Novo Código de Processo Civil: extinção das condições da ação e o deslocamento da análise da possibilidade jurídica do pedido para o mérito

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Resumo: O presente artigo tem o objetivo de refletir sobre as mudanças ocorridas no processo civil, tendo em vista a inexistência de previsão do termo “condições da ação” e da “possibilidade jurídica do pedido” no novo Código de Processo Civil. Por meio de uma pesquisa bibliográfica, pretendeu-se apresentar as divergências doutrinárias sobre o tema. Após, buscou-se demonstrar as teorias e os conceitos adotados pelo diploma processual anterior acerca das condições da ação e da possibilidade jurídica do pedido como elemento destas e apontar uma possível quebra de paradigma sobre o tema com as mudanças trazidas pelo novo Código de Processo Civil. Conclui-se com uma ponderação a respeito das principais posições doutrinárias sobre as modificações objeto do presente trabalho e com a adoção de um posicionamento que mais se coaduna com a sistemática do processo civil brasileiro.

Palavras-chave: Novo Código de Processo Civil. Condições da ação. Possibilidade jurídica do pedido. Quebra de paradigma.

Introdução

O novo Código de Processo Civil (NCPC), Lei nº. 13.105, de 16 de março de 2015, começou a viger em 18 de março de 2016, trazendo alterações substanciais em vários dispositivos do Código de Processo Civil (CPC) de 1973, com o objetivo, dentre outros, de empreender maior efetividade e celeridade às soluções dos litígios.

Nesse diapasão, o novo diploma processual priorizou o julgamento de mérito como uma forma mais eficaz de resolução dos conflitos e, com o propósito de viabilizar tal intento, deixou de prever em seus dispositivos o termo “condições da ação”, não estabelecendo, outrossim, a possibilidade jurídica do pedido como elemento destas.

A alteração acima, desde a tramitação do Projeto de Lei do Senado nº. 166/2010 – que culminou com a aprovação do NCPC –, vem ensejando várias discussões doutrinárias sobre o assunto, as quais chegarão aos Tribunais Superiores por meio dos casos concretos, podendo acarretar verdadeira insegurança jurídica se não forem uniformemente interpretadas.

Tais questões consubstanciam-se nas seguintes indagações: o NCPC extinguiu as condições da ação? A possibilidade jurídica do pedido passou a ser elemento integrante do mérito?

Parte da doutrina, encabeçada por Fred Didier Júnior, vem afirmando que o novel diploma processual extinguiu as condições da ação do ordenamento jurídico e deslocou a análise da possibilidade jurídica do pedido para o mérito.

Já a outra parte, orientada por Alexandre Freitas Câmara, afirma que as condições da ação – não obstante não mais constar dos dispositivos do NCPC tal expressão ou similar a ela, como a carência de ação – não foram extintas do processo civil e a possibilidade jurídica do pedido passou a ser apreciada no momento da análise do interesse processual, uma vez que aquela seria parte integrante deste.

A adoção de um ou outro entendimento acima acarretará diferentes consequências, possibilitando, até mesmo, uma quebra de paradigma do nosso diploma adjetivo quanto à Teoria da Ação, baseada na dogmática Teoria Eclética de Liebman, adotada pelo Código de Processo Civil de 1973 por mais de 40 anos.

“Como dito acima, a teoria eclética foi adotada pelo Código de Processo Civil. O artigo 3º do referido diploma dispõe que, para propor ou contestar ação, é necessário ter interesse e legitimidade. O artigo 267, inciso VI, do CPC, ao estabelecer que, quando não ocorrer qualquer das condições da ação, extinguir-se-á o processo sem resolução do mérito, ilustra a posição do legislador pela adoção da teoria eclética” (MATTOS, 2016).

Além disso, o possível deslocamento da possibilidade jurídica do pedido para o momento da análise do mérito, além das divergências doutrinárias, provocará consequências práticas que afetarão diretamente o interesse das partes em juízo, uma vez que, caso seja aceito o aludido entendimento, a verificação da possibilidade jurídica do pedido gerará uma sentença com resolução de mérito, que fará coisa julgada material, e não mais uma sentença terminativa.

Assim, tendo em vista as mudanças acima e os diferentes entendimentos acerca do assunto, o presente trabalho teve o objetivo de estabelecer uma reflexão sobre essas questões e o de demonstrar – considerando todo um acervo doutrinário e jurisprudencial já consolidados, baseados na Teoria Eclética de Liebman e nas teorias da Exposição e da Asserção (estas fundamentadas naquela) – qual o entendimento mais compatível com o sistema processual brasileiro.

Para tanto, adotou-se como recurso metodológico a pesquisa bibliográfica, a partir da análise de livros e de artigos científicos existentes no meio eletrônico, utilizando-se como referenciais teóricos artigos publicados por Fred Didier Júnior (“Condições da ação e o projeto de novo CPC”) e por Alexandre Freitas Câmara (“Será o fim da categoria “Condição da Ação”? Uma resposta a Fredie Didier Junior”).

Desenvolvimento

O NCPC não mais estabeleceu, como fazia o CPC de 1973, em seu art. 267[1], inciso VI, o termo “condições da ação” como causa de extinção do processo sem resolução do mérito. Referido Código também não previu a expressão “carência de ação” como hipótese a ser arguida pelo réu em sua peça contestatória antes de adentrar no mérito da causa, como fazia o antigo diploma processual em seu art. 301[2], inciso X.

Da mesma forma, retirou dos elementos que antes constituíam as condições da ação – conforme art. 267, inciso VI, acima citado – a possibilidade jurídica do pedido bem como deixou de indicar esta como causa de inépcia da petição inicial – consoante o art. 295[3], parágrafo único, inciso III, do CPC anterior – não a prevendo mais em nenhum de seus dispositivos.

Assim, o art. 17 do NCPC passou a estabelecer que “para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade” e o seu art. 485, inciso VI, dispôs que:

“Art. 485.  O juiz não resolverá o mérito quando:(…)

VI – verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual;” (BRASIL, 2015)

As modificações acima deram ensejo, desde a tramitação do NCPC como projeto de lei – Projeto de Lei do Senado nº. 166/2010 –, a vários debates doutrinários sobre o assunto, uma vez que, considerando que não houve a previsão dos termos “condições da ação” e “possibilidade jurídica do pedido”, esses estariam extintos do ordenamento jurídico ou somente se deslocaram, passando a integrar novos elementos da demanda?

Fred Didier Júnior, jurista que teve grande influência na formulação do projeto do NCPC, passou a entender, sob o argumento de que há apenas dois juízos que podem ser feitos pelo órgão jurisdicional (juízo de admissibilidade e juízo de mérito), que as condições da ação foram extintas do processo civil e que a possibilidade jurídica do pedido deslocou-se para o momento da análise do mérito da causa.

Para o Professor acima, o interesse processual e a legitimidade (extraordinária) passaram a ser analisados como pressupostos processuais. Já a possibilidade jurídica do pedido e a legitimidade (ordinária), como questões de mérito, assim afirmando:

“Primeiramente, não há mais menção “à possibilidade jurídica do pedido” como hipótese que leva a uma decisão de inadmissibilidade do processo. Consagra-se o entendimento, praticamente unânime até então, de que a impossibilidade jurídica do pedido é causa de decisão de mérito e não de inadmissibilidade. Não há mais menção a ela, também, no rol de hipóteses de indeferimento da petição inicial (art. 305, NCPC). Trata-se de proposta que foi muito bem aceita na doutrina brasileira. Extingue-se essa categoria jurídica, e já não era sem tempo.

A segunda alteração silenciosa é mais importante. O texto proposto não se vale da expressão “condição da ação”. Apenas se prescreve que, reconhecida a ilegitimidade ou a falta de interesse, o órgão jurisdicional deve proferir decisão de inadmissibilidade. Retira-se a menção expressa à categoria “condição da ação” do único texto normativo do CPC que a previa e que, por isso, justificava a permanência de estudos doutrinários ao seu respeito” (DIDIER JR., 2016).

O autor explica que:

“Não há mais razão para o uso, pela ciência do processo brasileira, do conceito “condições da ação”. A legitimidade ad causam e o interesse de agir passarão a ser explicados com suporte no repertório teórico dos pressupostos processuais. A legitimidade e o interesse passarão, então, a constar da exposição sistemática dos pressupostos processuais de validade: o interesse, como pressuposto de validade objetivo extrínseco; legitimidade, como pressuposto de validade subjetivo relativo às partes” (DIDIER JR., 2015, p. 306).

Contrapondo-se ao entendimento supra, Alexandre Freitas Câmera afirmou que a possibilidade jurídica do pedido é espécie de falta de interesse processual e que as condições da ação não foram absorvidas pelos pressupostos processuais, assim lecionando:

“É que, a meu juízo, a ausência de possibilidade jurídica é, na verdade, um caso de falta de interesse de agir. Afinal, aquele que vai a juízo em busca de algo proibido aprioristicamente pelo ordenamento jurídico postula, a rigor, uma providência jurisdicional que não lhe pode trazer qualquer utilidade. E isto nada mais é do que ausência de interesse de agir (…).

A outra questão sobre a qual manifesto aqui minha divergência em relação às idéias do professor Fredie Didier Júnior diz respeito à absorção – por ele sustentada – das “condições da ação” pelos pressupostos processuais. Tenho para mim que a distinção entre as duas categorias permanece justificável, ainda que o projeto de novo Código de Processo Civil não use nem a expressão “condição da ação”, nem nenhuma outra a ela vinculada (como, por exemplo, seria a expressão “carência de ação”, que tampouco aparece no projeto”). (CÂMARA, 2016).

Apresentados os posicionamentos acima, necessária uma reflexão sobre eles, alicerçada na Teoria da Ação, adotada não só pelo CPC de 1973, há mais de 40 anos, como também por toda a Teoria Geral do Processo brasileiro e já sedimentada pela maioria da doutrina e da jurisprudência.

Como é cediço, a Teoria Geral do Processo compreende as condições da ação como uma categoria fundamental do processo, localizada entre os pressupostos processuais e o mérito da causa.

Essas condições são elementos ligados ao direito material, consubstanciados no direito da parte de acionar o Estado para obter um provimento jurisdicional, enquanto os pressupostos processuais são requisitos de existência e de validade do processo – este considerado como um procedimento.

Os conceitos de ação e de processo enraizados no processo civil brasileiro, conforme acima apontado, tiveram sua origem na Teoria Eclética de Liebman. Quanto à citada Teoria, Fábio Gomes e Ovídio Baptista ensinam que:

“Visando conciliar os argumentos lançados pelos defensores das teorias abstrata e concreta, Liebman formulou a denominada teoria eclética, consagrando as condições da ação como uma zona comum entre os planos processual e material, um “filtro”, impedindo o acesso à jurisdição, quando faltassem requisitos legais indispensáveis para o alcance de resultados satisfatórios (importante salientar que a sentença de carência não teria para o professor italiano natureza jurisdicional)” (GOMES; SILVA, 2002, p. 116-117).

Vê-se, pois, que o processo brasileiro tem todo o seu arcabouço na delimitação da ação e do processo, cada qual com os seus elementos específicos, quais sejam, interesse processual, legitimidade das partes e a possibilidade jurídica do pedido (elementos da ação) e os pressupostos de existência e de validade do processo – capacidade das partes, competência do juiz, representação, forma processual adequada, inexistência de fatos impeditivos, como a prescrição, a litispendência e a coisa julgada, entre outros elementos que variam conforme o estudo da doutrina.

Nesses termos, reputar que as condições da ação foram extintas do ordenamento jurídico brasileiro e que a legitimidade e o interesse processual passaram a integrar os pressupostos processuais é o mesmo que desconsiderar toda a teoria acima, notadamente a divisão existente entre os conceitos de processo e de ação.

Por isso, muitos autores não concordam com o entendimento de que as condições da ação não mais existem, com o deslocamento do interesse processual e da legitimidade para os pressupostos processuais:

“Não há porque deixar de considerar interesse e legitimidade como condições da ação. O dispositivo ora comentado diz que o preenchimento destes requisitos é necessário para que se possa postular em juízo – expressão, aliás, mas ampla do que propor a ação (ou contestá-la)”. (WAMBIER, 2015, p. 80)

Além disso, pelas disposições trazidas no art. 485, incisos IV e VI, do NCPC, depreende-se que houve a manutenção da Teoria Eclética, não obstante a inexistência do termo “condições da ação”, conforme ensina Rodolfo Kronemberg Hartmann:

“Inicialmente, se deve destacar que os institutos “processo” e “ação” são muito bem delineados, sendo absolutamente razoável que os requisitos para a constituição e desenvolvimento de um ou outro sejam totalmente distintos entre si. Se não fosse, não teria o CPC enumerado a falta de pressupostos processuais como uma das hipóteses de prolação de sentença terminativa (art. 485, inc. IV) e a legitimidade ou falta de interesse como outra distinta (art. 485, inc. VI), pois o tema iria se exaurir apenas no primeiro dispositivo.

Ademais, também se pode objetar que o CPP permanece com as “condições da ação”, sendo que nele há até mais uma (“justa causa”), o que é indicativo de que o CPC não poderia se arvorar no intento de alterar também a teoria geral do processo. Afinal, não haveria coerência alguma em permanecer uma nomenclatura para um dos ramos da ciência processual e para o outro não, malgrado a legitimidade e o interesse continuem a ser analisados”. (HARTMANN, 2016, p. 83).

Ademais, não se trata somente de questão de nomenclatura, mas da própria lógica processual, que estabelece os elementos da condição da ação (legitimidade, interesse processual e possibilidade jurídica do pedido) como requisitos de viabilidade da pretensão posta em juízo, portanto, atrelada ao direito material.

Com efeito, há casos em que o processo possui todos os requisitos para o seu adequado processamento, sendo regular e válido, mas, quando verificadas as condições da ação, poderá haver algum óbice ao provimento de mérito ou para a procedência do pedido do autor.Não se pode olvidar, entretanto, de que a Teoria Eclética sofreu várias críticas, especialmente quanto à definição do momento em que as condições da ação deveriam ser apreciadas pelo juízo bem como quanto à delimitação de sua análise sem que se adentrasse no mérito da causa.

Com efeito, para Liebman, as condições da ação poderiam ser analisadas a qualquer momento, de ofício, pelo julgador, mesmo em segundo grau de jurisdição, o que possibilitava um andamento processual desnecessário e infrutífero quando verificada a inexistência dessas condições apenas ao final do processo, acarretando a prolação de uma sentença sem resolução do mérito.

O CPC de 1973, alicerçado na Teoria Eclética, em seu art. 267, §3º, adotou o posicionamento acima, denominado de Teoria da Exposição ou Apresentação. Simone Silveira Peçanha Mattos, analisando o antigo diploma processual, assim afirmou:

“Então, pelo atual Código de Processo Civil em seu art. 267, §3º, Teoria da Exposição ou Apresentação, o juiz conhecerá das condições da ação em qualquer tempo e grau de jurisdição e não somente pelas afirmações feitas pelo autor na petição inicial, mas inclusive podendo usar meios probatórios para se chegar a uma conclusão. Logo se constatando a inexistência de uma das condições da ação o processo será extinto sem julgamento de mérito, de acordo com art. 267, VI do CPC, não fazendo coisa julgada material e sim formal”. (MATTOS, 2016)

Entretanto, a doutrina e a jurisprudência, não obstante a redação do dispositivo legal acima citado, visando a superar as críticas feitas à Teoria Eclética, passaram a adotar, em contraposição à Teoria da Exposição, a Teoria da Asserção, com o escopo de evitar atos processuais inúteis.

A Teoria da Asserção estabelece que o juiz deve apreciar a existência das condições da ação somente com a análise das alegações do autor contidas na petição inicial, antes da contestação e da instrução probatória. Passada essa última fase, caso seja verificada a inexistência de uma das condições da ação, deverá haver o julgamento da causa com resolução do mérito.

“Ora, se a teoria da asserção estabelece que o julgador deve apreciar as condições da ação com base na relação jurídica “in statu assertionis”, dessume-se que toda a matéria tomada como verossímil e relegada para momento instrutório posterior (inclusive a angariada com base na instrução probatória) consubstancia análise de mérito, a qual deve ser submetida ao crivo da coisa julgada material.

 Desta exegese decorre que a falta de uma condição da ação descoberta no curso do processo levaria a um inevitável julgamento de improcedência do pedido e não à extinção do processo sem julgamento do mérito. Neste sentido, inclusive, já acenaram os Tribunais Superiores” (ALVES; DE AZEVEDO, 2016).

É por meio dessa teoria que alguns autores também se contrapõem ao entendimento de que a análise da possibilidade jurídica do pedido se deslocou para o momento da apreciação do mérito.

É certo que, de acordo com a exposição de motivos do anteprojeto do NCPC, houve, de fato, essa transposição, com a indicação de que a impossibilidade jurídica do pedido agora é causa de improcedência deste. Assim expôs a Comissão de Juristas do NCPC:

“Com o objetivo de se dar maior rendimento a cada processo, individualmente considerado, e, atendendo a críticas tradicionais da doutrina, deixou a possibilidade jurídica do pedido de ser condição da ação. A sentença que, à luz da lei revogada seria de carência da ação, à luz do Novo CPC é de improcedência e resolve definitivamente a controvérsia” (BRASIL, 2010, p. 29).

Todavia, não consta do novo diploma processual disposição expressa acerca da mudança acima, não existindo nele, aliás, nenhuma referência ao termo “possibilidade jurídica do pedido”.

Por isso, há o entendimento de que a possibilidade jurídica do pedido permanece como um dos elementos das condições da ação, sendo espécie do gênero interesse processual.

Ressalte-se que o próprio Liebman, posteriormente, incluiu a possibilidade jurídica do pedido como espécie de interesse processual, conforme lição de Cândido Rangel Dinamarco:

“É notório que a possibilidade jurídica como condição da ação foi uma proposta muito bem sucedida de Liebman, formulada em famosa aula inaugural (Turim, 1949). Apesar das muitas dúvidas que a doutrina brasileira lançou sobre a pertinência dessa condição, o Código de Processo Civil a incluiu ao lado das outras duas (art. 267, inc. VI) – mas logo em seguida o autor da tese renunciou a ela e passou a incluir no requisito de interesse de agir os exemplos antes apontados como casos de impossibilidade jurídica. Como também é notório, Liebman o fez quando a lei italiana passou a admitir o divórcio, sendo este o exemplo mais expressivo de impossibilidade jurídica que vinha sendo utilizada em seus escritos.” (DINAMARCO, 2004, p. 302).

É certo que a possibilidade jurídica do pedido, muitas vezes, confunde-se com o mérito da causa. Há casos, porém, em que ela é evidente e pode ser vislumbrada, de plano, pelo juiz, por meio da simples análise da petição inicial, como, por exemplo, quando houver um pedido expressamente proibido pelo ordenamento jurídico ou quando ele é notoriamente inexequível.

Nessas hipóteses, haverá a patente inutilidade do provimento jurisdicional, uma vez que, aprioristicamente, já se sabe que este não terá nenhuma efetividade para o autor, o que caracteriza a falta de interesse de agir, conforme o entendimento de Alexandre Freitas Câmara.

Aliás, o autor acima explica que há doutrinadores que estendem a análise da possibilidade jurídica do pedido à causa de pedir, nos seguintes termos:

“Outros autores, porém, ampliam o conceito desta “condição da ação”, afirmando que a mesma alcança, também, a causa de pedir. Em outros termos, significa dizer que não só o pedido mas também o seu fundamento devem ser juridicamente possíveis, sob pena de se ter presente o fenômeno da “carência da ação”. Fala-se, então, e a nosso juízo mais propriamente, em “possibilidade jurídica da demanda”.

A rigor, esta “condição da ação” diz respeito, também, às partes da demanda. Basta pensar no caso de se cobrar em Juizado Especial Cível, uma indenização por dano decorrente de acidente de trânsito em um caso em que o demandado esteja no momento da instauração do processo, preso. Sendo certo que a lei não permite ao preso ser parte nos processos que tramitam pelos Juizados Especiais, deve-se considerar que tal demanda é juridicamente impossível (…).

Verifica-se, assim, que toda a demanda (partes, causa de pedir e pedido), e não só o pedido, deve ser juridicamente possível. Exige-se, em outros termos, a possibilidade jurídica de todos os elementos constitutivos da demanda” (CÂMARA, 2008, p. 120).

Dessa feita, se a possibilidade jurídica está diretamente ligada à causa de pedir e às partes, como já apontado, com mais razão pode-se afirmar que ela está contida em uma das condições da ação, ainda que não restrita ao interesse de agir.

Além disso, o art. 330[4] do NCPC manteve como causa de indeferimento da petição inicial a inépcia desta, a qual se relaciona exatamente com o pedido e a causa de pedir, o que corrobora o entendimento supra, sendo que, no exemplo apontado por Alexandre Câmara, não é razoável que, após ser liberado, o preso não possa propor novamente a ação.

Lado outro, quando a possibilidade jurídica não puder ser avaliada de plano, muitas vezes se confundindo com o mérito, não há óbices a que o juiz, após a análise fático-probatória do processo, reconheça a improcedência do pedido, o que estaria em consonância com a Teoria da Asserção, já há muito adotada pela doutrina e jurisprudência.

Conclusão

Há uma construção teórica e jurisprudencial, já consolidada no processo civil brasileiro, acerca da Teoria da Ação, embasada na Teoria Eclética de Liebman, a qual delineia o processo e a ação como institutos distintos e constituídos de elementos próprios.

Os incisos IV e VI do art. 485 do NCPC (que fazem menção aos pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, ao interesse processual e à legitimidade como causas de prolação de sentença terminativa) demonstram que o legislador ainda manteve o modelo originado da Teoria de Liebman.

Nesses termos, não é razoável o entendimento de que a legitimidade e o interesse processual foram deslocados para o momento da análise dos pressupostos processuais.

Com efeito, ainda que não haja o termo “condições da ação” ou outro a ele similar no novo diploma processual, toda a sistemática do processo civil indica a necessidade de prévia análise dos elementos de validade do processo e daqueles ligados ao direito material objeto da demanda para a viabilidade do provimento jurisdicional final.

Ressalte-se, outrossim, que, sem olvidar de que o NCPC privilegiou o julgamento com resolução do mérito, as condições da ação são pré-requisitos à movimentação da máquina judiciária, garantindo que o processo não se desenvolva de maneira inútil.

Da mesma forma, não é razoável considerar que houve o deslocamento da possibilidade jurídica do pedido para o mérito, com o escopo de possibilitar mais demandas com resolução deste.

Deveras, o provimento jurisdicional é considerado inútil quando é impossível o resultado almejado, como, por exemplo, na ocasião em que o processo é julgado extinto sem resolução do mérito por falta de interesse processual tendo em vista a perda do objeto da causa.

Com mais razão inexistirá a falta de interesse processual quando o objeto da causa – o pedido – for juridicamente impossível de forma manifesta, não existindo razões para que se dê prosseguimento ao feito.

Ademais, não há que se cogitar na possibilidade de reiteração da demanda pelo autor, pela eventual sentença terminativa da ação, gerando a desnecessária movimentação do Poder Judiciário, uma vez que o §1º do art. 486 do NCPC estabelece que a propositura de nova ação depende da correção do vício que levou à sentença sem resolução do mérito.

Lado outro, quando houver a necessidade de prévia instrução probatória para a verificação da impossibilidade jurídica do pedido, ocorrerá a aplicação da Teoria da Asserção, pelo que o processo será julgado com resolução de mérito.

Dessa feita, o entendimento de Alexandre Freitas Câmera é o que mais se coaduna com a Teoria Geral do Processo, sendo que o NCPC, embora tenha retirado os termos “condições da ação” e “impossibilidade jurídica do pedido” não apresenta indicativos de que houve uma quebra de paradigma no sistema processual quanto às condições da ação.

 

Referências
ALVES, Gabriela Pellegrina; DE AZEVEDO, Júlio Camargo. Condições da ação e o Novo Código de Processo Civil: avanços e retrocessos. Disponível em: < http://www.academia.edu/13635146/CONDI%C3%87%C3%95ES_DA_A%C3%87%C3%83O_E_O_NOVO_C%C3%93DIGO_DE_PROCESSO_CIVIL_AVAN%C3%87OS_E_RETROCESSOS> Acesso em: 28 jun. 2016.
BRASIL. Congresso Nacional. Senado Federal. Comissão de Juristas responsável pela elaboração de anteprojeto de Código de Processo Civil. Brasília, 2010. p. 381. Disponível em <https://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf> Acesso em: 21 jul. 2016.
BRASIL. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, 17 mar. 2015. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso em: 8 ago. 2016.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2008.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Será o fim da categoria “condição da ação”? Uma resposta a Fredie Didier Junior. Disponível em: < http://www.leonardocarneirodacunha.com.br/artigos/sera-o-fim-da-categoria-condicao-da-acao-uma-resposta-a-fredie-didier-junior/> Acesso em: 22 jun. 2016
DIDIER JR., Fred. Curso de Direito Processual Civil. 17 ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2015. v. 1.
DIDIER JR., Fred. Condições da ação e o projeto de novo CPC. Disponível em: < http://www.frediedidier.com.br/artigos/condicoes-da-acao-e-o-projeto-de-novo-cpc/> Acesso em: 23. jun. 2016.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil II. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
GOMES, Fábio; SILVA, Ovídio A. Baptista da. Teoria geral do processo civil. 3. ed. São Paulo: RT, 2002.
HARTMANN, Rodolfo Kronemberg. Curso completo do novo processo civil. 3. ed. Niterói: Impetus, 2016.
MATTOS, Simone Silveira Peçanha. Teoria da Asserção e o direito ao julgamento com resolução de mérito. 2013. Disponível em: <http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/rcursodeespecializacao_latosensu/direito_processual_civil/edicoes/n1_2013/pdf/SimoneSilveiraPecanhaMattos.pdf> Acesso em: 23 jun. 2016.
WAMBIER Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015.Notas
[1] Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito(…)
VI – quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual;
[2] Art. 301. Compete-lhe, porém, antes de discutir o mérito, alegar:(…)
X – carência de ação;
[3] Art. 295. A petição inicial será indeferida: (…)
Parágrafo único. Considera-se inepta a petição inicial quando: (…)
III – o pedido for juridicamente impossível;
[4] Art. 330.  A petição inicial será indeferida quando:
I – for inepta;
II – a parte for manifestamente ilegítima;
III – o autor carecer de interesse processual;
IV – não atendidas as prescrições dos arts. 106 e 321.
§ 1o Considera-se inepta a petição inicial quando:
I – lhe faltar pedido ou causa de pedir;
II – o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico;
III – da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão;
IV – contiver pedidos incompatíveis entre si.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Luciana de Oliveira Bottosso Braga

 

Analista do Ministério Público de Minas Gerais. Especialista em Direito Público pelo Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais IEC em Direito de Família pelas Faculdades Integradas de Jacarepaguá e em Direito Empresarial pela Universidade Cândido Mendes

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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