Desde a segunda metade do Século XX os
juristas têm-se deparado, perplexos, com os impactos
causados pelos avanços científicos e tecnológicos (em ritmo jamais observado)
na Ciência do Direito, ora trazendo soluções de ponta para antigos litígios,
cujo legislador jamais poderia prever, ora causando conflitos nunca dantes
imaginados.
E é justamente no vetusto Direito de
Família onde as repercussões de tais progressos são mais visíveis, fazendo,
inclusive, ruir velhas estruturas jurídicas advindas do até então
inquestionável Direito Romano, cujos institutos, com as suas presunções
juris et de júri (que
não admitem questionamento), estabeleciam sabiamente um ponto final para
aqueles conflitos para os quais a Ciência e a tecnologia de então não eram
capazes de solucionar.
Por exemplo, com o advento do exame de
DNA, a mais fantástica contribuição científica à Ciência Jurídica até o
momento, foi sepultada para sempre a máxima romana “mater
semper certa est, pater incertus”, bem como
a “exceptio plurium concubentium”, argumento de defesa utilizado para
negar a paternidade de um filho quando a mãe, no período em que copulou com o
suposto pai, também tivesse mantido relações sexuais com outros homens. Provada tal performance feminina o seu
filho não poderia mais ser reconhecido. A doutrina falava em “risco de
paternidade”. Hoje, felizmente, com o sistema do DNA, a paternidade passou a
ser cientificamente incontestável, tendo cumprido, a “exceptio
plurium concubentium”,
desde Roma Antiga, a sua função enquanto a Ciência não atingiu o atual estágio
evolutivo. Afinal, com a “identificação digital genética”,dezenas
que tenham sido os parceiros sexuais da mãe, é possível apontar qual deles é o
pai, devendo o felizardo arcar com o ônus de assistir e alimentar o seu filho e
herdeiro.
Por outro lado, dentre os novos
conflitos surgidos podemos apontar o polêmico caso da “mãe de aluguel”, que
após aceitar uma contrapartida financeira para gerar um filho que será entregue
à esposa infértil do homem que lhe cedeu o sêmem para
enxerto, não resiste aos encantos da maternidade e resolve quebrar o acordo.
Parece inacreditável que há alguns anos tal realidade pertencia ao terreno da
ficção científica.
Finalmente, o Direito não poderia ficar
indiferente à revolução da informática e o seu inevitável impacto social.
Atordoados, os seus profissionais, advogados, promotores de Justiça e juízes,
têm queimado a pestana diariamente para solucionar aquilo que o legislador, um
tanto estupefato, ainda não pode regular através de leis. É o caso, por
exemplo, trazido pela revista VEJA, edição nº1.704, de
13/6/2001 (pp. 122/129) e que trata, inclusive, do “adultério virtual”, citando
um caso de um cidadão casado que era assíduo freqüentador de chats sensuais e que foi flagrado pela esposa
praticando “sexo virtual”, modalidade através da qual duas pessoas se excitam
mutuamente pela internet através de diálogo picante e simulador de um
ato sexual até a atingirem o orgasmo, mediante masturbação disjunta e
simultânea, diante do monitor de um microcomputador. Como não se tocam, o ato
sexual é pura fantasia, não podendo tal conduta caracterizar, juridicamente, a
figura do adultério, que exige, para a sua caracterização, a cópula vagínica consumada, em que pese poder ser qualificada pelo
cônjuge “traído” como conduta desonrosa que torna insuportável a vida em
comum, e que também justifica o pedido de separação judicial, nos termos do
art. 5º, da Lei nº6.515/77. Para tanto, a cópia do
texto de e-mail (o fantástico e veloz correio eletrônico, também jamais
imaginado há alguns anos), pode, inclusive, ser um excelente meio de prova para
a comprovação da conduta desonrosa, pela web,
de um dos cônjuges, ensejadora do fim da sociedade
conjugal.
Como se não bastasse tanta
perplexidade, a mídia já anuncia para breve a clonagem do primeiro ser humano.
É fácil imaginar as suas conseqüências no âmbito do Direito Civil: discussões
acerca da admissibilidade da autonomia de sua personalidade e de quem será
credor de alimentos (se de seu original ou do genitor deste), dos impedimentos
matrimoniais em relação aos parentes do original, além de causar
polêmica no direito das sucessões. Ou seja, se será considerado tão-somente
herdeiro de seu original (por ser este o responsável único por sua
criação) ou concorrerá com este no mesmo quinhão (meio a meio) da herança
deixada pelo pai do original ou, ainda, se concorrerá em igualdade de
condições (pro rata) com o seu original e demais herdeiros do original-avô.
Enfim, é de dar calafrios saber que,
logo, os tribunais serão instados a decidir, inclusive, sobre a possibilidade
jurídica de extensão, ao clone do cônjuge varão, do direito subjetivo de
coabitação com a legítima esposa de seu original…
Informações Sobre o Autor
Carlos Frederico dos Santos
Promotor de Justiça na Bahia