O alcance da responsabilidade civil nas relações do abandono afetivo pela parentalidade

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Resumo: Este trabalho tem por objetivo esclarecer o procedimento para se chegar a uma decisão judicial, no que se diz respeito à responsabilidade civil por abandono afetivo. Por meio de uma pesquisa exploratória, levantou-se na produção bibliográfica de autores especialistas e reconhecidos na área de Direito de Família, como Maria Berenice Dias, Renata Barbosa de Almeida, Walsir Edson Rodrigues e Eliene Ferreira Bastos o posicionamento e os procedimentos adotados nas decisões judiciais referentes ao tema.

Palavras-chave: Família. Cuidado.Abandono Afetivo. Responsabilidade Civil.

Sumário: 1. Introdução. 2. Responsabilidade Civil nas Relações do Abandono Afetivo pela Parentalidade 2.1. Classificações das Famílias Atualmente. 2.2. O que revelam as estatísticas sobre a situação social das crianças e adolescentes do Brasil. 2.3. A importância do cuidado. 2.4. Alguns Aparatos Legais. 2.4.1. O Estatuto da Criança e do Adolescente. 2.5. O Papel dos Tribunais. 2.6. A Responsabilidade Civil. 3. Conclusão. 4. Referências Bibliográficas.

Introdução

Desde o Código de Hamurab, uma das primeiras leis escritas, havia o sistema familiar patriarcal que determinava que, caso o filho renegasse o pai, poderia ter a mão cortada ou ser vendido como escravo.

No Direito Hebraico, os hebreus se dividiam de acordo com os números de filhos de Jacó, ou seja, em 12 (doze), no qual as famílias se subdividiam, juntamente com toda a organização política e social. Nesta sociedade, os paisnão eram mortos por causa dos filhos e nem os filhos por causa dos pais, mas cada um era executado por seu próprio crime.

Em sequência, veio o Código de Manu,indiano, em que muitas crianças nasciam prometidas em casamento e, muitas vezes, casavam-se ainda muito precocemente.

Na Grécia, já na infância, a criança que era julgada saudável, tinha o nome de “espartíata” e era educada para viver para o Estado, sendo supervisionada publicamente. Os meninos que não apresentavam boa saúde morriam ou eram acolhidos por um “hilota”, ou seja, por um homem de bom coração. As crianças “espartíatas” eram cuidadas por sua mãe e pelas amas especiais do governo, até os sete anos. A partir dos sete anos, os meninos eram retirados de suas famílias e ato contínuo ingressados em um grupo militar. Dos doze anos aos dezessete, eram levados para um campo, onde teriam que sustentar-se pelo próprio esforço. Aos dezessete anos, o rapaz tinha que se esconder no campo, munido de punhais para degolar, durante a noite, quantos escravos conseguisse, para que, assim, fosse reconhecido como adulto e então ganhar um lote de terra. Depois de tais provas, iria viver no quartel recebendo uma refeição por dia.

No Direito Romano, a família era o centro de tudo, e os indivíduos eram vistos como membros de uma família, antes de serem indivíduos.

Dando um salto deste referencial histórico e clássico, para a realidade brasileira do século XX, tem-se a elaboração do Código Civil de 1916 que definiu como “família” àquela formada dentro do casamento, a qual teve resguardada juridicamente a sua proteção, “e tudo o que escapava de tal definição era juridicamente irrelevante”. Todavia, o filho era importante para a força de trabalho familiar, visando à manutenção do patrimônio da família, não perdendo ainda a característica patriarcal.

Na visão de Tânia da Silva Pereira e Guilherme de Oliveira, autores do livro Cuidado e Vulnerabilidade,“o século XX foi o século da criança, o século XXI será o século das responsabilidades parentais.”

Pois“o mundo de hoje não mais comporta uma visão idealizada da família. Seu conceito mudou. A sociedade concede a todos o direito de buscar a felicidade, independentemente dos vínculos afetivos que estabeleçam. É ilusória a ideia de eternidade do casamento. A separação, apesar de ser um trauma familiar doloroso, é um remédio útil e até necessário, representando, muitas vezes, a única chance para se ser feliz.” (DIAS, 2011, p. 33)

E assim, agora, sem a visão idealizada de família, temos as várias “classificações” de pais: há os pais ausentes, os pais sem filhos, os pais numerosos demais.

2. Responsabilidade civil nas relações do abandono afetivo pela parentalidade

2.1 Classificações das famílias atualmente

Para Maria Berenice Dias(2011, p.357),“o ponto essencial é que a relação de paternidade não depende mais da exclusiva relação biológica entre pai e filho, avós e neto. Toda paternidade é necessariamente socioafetiva, podendo ter origem biológica ou não”.

O paiao reconhecer um filho estará assumindo deveres que farão toda a diferença para o desenvolvimento mental, emocional e físico dessa criança ou adolescente.

E, para assumir essa paternidade, faz-se jus cumprir com os deveres do sustento, guarda, assistência e educação dos filhos, conforme traz o artigo 1.566 do Código Civil/02, o artigo 227 e 229 da Constituição/88, e o artigo 4 do ECA.

Portanto, quem é pai, primeiramente tem que reconhecer o seu filho, conforme postula os artigos 1.607 a 1.617 do Código Civil/02; este é um ato livre, pessoal, irrevogável, e de eficácia “erga omnes”,inadmissível arrependimento.

Hodiernamente, a discussão não se refere mais a poderes paternos, e sim,à responsabilidade paterna. Tal instituto, o das responsabilidades parentais está presente nos artigos 1.901, 1.910, 1.911, 1.912 do Código Civil.

Decorre, portanto, que “o pluralismo das relações familiares – outro vértice da nova ordem jurídica ocasionou mudanças na própria estrutura da sociedade. Rompeu-se o aprisionamento da família nos moldes restritos do casamento, mudando profundamente o conceito da família. A consagração da igualdade, o reconhecimento da existência de outras estruturas de convívio, a liberdade de reconhecer filhos havidos fora do casamento operam verdadeira transformação na família”. (DIAS, 2011, p. 41)

Podem-se nomear, no entender de Dias (2011), as formas familiares atuais como: a família socioafetiva, a família homoparental e a família pluriparental.A “família socioafetiva”constitui modalidade de parentesco civil, de origem afetiva.Segundoo artigo 1.593 do Código Civil, é o parentesco natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem, que decorre do direito à filiação, em que prevalece não o caráter biológico, mas por uma convivência afetiva entre os envolvidos. Para Zeno Veloso (2011), constituído o vínculo da parentalidade, mesmo quando desligado da verdade biológica, prestigia-se a situação que preserva o elo da afetividade.

A “família homoparental”é a que se constitui da mesma maneira das uniões heteroafetivas, quando o pai que fica com a guarda do filho assume sua orientação homossexual, unindo-se com um companheiro do mesmo sexo, criando entre eles,pais e filhos, um vínculo de afinidades afetivas. O companheiro do genitor passa então, na maioria das vezes, a assumir a responsabilidade na criação, educação e sustento do menor, assumindo também o papel de pai. O mesmo valendo, obviamente, para a mulher.

A “família pluriparental”ocorre quando a criança conta com a participação de mais pessoas no processo reprodutivo, sendo que todos estreitam os vínculos com a criança que nasce, devido a sua interferência como doador de material genético ou quem gesta, reconhecendo-se a existência de múltiplos vínculos de filiação.

Há, nas várias configurações de família existentes atualmente, umaampliação da responsabilidade e alteração no conceito de paternidade, mudando-o do caráter econômico, religioso e social, para uma família que presa pela afetividade e felicidade dos laços de família.

A relevância sobre tais responsabilidades dos progenitores faz-se presente mediante a demanda de uma realidade, na qual os pais são os maiores infratores no que se refere tanto aos direitos de sua prole quanto ao mínimo de cuidado garantido.

Para Maria Amélia Azevedo e Viviane Nogueira de Azevedo Guerra, a violência é “todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis contra crianças e ou adolescentes que, sendo capaz de causar dano físico, sexual e ou psicológico à vítima, implica de um lado, uma transgressão do poder-dever de proteção do adulto e, de outro, numa coisificação da infância, isto é, numa negação do direito que as crianças e adolescentes têm de ser tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento”. (apud PEREIRA; OLIVEIRA, 2009, p.154)

E ainda, os autores asseveram que“uma pessoa que cresce com violência aprende a ser violenta e isso reflete diretamente em nossa sociedade” (PEREIRA; OLIVEIRA, 2009, p.152).Aproveitam, também,a classificação apontada em sua obra por Juliana Martins Faleiros (2009), para mencionar os tipos de violência contra a criança e o adolescente, quais sejam: o maltrato físico, o abandono físico, o maltrato emocional, o abandono emocional, o abuso sexual, o trabalho infantil, a mendicidade, a corrupção e a falta de controle parental.

O tema do abandono afetivo (emocional) écausador de polêmicas por ser algo de entendimento subjetivo,mas, infelizmente, constante nas estatísticas sociais, como será demonstrado adiante.

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2.2 O que revelam as estatísticas sobre a situação social das crianças e adolescentes brasileiros

De acordo com levantamento divulgado em 2004 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), “entre os principais motivos do abrigamento das crianças e dos adolescentes pesquisados estão à carência de recursos materiais da família (24,1%) e logo após, vem o abandono pelos pais ou responsáveis (18,8%); a violência doméstica (11,3%); a violência de rua (7,0%); a orfandade (5,2%); a prisão dos pais ou responsáveis (3,5%) e o abuso sexual praticado pelos pais ou responsáveis (3,3%), totalizando cerca de 15% das crianças e adolescentes nos abrigos da Rede SAC em todo o país”. (IPEA, 2004, p.55).

Já em outra pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), no ano de 2010,os brasileiros somavam 190 milhões de habitantes, 97 milhões de mulheres e 93 milhões de homens, as crianças e adolescentes, por sua vez, dividiam-se em 33 milhões até 9 (nove) anos de idade e aproximadamente 35 milhões de 10 a 19 anos de idade, somando neste novo século uma média de aproximadamente 68 milhões de crianças e adolescentes. Sendo 40% a 48% considerados pobres, em que a renda per capta da família não ultrapassa meio salário mínimo.

O dado mais contundente para este trabalho, no entanto, foi apontado pela mesma pesquisa do IPEA (2004), que indica que há cerca de 20 mil crianças e adolescentes vivendo nos 589 abrigos pesquisados em todo o Brasil, sendo o Sudeste a região que concentra 49,1% dos abrigos e 45% dos abrigados. Entre as crianças e os adolescentes abrigados na época, 11,7% tinham de zero a 3 (três) anos; 12,2%, de 4 (quatro) a 6 (seis) anos; 19,0%, de 7 (sete) a 9 (nove) anos; 21,8% de 10 (dez) a 12 (doze) anos; 20,5% de 13 (treze) a 15 (quinze) anos; e 11,9% tinham entre 16(dezesseis) e 18 (dezoito) anos incompletos (IPEA, 2004).

Os dados quantitativos apontados evidenciam a necessidade da aplicação de políticas públicas na proteção deste público e do fortalecimento da atuação do Estado nas questões que se referem ao abandono físico e emocional do menor.

2.3 A importância do cuidado

Juristas e doutrinadores entendem que o amor é intangível, e por esse motivo, não há que se falar de direitos e deveresem relaçãoà tal subjetividade, o que pode ser analisado, no entanto, é a falta de cuidado.Para Kant (apud BORGES,2000), é “do cuidado que nasce o amor”, você deve fazer o bem aos seres humanos, e sua beneficência produzirá amor com respeito a eles, no entanto, amar não é direito nem dever, amar é um sentimento, intangível.

Sándor Ferenczi, psicanalista húngaro, esclarece sobre as consequências a respeito da“rudeza” com as crianças e afirma que “as crianças acolhidas com rudeza no decorrer da primeira infância perdem o gosto pela vida, apresentando-se como seres que possuem uma capacidade insuficiente de adaptação. Ficam mais vulneráveis a desenvolver sintomas psíquicos e orgânicos graves como formatos autodestrutivos de ser no mundo, morrendo facilmente e de bom grado”(apud ALTOÉ, 2004).

De acordo com Dias (2011, p. 460), “a falta de convívio dos pais para com os filhos, em face do rompimento do elo de afetividade, pode gerar severas sequelas psicológicas e comprometer seu desenvolvimento saudável. […] A omissão do genitor em cumprir os encargos decorrentes do poder familiar, deixando de atender ao dever de ter o filho em sua companhia, produz danos emocionais merecedores de reparação […] a ausência da figura do pai desestrutura os filhos, tira-lhes o rumo da vida e debilita-lhes a vontade de assumir um projeto de vida. Tornam-se pessoas inseguras, infelizes”.

A importância da afetividade pode ser mostrada exploratoriamente em laboratório, por meio de uma pesquisa feita por Harlow (apud PEREIRA; OLIVEIRA, 2009), na qual bebês chipanzés, órfãos, eram observados em uma sala em quehavia duas reproduções de macacas chipanzés: uma delas era construída de arame e tinha uma mamadeira ou um peito que continha leite à vontade;a outra reprodução era feita de trapos de pedaços de lã, que tinha colo, mas não tinha leite. Os bebês chipanzés se alimentavam o suficiente, e depois iam para o aconchego na macaca de panos de lã. Alguns se alimentavam por muito pouco tempo e outros desprezavam o alimento e preferiam o colo da mãe postiça, alguns, até mesmo, em virtude dessa preferência, chegaram a morrer de fome. Tal experimento, guardada as diferenciações entre humanos e macacos, só vem a somar e afirmar o quanto se faz importante o cuidado afetivo, do contato afetivo, não apenas dos primatas, mas dos seres humanos em geral.

2.4 Alguns aparatos legais

A Constituição Brasileira de 1988, em seu art. 229, postula que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.

Outros deveres que competem aos pais, quanto aos filhos menores, encontram-se no Código Civil/2002, em seusartigos:

“art. 1.566:São deveres de ambos os cônjuges: IV- Sustento, guarda e educação dos filhos;

art. 1.631:Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade;

art. 1.579: O divórcio não modificará os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos”;

art. 186: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. (BRASIL, Código Civil, 2002)

E assim, “havendo negligência do genitor para com a educação e formação escolar dos filhos, cabe à responsabilidade civil e gera obrigação indenizatória, devido a sua negligência em dar oportunidade ao desenvolvimento dos filhos e na ajuda para a construção de sua liberdade”.(DIAS, 2011,p.204).

Em relação ao abandono material, qualquer um dos genitores está sujeito à prática do delito, conforme artigo 244 do Código Penal (CP): “deixar sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de dezoito anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de sessenta anos, não lhes proporcionando os recursos necessários, ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo”(BRASIL, Código Penal, 2003). A pena prevista é a detenção, de um a quatro anos, e multa, de uma a dez vezes o maior salário-mínimo vigente no país.

O artigo 1.696do Código Civil, prevê que “o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros”. E ainda complementa dizendo que “se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide”. (BRASIL, Código Civil, 2002)

Outro dever dos pais refere-se, como já dito, no reconhecimento dos filhos, mencionados nos artigos do Código Civil, que traz no capítulo “Da filiação” (Código Civil, art. 1.596 a 1.606) determinação sobre os filhos nascidos na constância do casamento e no capítulo “Do reconhecimento dos filhos” (Código Civil, art. 1.607 a 1.617), que trata dos filhos havidos fora do casamento.

2.4.1 O Estatuto da Criança e do Adolescente

Mediante demonstrações do quanto prejudicial é o abandono afetivo no desenvolvimento da criança, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) veio desde 1990, tutelado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e recepcionado em nossa Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), em seu artigo 227, substituir a doutrina de situação irregular, do revogado Código de Menores de 1927. Até então, havia a “escola de menores”, a qual se destinava a mendigos, infratores, toxicômanos e outras crianças que estivessem em situação irregular, e que dava ao Juiz de Menor a escolha de prisão destes menores até completarem os 21 (vinte e um) anos de idade.

O ECApromove a passagem da criança e do adolescente de objeto a sujeito de direito, com a pretensão de serem respeitados em seu desenvolvimento e vulnerabilidade e, portanto, merecedores da proteção da família, da sociedade e do Estado com fulcro nos seguintes artigos:

Art. 3ºdo ECA: “A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à  pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se lhes, por Lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”.(BRASIL, Estatuto da Criança de do Adolescente, 1990)

 Art. 4ºdo ECA: “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade eà convivência familiar e comunitária”.(idem)

 Art.5º do ECA: “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da Lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.(idem)

Importante mencionar que o conhecido artigo 227 da CRFB/88, assegura ser “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.(BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988)

Todavia, a parentalidade tem descumprido com o seu papel em relação à efetiva proteção aos direitos destes seres em desenvolvimento,assimtorna-se necessário pensar em meios que venham equilibrar tais demandas para resguardar o mínimo de dignidade para essas pessoas.

Muitos questionam por que não se utilizar o planejamento familiar como forma de amenizar o alto índice de natalidade em nosso país, principalmente para aquelas famílias carentes, que não têm condições materiais, mentais e emocionais para dar uma estrutura melhor para sua família. No entanto, vale ressaltar que em nosso País, no que se trata de planejamento familiar, não cabe a intervenção do Estado, que vem resguardado pelo artigo 226,§7ᵒ da CRFB/88, artigo 1.556,§2ᵒ do CC/02 e a Lei 9.263/96, que asseguram a todos os cidadãos o planejamento familiar, através de métodos que, falhamente, não têm beneficiado a população carente, devido à falta de políticas públicas, voltada para a informação e educação em relação à vida sexual.

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2.5 O papel dos tribunais

Mediante a realidade citada, no que se refere ao abandono afetivo nas relações da parentalidade especificamente, não se pode deixar de falar sobre a importância dos tribunais em decisões favoráveis ao menor, nem nos meios utilizados dentro dos pressupostos para se chegar a uma decisão razoável.

São várias as decisões pelos tribunais brasileiros no que diz respeito ao abandono afetivo, sendo, muitas vezes, os pais condenados a pagarem a indenização por danos morais.

Um caso ilustrativo e que causou repercussão no meio jurídico foi o que a Corte de Justiça entendeu por bem referendar a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, em que um pai foi condenado a pagar R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) de indenização por abandono afetivo, tendo em vista a alegação da filha deser vítima de abandono material e afetivo durante sua infância e juventude. O genitor, por sua vez, sustentava no Recurso Especial (Resp. de nᵒ 1.159.242-SP) que não abandonou a filha e se o mesmo tivesse feito, não caberia ilicitude, sendo a única punição cabível para tal descumprimento das obrigações relativa ao abandono, a perda do poder familiar”, conforme artigo 1.638 (BRASIL, Código Civil, 2002).

Referente à decisão, a Ministra Nancy Andrighi, relatora do acórdão, diferenciou amor e cuidado na relação pai e filho, dizendo que o amor diz respeito à motivação, situando-se, pela sua subjetividade; já o cuidado, é tisnado por elementos objetivos, como a presença, contato, mesmo que não presenciais, ações voluntárias em relação à prole. “Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever”.(apud MARINES, 2012)

Em um breve levantamento, é possível saber que a primeira decisão que condenou um pai por abandono moral e afetivo vem do Rio Grande do Sul, proferida na Comarca de Capão de Canoas, pelo juiz Mario Romano Maggioni, processo de nº 141/1030012032-0, o qual determinou o pagamento de indenização no valor de duzentos salários mínimos – que ainda está em fase de execução – esta sentença foi datada em agosto de 2003.

Ao fundamentar sua decisão o magistrado diz queaos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos (art. 22, da lei nº 8.069/90). A educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a presença do pai ajude no desenvolvimento da criança. Concluindo que a ausência, o descaso e a rejeição do pai em relação ao filho recém-nascido, ou em desenvolvimento, violam a sua honra e a sua imagem. Basta atentar para os jovens drogados e ver-se-à que grande parte deles deriva de pais que não lhes dedicam amor e carinho; assim também em relação aos criminosos (apud MELO, 2012).

No caso mencionado, o Ministério Público, manifestou-se contrário à decisão, haja vista o fato de a Promotora De Carli dos Santos entender que, “não cabe ao judiciário condenar alguém ao pagamento de indenização por desamor”(apud MELO, 2012, p.6).

Um segundo caso, recentemente julgado na Comarca de São Paulo, pelo juiz da 31ª Vara, de Processo nº 000-01.036, pelo Dr. Luis Fernando Cirillo, condena um pai a pagar o valor de 190 salários mínimos a sua filha, considerando em suas avaliações que, a paternidade gera deveres além da guarda, que é o de “ter o filho em sua companhia”. Contudo, pondera que não seja de acordo um filho pleitear indenização por dano moral, por motivo de seu pai não ter lhe oferecido o afeto:“não se pode rejeitar a possibilidade de pagamento de indenização do dano decorrente da falta de afeto simplesmente pela consideração de que o verdadeiro afeto não tem preço, porque também não tem sentido sustentar que a vida de um ente querido, a honra e a imagem e a dignidade de um ser humano tenham preço, e nem por isso se nega o direito à obtenção de um benefício econômico em contraposição à ofensa praticada contra esses bens”(apud MELO, 2012).

Outra decisão similar deu-seno Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, proferida pela 10ª Câmara Cível, a um rapaz em face de seu padrasto, o qual lhe moveu uma “ação negatória de paternidade para desconstituição do registro de nascimento, o que lhe teria gerado constrangimentos”. Foi-lhe reconhecido o direito de indenização por danos morais, no valor de oitenta salários mínimos. No julgado, fica pormenorizado o seguinte: o padrasto mantinha convivência com a mãe da criança, relação esta que se iniciou quando a mulher ainda estava grávida. Quando a criança nasceu o padrasto assumiu, espontaneamente, a paternidade, registrando-a em seu nome, mesmo sabendo não ser o pai biológico. Ocorre que, anos depois, ao romper a relação convivencial com a mãe do agora rapaz, o padrasto ingressou com ação negativa de paternidade com o fim de alterar o registro de nascimento. O "enteado", argumentando ter sofrido violento abalo psicológico, por ter sido exposto a situação vexatória, além de ter se submetido à realização de exame de DNA, em face da ação negatória de paternidade, ingressou com ação pedindo indenização por danos morais, julgada improcedente em primeiro grau. No entanto, a relatora, juíza-convocada ao TJ, Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira, em seu voto, reconheceu que a matéria guardava certa dramaticidade, mediante a atitude “afoita” de um padrasto que levou ao rapaz “prejuízos desmedidos”, como “a perda do nome, a filiação, o referencial e a segurança para interagir no seu convívio social”,caso também citado por Melo (2012).

É de suma importância salientar que no ordenamento jurídico brasileiro existem outros meios de punições para os pais, como a perda e suspensão do poder familiar, na qual a suspensão é facultativa e sujeita à revisão. Tal suspensão ocorrerá nos casos de abuso de autoridade, conforme previsto no artigo 1.637 do Código Civil/2002.

No que diz respeito à perda do poder familiar, é a sanção de maior alcance, que vem extinguir tal poder familiar, conforme previsto no artigo 1.635 e 1.638 do Código Civil/2002.

Portanto,é necessário salientar que, para um filho ter que chegar ao ponto de pedir que o pai seja responsabilizado civilmente, pode-se subentender que é um direito, como o último grito de “pai, porque me abandonaste”. E por ser um tema tão particular e delicado, é preciso que o judiciário, dentro das multidisciplinaridades atuantes, faça a sua parte e procure dar as respostas aosproblemas atuais, resultados das mudanças familiares e sociais.

Por fim, resta tratar de como se dão as decisões de responsabilidade civil por abandono afetivo, assunto do próximo tópico.

2.6 A responsabilidade civil

Após esse breve percurso, resta tratar especificamente da responsabilidade civil e de seus pressupostos para melhor entendimento no que diz respeito às decisões em uma matéria tão subjetiva, como é o caso do abandono afetivo.

Se aresponsabilidade civil faz-se presente por todos os ramos do direito civil, no direito de família não seria diferente.

Vale ressaltar que tanto a suspensão quanto a destituição do poder familiar dependem de procedimento judicial.

No que diz respeito à responsabilidade civil para esta matéria, Maria Berenice Dias pondera que “mesmo que o pai apenas visite o filho por receio de ser condenado a pagar uma indenização, é melhor do que gerar no filho o sentimento de abandono. Se os pais não conseguem dimensionar a necessidade de amar e conviver com os filhos que não pediram para nascer, é imperioso que a justiça imponha coactamente essa obrigação. O dano à dignidade do filho deve ser passível de reparação material para que possa ser dissuadida pela firme posição do judiciário, ao mostrar que o afeto tem um preço muito alto na nova configuração familiar”. (DIAS, 2011, p.462)

Sendo assim, a responsabilidade civil, no que tange o comprovado dano por abandono afetivo nas relações da parentalidade, materializa-se a partir do ato ilícito, com a obrigação de reparar o dano, de algum prejuízo causado a outrem.

Os autores Renata Barbosa de Almeida e WalsirEdson Rodrigues Júnior (2010) frisam que o vocábulo responsabilidade provém do verbo latino “respondere”, que consiste na ideia de imputar, responsabilizar, ser obrigado a responder. A responsabilidade civil encontra-se na parte geral do Código Civil, que orienta a concretização de todos os direitos do homem em suas relações patrimoniais e existenciais. A responsabilidade civil tem seus requisitos baseados na conduta comissiva ou omissiva, o dano e o nexo de causalidade.

No que se refere à conduta comissiva e omissiva, trata-se de todo ato ilícito praticado com culpa, conforme art. 186 do CC/02, ou sem culpa, conforme art. 187 do CC/02.

Para Almeida e Rodrigues Junior (2010, p. 586), “no que tange à culpa, discute-se se a não observância de qualquer dos deveres decorrentes do poder familiar previstos em lei caracterizaria ato ilícito. É importante que sejam analisados quais fatores contribuíram para o afastamento do genitor, já que, muitas vezes, o distanciamento é causado pelo ascendente com quem reside a criança, por terceiro que assume o papel de pai ou mãe do menor, entre outros casos de alienação parental. Além disso, certo é que, em alguns casos, a imposição da presença do pai ou da mãe na vida da criança não é aconselhável e fazê-lo somente para que sejam artificialmente efetivados os deveres decorrentes da autoridade parental pode representar risco à saúde psicológica e até mesmo física do menor”.

No que se refere aos danos reparáveis,podem-se citar àqueles ligados a relações familiares, no rompimento de noivado, no casamento, na união estável e também nas relações paterno-filiais.

Os danosse dividem em dois, material e moral. O primeiro é aquele que causa um dano patrimonial a vítima, e o segundo é aquele que atinge os direitos personalíssimos da pessoa humana, como a dignidade da pessoa humana, a liberdade, a honra, enfim, seus valores que dizem respeito ao bem ou interesse não patrimonial, que lhe cause dor, tristeza, sofrimento, humilhação, depressão. O dano moral, como bem nos alerta Eliene Ferreira Bastos(2008), vem respeitar os princípios constitucionais.

Portanto, não se pode deixar de mencionar sobre o princípio da boa fé, o qual é de fundamental importância nas relações negociais e agora, nas relações parentais.

Rodrigo da Cunha Pereira, em seu livro sobre “Princípios fundamentais norteadores do Direito de Família”, de 2012, tratade vários princípios, tendo entre eles o princípio da “dignidade humana”, segundo o qual o homem não deve jamais ser transformado num instrumento para a ação de outrem.

Outro princípio de suma importância, mencionado, é o princípio do melhor interesse da criança, o qual vem se incorporando definitivamente em nosso sistema jurídico. Alguns artigos que se fazem dignos de conhecimento e que vêm resguardar os princípios do melhor interesse das crianças e dos adolescentes, estão elencados nos artigos 1.583 a 1.590 do CC/02,no ECA, em seus artigos 17, 19 e 22, na CRFB/88, em seu artigo 227, e no preâmbulo da Convenção Internacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes.

Também outros princípios de alta relevância são:oprincípio da afetividade, que vem dar sentido e dignidade à existência humana contribuindo para a realização da pessoa e sua formação; o princípio da solidariedade, segundo o qual um ser solidário passa a ser responsável pelo outro; e o princípio da responsabilidade, que se faz necessário para a criação, educação e sustento material e afetivo de seu filho, dentre outros princípios.

Almeida eRodrigues Junior(2010, p. 587)apontam linhas de entendimentos contrárias à indenização por danos morais nas relações da parentalidade, uma vez que entendem que os danos morais são questionáveis: “a configuração do dano moral nos casos em estudo também é extremamente questionável, principalmente pelo fato de que os defensores da existência de dano afetivo se remetem frequentemente à necessidade da presença de ambos os pais para o desenvolvimento sadio do menor, o que não se coaduna com as novas entidades familiares defendidas pelo direito de família.”

Conforme Eliene Ferreira Bastos, em seu livro “Família e jurisdição- Volume II”, de 2008, a situação do abandono injustificado deve ser a causadora do dano, este necessário que se prove, caracterizando a conduta do abandono afetivo, pela falta da assistência material e ou imaterial.

 A prova geralmente se dá através de laudos médicos, nos quais psicólogos, em parceria com o judiciário, entram contribuindo para que se tome a decisão mais próxima da verdade real. Fato que evidencia a importância da multidisciplinaridade para se analisar um assunto tão delicado.

Neste âmbito, Almeida e Rodrigues Junior (2010, p. 580) ponderam que “sobre a configuração dos elementos constitutivos da responsabilidade civil dos pais por abandono afetivo, a doutrina assevera que se faz necessária a caracterização da ausência contínua e deliberada de afeto por parte do genitor, o que individualizaria o ato ilícito. Após, deve ser analisado o grau de culpabilidade do agente na prática de ilícito, bem como afastadas situações que repeliriam a culpa, como legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular de direito, dever legal de agir, ou mesmo o total desconhecimento da filiação. Ao final, deve ser feito exame do nexo de causalidade entre a conduta ilícita e dano, com auxílio de profissionais de outras áreas.

E é deles também a complementação da análise sobre a forma ideal para pagamento da reparação por abandono afetivo, afirmamque há quem defenda que a falta do amor dos pais não deve ser compensada diretamente em dinheiro. Desse modo, acredita-se que o pai (ou a mãe) deva compensar o filho que tenha sofrido com a omissão do afeto mediante custeio de tratamento psicológico ou psiquiátrico, com o intuito de evitar o locupletamento indevido nas relações familiares.”

O dever de indenizar decorre do abuso de direito, pelo desrespeito à boa fé objetiva ou aos bons costumes. Tal responsabilidade tem como pretensão tão somente penalizar àquele que causou um dano pelo agravo moral, servindo este de exemplo para aqueles que não têm cumprido com os seus deveres de pai.

Algo corriqueiro no cotidiano são os pais descompromissados que, por motivo de não estarem mais casados, não têm o interesse de assumirem as responsabilidades para com seus filhos, muitas vezes preferindo arcar com a responsabilidade civil, como bem ilustra Eliene Ferreira Bastos (2008, p.74): “a responsabilidade parental não assumida pode ser o principal objetivo e, portanto, qualquer preço, pode ser um preço para não exercer a parentalidade responsável. Ou seja, um pai que não quer ser mais pai porque não está mais ao lado da mãe do filho, pode se sentir confortável com a condenação que lhe garanta a possibilidade de apenas pagar um preço fixo pelo abandono afetivo de seu filho”.

Não obstante, no artigo 249 do ECA, existe a possibilidade de se aplicar multa para aqueles pais que praticam conduta infracional ao descumprimento dos seus deveres inerentes ao poder familiar. Ou seja, são decisões que tem embasamento legal para o intuito único da defesa dos vulneráveis face aos desrespeitos da parentalidade irresponsável.

A doutrina majoritária defende a ideia de reparação por abandono afetivo, a maior parte das decisões judiciais pesquisadas, no entanto, refuta o cabimento de aludida reparação.

Assim, além do papel de fiscalizador do promotor de justiça de família, sabe-se da falta do efetivo cumprimento dos demais componentes da rede de garantias em busca aos direitos das crianças e dos adolescentes. O ideal seria que houvesse políticas públicas de atendimentoàs famílias em crise, para que não precisassem chegar ao judiciário.

Pereira e Oliveira (2009, p. 117) sabiamente afirmam que “a intervenção de profissionais especializados no apoio às famílias rompidas é indicada com medida preventiva e protetiva. A psicologia jurídica pode contribuir no enfrentamento das incertezas e problemas decorrentes da separação e do divórcio. Como medida aplicada pelo Judiciário, o acompanhamento e a orientação da família pela psicologia jurídica constituem instrumentos específicos capazes de identificar os fatores de dissociação entre o processo jurídico e o processo psicológico das ações de dissociação do liame afetivo, auxiliando a Justiça a se tornar mais eficaz e evitar a judicialização de fatos passíveis de serem resolvidos na instância da mediação, promovendo a superação da crise no sentido de reconstrução familiar”.

Portanto, faz-se mister salientar o valor que a família tem para a nossa sociedade, e devemos primar pela sua continuidade, uma vez que temos a ciência de que ela é o equilíbrio da sociedade, e, com a família – tenha ela que configuração tiver – em equilíbrio e amparo, teremos a paz social e, possivelmente, a diminuição da criminalidade. Não obstante a Constituição Federal em seu artigo 226 consagrar a família como a base da sociedade, conferindo a ela especial proteção do Estado.

3. Conclusão

Desde o código de Hamurab havia o sistema patriarcal, no qual a criança era tratada com desigualdade e até mesmo com crueldade. No entanto,é preciso observar o quanto temos evoluído desde essa realidade longínqua até o Código Civil brasileiro de 1916, quando a família veio a ser protegida e resguardada juridicamente.

Todavia, mesmo com o Código Civil atual, é preciso observar que a discussão em torno da questão do abandono afetivo que realmente se faz presente, não se refere mais a poderes paternos e sim, à responsabilidade paterna. O amor não é direito ou dever. Todavia, aqui se trata da responsabilidade adquirida diante de um ser humano vulnerável.

As estatísticas sinalizam que os maiores responsáveis pela violência e desrespeito para com os direitos da criança e do adolescente, são os próprios pais, o que, de fato, é muito preocupante, pois conforme artigo 227 da CRFB/88, primeiramente, é dever dos pais, depois da sociedade e do Estado, resguardar com absoluta prioridade os direitos e garantias fundamentais da criança e do adolescente. O não cumprimento desses deveres e o abandono pelos pais interferem diretamente na sociedade, uma vez que podem estar relacionados à criminalidade, ao desequilíbrio social e à pobreza.

O Estado, por sua vez, tem o dever de assumir tais demandas, seja por meio de políticas públicas, seja por meio do judiciário. Este último, aliás,vem sendo muito requisitadopelas proles, vítimas de abandono.

E para umtema tão subjetivo é necessário salientar que apenas a perda do poder familiar, artigo 1.638 do CC/02 e a suspensão do poder familiar, artigo 1.637 do CC/02, não foram suficientes para a lide no que diz respeito ao Direito de Família, abrindo demanda para a responsabilização civil, a qual requer apresença do ato ilícito, algum dano ou prejuízo à prole, conforme artigo 186 e 187 do Código Civil de 2002, em havendo negligência do genitor, com culpa ou sem culpa, para com a criação, educação e formação escolar dos filhos.

Data vênia para a comprovação de tais danos, faz-se necessário um laudo de um profissional, tal como o psicólogo, evidenciando assim a importância da multidisciplinaridade nesta demanda para uma resposta plausível.

Nesta pesquisa, foram encontradas divergências nos posicionamentos de alguns doutrinadores, uma vez que, para alguns “o afeto tem um preço muito alto”, para outros, “a configuração do dano moral é extremamente questionável”; entendimentos que não causam estranheza, pois são tentativas de solucionar as questões que insurgem mediante a evolução da sociedade, da família, e em contrapartida à efetiva participação judicial, como último recurso, perante a tutela do Estado.

E, desta forma, são promovidas decisões que nem sempre agradam a todos e nem sempre alcança o objetivo sem ocasionar divergências no ordenamento jurídico. Contudo, sabemos que cada caso tem as suas particularidades, e o judiciário vem apenas normatizar o que chega até ele, de maneira que todos tenham a resposta aproximada em face desua insatisfação.

 

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SILVA, Enid Rocha Andrade da (coord.). O direito à convivência familiar e comunitária: os abrigos para criança e adolescentes no Brasil. Brasília: IPEA/CONANDA, 2004.

Informações Sobre os Autores

Graziela Yowanda Gonçalves da Silva

Acadêmica de Direito – Fupac- Mariana

Magna Campos

Mestre em Letras, Professora de Técnica de Redação Jurídica e de Leitura e Produção de Textos no curso de Direito. Autora dos livros: Ensaios de Leitura Crítica Leitura e Escrita: Nuances Discursivo-Culturais


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