Resumo: Neste texto, discorre-se, por meio de uma análise in concreto, sobre o abuso das imunidades parlamentares.
Palavras-chave: Caso concreto. Abuso. Imunidades parlamentares.
Abstract: In this text, we analyze, in a specific analysis, the abuse of parliamentary immunities.
Keywords: Concrete case. Abuse. Parliamentary immunity.
Sumário: Introdução. 1. A inviolabilidade e os deputados federais Jair Bolsonaro e Maria do Rosário. 2. A inviolabilidade. 3. A separação dos Poderes. 4. O pluralismo político. Considerações finais. Referências.
Introdução
Em meio à crise política que o Brasil atravessa, viemos aqui para recordar, há algum tempo, diversos meios de comunicação propagaram notícias, por todo país, no sentido de divulgar problemática envolvendo os deputados federais Jair Bolsonaro e Maria do Rosário.
Em palavras mais precisas, foi noticiado que o citado deputado havia dito, em discurso na Câmara dos Deputados, que a deputada supracitada não merecia ser estuprada pelo mesmo, por ser muito feia e não fazer o seu tipo.
À época, o Supremo Tribunal Federal informou por meio de seu site, que Jair Bolsonaro passaria a ostentar o status de réu perante este Tribunal pelo ocorrido.
Pela afirmação, a maioria dos ministros teria considerado a não incidência, na oportunidade, da imunidade material (inviolabilidade), o que possibilita reacender a discussão que envolve a correção ou não de diversas disposições do estatuto dos congressistas, com ênfase na inviolabilidade, no sentido de se identificar em que medida a pessoa humana tem feito seu uso adequado face ao Estado Democrático de Direito.
1. A inviolabilidade e os deputados federais Jair Bolsonaro e Maria do Rosário
No dia 21 de junho do ano de 2016 foi noticiado no site do Supremo Tribunal Federal, que referido Tribunal havia recebido denúncia contra o polêmico deputado federal Jair Bolsonaro por incitação ao crime de estupro.
O teor da matéria contém os seguintes dados:
“Por decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta terça (21), o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) passará à condição de réu, perante a Corte, pela suposta prática dos delitos de incitação ao crime de estupro e injúria. A maioria dos ministros recebeu denúncia (Inquérito 3932) oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) e queixa-crime (Petição 5243) apresentada pela deputada federal Maria do Rosário (PT-RS). Com o acolhimento da denúncia, o inquérito – referente à incitação ao crime de estupro – e a queixa-crime – quanto ao crime de injúria – serão convertidos em ação penal. […] Conforme os processos, os crimes teriam sido cometidos pelo deputado em dezembro de 2014 durante discurso no Plenário da Câmara dos Deputados, quando teria dito que a deputada “não merecia ser estuprada”. Também consta dos autos que, no dia seguinte, em entrevista ao jornal Zero Hora, Bolsonaro teria reafirmado as declarações, dizendo que Maria do Rosário “é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria”. […] O relator, ministro Luiz Fux, entendeu que as declarações do deputado Bolsonaro não têm relação com o exercício do mandato. “O conteúdo não guarda qualquer relação com a função de deputado, portanto não incide a imunidade prevista na Constituição Federal”, disse. Ele acrescentou que, apesar de o Supremo ter entendimento sobre a impossibilidade de responsabilização do parlamentar quanto às palavras proferidas na Câmara dos Deputados, as declarações foram veiculadas também em veículo de imprensa, não incidindo, assim, a imunidade. Observou, ainda, que não importa o fato de o parlamentar estar no gabinete durante a entrevista, uma vez que as declarações se tornaram públicas. […] Segundo o relator, para que possam ser relacionadas ao exercício do mandato, as afirmações devem revelar “teor minimamente político”, referindo-se a fatos que estejam sob o debate público e sob investigação do Congresso Nacional ou da Justiça, ou ainda sobre qualquer tema relacionado a setores da sociedade, do eleitorado, organizações ou grupos representados no Parlamento ou com a pretensão à representação democrática. […] O ministro também salientou que o deputado disse, implicitamente, que deve haver merecimento para ser vítima de estupro, uma vez que o emprego do vocábulo “merece” conferiu o atributo de “prêmio” à mulher que merece ser estuprada por suas aptidões e qualidades físicas. “As palavras do parlamentar podem ser interpretadas com o sentido de que uma mulher não merece ser estuprada quando é feia ou não faz o gênero do estuprador”, afirmou. “Nesse sentido, dá a entender que o homem estaria em posição de avaliar qual mulher poderia e mereceria ser estuprada”, disse, ressaltando que tal declaração menospreza a dignidade da mulher. […] Para o ministro, “ao menos em tese, a manifestação teve o potencial de incitar outros homens a expor as mulheres à fragilidade, à violência física e psicológica, à ridicularização, inclusive à prática de crimes contra a honra da vítima e das mulheres em geral”, afirmou. “Um parlamentar não pode desconhecer os tipos penais de lei, oriunda da Casa Legislativa onde ele próprio exerce seu múnus público”. […] Segundo Fux, “não se pode subestimar os efeitos dos discursos que reproduzem um rebaixamento da dignidade da mulher e que podem gerar perigosas consequências sobre a forma como muitos irão considerar essa hedionda prática criminosa, que é o crime de estupro, podendo efetivamente encorajar a sua prática”. […]” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016, p. 1).
Relativamente aos termos da queixa-crime, por meio da referida notícia, destacou-se:
“Queixa-crime. […]. Quanto à queixa-crime, o relator considerou que o crime de injúria se refere às mesmas declarações analisadas na denúncia, que teriam atingido a honra subjetiva da deputada e, portando, caracterizariam a configuração do delito. “As declarações revelam efetivamente potencial de rebaixar a dignidade moral da querelante, ofendendo-a em sua condição de mulher, expondo sua imagem à humilhação pública, além de associar as características da mulher à possibilidade de ser vítima de estupro”, observou. […]. Porém, o ministro Luiz Fux não recebeu a queixa-crime na parte relativa ao crime de calúnia, que entendeu não caracterizado. “Nesse ponto, entendo que a queixa padece de maiores elementos de convicção”, concluiu. […]. Acompanharam o voto do relator os ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Luís Roberto Barroso. Ficou vencido o ministro Marco Aurélio, que não recebeu a denúncia nem a queixa-crime. Ele considerou que as declarações foram proferidas no Plenário da Câmara dos Deputados, com repercussão posterior junto à imprensa, e acrescentou que o deputado se defendeu de afirmações ditas pela deputada” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016, p. 1).
Não tivemos a oportunidade de conhecer os autos do processo, mas conforme difundido pelo Jornal O Dia[1], o episódio que deu origem ao referido processo ocorreu em 09 de dezembro de 2014 quando, em comemoração ao Dia Internacional dos Direitos Humanos, no plenário da Câmara dos Deputados, a deputada elogiou o trabalho da Comissão da Verdade, que investigava os crimes cometidos durante a Ditadura Militar.
Quando esta se evadia do local, Bolsonaro percebeu e, em tom exaltado disse, dentre outras coisas, que a mesma não deveria sair dali; que há poucos dias havia o chamado de estuprador, no Salão Verde, tendo a ela dito que não ia estuprá-la por não merecer.
O conteúdo informativo trabalhou, ainda, a ideia de que Bolsonaro já havia proferido as mesmas palavras em 2003, durante participação no programa televiso Superpop, da Rede TV.
Já a Folha Uol fomentou a “relação” de ambos deputados de forma mais aprofundada.
Segundo a fonte jornalística, naquele dia, a deputada, na Câmara dos Deputados, antes mesmo de Bolsonaro proferir à mesma quaisquer palavras, em defesa da democracia e das Forças Armadas que não são avessas ao Estado democrático de direito, aduziu: “São poucos na verdade, mas deveriam ter consciência do escárnio que promovem indo às ruas pedir a ditadura, pedir o autoritarismo e o impeachment. Ora, figuras de linguagem desvalidas porque colocadas no pior lixo da história” (FOLHA UOL, 2014, p. 1).
Bolsonaro, por sua vez, observando que Maria do Rosário se retirava do recinto quando do início de seu discurso, a ela destinou: “Não saia, não, Maria do Rosário, fique aí. Fique aí, Maria do Rosário. Há poucos dias [na verdade a discussão ocorreu há alguns anos] você me chamou de estuprador no Salão Verde e eu falei que eu não estuprava você porque você não merece. Fique aqui para ouvir” (FOLHA UOL, 2014, p. 1).
Em meio a ataques ao Governo Dilma, ao Dia Internacional dos Direitos Humanos e à deputada referida, o deputado aludiu ainda:
“Maria do Rosário, por que não falou sobre sequestro, tortura, execução do Prefeito Celso Daniel, do PT? Nunca ninguém falou nada sobre isso aqui, e estão tão preocupados com os direitos humanos. Vá catar coquinho", disse o deputado. "Mentirosa, deslavada e covarde". […] o Dia Internacional dos Direitos Humanos é o "dia internacional da vagabundagem", uma vez que se aplica apenas a "bandidos, estupradores, marginais, sequestradores e corruptos". […]. Vamos partir para onde? Para a cubanização como uma forma de salvar o País? Volta à CPMF, a nova alíquota do imposto de renda, a taxação de grandes fortunas. Governo canalha, corrupto, imoral, ditatorial” (FOLHA UOL, 2014, p. 1).
Vale esclarecer, de acordo com a mesma fonte, a Folha Uol, a relação entre os parlamentares supracitados há muito se mostra hostil, como se pode conhecer abaixo.
“Esta é a segunda vez em que Bolsonaro, na condição de deputado, diz que não estuprará Maria do Rosário porque ela não merece. Em novembro de 2003, ele discutiu com ela, que era deputada, diante das câmeras da RedeTV! no Congresso Nacional. […]. A então deputada acusou Bolsonaro de promover violência, inclusive violência sexual: "O senhor promove sim", dizia a deputada. "Grava aí que agora eu sou estuprador", retrucou o pepista. "Jamais iria estuprar você, porque você não merece", acrescentou. […]. Diante da fala, Maria do Rosário disse que daria uma bofetada em Bolsonaro se este tentasse algo. Passou a receber empurrões do deputado, que a respondia "dá que eu te dou outra", antes de começar a chama-la de "vagabunda" e ser contido pelos seguranças da Câmara. […]. Alterada, a petista o criticou por chamar qualquer mulher de "vagabunda". […]. Em entrevista, Bolsonaro disse que a briga começou com um comentário sobre a redução da maioridade penal. Ao ouvir que Maria do Rosário era contrária à medida, sugeriu que a deputada contratasse o Champinha (Roberto Alves da Silva), que participou do estupro e assassinato de Liana Friedenbach, para ser motorista de sua filha” (FOLHA UOL, 2014, p. 1).
Como se percebe, os reflexos deste cotejo entre Jair Bolsonaro e Maria do Rosário é oriundo de uma discórdia de ambos quanto à redução ou não da maioridade penal de 18 (dezoito) para 16 (dezesseis) anos no Brasil.
É preciso, pois, compreender, com propriedade, o instituto imunidade material e a concepção atual do direito pátrio quanto a sua aplicação, para entender se, pelo narrado, Bolsonaro deva ou não ser protegido perante o Supremo Tribunal Federal com sua aplicação.
2. A inviolabilidade
Por meio da imunidade material ou inviolabilidade pretende-se garantir, ao parlamentar, o livre exercício de suas opiniões, palavras e votos, para que este possa desempenhar, com total independência (autonomia), a função legislativa ao mesmo dedicada pelo povo a partir do voto direto.
Nos termos do caput do art. 53 da Constituição Federal, os Deputados e os Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.
Pelo dispositivo, os parlamentares federais são invioláveis, civil, penal, administrativa e politicamente por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos, proferidos em virtude das funções parlamentares, por mais que a doutrina ofereça variadas definições acerca do tema como se nota a seguir.
“Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967), Nélson Hungria (Comentários ao Código Penal), e José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo) entendem-na como uma cláusula excludente de crime, Basileu Garcia (Instituições de Direito Penal), como causa que se opõe à formação do crime; Damásio de Jesus (Questões Criminais), causa funcional de exclusão ou isenção de pena, Heleno Cláudio Fragoso (Lições de Direito Penal) considera-a causa pessoal de exclusão de pena; Magalhães Noronha (Direito Penal) causa de irresponsabilidade; José Frederico Marques (Tratado de Direito Penal), causa de incapacidade penal por razões políticas” (MORAES, 2010, p. 446).
De todo modo, conforme Pedro Lenza (2010) não importa qual a denominação que se dê, sendo relevante conhecer, a imunidade material (inviolabilidade) impede que o parlamentar seja condenado, sendo certo haver a ampla descaracterização do tipo penal, irresponsabilizando-o penal, civil, política e administrativamente (disciplinarmente).
Tal prerrogativa descaracteriza, totalmente, assim, o tipo penal, irresponsabilizando o parlamentar penal, civil, política e administrativamente, tanto em plenário quanto fora dele, desde que o ato decorra do efetivo exercício da função legislativa ou a esta esteja relacionado.
“Quando as opiniões, palavras e votos forem produzidos fora do recinto da respectiva Casa legislativa, exige-se que o ato esteja relacionado ao exercício da atividade parlamentar. No caso de ofensa irrogada em plenário, as responsabilidades civil e penal serão ilididas independentemente de conexão com o mandato, devendo eventuais excessos ser coibidos pela própria casa a que pertencer o parlamentar” (NOVELINO, 2012, p. 811).
Portanto, a imunidade material relativa aos parlamentares federais trata-se, se utilizada de modo adequado, de importante instrumento para a consecução da independência do poder legislativo e do pluralismo político, pois por meio de suas ideias, os legisladores podem promover a defesa e buscar a efetivação de diversos direitos individuais e coletivos.
Passemos, agora, à análise da teoria da separação dos poderes e, posteriormente, do pluralismo político, a fim de, ao final deste texto, apontar posicionamento quanto ao objeto anteriormente delimitado.
3. A separação dos Poderes
A teoria da separação de poderes, também identificada como tripartição de poderes, prevista no art. 2º da Constituição Federal de 1988, se apresenta como um princípio fundamental da democracia moderna, se destacando, por tal previsão constitucional, como um dos princípios fundamentais da República brasileira.
Este princípio visa evitar a concentração absoluta do poder nas mãos de uma única pessoa ou órgão, como vislumbrado no Estado absoluto, e, em decorrência disso, evitar atos arbitrários.
Foi sugerido por diversos teóricos como Aristóteles, John Locke, Rousseau, entre outros, sendo definido e divulgado, nos moldes hoje aproximados, por Montesquieu, na obra O espírito das leis.
Por meio da teoria da tripartição de poderes estabelece-se que cada uma das funções do Estado seja da responsabilidade de um órgão específico e especializado no seu desempenho, pois tais funções do poder, a de legislar, a de administrar e a de jugar, são sempre separadas, independentemente do detentor do seu exercício.
Esta teoria tem como elementos, nos termos de sua previsão constitucional, a especialização funcional e a independência e harmonia.
Por especialização funcional entende-se que cada órgão é especializado no exercício de uma função. Assim, em brevíssimas linhas, ao poder legislativo é delegada a função de legislar, ao executivo a função de administrar e ao judiciário a função de julgar.
Oportuno destacar, essas são as funções típicas de cada um dos poderes do nosso Estado, mas a Constituição Federal de 1988 previu ao legislativo, ao executivo e ao judiciário, funções atípicas.
Relativamente à independência e harmonia entre os poderes, deve-se entender que não há, normativamente falando, relação de subordinação ou hierarquia entre os poderes legislativo, executivo e judiciário, devendo cada qual exercer a sua atividade de forma horizontal, de modo que o Estado funcione na mais perfeita harmonia e atinja sua finalidade, ou seja, o bem comum.
Embora o dispositivo prever o termo independência, a melhor definição é autonomia, como destaca José Luiz Quadros de Magalhães:
“Um dos princípios fundamentais da democracia moderna é o da separação de poderes. A idéia da separação de poderes para evitar a concentração absoluta de poder nas mãos do soberano, comum no Estado absoluto que precede as revoluções burguesas, fundamenta-se com as teorias de John Locke e de Montesquieu. Imaginou-se um mecanismo que evita-se esta concentração de poderes, onde cada uma das funções do Estado seria de responsabilidade de um órgão ou de um grupo de órgãos. Este mecanismo será aperfeiçoado posteriormente com a criação de mecanismo de freios e contrapesos, onde estes três poderes que reúnem órgãos encarregados primordialmente de funções legislativas, administrativas e judiciárias pudessem se controlar. Estes mecanismos de controle mútuo, se construídos de maneira adequada e equilibrada, e se implementados e aplicados de forma correta e não distorcida (o que é extremamente raro) permitirá que os três poderes sejam independentes (a palavra correta é autônomo e não independente) não existindo a supremacia de um em relação ao outro (o que também é raro acontecer conforme demonstrado no Tomo II do nosso Direito Constitucional)” (MAGALHÃES, 2004, p. 1).
Em busca da efetivação prática da independência e harmonia entre os poderes do nosso Estado, foi desenvolvida a teoria dos freios e contrapesos.
Trata-se esta de uma forma de controle recíproco entre os órgãos atribuídos das funções legislativa, executiva e judiciária.
Por meio desse sistema, busca-se o equilíbrio necessário à realização do bem comum, evitando-se o abuso de poder de um dos órgãos aqui trabalhados sobre os outros, bem como dos governados.
Importa citar a relação do tema separação dos poderes com o Ministério Público.
Como visto, o art. 2º da Constituição da República prevê que são três os poderes do nosso Estado, o legislativo, o executivo e o judiciário. Contudo, diversos juristas afirmam tratar-se o Ministério Público de um quarto poder, levando-se em consideração suas atribuições constitucionalmente elencadas, bem como uma leitura sistêmica da Constituição, pois, conforme Alexandre de Moraes,
“[…] a Constituição Federal de 1988 atribuiu as funções estatais de soberania aos três tradicionais Poderes do Estado: Legislativo, Executivo e Judiciário, e à Instituição do Ministério Público, que, entre várias outras importantes funções, deve zelar pelo equilíbrio entre os Poderes, fiscalizando-os, e pelo respeito aos direitos fundamentais” (MORAES, 2015, p. 430).
Nesse horizonte, José Luiz Quadros de Magalhães afirmou:
“O Ministério Público recebeu na Constituição de 1988 uma autonomia especial, que lhe permite proteger, fiscalizando o respeito a lei e a Constituição, e logo, os direitos fundamentais da pessoa, o patrimônio publico, histórico, o meio ambiente, o respeito aos direitos humanos, etc. Para exercer de forma adequada as suas funções constitucionais o Ministério Público não pode estar vinculado a nenhum dos poderes tradicionais, especialmente porque sua função preponderante é a de fiscalização e proteção da democracia e dos direitos fundamentais e não de legislação, administração, governo, ou jurisdição. […]. Embora o constituinte de 87-88 não tenha dito expressamente tratar-se o Ministério Público um quarto poder, o texto assim o caracteriza, ao conceder-lhe autonomia funcional de caráter especial. Qualquer tentativa de subordinar esta função de fiscalização típica do Ministério Público a qualquer outra função, é tentativa de reduzir os mecanismos de controle democrático, e logo, inconstitucional” (MAGALHÃES, 2004, p. 01).
Postas essas considerações, importa estabelecer a conexão entre a atividade parlamentar e o fundamento da República pluralismo político, pois numa sociedade heterogênea e plural como a atual, os legisladores têm de estar atentos às constantes transformações e preferências peculiares oferecidas pelos indivíduos e grupos, de modo a contemplá-las, se legitimas, em normas jurídicas por estes produzidas.
4. O pluralismo político
A Constituição Federal de 1988 consagrou, no inciso V do seu art. 1º, o pluralismo político como um dos fundamentos do nosso Estado.
Tal fundamento abraça o respeito à diferença, à tolerância, à consideração da pessoa humana como única e distinta, resultado das suas características peculiares.
É de caráter salutar referido reconhecimento na Carta Política brasileira de 1988. Nos destinos de Habermas:
“[…] tomamos consciência de que a história e a cultura são as fontes de uma imensa variedade de formas simbólicas, da especificidade das identidades individuais e coletivas, bem como da grandeza do desafio representado pelo pluralismo epistêmico. […] o mundo se revela e é interpretado de modo diferente segundo as perspectivas dos diversos indivíduos e grupos. Uma espécie de pluralismo interpretativo afeta a visão do mundo e a autocompreensão, além da percepção dos valores e dos interesses de pessoas cuja história individual tem suas raízes em determinadas tradições e formas de vida e é por elas moldada” (HABERMAS, 2007, p. 9).
Sobre o tema, desenvolvendo previsões constitucionais, Marcelo Novelino observou:
“O caráter pluralista da sociedade se traduz no pluralismo social, político (CF, art. 1.º), partidário (CF, art. 17), religioso (CF, art. 19), econômico (CF, art. 170), de ideias e de instituições de ensino (CF, art. 206, III), cultural (CF, arts. 215 e 216) e dos meios de informação (CF, art. 220). Este fundamento é concretizado, ainda, por meio do reconhecimento e proteção das diversas liberdades, dentre elas, a de opinião, a filosófico-religiosa, a intelectual, artística, científica, a de comunicação, a de orientação sexual, a profissional, a de informação, a de reunião e a de associação (CF, art. 5.º, IV, VI, IX, X, XIII, XIV, XVI e XVII). […] O pluralismo está indissociavelmente ligado à diversidade e à alteridade. Não há pluralismo sem respeito às diferenças, ao caráter do que é outro, ao antônimo da identidade. Em um belo texto sobre o “Princípio da alteridade”, Wellington Nery assevera a importância do pluralismo nas sociedades, as quais devem ser múltiplas como a vida o é. E lembra: “o diferente é necessário, imprescindível, essencial. Respeitar o outro é querer respeito consigo. Somos todos uns em função do outro. Não nos cabe o preconceito, a intolerância, a estupidez, a barbárie”” (NOVELINO, 2012, p. 385-386).
Novelino, dando prosseguimento às alegações supracitadas cita um discurso de posse de Presidente do Supremo Tribunal Federal:
“Esta Suprema Corte, sob a liderança de Vossa Excelência, haverá de continuar pautando a sua atuação – permanentemente imune a confessionalismos, a fundamentalismos e a dogmatismos, que tanto oprimem o pensamento e sufocam o espírito – pelo elevado sentido ético do pluralismo, da diversidade e da alteridade, dando prevalência ao respeito pelo outro, pelo diferente, por aquilo que não concordamos, estimulando e praticando a crença de que, na visão da totalidade, há de sempre haver espaço para o Outro e para o dissenso, pois somente esse sentimento de respeito pelo Outro, por suas diferenças e por ideias das quais divergimos traduzirá uma prática jurisdicional essencialmente democrática e verdadeiramente libertadora, que repudia o “ethos” da dominação, que atribui relevo à “voz do outro” e que dá significado efetivo às medidas que rejeitam e que dizem não – sempre na perspectiva generosa dos direitos fundamentais da pessoa humana – a condutas discriminatórias, não importando que se trate, porque igualmente odiosas e inaceitáveis, de discriminação étnica, de discriminação social, de discriminação do gênero, de discriminação por orientação sexual, de discriminação de índole confessional ou, ainda, de quaisquer outros atos, advindos do Poder Público ou de meros particulares, que afetem, comprometam, restrinjam ou busquem suprimir a prática de outras prerrogativas essenciais, tais como direitos sexuais e reprodutivos da mulher e o exercício pleno, sem arbitrárias limitações, da liberdade de pesquisa científica, pois, como todo sabemos, desde Galisteu e Copérnico, a Terra se move e não mais é o centro do Universo” (NOVELINO, 2012, p. 386-387).
Considerações finais
A inviolabilidade relativa aos parlamentares federais trata-se, se utilizada de modo adequado, de importante instrumento para a consecução da independência do poder legislativo e do pluralismo político, pois por meio de suas ideias, legisladores podem promover a defesa e busca da efetivação de diversos direitos individuais e coletivos.
A afirmativa se sustenta no fato de que numa sociedade heterogênea e plural como a atual, os legisladores têm de estar atentos às constantes transformações e preferências peculiares oferecidas pelos indivíduos e grupos, de modo a contemplá-las, se legitimas, em normas jurídicas por estes produzidas.
Por meio deste texto, procurou-se trabalhar tal importância sob o norte da problemática que envolve os deputados federais Jair Bolsonaro e Maria do Rosário, os quais proferiram palavras “duras” para com o outro.
Nesse quadrante, é preciso focalizar a gênese do problema para apontar nossos pontos de vista, ou seja, a discussão acerca da diminuição ou não da maioridade penal no Brasil. Conforme se viu, Bolsonaro é a favor e do Rosário contra. Até aí, não há problemas, o debate faz parte do “jogo democrático”, desde que os fundamentos para se posicionar se mostrem legítimos e condizentes com os problemas sociais, políticos, econômicos, culturais, entre outros, que envolvem qualquer tema, quanto mais um desta órbita.
Do nosso sentir, tanto Maria do Rosário, quando chamou Bolsonaro de estuprador, quanto Bolsonaro, ao proferir todas aquelas palavras a fim de justificar os motivos pelos quais não a estupraria, agiram ao arrepio da Constituição e não mereciam o amparo da imunidade material. Ora, a coisa se tornou totalmente pessoal e ambos perderam uma grande chance de debaterem quanto aos reais problemas que envolvem a criminalidade infanto-juvenil em nosso país.
A imunidade material não pode ser encarada como uma carta branca, uma licença à lá 007 no sentido de que o parlamentar possa proferir opiniões, palavras e votos ilimitados, ofensivos à integridade moral e psíquica, à honra, entre outros, dos integrantes do Estado e da sociedade civil, e não seja responsabilizado por tais atos.
Seu exercício deve estar conectado à teoria da separação dos poderes, tangente do Estado brasileiro reivindicadora da devida autonomia, definida a partir da ausência de hierarquia e preponderância de um poder sobre o outro, com vistas a se buscar a repulsa ao arbítrio e ao autoritarismo, fazendo-se valer a dialética tão salutar no âmbito de um Estado Democrático de Direito, cuja característica precípua se situa no pluralismo político.
Informações Sobre o Autor
Hugo Garcez Duarte
Mestre em Direito pela UNIPAC. Especialista em direito público pela Cndido Mendes. Coordenador de Iniciação Científica e professor do Curso de Direito da FADILESTE