O acesso à Justiça das pessoas com deficiência

Resumo: O presente trabalho tem por finalidade demonstrar a efetividade ou não da legislação brasileira e das políticas públicas nacionais para garantir ao deficiente físico acesso à justiça efetivo.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por finalidade demonstrar a efetividade ou não da legislação brasileira e das políticas públicas nacionais para garantir ao deficiente físico acesso à justiça efetivo.

Não se pretende aqui apontar soluções para o tema, mas sim localizar a sua problemática, caso se verifique a existência da mesma.

O objetivo proposto não é somente analisar a base teórica da problemática da inclusão das pessoas com deficiências, que invariavelmente passa por todas as esferas de nossa sociedade, mas também abordar as formas através da qual o acesso à justiça pode ser facilitado e até mesmo encorajado e as possíveis conseqüências oriundas desta posição junto à sociedade.

Para tanto, buscaremos desenvolver a concepção de acesso à justiça, que se baseia nos dogmas fundamentais do direito, bem como o conceito de deficiência, para que posteriormente, possamos abordar  o acesso à justiça das pessoas com deficiência.

Afinal é a falta de informação que muitas vezes acarreta na existência ou mesmo no nascimento dos problemas sociais, entre eles a dificuldade do acesso à justiça.

A concepção que se pretende conferir a esse estudo, consiste na constatação de que nosso sistema de acesso à justiça para os deficientes é por muitas vezes falho, seja na questão física de nossas instalações, ou até mesmo no que se refere a quem possa salvaguardar os interesses daqueles que possuem algum tipo de incapacidade.

DEFICIENTES

É evidente que a existência de deficiência no ser humano, em qualquer de suas modalidades e tipos, é assunto antigo e perene, porém, somente agora atingimos a maturidade política e social suficiente e necessária para iniciarmos o enfrentamento da inclusão de fato do deficiente na sociedade contemporânea.

Neste diapasão verificamos que se faz necessário, mesmo que de maneira singela, que conheçamos o conceito do que é ser deficiente, muito embora o referido tema possa até mesmo se desviar, mesmo que momentaneamente, de nosso artigo, haja vista que se trata em verdade de uma questão médica.

Mas antes mesmo de que a referida matéria seja invocada mister se faz afirmar que o conceito aqui abordado não é o mesmo utilizado na Lei 8.742/93, a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS).

Na assistência social o conceito utilizado, que envolve a capacidade da pessoa não tem relação com a forma e conceito aqui utilizados.

Assim, buscando simplificar o conceito de “deficiente” temos que se trata daquela pessoa que tenha dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade. É esse grau de dificuldade para a inclusão social que definirá quem tem ou não alguma deficiência, seja ela física, mental, auditiva, auricular, etc.

Não se pode negar que com a evolução das técnicas de guerra acarretou-se que uma grande parcela da população mundial, que não nasceu deficiente, acabou se tornando deficiente, o que, somados aos deficientes que assim o nasceram, compões um grande número de pessoas com deficiência de locomoção, audição, visão, mental e etc.

E foi esse aumento do número de deficientes que originou ao Estado a obrigação de amparar e zelar por essa significativa parcela da população.

Entretanto, infelizmente a inclusão social dos indivíduos deficientes não é exercitada por toda a sociedade, haja vista que muitos ignoram tão nobre causa.

Ressalta-se ainda que o problema das pessoas com deficiência não se refere somente a uma proteção estatal que busque à inclusão, mas também a políticas públicas que atuem também na prevenção da deficiência.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde os deficientes se dividem em: deficiência física (tetraplegia, paraplegia e outros), deficiência mental (leve, moderada, severa e profunda), deficiência auditiva (total ou parcial), deficiência visual (cegueira total e visão reduzida) e deficiência múltipla (duas ou mais deficiências associadas).

A Declaração Universal dos Direito Humanos adotada e proclamada pela Resolução número 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, assinada pelo Brasil na mesma data, em seu artigo 1º estabelece que “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.”

Feitas as considerações supra esclareço que neste trabalho vamos nos valer do conceito de deficiente contido em nossa legislação, mais precisamente o artigo 3º, I e II do Decreto nº 3298/99, regulador da Lei nº 7853/89, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, que possui a seguinte redação:

“Art.3º Para os efeitos desse Decreto, considera-se:

I- deficiência- toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano;

II- deficiência permanente- aquela que ocorre ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos.”

Muito embora o conceito não seja inclusivo, ao passo que sua terminologia é antiga e que ser deficiente é sim considerado normal, apenas para fins didáticos vamos nos valer do mesmo.

DISCRIMINAÇÃO, PRECONCEITO E O PRINCÍPIO DA ISONOMIA

Neste tópico procuraremos abordar o que é discriminação, preconceito e a sua existência frente ao princípio da isonomia, haja vista que acreditamos que este paralelo é fundamental para a compreensão do tema do acesso à justiça pelo deficiente físico, que será abordado mais a frente.

Porém vale ressaltar que a discriminação aqui abordada é a meramente conceitual e não aquele justa e necessária a todo e qualquer ordenamento legal.

De uma maneira bem singela temos que preconceito é a idéia, enquanto que discriminação é a idéia colocada em "prática".

A discriminação é um conceito maior e dinâmico do que o preconceito.

Discriminação pode ser provocada por indivíduos e por instituições, enquanto que o preconceito, só pelo indivíduo, mesmo que de maneira coletiva.

Certamente o preconceito e a discriminação ao deficiente se referem a um sério problema enfrentado por esta grande parcela de nossa população, mas que de fato é um problema de toda a sociedade.

E quando falamos em grande parcela da população para que seja dimensionado este número, o Censo demográfico realizado pelo IBGE em 2010 verificou que no Brasil temos aproximadamente 190.755.799 de habitantes, sendo que 45.606.048 declararam possuir algum tipo de deficiência.

O respeito às diferenças entre as pessoas é amplamente difundido em nossa legislação, sendo que inclusive existe menção no Preâmbulo de nossa Constituição Federal à proteção dos interesses difusos, bem em nossa legislação infraconstitucional.

Interesses difusos são aqueles indivisíveis e inerentes a um grupo de interesses ou categoria indeterminável de pessoas, que são reunidas entre si pela mesma situação de fato, como no nosso caso, os deficientes.

A referida conceituação está prevista no Código de Defesa do Consumidor, mais precisamente, em seu art. 81, I, que tem a seguinte redação:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos ….

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;”

A Constituição Federal declara que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza […] (art. 5º caput).

Já o artigo 3º do nosso supremo ordenamento legal dispõe em seu inciso IV, onde se lêem os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, entre eles a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

O tema ora discutido sem sombra de dúvida não pode ser analisado sem que se mencione o tema da “vida social”, cujo significado simplista é a possibilidade de plena autonomia sobre a própria vida, reunir a capacidade de trabalhar, de constituir família, de manter atividades na comunidade onde se vive.

É neste sentido que a redação dos artigos 5º e 6º da nossa Magna Carta , no Título II DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS aponta mandamentos que buscam garantia ao respeito à vida humana.

Todas as pessoas têm graus de saúde diferentes e peculiaridades físicas e mentais próprias. O que se busca são instrumentos capazes e eficazes de proteção ao respeito às diferenças.

Dito isto verificamos que o princípio basilar da isonomia deve ser tratado à exceção quando nos referimos aos deficientes.

O princípio da isonomia, ou princípio da igualdade, a destarte do verdadeiro chavão jurídico que se tornou o caput do artigo 5º de nossa Constituição Federal, seguramente abrange muito além do brocardo “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza…”.

Quando a discussão sobre o princípio da isonomia e sua aplicação se inicia temos que nos valer de que o mesmo pretende não somente nivelar os cidadãos do Estado de Direito, mas pretende sim que toda legislação seja elaborado em consonância com este princípio.

Afinal no que se refere ao princípio da igualdade aplicado as pessoas com deficiência devemos cuidar de resguardar a obediência à isonomia de todos diante do texto da lei, evitando discriminações desnecessárias e não inclusivas, pois se faz necessário colocar as pessoas com deficiência em situação privilegiada em relação aos outros cidadãos, e este benefício é perfeitamente justificados e explicados pela própria dificuldade de inclusão natural desse grupo de pessoas.

Se conclui com facilidade com isso que as tutelas positivas devem ser aplicadas de acordo com a necessidade dos interesses difusos de determinado grupo social.

O princípio constitucional da igualdade é, pois, diretriz voltada tanto para o aplicador da lei quanto para o próprio legislador que, a despeito de utilizar-se, por vezes, de critérios discricionários, encontra neste cânone iniludível e vital freio.

Conforme o supra transcorrido percebemos que a Constituição Federal, proíbe de maneira absoluta qualquer tipo de discriminação, seja por raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política, origem nacional.

Todavia, a lei se incumbe em algumas situações a “discriminar”, com o intuito de conceder reparação em supostas desigualdades.

Com isso verificamos que o princípio da isonomia (ou igualdade) assume uma característica de dupla aplicação:“qual seja: uma teórica, com a finalidade de repulsar privilégios injustificados; e outra prática, ajudando na diminuição dos efeitos decorrentes das desigualdades evidenciadas diante do caso concreto” (SILVA, 2003).

E é justamente neste ponto que nasce para nós a necessidade de analisarmos e entendermos a igualdade material e a igualdade formal.

Como igualdade formal temos a pura e limpa letra da lei, onde se prega o tratamento igual de todos os cidadãos através da legislação e também de tratamento identicamente igual conferido pelos magistrados aos litigantes em um processo.

Já a igualdade material é aquela que surge em nosso ordenamento através de normas, constitucionais positivadas, ou seja, o próprio legislador constitucional conferiu tratamento diferenciado a alguns cidadãos em casos específicos. A igualdade material é a detentora de mais um jargão jurídico, onde somente poderemos tratar de maneira igual os desiguais se os tratarmos desigualmente.

A igualdade material busca de fato diminuir as desigualdades, para que assim possamos de fato atingir um tratamento igual. A título de exemplo em nossa legislação extravagante temos o Código de Defesa do Consumidor, onde o consumidor, por supostamente ter uma condição econômica desfavorável em relação as empresas, assume uma condição de hipossuficiente, podendo litigar com a inversão do ônus da prova, embora seja que alega o fato.

Outro exemplo se trata da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.343/06), onde se reconhece a diferença entre os homens e as mulheres e se busca o meio jurídico adequado  de proteger a integridade física da mulher.

Este fator de “discrimen”, apresentado pelo Estado nos exemplos supra não se trata de uma violação ao princípio da isonomia, mas se trata sim de uma forma de aplicação exata do mesmo, relativisando quando necessário, vez que o seu objetivo não é conferir vantagem não fundada.

“É preciso que se faça a interpretação deste dispositivo levando-se em conta que o mesmo não quer significar igualdade perante a lei, mas igualdade em direitos e obrigações, tornando inaceitável a utilização deste fator diferencial para desnivelar materialmente o homem da mulher, pois é justamente atenuar os desníveis de tratamento a finalidade desta norma”.

Neste sentido, de grande valia a lição do filósofo Hans Kelsen:

“A igualdade dos sujeitos na ordenação jurídica, garantida pela Constituição, não significa que estes devem ser tratados de maneira idêntica nas normas e em particular nas leis expedidas com base na Constituição. A igualdade assim entendida não é concebível: seria absurdo impor a todos os indivíduos exatamente as mesmas obrigações ou lhes conferir exatamente os mesmos direitos sem fazer distinção alguma entre eles…”

O ACESSO À JUSTIÇA

Antes de adentrarmos ao tema do presente artigo, é evidente que se faz necessário que o tema do “acesso à justiça” também seja conceituado, afim de permitir uma maior compreensão.

Como terminologia temos que “acesso” vem do latim accessus, que significa ingresso, entrada, trânsito, passagem.

Desta feita, na medida em que o princípio da ação, ou o direito da ação, determina que o judiciário deve ser provocado para aplicar a sua jurisdição (nemo iudex sine actore) o acesso à justiça ganha papel preponderante quando falamos de lesão a qualquer direito.

O acesso à justiça visa permitir que qualquer indivíduo, desde que legitimado para tanto, reúna condições para que, se assim desejar, possa ingressar com uma demanda perante o Poder Judiciário.

Mas algumas considerações sobre a evolução do processo também se fazem necessárias para elucidação daquilo que se pretende discutir.

Afinal a função pacificadora do Estado passa pelo acesso à justiça.

Ademais com o advento da fase instrumentalista do processo, onde este se tornou um verdadeiro instrumento, os princípios informativos se tornaram ainda mais fundamentais para que o Estado pudesse dar a parte o devido e necessário provimento judicial.

Os princípios informativos também vieram com o intuito de garantir que o processo seja lógico, bem como para garantir a igualdade das partes no processo (Princípio Jurídico), o máximo de garantia social com o mínimo de sacrifício individual (Princípio Político), bem como que processo seja acessível a todos no que se refere aos custos e o mais breve possível (Princípio Econômico).

Campilongo, em o Direito na Sociedade Moderna, citando Cappelletti, adverte que Juristas em geral e processualistas de modo particular são concordes, que o acesso à justiça pode ser "encarado como requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar, os direitos de todos".

Ada Pelegrini Grinover em sua obra destaca que: “Seja nos casos de controle jurisdicional indispensável, seja quando simplesmente uma pretensão deixou de ser satisfeita por quem podia satisfaze-la, a pretensão trazida pela parte ao processo clama por uma solução que faça justiça a ambos os participantes do conflito e do processo. Por isso é que se diz que o processo deve ser manipulado de modo a propiciar às partes o acesso à justiça, o qual se resolve, na expressão muito feliz da doutrina brasileira recente, em “acesso à ordem jurídica justa”.”(2002, p.33).

Mister se faz afirmar que acesso à justiça não é acesso físico aos tribunais, que são prédios públicos,e para tanto podem ser visitados por todos os brasileiros, desde que preenchidos alguns requisitos.

Acesso à justiça de uma maneira resumida é o conjunto de instrumentos que possibilitam aos cidadãos o acesso ao Poder Judiciário, sendo que este é um direito fundamental em todo Estado Democrático de Direito.

Isto porque inexiste norma constitucional sem um mínimo de eficácia e o que torna inafastável do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça de direito (ARAÚJO, 1997, P. 99).

Estes instrumentos supra-citados, que são oferecidos pelos Estado aos cidadãos se referem aos elementos necessários para trazer ao processo efetividade, o que de acordo com um dos princípios informativos do processo se trata de trazer pacificação social com o menor sacrifício possível.

O acesso à justiça também pode ser considerado como a forma existente de se recorrer ao sistema jurídico em busca de reparação contra a violação dos direitos.

Mas para que essa busca de reparação, de pacificação social, possa ser totalmente atingida é preciso que se entenda os elementos existentes nesse “caminho”.

O primeiro ponto a ser analisado se refere ao ingresso em juízo propriamente dito. Isto porque, por mais que se difunda os meios, é preciso que se elimine os óbices econômicos, físicos e até mesmo culturais para que o tutelado possa demandar ou se defender em juízo, para que assim o direito fundamental do acesso à justiça integral e gratuito previsto em nossa Magna Carta (art. 5º, inciso LXXIV) seja de fato oferecido ao povo.

A assistência judiciária gratuita para aqueles hiposuficientes economicamente com certeza é um dos acertos de nossa legislação com o fim de conceder acesso à justiça à todos aqueles que entendam ter um direito lesado.

Afinal, em nosso ordenamento e na maior parte das sociedades contemporâneas, é fundamental a existência de um advogado no processo para interpretar o direito e as leis.

E em todos estes Estados existe uma parcela da população que não tem condições de arcar com sua própria subsistência, quiçá com o pagamento de advogado e custas processuais.

Nestes casos, os Estados, cumprindo até mesmo com uma função social tem arcado com o pagamento dos causídicos, e isentados os litigantes hiposuficientes do pagamento das custas processuais.

No Brasil os estados membros oferecem assistência judiciária gratuita através da defensoria pública ou de convênios realizados com Ordem dos Advogados do Brasil.

Essa forma de atuação do Estado busca romper de certa forma as barreiras ao acesso individual à justiça, buscando de alguma forma mitigar a desinformação jurídica pessoal dos hiposuficientes.

Porém o sistema adotado não é totalmente eficaz, haja vista que mesmo o serviço jurídico estando a disposição de todos, não significa necessariamente que aquele que teve o seu direito lesado sabe desta lesão ou reúne condições de buscar ajuda.

Além da ausência de eficácia em algumas situações outro “contra” do sistema adotado no Brasil para garantir a todos o acesso à justiça reside no fato de que invariavelmente dependemos de políticas governamentais para garantir a eficácia do atendimento da assistência judiciária gratuita.

O Código de Defesa do Consumidor e as reformar referentes a legislação ambiental de tal sorte também são instrumentos importantes para a defesa dos interesses difusos, o que por sua vez também contemplam o acesso à justiça.

Acesso à justiça se trata de um conceito que necessariamente deve estar atrelado ao progresso e a evolução da sociedade, e tal como qual deve evoluir, buscando sempre novos mecanismos para a representação dos interesses “públicos”.

Representação legal não é único enfoque que o acesso à justiça engloba, afinal de maneira contemporânea temos enfrentando verdadeiro desafio de buscar formas de aplicar a todos os indivíduos uma justiça mais igualitária.

O que se busca são formas de que a capacidade econômica do litigante não seja tão relevante para que o mesmo obtenha êxito em sua demanda.

O que sabe é que o sistema existente não é totalmente livre de vícios, mas de fato as políticas públicas aplicadas pelos governantes tem de fato levado o acesso à justiça à uma evolução, embora o mesmo ainda não seja pleno.

O devido processo legal e o princípio do contraditório também devem ser observados e cumpridos, para que o acesso à justiça, tal qual como aqui explicado, seja de fato assegurado, para que o magistrado possa de maneira participativa resolver a lide.

Magistrado este que deve apreciar as provas produzidas na lide e enquadrar os fatos em nosso ordenamento, resguardando o direito material, buscando de maneira absoluta a justiça.

Porém, é necessário que a decisão aplicada no caso concreto seja útil, e utilizando o velho brocardo jurídico temos que quem tem direito deve receber tudo aquilo e precisamente aquilo que tem direito de obter, nada mais.

Para que o acesso à justiça seja efetivo é necessário que o maior número de pessoas seja admitido a demandar e a se defender de maneira correta e formal e obtenham do judiciário efetividade em suas decisões.

A tutela Estatal deve realizar e julgar os direitos aos cidadãos e o referido está previsto na Constituição Federal, mais precisamente no artigo 5º, incisos XXXV e LXXVIII, que tem a seguinte redação:

 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

Importante salientar que em nossa sociedade existe a vedação da autotutela, o que reforça a importância do acesso à justiça e do direito de ação.

Assim, mais uma vez resumidamente percebemos que com o acesso à justiça se busca intensamente a pacificação social com justiça, através dos meios legais.

ACESSO À JUSTIÇA DO DEFICIENTE

Superadas as questões do acesso à justiça e da conceituação de deficiente vamos adentrar o tema do presente trabalho propriamente dito.

Como o anteriormente dito, deficiência engloba uma série de fatores, sendo que a conceituação aqui utilizada se dá no individuo que por algum motivo tem algum tipo de dificuldade de se incluir socialmente.

Sob esta ótica destaca-se que o presente trabalho enfoca somente o direito individual do deficiente e não as tutelas coletivas.

Ressalta-se ainda que conforme o dito alhures acesso à justiça não é somente o acesso físico ao tribunal ou ao fórum, portanto, o acesso à justiça do deficiente não se refere a acessibilidade dos prédios do Poder Judiciário apenas.

Via de regra esta problemática (a existência da deficiência) já acarreta ao seu portador uma série de dificuldades, que também está presente no acesso à justiça.

O acesso à justiça do deficiente não envolve somente as questões processuais, como há existência de interesse de agir, possibilidade jurídica do pedido e legitimidade de partes ou mesmo ataques a omissões legislativas que lhe causem prejuízo. Este acesso envolve inclusive capacidade econômica, física e mental de litígio.

Afinal o deficiente como o já amplamente discutido tem uma condição extremamente vulnerável e até mesmo hiposuficiente diante das situações que lhe apresentam o dia a dia.

Vejamos como exemplo o caso de um deficiente físico que não consegue ingresso no já disputado mercado de trabalho. Seria justo exigir dele custas processuais ou mesmo lhe aplicar o ônus da sucumbência em caso de revés?

Um deficiente mental ou mesmo físico, já com as sérias dificuldades que o dia a dia lhe oferece não mereceria prioridade de tramitação tal qual os idosos?

O deficiente mental que tem um direito tolhido, a quem poderá recorrer para ingressar em juízo?

As perguntas acima são elucidativas, isto porque aqui não se pretende comprovar que a proteção ordinária existente não permite a utilização de qualquer medida ou processo existente em nosso ordenamento, o que se pretende discutir é se as medidas existentes trazem ou não efetividade ao deficiente, e  para tanto lhe conferem efeito acesso à justiça.

Tanto é verdade que eventual acesso ao Poder Judiciário ou defesa processual de interesses de pessoa com deficiência também pode ocorrer contra o Estado, ou qualquer ente que lhe impeça o exercício regular de um direito.

Todavia aqui não se pretende minimizar e importante abrangência e atuação do Ministério Público e das associações.

As associações de defesa dos deficientes constituem um grupo grande, fundamental para nossa sociedade, tão carente de políticas públicas para o deficiente, e legitimado legalmente para representar os seus associados em juízo.

Já o Ministério Público, por força do artigo 129, inciso III, da Constituição Federal, está expressamente autorizado a litigar como autor para defender os interesses dos deficientes.

Mas fica a pergunta, as associações e o Ministério Público são suficientes para garantir o acesso à justiça de todos os deficientes? E mais, o acesso à justiça do deficiente hoje ocorre de maneira satisfatória?

Ademais não podemos nos furtar de analisar a necessidade de adaptação de algumas normas processuais ao tipo de litígio, que no nosso caso se refere especificamente ao deficiente.

Afinal cada litígio possui suas próprias peculiaridades, e da mesma forma cada caso possui diferentes barreiras ao acesso à justiça e por conseqüência temos soluções diferentes.

Conforme o já citado alhures percebemos muitas políticas públicas no sentido de facilitar o dia a dia do deficiente, tais como restituição de Imposto de Renda, vagas específicas em concursos públicos, leis de acessibilidade aos prédios públicos entre outras, mas de fato verificamos pequena ou quase nenhuma atuação governamental no sentido de facilitar ao deficiente efetivo acesso à justiça.

Nesse sentido ressaltamos que o decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, que promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinada em Nova York, em 30 de março de 2007, que tem valor de emenda constitucional, em razão do §3, do artigo 5º da Constituição Federal, que em seu  artigo 13º, que possui a seguinte redação:

 “1- Os Estados Partes deverão assegurar o efetivo acesso das pessoas com deficiência à justiça, em igualdade de condições com as demais pessoas, inclusive mediante a provisão de adaptações processuais e conformes com a idade,  de facilitar seu efetivo papel como participantes diretos ou indiretos, inclusive como testemunhas, em todos os procedimentos jurídicos, tais como investigações e outras etapas preliminares. 

2- de assegurar às pessoas com deficiência o efetivo acesso à justiça. Os Estados Partes deverão promover a capacitação apropriada daqueles que trabalham na área de administração da justiça, inclusive polícia e pessoal prisional.”

Deixa bem claro a responsabilidade do governo brasileiro de garantir em seu território acesso à justiça de maneira efetiva a todos os deficientes.

O fato é que no Brasil o acesso à justiça efetivo ao deficiente ainda está no papel, e está análise é relativamente simples quando nos focamos por exemplo na expressão “acessibilidade”, que está presente nas diversificadas áreas da atividade governamental e tem um importante significado.

Ela representa de uma maneira geral não só o direito de que a pessoa possa litigar em juízo, mas também o direito de serem rompidas as barreiras arquitetônicas, de disponibilidade de comunicação, de acesso físico, de equipamentos e programas adequados, e treinamento do pessoal para lidar com a referida situação.

Afinal, quando uma pessoa portadora de deficiência e que se utiliza de uma cadeira de rodas ou de muletas, por exemplo, e se vê diante de uma grande escadaria, que é o único acesso ao interior de um fórum de justiça. Essa escadaria é chamada de barreira arquitetônica, que pra ele, deficiente, é intransponível, o que, no mínimo, o afasta de uma livre busca a justiça.

Atualmente não existe nem um processo judicial sequer, mesmo tendo um de seus litigantes comprovadamente deficiente visual, traduzido para o braile, o que de fato é um óbice para o acesso à justiça deste deficiente.

As deficiências muitas vezes podem gerar uma incapacidade de ver, falar, ouvir, deslocar-se, ou mesmo de interpretar certos tipos de informação, e estas dificuldades devem ser levadas em conta pelos responsáveis das políticas públicas de acesso à justiça para que os mesmos possam de fato ter o seu acesso grantido.

A criação de órgãos de controle como o CONADE (Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência), que é um órgão colegiado criado para acompanhar e avaliar o desenvolvimento de uma política nacional para a inclusão da pessoa com deficiência, não atende por completo ao acesso à justiça do deficiente.

Ressalta-se que o CONADE faz parte da estrutura básica da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, criado pela lei 10.683/03, em seu artigo 24º, parágrafo único.

Dentre as competências do CONADE esta a propositura e realização de campanhas visando à promoção dos direitos da pessoa com deficiência, e entre estes direitos com certeza está o acesso à justiça.

Além da ausência de políticas públicas efetivas para garantir o acesso à justiça do deficiente, também devemos levar em consideração nessa análise os óbices colocados aos deficientes pela legislação vigente.

Um exemplo do aludido está no teor do artigo 192, do Código de Processo Penal, que tem a seguinte redação:

“Art. 192. O interrogatório do mudo, do surdo ou do surdo-mudo será feito pela forma seguinte:

I – ao surdo serão apresentadas por escrito as perguntas, que ele responderá oralmente;

II – ao mudo as perguntas serão feitas oralmente, respondendo-as por escrito;

III – ao surdo-mudo as perguntas serão formuladas por escrito e do mesmo modo dará as respostas.

Parágrafo único. Caso o interrogando não saiba ler ou escrever, intervirá no ato, como intérprete e sob compromisso, pessoa habilitada a entendê-lo.”

O exemplo utilizado contém impropriedades que devem urgentemente serem alteradas sobre as formas de interrogatório da pessoa surda. (do surdo-mudo: perguntas e respostas formuladas por escrito).

É clarividente a maneira inapropriada em que a legislação aborda o tema, especialmente a pessoa surda, ao passo de que a própria lei já sentencia que a pessoa surda não sabe falar, o que não é uma verdade absoluta.

É sempre bom lembrar que a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS (Lei 10.436/02) é reconhecida como meio legal de comunicação e expressão da comunidade surda, portanto ela poderá não saber a língua portuguesa para poder responder a formulação de perguntas por escrito. Daí a imposição de existência de pessoal habilitado em interpretar a língua de sinais para o atendimento à pessoa surda, que faça uso dessa forma de expressão para se comunicar.

A inexistência de pessoa habilitada para interpretar e traduzir a língua dos sinais em processo que envolva pessoa surda de fato tolhe o acesso à justiça dessa pessoa, afinal qual a capacidade desta pessoa em poder formular um processo, depor ou ainda ser testemunha?

As leis da acessibilidade impõem aos órgãos públicos de atendimento, principalmente aos órgãos que administram a justiça, que disponibilizem o intérprete de LIBRAS para o interrogatório de pessoa surda para viabilizar a adequada comunicação.

Mister se faz a necessidade deste dispositivo, como de outros similares e retrógrados que existem em nossa legislação.

Na bem da verdade é que tanto o Poder Judiciário, o CONADE, e o Estado brasileiro de uma maneira ampla precisam promover atos que favoreçam e contribuam para a independência das pessoas, e o acesso à justiça está intimamente ligado a este tema, haja vista que ele é pilar fundamental para a manutenção do nosso Estado Democrático de Direito.

CONCLUSÃO

Promover a inclusão das pessoas portadoras de deficiência é, dentre outras coisas, permitir que as mesmas possam agir por si próprias, quando apresentam capacidade civil plena para tanto.

Entretanto, também é função estatal tutelar aquele hiposuficente e/ou incapacitado para tanto, seja processualmente, ou criando condições de acesso.

A isonomia deve ser observada de maneira relativa para que de fato exista igualdade de condições.

E no que se refere ao acesso à justiça do deficiente temos que no Brasil existem uma série de interesses e boas intenções para que o mesmo exista de fato, mas infelizmente nossas políticas e públicas e legislações são ineficazes no propósito de garantir acesso à justiça ao deficiente.

Esta problemática com certeza deverá ser enfrentada por nosso Estado nos próximos anos, que deve incluir esta significante parcela da população em suas prioridades.

 

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Informações Sobre o Autor

Izaias Branco da Silva Colino

Advogado


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