Resumo: Esse artigo tem como objetivo o estudo do direito fundamental de primeira dimensão que é o chamado “acesso à justiça”. Além disso, visa tratar dos obstáculos que impedem sua efetivação e os remédios que podem ser usados para contornar as limitações impostas através da análise da “Teoria das Ondas” de Cappelletti.
Palavras-chave: Direito Fundamental. Acesso à Justiça. Teoria das Ondas.
Abstract: This article is about the fundamental right of first dimension trat is the “access do justice”. It also seeks to address the obstacles that hinder its effectiveness and the remedies that can be used to end the limitations imposed by analyzing the " Theory of Waves " of Cappelletti.
Keywords: Fundamental Right. Access to Justice.
Sumário: 1. Acesso à Justiça. 1.1 Impedimentos ao Acesso à Justiça. 1.2 Remédios para a concretização do Acesso à Justiça.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho adotará como instrumentos de pesquisa a análise de pesquisas bibliográficas teóricas, o exame de artigos encontrados nos ramos das ciências sociais, doutrinas clássicas e inovadoras do direito constitucional, bem como a utilização dos dispositivos legais provenientes da Constituição Federal de 1988.
O acesso à justiça ou princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional está contemplado pelo art. 5º, XXXV da CF e garante a todos os cidadãos brasileiras a possibilidade de ter seu conflito apreciado pelo Poder Judiciário.
Embora na teoria pareça um conceito simples a ser seguido, na prática encontra algumas limitações sérias, são elas econômicas, sócio-culturais e psicológicas que impedem que toda a população tenha um acesso à justiça de forma igualitária.
Mauro Cappelletti e Byan Garth através da sua teoria das ondas renovatórias de acesso à justiça buscaram um meio para acabar com essas limitações. São três ondas que devem ser inseridas nos ordenamentos jurídicos de todos os países para que pessoas de todas as classes e com todas as culturas possam ter seus direitos preservados.
1. ACESSO À JUSTIÇA
O acesso à justiça, também denominado princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional ou princípio do direito de ação, nada mais é do que a garantia de que qualquer pessoa pode ter seu conflito analisado pelo Poder Judiciário.
É um direito fundamental de primeira dimensão, possuindo, portanto, toda a proteção já identificada no tópico anterior, e, por ser positivado, está previsto no art. 5º, XXXV da Constituição Federal, que legisla: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”. Além da lesão efetiva, a Constituição previu a proteção do indivíduo em caso de ameaça, uma tutela preventiva.
Como anteriormente analisado, o acesso à justiça, por ser um direito fundamental, possui as características essenciais destes, como o atributo de ser inerente ao ser humano, não podendo este dispô-lo, ou a universalidade deste, não havendo distinção entre seus titulares, é um direito de todos. Como é um direito de primeira dimensão, é um direito de cunho negativo, afasta a intervenção do Estado, ou seja, depende do particular para exercer seu direito de ação e, então, demandar uma resolução judicial.
Segundo o art. 8º, 1 da Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos:
“Artigo 8º – Garantias judiciais
1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.”[1]
O acesso à justiça dá o direito do ser humano ser ouvido em juízo e atentar para a proteção de seus direitos, e, ainda, dá a garantia ao indivíduo de que a solução de seus conflitos será dada de forma justa e adequada. A finalidade deste direito fundamental elementar é, nada mais, do que a pura realização da justiça.
Este direito difere do direito de petição, que regula o interesse popular sobre a manutenção da ordem pública, enquanto o primeiro necessita de um interesse individual de iniciar um processo para defender seus direitos subjetivos.
No caso da extinção do processo sem resolução do mérito por carência de uma das condições de ação, não está aqui caracterizada uma ofensa ao acesso à justiça, já que este direito permanece presente, porém uma necessidade processual não foi acatada.
Embora seja um direito elementar que objetiva o acesso igualitário de acesso ao Poder Judiciário e a defesa de seus interesses pessoais de forma justa, não se confunde com o processo gratuito.
De forma a fundamentar a extensão desse direito para além da área do Poder Judiciário, Ana Flávia Melo Torres ensina:
“(…) quem busca a defesa de seus direitos (ameaça ou lesão) espera que o Estado-juiz dite o direito para aquela situação, em substituição da força de cada litigante, pacificando os conflitos e facilitando a convivência social.”[2]
Com essa afirmação fica demonstrada a cultura judicial da população, que em meio a um conflito, entende que apenas o Estado pode resolver seu problema.
1.1 Impedimentos ao Acesso à Justiça
Defende Torres que, devido à realidade brasileira cercada de desigualdades, o acesso à justiça efetivo para todos os cidadãos de forma igualitária acaba por ser dificultado.
Isso é culpa, em primeiro lugar, dos obstáculos econômicos. A desigualdade econômica e o elevado custo processual acarretam na falha do pleno acesso à justiça. Um dos grandes inibidores ao exercício efetivo deste direito fundamental são os honorários advocatícios, a parte vencida, além de arcar com os honorários de seu próprio advogado e com as custas e despesas processuais, deve pagar os honorários de sucumbência, os honorários advocatícios do advogado da parte vencedora, ou seja, acaba pagando duas vezes. Nos Estados Unidos, não há essa necessidade, assim, a parte vencida não sai tão prejudicada ao fim da ação judicial.[3]
Além disso, a duração processual também acaba por encarecê-lo já que a quantidade de processos iniciados diariamente não é proporcional ou adequada ao número de juízes existentes, assim cada juiz acaba abarrotado de ações, o que acaba por resultar em processos demorados e julgamentos sem a devida qualidade à que o indivíduo faz jus.[4]
Em segundo lugar, têm-se os limites sócio-culturais, pessoas mais humildes não têm tanto conhecimento sobre seus direitos, não têm tanto acesso aos tribunais ou a advogados que possam lhes esclarecer o que fazer em determinada situação e, caso cheguem ao Poder Judiciário, deparam-se com litigantes habituais, que detêm um maior conhecimento sobre o andamento dos procedimentos e, portanto, acabam em vantagem contra os eventuais.
Existem, ainda, os obstáculos psicológicos, que dependem da caracterização que a população faz do sistema judiciário, chegando a temer ajuizar uma ação e sofrer as consequências disso, tendo em vista que o Poder Judiciário é injusto e inacessível, dotado de juristas não-confiáveis.
Por fim, os problemas judiciários também afetam o acesso à justiça, já que as pessoas que vivem no interior precisam se deslocar para as capitais ou cidades maiores para ajuizar ou acompanhar uma ação. Torres também determina:
“(…) dentro das restrições de caráter eminentemente judiciário, há que se destacar a polêmica acerca da limitação da capacidade postulatória, que tantos debates vem gerando entre os operadores jurídicos. A exigência da presença de advogado em todo e qualquer processo (já relativizada pelo Poder Judiciário) tem sido vista por um lado como elemento castrador da efetividade ao acesso e por outro como garantia a ele, ou seja, como instrumento de limitação ou elemento fundamental ao exercício pleno da cidadania.” [5]
Assim sendo, a necessidade de um advogado para entrar em juízo pode ou não ser vista como um facilitador do acesso à justiça, por um lado, porque o advogado direciona as partes leigas e dá uma noção do direito que está em questão e do que deve ser pedido, por outro, porque as partes nem sempre têm dinheiro para procurar um bom advogado, ou têm confiança neste. Estes, entre outros fatores, podem afetar o lado benéfico ou maléfico da obrigatoriedade de um advogado presente.
1.2 Remédios para a concretização do Acesso à Justiça
Como o problema da efetivação do acesso à justiça tem sido alvo de grandes discussões doutrinárias, buscando formas de contornar essas limitações, Mauro Cappelleti e Bryan Garth surgiram com a teoria das ondas renovatórias de acesso à justiça. Essa teoria é muito importante para a análise e para o auxílio na reparação da situação brasileira atual.[6]
A primeira onda preocupa-se com a assistência judiciária viabilizada àquelas pessoas que não podem arcar com os custos da tramitação de uma ação, com as despesas de um advogado, e acabam por não defender seus direitos ou nem mesmo ter conhecimento da existência deles, de forma a se distanciar do sistema judiciário.
Aqui foram encontradas, por Cappelletti, três formas para “suprir” os problemas de desigualdade social, em termos jurídicos, e propiciar um atendimento justo e igualitário às partes mais carentes da sociedade. Isto se dá por intermédio do sistema Judicare, dos advogados remunerados pelos cofres públicos e pela combinação dos dois sistemas.
O Judicare garante que as pessoas que não têm condições para arcar com os honorários advocatícios, terão a mesma defesa e o mesmo atendimento por advogados particulares, que serão ressarcidos pelos cofres públicos, similar ao que, no Brasil, chamamos de advogado dativo.
Os advogados que são pagos pelo Estado, são advogados públicos que atuam para defender os melhores interesses das classes mais vulneráveis, que são representados pelos profissionais atuantes junto à Defensoria Pública de cada estado brasileiro.
Devido a alguns problemas que surgiram do primeiro sistema, quando os advogados particulares mostravam maior interesse em ações individuais do que em lutar pela igualdade da classe mais desfavorecida como um todo. Somados a problemas com o segundo, que podem ser representados pela falta de atenção do advogado público com o atendimento individual, por obra do grande número de causas. Alguns países optaram por um sistema combinado, que, para Cappelletti, seria o sistema mais avançado por pesar a escolha da parte, de modo que o indivíduo pode optar se prefere ter seus interesses representados por um advogado público ou particular.[7]
A segunda onda diz respeito à representação dos direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos, os autores explicam:
“Uma vez que nem todos os titulares de um direito difuso podem comparecer em juízo – por exemplo, todos os interessados na manutenção da qualidade do ar, numa determinada região – é preciso que haja um “representante adequado” para agir em benefício da coletividade, mesmo que os membros dela não sejam citados individualmente. Da mesma forma, para ser efetiva, a decisão deve obrigar a todos os membros do grupo, ainda que nem todos tenham tido a oportunidade de ser ouvidos.”[8]
Ou seja, a segunda onda tem sua importância na extensão dos resultados de uma ação de modo a alcançar todos os interessados mesmo que estes não tenham um comportamento ativo no processo.
Mesmo com essas duas ondas propiciando uma grande melhora no efetivo acesso à justiça para toda a população, necessária seria, ainda, para os autores, uma terceira onda que focasse na resolução de litígios pela via judicial e por vias extrajudiciais, com advogados particulares ou públicos, encontrando outros sistemas para solucionar controvérsias ou, até, para evitar que estas se tornassem uma ação judicial.
Esta onda reflete-se na criação de Juizados Especiais e na maior publicidade e utilização de métodos alternativos como a conciliação, a mediação e a arbitragem. Além de ser, para este estudo, o elemento mais importante da teoria de Cappelletti.
Uma onda não anula a outra, para haver um efetivo acesso à justiça é preciso que as três ondas sejam complementares, os sistemas aqui exemplificados devem ser seguidos concomitantemente para tornar viável a existência de um sistema judiciário acessível e igualitário.
CONCLUSÃO
As três ondas usadas em conjunto podem acabar ou ao menos diminuir as limitações impostas à efetivação do acesso à justiça, já estão elas inseridas no ordenamento jurídico brasileiro.
A primeira onda se dá através da assistência judiciária gratuita, no Brasil é caracterizada pelos advogados dativos e pela Defensoria Pública. A segunda onda visualiza-se na representação dos direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos. Já a terceira está presente na inserção de Juizados Especiais e no estímulo ao uso de métodos alternativos de resoluções de conflitos.
Informações Sobre o Autor
Camila Bonin Annunziato
Mestre em Direito Empresarial da Universidade Nova de Lisboa