-chave:Família, Afeto, Diversidade.

Abstract: New conceptsin the constitutionoffamiliesare appearingin our legal system. Are conceptscreated from thehuman personality, with the family entitybeunderstood as a socialgroup founded inbonding, promoting the dignityof the human being, when it comes totheir expectations, with regardto their feelingsin order toachievegreaterfullness.

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Keywords: Family,Affection,Diversity

Sumário: Introdução.1. Conceito de Família. 2. Do Direito à Família. 3. Filiação Socioafetiva. 4. Entidades Familiares. 4.1. A família decorrente do casamento. 4.2.A União Estável como Entidade Familiar. 4.3. A Família Monoparental. Considerações Finais.

Introdução

Com todas as mudanças ocorridas nas últimas décadas no campo da sexualidade, das dinâmicas sociais e principalmente da afetividade, o modelo de família nuclear heterossexual passou a não ser o único admitido como uma entidade familiar.

Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, o conceito de família foi visivelmente ampliado, considerando como uma entidade familiaràquela proveniente do casamento, união estável ou a família monoparental.

O atual conceito de família valoriza a dignidade da pessoa humana, no momento em que tutela o afeto como o ponto central, o próprio coração de uma legítima família.

A família é um vínculo de afetoe é protegida constitucionalmente, considerada como a base da sociedade.

A diversidade sexual com a sua pluralidade afetiva deve ser compreendida como um elemento de integração social.

1. Conceito de família

Com a evolução dos costumes, a família deixou de ser vista de forma singular, passando a ser vista de forma plural. O conceito ampliou-se para traduzir a nova realidade das famílias, ganhando novos contornos no judiciário brasileiro.

Com a evolução do pensamento contemporâneo, foi trazida a compreensão de que família não é apenas um fato da natureza, mas sim da cultura. Cada sociedade deve ter a liberdade de construir várias formas de família, de acordo com sua ideologia e afetividade,caberá então ao Estado regulamentar e proteger os direitos e deveres decorrentes dessas relações.

A Constituição Federal, que impõe o respeito à dignidade da pessoa humana, concede especial proteção à família como base da sociedade e garante a crianças e adolescentes o direito à convivência familiar.

“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Com tal pensamento, Gustavo Tepedino sintetiza essa nova ordem da família contemporânea, ao sustentar que:

“As relações de família, formais ou informais, indígenas ou exóticas, ontem como hoje, por muito complexas que se apresentem, nutrem-se todas elas, de substancias triviais e ilimitadamente disponíveis a quem delas queira tomar: afeto, perdão, solidariedade, paciência, devotamento, transigência, enfim, tudo aquilo que, de um modo ou de outro, possa ser reconduzido a arte e a virtude do viver em comum. A teoria e a prática das instituições de família dependem, em última análise, de nossa competência de dar e receber amor”.

No mesmo sentido, MariaBerenice Dias realça o raciocínio da amplitude da família citando:

“pensar em família ainda traz a mente o modelo convencional: um homem e uma mulher unidos pelo casamento e cercados de filhos. Mas a realidade mudou”.

Atualmente, umas consideráveis partes das famílias fogem a esse padrão, como por exemplo,as famílias recompostas, formadas por pais que já foram divorciados e possuem filhos, monoparentais, de acordo com o § 4º do artigo 226 da Constituição Federal são todas as famílias formadas por qualquer um dos pais.

2. Do direito à família

Com o advento do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA),em 1990, os direitos entre filhos legítimos e adotados passam a se igualar, contemplando assim o Princípio da Isonomia.

O Estatuto traça um novo olhar para crianças e adolescentes, traçando as metas a serem alcançadas para garantir-lhes pleno desenvolvimento. Tais medidas deixam implícita a obrigação do Estado, já que é obrigação deste criar mecanismos institucionais para a garantia de direitos, tais como, saúde, educação e principalmente do convívio familiar.

“Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.

Nodecorrer do tempo foram feitas algumas modificações no referido diploma legal, no que tange a defesa dos adotados e, com a implementação da Lei de Adoção nº 12.010 de 2009.

A referida lei nasceu com o intuito de priorizar o aperfeiçoamento da sistemática prevista a modo de garantir o direito da criança e do adolescente a convivência familiar.

O ECA, em seu artigo 92, inciso II, estabelece como princípio a ser seguido pelos abrigos “a colocação em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na família de origem”.

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Como mencionam Costa e Ferreira (2007), a nova cultura de adoção preconiza que se busque uma família para uma criança e não uma criança para uma família. Esta nova cultura defende adoções tardias como tendência da contemporaneidade e fomenta o respeito à alteridade e adoçõesdiferenciadas, pois as pessoas são diferentes, e as famílias devem ser programadas de acordo com estas mudanças, com as diferenças.

A colocação em família substituta é uma forma de garantir o direito à convivência familiar para as crianças e adolescentes cujas chances de retorno para suas famílias de origem foram esgotadas.

Ainda que a colocação em família substituta não dependa exclusivamente do trabalho das instituições de abrigo, o art.92 do ECA prevê o desempenho que elas deverão ternesse processo, incentivando a convivência de crianças e adolescentes abrigados com outras famílias por meio de ações como: o incentivo à integração em família substituta sob as formas de guarda, tutela ou adoção; o envio de relatórios periódicos sobre a situação dos abrigados e de suas famílias para as Varas da Infância e da Juventude (órgãos responsáveis pela aplicação de quaisquer outras medidas de proteção, incluindo a colocação em família substituta); e a manutenção de programas de apadrinhamento afetivo, alternativa de referência familiar para as crianças e os adolescentes abrigados.

3. Filiação socioafetiva

A filiação socioafetiva sobrepõe-se a filiação biológica, através de ação declaratória de filiação socioafetiva, que encontra alicerce no § 6º do artigo 227 da Constituição Federal.

“§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.

É importante salientar que tal dispositivo não abrange apenas a adoção, como também por parentescos de outra origem.

O mesmo princípio encontra-se consignado no artigo 20 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e no artigo 1.596 do Código Civil. O Princípio da Igualdade tem por finalidade eliminar qualquer tipo de discriminação entre os filhos nascidos ou nãodo casamento.

Ao lado desses vínculos de filiação, ajurisprudência e a doutrina vêm construindo os laços parentais da filiação socioafetiva, que tem a nova estrutura da família brasileira.

A filiação socioafetiva constitui uma relação de fato, que deve ser reconhecida e amparada juridicamente, levando em consideração que a filiação é um elemento fundamental na formação do ser humano.

Decorre daí a multiparentalidade, já que passarão a constar na certidão de nascimento dois nomes de pais ou mães.

Nesse sentido, a Ministra Nancy Andrighi se manifestou:

 STJ – RECURSO ESPECIAL: REsp 1157273 RN 2009/0189223-0

“As uniões afetivas plúrimas, múltiplas, simultâneas e paralelas têm ornado o cenário fático dos processos de família, com os mais inusitados arranjos, entre eles, aqueles em que um sujeito direciona seu afeto para um, dois, ou mais outros sujeitos, formando núcleos distintos e concomitantes, muitas vezes colidentes em seus interesses. – Ao analisar as lides que apresentam paralelismo afetivo, deve o juiz, atento às peculiaridades multifacetadas apresentadas em cada caso, decidir com base na dignidade da pessoa humana, na solidariedade, na afetividade, na busca da felicidade, na liberdade, na igualdade, bem assim, com redobrada atenção ao primado da monogamia, com os pés fincados no princípio da eticidade”.

http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14339099/recurso-especial-resp-1157273-rn-2009-0189223-acessado em 18/01/2016)

4.Entidades familiares

De acordo com o artigo 226 da Constituição Federal, são consideradas entidades familiares: a família derivada do Casamento, da União Estável entre um homem e uma mulher e a família monoparental.

O Código Civil de 1916 reconhecia apenas o casamento como entidade familiar, excluindo assim todas as outras formas de famílias da proteção estatal.

O legislador, na Constituição de 1988 nada mais fez do que normatizar uma realidade de fato, colocando sob a tutela do Estado uma pluralidade de entidades familiares.

A família, acima de tudo, deve ser vista como um espaço de integração social, já que através dela se dá a inserção do indivíduo na sociedade.

A afetividade é elemento essencial da família, já que permite aos seus membros a possibilidade de exercer um pleno desenvolvimento, social e emocionalmente.

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana deve ser instrumentalizado de forma a abranger várias construções de entidades familiares, já que essas podem ser delimitadas em virtude do afeto.

4.1.  A família decorrente do casamento

A família decorrente do casamento sempre foi protegida constitucionalmente,lembrando que era a única entidade familiar admitida no Código Civil de 1916.

Até 1977 o casamento era indissolúvel, até a promulgação da LEI 6.615/77, conhecida como Lei do Divórcio.

DA DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL

“Art. 2º – A Sociedade Conjugal termina:

I – pela morte de um dos cônjuges;

Il – pela nulidade ou anulação do casamento;

III – pela separação judicial;

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IV – pelo divórcio.

Parágrafo “único – O casamento válido somente se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio.”.

Há de alguma forma uma maior proteção dessa entidade familiar, já que existe a presunção de paternidade. De acordo com o artigo 1.597 do Código Civil, presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga e os havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

4.2.  A união estável como entidade familiar

A Constituição Cidadã de 1988, em seu artigo 226, § 3º, contemplou a União Estável como entidade familiar, o casamento deixou de ser considerado o único modelo legítimo de união entre o homem e a mulher.

A Carta Magna emprestou juridicidade ao relacionamento existente fora do casamento, havia anteriormenteum conservadorismo dos juízes, apenas em 1994 e 1996 surgiram leis que regulamentassem a União Estável, são elas respectivamente 8.971 e 9.278.

As características da União Estável são: a convivência duradoura, pública e

contínua de um homem e uma mulher, estabelecida como objetivo de constituição de família.

Em retrocesso, deixando de serem assegurados os mesmos direitos concedidos ao casamento, tanto na questão da sucessão como na própria presunção de paternidade existente no casamento e não aplicável à União Estável.

Ainda que o legislador tenha se omitido, o Supremo Tribunal Federal-(STF) reconheceu a União Estável entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar através da ADI 4277.

O Conselho Nacional de Justiça reconheceu o direito da conversão da União Estável em Casamento pelos casais homoafetivos.

4.3.  A família monoparental

A Constituição Federal, em seu artigo 226, 4°,também mencionou a comunidade formada pelos ascendentes e seus descendentes, enquadrando a categoria no âmbito especial das relações de Direito de Família.

Importante verificar que o legislador, reconhecendo um fato social de grande relevância prática, contemplou como entidade familiar aquela formada por apenas um dos genitores.

Em razão de questões sociais e da própria desigualdade de gênero, não é raro encontrarmos mães que criam seus filhos sozinhas, sem a presença de um cônjuge ou companheiro.

O mesmo ocorre em caso de pessoas viúvas, solteiras ou divorciadas que vivem com seus filhos.

Alguns fatores são determinantes para a constituição de uma família monoparental, como o divórcio, a maternidade ou paternidade sem casamento ou união estável, a adoção por pessoa solteira, a fertilização por acompanhamento médico, dentre outras.

Ou seja, a família monoparental tem a mesma dinâmica de uma família, levando em consideração que cada membro da família desempenha o seu papel, assim como ocorre na família constituída através do casamento ou da União Estável.

A família monoparental apresenta estrutura interna mais delicada, já que muitas vezes ela decorre de uma dissolução conjugal ou afetiva, que, geralmente tem como consequência a diminuição do poder econômico da família.

Considerações finais

Novas concepções vêm surgindo em nosso ordenamento jurídico, como uma consequência lógica da evolução dos indivíduos e da formação dos novos “arranjos familiares”, baseados no afeto.

Os novos modelos familiares ganham força e visibilidade, já que a família é essencial para a inclusão do indivíduo na sociedade.

Novos modelos familiares ganharam força, dentre eles a família monoparental, estruturada por pais únicos, com a ausência do pai ou da mãe. Várias são as formas de constituição familiar, em detrimento ao antigo conceito de família “tradicional”, oriunda do matrimônio.

Assim deve ser, já que o Direito deve transformar-se de acordo com as mudanças da sociedade.

O próprio reconhecimento da união homoafetiva dentro do Direito de Família é imperativo constitucional, não sendo possível violar a dignidade do homem, por apego a formalismos legais.

Mesmo porque é um direito personalíssimo a constituição de uma entidade familiar formal ou informal entre pessoas do mesmo sexo.

Na medida em que a família passa a ser revelada como alicerce para o pleno desenvolvimento do indivíduo, introduzindo-o dentro da sociedade.

A entidade familiar deve ser entendida como grupo social fundado em laços afetivos, promovendo a dignidade do ser humano, no que toca a seus anseios, no que diz respeito a seus sentimentos.

Com certeza novos modelos de entidades familiares surgirão, devendo ser igualmente protegidas pelo Estado, como forma de garantia da dignidade da pessoa humana, fundamento estabelecido logo no artigo 1° da Constituição Federal, assim como em homenagem à preservação dos direitos inerentes à personalidade humana, no intuito de garantir, de forma ampla e irrestrita, o bem estar dos indivíduos.

Referências
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BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>.= acessado em 04/12/2015.
TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.
Costa, N.R. A; FERREIRA, M.C. R-Tornar-se pai e mãe em um processo de adoção tardia. Psicologia, Reflexão e Crítica.Porto Alegre,v.20,n.3, p 425-434
DIAS, Maria Berenice. Manual de       Direito das Famílias. 7. Ed. rev., atual e ampla.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito
http://ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6792-acessado em 15/01/2016
http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14339099/recurso-especial-resp-1157273-rn-2009-0189223> acessadoem 18/01/2016)
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20072010/2009/lei/l12010.htm>acessado em 14/01/2016)
BRAVO, Maria Celina; SOUZA, Mário Jorge Uchoa. As entidades familiares na Constituição. RevistaJus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 54, 1fev.2002. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/2665>. Acesso em: 26 jan. 2016.
 
Nota:
[1]Artigo entregue como exigência para obtenção da especialização em Direito de Família e Sucessões, sob orientação do professor Ronilson.


Informações Sobre o Autor

Márcia Tereza Cavalcanti Sena

Advogada atuante na área Cível e Família


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