Oito milhões de brasileiros acessam a internet.
Dentro de dois anos esse número pode chegar a quinze milhões. Os benefícios da
modernidade e celeridade alcançados com a rede mundial trazem, na mesma
proporção, a prática de ilícitos penais que vêm confundindo não só as vítimas
como também os responsáveis pela persecução penal.
Todavia, antes mesmo da criação da internet,
o mundo empresarial já sofria com a atuação dos hackers
que danificavam sistemas ou praticavam espionagem industrial. Outra prática
abominável, a pedofilia na rede, infelizmente conta com um crescente aumento de
criminosos essenciais, ou seja, aqueles que não possuem qualquer deformação na
personalidade, mas que praticam ilícitos penais; deflagra ainda, uma sociedade
deficitária em ética e moral (são milhares de simpatizantes, que por hobby
visitam sites com este teor).
No mês de agosto de 1999, a imprensa em geral
publicou matérias noticiando misteriosos desaparecimentos de dinheiro de contas
bancárias movimentadas pela internet. O mais interessante disso tudo é
que os golpistas não roubaram cartões magnéticos e tampouco suas senhas.
Em Americana (SP) a Polícia Civil
investiga ações de hackers que teriam furtado
R$ 50 mil de duas contas correntes via internet, transferindo o produto
do crime para contas distintas, em cidades do Nordeste. O registro de
ocorrência do “estelionato eletrônico”, como foi denominado referido golpe,
desperta no meio jurídico extensa discussão quanto a
configuração do ocorrido como ilícito penal.
Sustentam alguns que condutas similares
às descritas, verificadas as peculiaridades de cada caso, não podem ser
enquadradas, por exemplo, como crime de furto previsto no art. 155 do Código
Penal Brasileiro (Subtrair para si ou para outrem, coisa alheia móvel), vez que
emergem dúvidas quanto a conceituação e a
aplicabilidade ao caso do objeto penalmente protegido, qual seja, a ‘coisa
alheia móvel’.
Em que pesem as considerações de que a
lei material penal deve ser interpretada restritivamente, proibida a extensão
analógica, o revés de tal interpretação, para o Direito de Informática, ausente
qualquer traço análogo, o dinheiro rapinado de uma conta corrente via internet
é furto como outro qualquer, diferenciando-se apenas quanto a
maneira e quanto ao agente que pratica o delito (hacker).
Nesta abordagem, o que difere não é o
tipo penal, nem mesmo os conceitos incidentes sobre este; a inovação está no modus operandi. O
resultado alcançado com a conduta independe da abrangência jurídica atribuída a
‘res’. Em brilhante trabalho monográfico, o
advogado gaúcho Marco Aurélio Rodrigues da Costa com sensatez profere que: “O
bem objeto de furto, além de ser alheio, deve ser móvel…. Os dados
armazenados são, também, coisa móvel…”
Segundo pesquisa da Internet Security Systems
(ISS), com 100 empresas brasileiras, entre elas 30 bancos, apenas 2,75% possuem
software para detectar invasores on-line. “O risco é eminente, o sistema
é altamente vulnerável. Hoje, na Internet, existem programas para
invadir todos os tipos de sistema”, diz Leonardo Scudere,
presidente da ISS no Mercosul.
Em face das lacunas oriundas da
modernidade, a reprimenda aos novos crimes virtuais que afloram em nosso meio
deverá acatar o princípio da reserva legal, conquanto verificada
no artigo 1º do Código Penal Brasileiro e consagrado pelo artigo 5º, XXXIX da
Constituição Federal de 1988: “Não há crime sem lei anterior que o
defina. Não há pena sem prévia cominação legal”.
Enquanto isso, o Direito Penal, tutelador dos bens jurídicos mais relevantes, quais sejam,
vida e liberdade, deve ser regido pelas normas penais vigentes. A sociedade não
pode submeter-se a falta de interpretação destas ou ficar a mercê do Direito
Costumeiro e da analogia para definir a sua aplicação.
Nesta linha, emerge o Projeto de Lei nº 1589/99 da Ordem dos Advogados do Brasil/SP, que apesar
de enfatizar muito mais a proteção da intimidade do usuário do que
especificamente o combate ao crime, tem por escopo também disciplinar
alguns dos ‘novos tipos penais’ oriundos da era digital.
Através dos mecanismos legais
existentes e dos que estão por vir, deve brotar a resistência às condutas
criminosas, anulando, assim, o desdém com que parte da sociedade prefere tratar
as inovações ‘eletrônicas’ presentes cada vez mais em nosso meio.
Advogado e Pós-graduado em Direito Processual Penal pela FMU/SP
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