Resumo: A nova lei portuguesa que altera a Lei da Nacionalidade portuguesa traz direito de nacionalidade portuguesa para brasileiros descendentes de judeus portugueses (sefarditas) que migraram para o Brasil em razão da inquisição portuguesa que ocorreu entre 23 de maio de 1536 a 31 de março 1821.
Palavras-chave: Nacionalidade portuguesa. Direito Constitucional. Cidadania.
Sumário: Introdução 1 Motivação e histórico a lei. 2 Dos requisitos legais. 3 Conceito de Nacionalidade. 4 Dos princípios ius soli e ius sanguinis. 5 Da alteração da Lei da Nacionalidade portuguesa. 6 Qualidade subjetiva para o direito. 7 Documentação necessária para instrução no processo. 8 Descendência no direito português.
Introdução
A nacionalidade portuguesa está prevista no art. 4º da Constituição da República Portuguesa, regulada na Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37, de 03/11/1981) que foi modificada profundamente pelo Decreto-lei n.º 237-A, de 14/12/2006, e pela Lei Orgânica n.º 2, de 17/04/2006 e alterada recentemente pela Lei n.º 43 de 3 de julho de 2013, que deferiu direito aos descendentes de judeus portugueses (sefarditas) que migraram para outros países para fugir da inquisição. Portanto, pretende o presente artigo contribuir com este tema fazendo o necessário resgate histórico do fato cotejando com os elementos necessários para requerimento da nacionalidade portuguesa, segundo a essa nova modificação da Lei da Nacionalidade portuguesa.
1 Motivação e histórico a lei
A inquisição teve início em 1184, com o santo papa Lúcio, mediante a edição da bula ex-communicanus de 1231, que estabeleceu procedimentos para localização e formas de persuasão de hereges para se retratarem. Posteriormente foi editada a "Bulla ad Extirpando" (1252) de INOCÊNCIO IV, com a qual «e estabeleceu: "Che i sosppeti di eresia dovevano essere sottoposti a tortura negli atessi tribunali dell inquisicione” [1], autoriza o uso da tortura para obter confissões dos acusados.
Foi na Espanha que a Inquisição mostrou-se rigorosamente obediente às ordens da Santa Igreja, levando às últimas consequências o combate aos hereges. Em 1478 a rainha Isabel de Castela (que é quem governava) e o rei consorte Fernando II de Aragão, estabeleceram Tribunal do Santo Ofício da Inquisição. Espanha, neste período era a grande potência econômica da época, com as bênçãos da Igreja.
Serrano, demonstra com números os processos que culminaram com morte, ocorridas em Espanha no início da inquisição, dizendo que “las cifras de estas primeras oleadas de represión inquisitorial son escalofriantes: 12.000 reos en Toledo, 2.500 en Valencia, 600 en Zaragoza, 1.200 en Barcelona”.[2]
Como a possibilidade condenação à morte e confisco dos bens pelo crime de “judaísmo”, grande parte dos judeus da Espanha fugiu para Portugal, entre outros países. Segundo Salvador[3], sabe-se que o número de hebreus em Portugal ao findar o século 15 somava aproximadamente 200.000, ou seja, um quinto da população portuguesa seria de hebreus, na época do édito de Dom Manuel que forçou a conversão da etnia, em 1497.
Portugal ganhou muito com a chegada dos judeus, não só na economia, mas também comm o desenvolvimento da navegação, medicina e ciência.
A coroa espanhola, então, no ano de 1500, conserta o casamento de sua filha Maria de Aragão (filha dos Reis Católicos Isabel e Fernando de Aragão) com o rei Manuel I de Portugal, e em uma das cláusulas do contrato de casamento estava a obrigação de expulsar os judeus de Portugal[4].
Conforme Gonçalves, os judeus foram “torturados, violados e, como era costume no ano de 1506, incendiados para entretenimento da turba mal cheirosa e para deleite do clero que, durante três dias, instigou o massacre”.[5] Este evento ficou conhecido como o ‘Massacre de 1506’, para o qual foi construído um memorial no centro de Lisboa, com a epígrafe: “Em memória dos milhares de judeus vítimas da intolerância e do fanatismo religioso assassinados no massacre iniciado em 1506 neste largo”.[6]
2 Dos requisitos legais
A Lei trás em primeiro plano a identificação macro os seguintes elementos:
1. Ser descendente pela linha direta ou colateral de um judeu sefardita português
2. Requisito implícito do parente ancestral é ter migrado em razão da inquisição portuguesa, portanto, aqueles judeus perseguidos que migraram entre 23 de maio de 1536 a 31 de março 1821, quando foi extinta a Inquisição em Portugal, em uma das sessões das Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa.[7]
O tema da nacionalidade portuguesa está todo estruturado na ordem infraconstitucional pela Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37, de 3 de outubro de 1981); no Decreto-lei n.º 237-A, de 14 de dezembro de 2006; Lei Orgânica n.º 2, de 17 de abril de 2006.
3 Conceito de Nacionalidade
O termo nacionalidade é uma expressão técnico-jurídica que apresenta elementos próprios que não se confunde com conceitos sociológicos. O termo nacionalidade passa pela análise do componente humano da noção de Estado, a saber, o termo está mais ligado ao de Estado que a sua formação etimologia de nação.
Segundo José Afonso e Silva “Nacionais seriam todos que nascem num ambiente cultural, geralmente expressos numa língua comum, atualizado num idêntico conceito de vida e dinamizado pelas mesmas aspirações de futuro e ideais coletivos”.[8]
A nacionalidade, diz respeito ao vínculo jurídico que liga o indivíduo e o Estado e a cidadania é o vínculo jurídico-político que atribui aos nacionais o exercício do direito político, sendo, portanto, para exercício da cidadania imprescindível a qualidade de ser nacional.
Pontes de Miranda, “nacionalidade é o vínculo político-jurídico de Direito Público Interno, que faz da pessoa um dos elementos componentes da dimensão pessoal do Estado”.[9]
Nos estados modernos os critérios utilizados para determinação da nacionalidade de um indivíduo estão fundamentados no princípio ius soli (direito do território), o ius sanguinis (direito do sangue) ou na combinação de fatores e condições combinando estes dois princípios.
4 Dos princípios ius soli e ius sanguinis
O princípio sobre o qual está lastreada a nacionalidade portuguesa é o jus sanguinis, ou seja, considera-se cidadão português a pessoa nascida de pai ou mãe portuguesa, porém há limitação na linha hereditária, chegando a neto ou bisneto, dependendo da situação, diferentemente do que ocorre com a Itália em que é indefinida, vale dizer se o duodécimo avô era italiano, o indivíduo tem direito à nacionalidade.[10]
Neste contexto nascem os conceitos de nacionalidade primaria ou originária e a secundária, adquirida ou voluntária.
A nacionalidade primária, originária, involuntária ou também denominada de natural, é aquela em que se adquire com o simples fato de do nascimento do indivíduo. E a secundária, adquirida ou voluntária e aquela que advinda por ato voluntário, em regra pelo processo de naturalização.
Com a modificação da Lei da Nacionalidade portuguesa, trazida com a Lei Orgânica n. 2/2006 de17 de abril, o princípio do ius soli ganhou mais relevo em razão dos indivíduos filhos de estrangeiros que nasciam em solo português, e fundamentalmente, como ressalta a exposição de motivos do Decreto-Lei nº 237-A 2 de 17/04/2006[11] de que as alterações trazidas pela Lei Orgânica, trouxe reforço ao princípio do ius soli, concretizando o objetivo, assumidos no Programa do Governo, do reconhecimento de um estatuto de cidadania a quem tem fortes laços com Portugal.
5 Da alteração da Lei da Nacionalidade portuguesa.
O novo direito veiculado pela Lei n.º 43/2013 que permite a nacionalidade portuguesa aos descendentes de judeus sefarditas, trata-se de naturalização pela nacionalização secundária ou derivada. Naturalização é o meio pelo qual se dá a aquisição da nacionalidade ao estrangeiro que preenchendo os requisitos legais, poderá adquirir outra nacionalidade, podendo, no caso dos brasileiros, acumular ficando com duas nacionalidades: brasileira e portuguesa.
A regra com os detalhes da aplicação da Lei ainda será estabelecida pelo governo Português, que deverá ser de simples prova, se seguir a exposição de motivo do projeto de lei do Grupo Parlamentar do CDS-PP que afirmava que a interpretação da regra "… o artigo 6º, n.º 6 da lei vigente era já base suficiente para decidir favoravelmente os pedidos de naturalização que fossem apresentados por descendentes das antigas comunidades de judeus sefarditas expulsos de Portugal".[12]
Assim, é que se espera, pois um judeu sefardita é um judeu de Portugal ou Espanha, não necessariamente quer dizer que seja professe a religião judaica. Então, por ser judeu sefardita não implica dizer que fossem praticantes do judaísmo e sim que eram judeus de Portugal, doutra forma, a lei estaria a beneficiar apenas os judeus religiosos de Portugal a demérito e desonra daqueles judeus que tendo ou não se convertido ao catolicismo (cristãos-novos) foram perseguidos da mesma forma.
Apenas para entender a complexidade do fato, semelhante lei foi aprovada para os descendentes de judeus espanhóis, porém surgiu uma série de percalços. Assim, se tomar por base a o pedido de nacionalidade espanhola aos descendentes sefarditas o que se tem é uma discussão entre a Federação Judaica Espanhola e por outro o Governo Espanhol.
Segundo a Federação Judaica espanhola, a competência para apresentação de documento comprovativo de que a uma pessoa é um judeu sefardita, para o efeito da lei não deve ser da comunidade judaica, pois não é um assunto religioso. Assim, não seria da competência de uma sinagoga a emissão de documento atestando se alguém é ou não judeu sefardita, afinal não é assunto religioso. Desta forma, caberia aos genealogistas e fundamentalmente aos historiadores este mister, pois são os que detêm o conhecimento técnico da historiografia para poder asseverar com certeza científica historiográfica, se uma pessoa, em um período historicamente definido, emigrou de Portugal em razão da perseguição inquisitorial e se figurou como personagem nesse determinado momento.
6 Qualidade subjetiva para o direito
Assim sendo, as condições subjetivas que deverão apresentar os interessados pela nacionalização portuguesa, com base no item 7 do Artigo 6º da Lei da Nacionalidade Portuguesa, são:
1. Ser descendente de judeu sefardita português;
2. Ser maior, emancipado ou, se menor, representante legal;
3. Não ter condenação criminal, com trânsito em julgado da sentença, de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.
7 Documentação necessária para instrução no processo:
1. Certidão de nascimento de inteiro teor.
1.1. Se for casado, nome da esposa – certidão de casamento de inteiro teor.
1.2. Se tiver filho(s) nome e certidão de nascimento de inteiro teor.
2. Certidões dos registros de nascimento dos ascendentes na linha reta ou colateral do interessado à nacionalidade portuguesa até o progenitor judeu sefardita que dele for descendente, até aquele ancestral, cujo nome conste nos livros de genealogia utilizados como fontes ou referências pelos genealogistas.
3. Certidão de registro criminal negativa de todos os países em que residiu
4. Cópia certificada de passaporte;
5. Apresentação genealógica direta do ascendente judeu até o interessado, feitas por um genealogista.
6. Documento que confirme a ligação do ancestral português com a uma comunidade sefardita portuguesa.
Importante observar que, no que pese a legislação portuguesa dispensar a legalização, é importante já fazê-las para debelar qualquer incerteza de legalidade. Desta forma, todas as certidões acima relacionadas deverão estar legalizadas, a saber, com confirmação pelo consulado português competente do reconhecimento da assinatura da entidade emitente em cartório da mesma área de jurisdição.
Alem dessas provas ou documentos, logicamente deverão aportar outros que a lei exija, como a de casamento e nascimento dos filhos menores, em razão da repercussão legal sobre os membros da família.
A importância da genealogia está no mérito de desvendar com base científico-metodológica, de forma segura todo o conjunto de informações que vinculam um descendente a outro, fazendo um encadeamento direto desde um indivíduo até o destinatário final, no caso o requerente.
8 Descendência no direito português
A Lei de Nacionalidade portuguesa diz que são sujeitos do direito os que possuem “descendência direta ou colateral” dos judeus sefarditas portugueses. Tal tema refere-se “vinculo jurídico entre duas ou mais indivíduos, através do sangue de um antepassado comum”.[13]
Segundo Código Civil português:
"Artigo 1578º Parentesco é o vinculo que une duas pessoas, em consequência de uma delas descender da outra ou de ambas procederem de um progenitor comum”.
Estabelece-se nessa vinculação jurídica a gradação ou grau de vinculação que se chama linha de parentesco, podendo ser:
Na linha reta, quando um parente descende diretamente do outro, como ocorre entre avô e o neto (avô gera seu filho que gera seu neto).
Já na linha colateral, quando os parentes não descendem um do outro, mas que ambos possuem um progenitor comum, em conformidade com o Artigo 1580, nº 1 do Código Civil, Com exemplo neste sentido o parentesco entre tio e sobrinho (tio descende do progenitor que gerou seu irmão que gerou seu sobrinho).
No caso do direito dos descendentes sefarditas não foi estabelecido o número de gerações para benefício do direito, portanto qualquer descendente na linha direta ou indireta fará jus ao direito.
Temos, assim, que, para os efeitos da citada lei pode pedir a aquisição da nacionalidade portuguesa:
1. Os descendentes em linha reta de judeu português, em qualquer grau; e
2. Os descendentes em linha colateral de judeu português, em qualquer grau.
Informações Sobre o Autor
João Ernesto Paes de Barros
Professor Mestre, ministra aula de Direito (obrigações, contratos), Vice Presidente da Comissão dos Advogados Professores da OAB/MT, Assessor Jurídico da Fundación Cauce (Burgos/Esp).