1. Introdução
Com vistas a complementar os respectivos rendimentos mensais, diversos trabalhadores aposentados pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) vêem-se compelidos a permanecer ou regressar à atividade remunerada, oportunidade em que são enquadrados como segurados obrigatórios, com a conseqüente sujeição ao recolhimento da contribuição previdenciária, na forma prevista pelo artigo 12, § 4º, da Lei nº 8.212/91, que assim dispõe:
“Art. 12. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: […]
§ 4º. O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS que estiver exercendo ou que voltar a exercer atividade abrangida por este Regime é segurado obrigatório em relação a essa atividade, ficando sujeito às contribuições de que trata esta Lei, para fins de custeio da Seguridade Social.”
A despeito da condição de segurado obrigatório, os valores recolhidos a título de contribuição previdenciária, por ocasião desse retorno ou permanência na atividade remunerada, não repercutem para o fim de novo cálculo dos respectivos proventos de aposentadoria. Isto é o que categoricamente dispõe o artigo 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91:
“Art. 18. O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, devidas inclusive em razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho, expressas em benefícios e serviços: […]
§ 2º. O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ela retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário família, à reabilitação profissional e ao auxílio-acidente, quando empregado.”.
Analisando-se os dispositivos legais acima, de maneira conjunta, identifica-se claramente o objetivo buscado pelo legislador, de aumentar a arrecadação, fomentando as fontes de custeio da seguridade social, em prol do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema. Para atingir essa finalidade, portanto, é que se impôs ao aposentado que permanece ou retorna à atividade abrangida pelo RGPS a condição de segurado obrigatório, privando-o, porém, do direito de perceber qualquer tipo de contraprestação, exceto a reabilitação profissional, o salário-família e o auxílio-doença, quando empregado.
Embora o contexto legislativo acima tenha se originado com a edição da Lei nº 9.032/95, a questão atualmente assume especial relevância. E isto porque se encontra aguardando julgamento no plenário do Supremo Tribunal Federal o Recurso Extraordinário nº STF-RE-381.367-6, que tem por objetivo aferir a inconstitucionalidade do artigo 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91, frente ao disposto no artigo 201, § 11, da Constituição Federal.
Este é o tema que se pretende examinar no presente trabalho, com vistas a investigar se a norma legal, à luz do texto constitucional, tem ou não o condão de obstar a pretensão do aposentado de obter a repercussão dos valores recolhidos a título de contribuição previdenciária, por ocasião da permanência ou retorno à atividade remunerada, para o fim de recálculo dos proventos de aposentadoria.
2. Evolução da situação jurídica do aposentado que permanece ou volta a exercer atividade abrangida pelo RGPS
Quando do advento da Constituição de 1988, a situação jurídica do aposentado que permanecesse ou voltasse a exercer atividade abrangida pelo RGPS era regida pela Lei nº 6.243/75, cujos artigos 1º e 3º estabeleciam que:
“Art. 1º O aposentado pela Previdência Social que voltar a trabalhar em atividade sujeita ao regime da Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, terá direito, quando dela se afastar, a um pecúlio constituído pela soma das importâncias correspondentes às suas próprias contribuições, pagas ou descontadas durante o novo período de trabalho, corrigido monetariamente e acrescido de juros de 4% (quatro por cento) ao ano, não fazendo jus a outras prestações, salvo as decorrentes de sua condição de aposentado. […]
Art. 3º O segurado que tiver recebido pecúlio e voltar novamente a exercer atividade que o filie ao regime da Lei Orgânica da Previdência Social somente terá direito de levantar em vida o novo pecúlio após 36 (trinta e seis) meses contados da nova filiação.”
Tem-se, portanto, que, caso permanecesse ou retornasse à atividade, o aposentado, quando dela se afastasse, era detentor do direito a um pecúlio, constituído pela soma das importâncias correspondentes às suas próprias contribuições efetuadas durante o novo período de trabalho.
Essa situação foi mantida com o advento da Lei nº 8.213/91, cujos artigos 81 e 82 dispunham de maneira categórica:
“Art. 81. Serão devidos pecúlios: […]
II – ao segurado aposentado por idade ou por tempo de serviço pelo Regime Geral de Previdência Social que voltar a exercer atividade abrangida pelo mesmo, quando dela se afastar; […]
Art. 82. No caso dos incisos I e II do art. 81, o pecúlio consistirá em pagamento único de valor correspondente à soma das importâncias relativas às contribuições do segurado, remuneradas de acordo com o índice de remuneração básica dos depósitos de poupança com data de aniversário no dia primeiro.”
Com o advento da Lei nº 8.870/94, o pecúlio previsto no inciso II do artigo 81 da Lei nº 8.213/91 foi extinto. Em contrapartida, porém, o aposentado que permanecesse ou retornasse à atividade regida pelo RGPS foi contemplado com isenção no tocante à contribuição para o sistema de seguridade social. Nesse sentido:
“Art. 24. O aposentado por idade ou por tempo de serviço pelo Regime Geral da Previdência Social que estiver exercendo ou que voltar a exercer atividade abrangida pelo mesmo, fica isento da contribuição a que se refere o art. 20 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. […]
Art. 29. Revogam-se as disposições em contrário, especialmente o § 4º do art. 12, com a redação dada pela Lei nº 8.861, de 25 de março de 1994, e o § 9º do art. 29, ambos da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991; a alínea i , do inciso I do art. 18; o inciso II do art. 81; o art. 84; o art. 87 e parágrafo único, todos da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991.”
A partir da edição da Lei nº 9.032/95, contudo, o cenário jurídico acima sofreu significativo retrocesso, na medida em que o aposentado voltou à condição de segurado obrigatório, mas sem a possibilidade de usufruir de qualquer contrapartida por parte do sistema.
3. Análise da questão à luz do sistema constitucional. Pertinência da regra disposta no artigo 201, § 11, da Constituição
Presentes as circunstâncias expostas no tópico anterior, o artigo 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91 revela-se inconstitucional, porquanto contrário ao que dispõe o artigo 201, § 11, da Lei Magna, cujo teor é o seguinte:
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: […]
§ 11. Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e conseqüente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei.”
A norma em questão, outrora situada no § 4º do artigo 201, foi remanejada para o § 11, pela Emenda Constitucional nº 20/98, guardando, entretanto, a mesma redação desde a promulgação da Constituição Federal.
De seu teor extrai-se, conforme o comando emanado do caput, o caráter contributivo inerente ao Regime Geral de Previdência Social, voltado à preservação do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema. E essa finalidade foi plenamente atendida pelo legislador infraconstitucional, ao situar, na condição de segurado obrigatório, o aposentado que permanecer ou retornar à atividade abrangida pelo RGPS.
Sucede que o § 11 do dispositivo constitucional, para além de determinar a integração ao salário dos ganhos habituais percebidos pelo segurado empregado, para fins de contribuição, estipula também que essa integração produza a conseqüência de repercutir no cálculo dos benefícios.
Em outras palavras, a Constituição confere ao segurado empregado o direito fundamental de obter uma contrapartida decorrente da contribuição para o Regime Geral de Previdência Social incidente sobre seus ganhos habituais, percebidos a qualquer título, que é a repercussão dessa mesma base de cálculo, com vistas à fixação do respectivo benefício previdenciário.
Essa repercussão tem por finalidade, no que toca ao aposentado, conferir-lhe uma existência digna, mediante a percepção de proventos que permitam sua subsistência, com satisfação de suas necessidades básicas, em evidente concretização do comando inserto no artigo 230 da Constituição, expresso ao determinar à família, à sociedade e ao Estado “o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.
A Constituição, entretanto, remete ao legislador infraconstitucional a fixação dos parâmetros para o exercício do direito outorgado ao segurado empregado no artigo 201, § 11. É o que se extrai da determinação ali contida, no sentido de que a repercussão em benefícios decorrente da integração dos ganhos habituais do empregado ao salário se dará “nos casos e na forma da lei”.
A edição dessa legislação, porém, não observou os limites constitucionalmente impostos ao legislador ordinário, com vistas a proceder à restrição de direitos fundamentais. Por essa simples e definitiva razão, resulta configurada a inconstitucionalidade do artigo 18, § 4º, da Lei nº 8.213/91, já que:
a) produz o esvaziamento do núcleo essencial do artigo 201, § 11, da Constituição;
b) atenta contra o princípio da proporcionalidade; e
c) ofende o princípio constitucional da proibição de retrocesso.
4. Lei restritiva de direitos fundamentais. Impossibilidade de esvaziamento do núcleo essencial do artigo 201, § 11, da Lei Maior
Determina o § 11 do artigo 201 da Constituição que, “nos casos e na forma da lei”, “os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e conseqüente repercussão em benefícios”.
Embora a Constituição tenha destinado à legislação infraconstitucional a nobre e relevante missão de concretizar o mandado de otimização previsto no § 11 do artigo 201, não o fez de maneira totalmente discricionária, mediante a concessão de amplos e irrestritos poderes ao legislador.
O dispositivo constitucional, ao contrário, antecipa e preordena o conteúdo da legislação futura, compelindo o legislador a não seguir caminho diverso daquele ali previamente estabelecido. É lícito afirmar, portanto, que do artigo 201, § 11, da Constituição emana um efeito condicionador da atividade legislativa ordinária.[1]
Por essa razão, o legislador, ao dispor sobre os ganhos habituais do empregado “para efeito de contribuição previdenciária”, não poderia deixar de prever, em contrapartida, a “conseqüente repercussão em benefícios”, sob pena de seguir trilha diversa daquela previamente imposta pela ordem constitucional.
Importante observar que os ganhos habituais considerados para efeito de contribuição e conseqüente repercussão em benefícios são aqueles percebidos pelo empregado “a qualquer título”, pouco importando que essa percepção ocorra antes ou após a aposentadoria.
Cabe salientar, nesse particular, que a legislação anterior à Lei nº 9.032/95 sempre atuou, no que concerne ao caso, em absoluta conformidade com a diretriz constitucional. É o que evidenciam a instituição do pecúlio, previsto nas Leis nºs 6.243/75 (arts. 1º e 3º) e 8.213/91 (art. 81) – que funcionava como contrapartida à contribuição paga pelo aposentado que regressava ou permanecia em atividade – e a isenção prevista na Lei nº 8.870/94 (art. 24), concedida ao aposentado como contrapartida à extinção do pecúlio.
Nesse contexto, o artigo 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91 incide em exuberante eiva de inconstitucionalidade, porquanto impede que as contribuições efetivadas pelo aposentado que permanece ou retorna à atividade repercutam no cálculo da respectiva aposentadoria, em descompasso com a diretriz expressamente traçada pela Lei Maior.
Trata-se, assim, de verdadeiro processo de erosão do núcleo essencial previsto no artigo 201, § 11, da Lei Magna, que deve ser repelido, pois não se pode conferir ao legislador ordinário o poder atuar de forma a abolir direito fundamental, por se tratar de conduta vedada até mesmo ao Poder Constituinte Reformador (CF, art. 60, § 4º, inciso IV).[2]
5. Ofensa ao princípio da proporcionalidade
Porém, não é só. O artigo 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91 revela-se ainda inconstitucional, porque, ao pretender dar concreção ao comando exarado pelo artigo 201, § 11, da Constituição, afrontou o principio da proporcionalidade, na medida em que se utilizou de meios excessivos e, por isso mesmo, inadequados, desnecessários e desproporcionais à consecução de seus fins.
Com efeito, conforme o magistério de Konrad Hesse, “a limitação de direitos fundamentais deve […] ser adequada para produzir a proteção do bem jurídico, por cujo motivo ela é efetuada. Ela deve ser necessária para isso, o que não é o caso, quando um meio mais ameno bastaria. Ela deve, finalmente, ser proporcional no sentido restrito, isto é, guardar relação adequada com o peso e o significado do direito fundamental”.[3]
Seguindo essa mesma diretriz, Canotilho afirma que qualquer limitação a direito fundamental “feita por lei ou com base na lei, deve ser adequada (apropriada), necessária (exigível) e proporcional (com justa medida)”.[4]
E, nessa linha, prossegue o jurista português: “A exigência da adequação aponta para a necessidade de a medida restritiva ser apropriada para a prossecução dos fins invocados na lei (conformidade com os fins). A exigência da necessidade pretende evitar a adopção de medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias que, embora adequadas, não são necessárias para se obterem os fins de proteção visados pela Constituição ou a lei. Uma medida será então exigível ou necessária quando não for possível escolher outro meio igualmente eficaz, mas menos «coactivo», relativamente aos direitos restringidos. O princípio da proporcionalidade em sentido restrito (= princípio da «justa medida») significa que uma lei restritiva, mesmo adequada e necessária, pode ser inconstitucional, quando adopte «cargas coactivas» de direitos, liberdades e garantias «desmedidas», «desajustadas», «excessivas» ou «desproporcionadas» em relação aos resultados obtidos”.[5]
Fixadas essas premissas, cumpre examinar as linhas mestras traçadas pela Constituição com vistas à organização a previdência social. São elas (CF, art. 201, caput):
a) regime de caráter contributivo;
b) filiação obrigatória;
c) preservação do equilíbrio financeiro e atuarial.
Em estrita harmonia com essas diretrizes, o mesmo artigo 201, em seu § 11, estabelece que “os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária”.
Sucede que a contribuição arrecadada por meio da contribuição dos segurados obrigatórios e a preservação do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário destinam-se a atender a uma finalidade específica, também expressamente estabelecida na Constituição: a proteção do segurado.
É o que se extrai dos múltiplos incisos do artigo 201 da Lei Magna, categóricos ao consignar que a previdência social tem por finalidade atender a: (I) cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; (II) proteção à maternidade; (III) proteção do trabalhador em situação de desemprego involuntário etc.
Por essa razão, o mesmo § 11 do artigo 201 da Constituição estabelece que “os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário”, não só “para efeito de contribuição previdenciária”, mas também para efeito da “conseqüente repercussão em benefícios”.
Ao organizar o sistema previdenciário, portanto, a Constituição adota uma postura de equilíbrio, estipulando a obrigatória coexistência entre a necessidade de arrecadação e de preservação do equilíbrio financeiro e atuarial e a finalidade de proteção do segurado. No caso do artigo 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91, porém, o legislador desviou-se desse princípio.
E isso porque impõe a condição de segurado obrigatório ao aposentado que permanecer ou retornar à atividade abrangida pelo RGPS, superestimando a necessidade de arrecadação, mas priva-o do direito de perceber a respectiva repercussão em outros benefícios, exceto o salário-família, a reabilitação profissional e o auxílio-doença, quando empregado, esvaziando a finalidade de proteção.
É importante observar, nesse particular, que o aposentado só permanece ou retorna à atividade em razão da inaptidão do Estado para outorgar-lhe a devida e satisfatória cobertura previdenciária na idade avançada. E isto ocorre, dentre outras razões, pela circunstância de o valor máximo dos benefícios decorrentes do Regime Geral de Previdência sofrer significativa limitação, por força de expressa disposição constitucional (EC nº 20/98, art. 14).[6]
Nesse contexto, o artigo 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91 configura uma medida legislativa inadequada porquanto se mostra parcialmente desconforme com a finalidade trançada pela Constituição, já que privilegia integralmente a arrecadação, em total detrimento da proteção. Mas além de inadequada, a legislação revela-se igualmente desnecessária e desproporcional.
Com efeito, considerado o universo de aposentados existentes no Brasil, não é elevado o número daqueles que permanecem ou retornam ao trabalho. Realmente, de acordo com estudo elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, com o objetivo de divulgar a síntese dos indicadores sociais pertinentes ao ano de 2006, o coeficiente de idosos[7] no Brasil é da ordem de 19 milhões de pessoas, representando 10,2% da população brasileira. Deste universo, extrai-se que 76,6% são aposentados ou pensionistas, dos quais apenas 19,2% continuam no mercado de trabalho.[8]
Frente ao exposto, verifica-se que o artigo 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91, ao suprimir o direito à repercussão em benefícios, na forma em que assegurado pelo artigo 201, § 11, da Constituição, adota medida excessiva, e, por isso mesmo, desnecessária e desproporcional para que seja alcançada a finalidade de preservar o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema. Em termos percentuais, não é significativa a influência nas contas previdenciárias, provocada pelo aposentado que permanece ou retorna ao mercado de trabalho, de modo que não se justifica, em nenhuma hipótese, a supressão integral do direito fundamental examinado.
Por outro lado, não há diferença substancial entre os trabalhadores que ainda não se aposentaram, mas que já se encontram em condição de fazê-lo e os aposentados que permanecem ou retornam à atividade. Ambos são trabalhadores, gozam da mesma condição de segurados obrigatórios e igualmente contribuem para o sistema previdenciário. O artigo 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91, porém, não confere a ambos igualdade de direitos. A estes últimos, tão-só em razão da condição de aposentado, afasta o direito às mesmas prestações legalmente concedidas aos primeiros, mediante aplicação de uma lógica perversa e antiisonômica, que convola a aposentadoria, de benefício constitucionalmente assegurado, na qualidade e estatura de direito fundamental (CF, art. 6º), em verdadeiro malefício que se volta contra o seu titular.
Nesse contexto, emerge ainda mais evidente a desproporção da medida consagrada pelo diploma legal impugnado que, para além de ferir a norma inscrita no artigo 201, § 11, da Constituição, institui ainda situação discriminatória e, por isso mesmo, em tudo contrária ao princípio da isonomia.
6. Ofensa ao princípio da proibição de retrocesso
Por fim, é importante observar que os direitos fundamentais, uma vez concretizados pela via legislativa, saem da esfera de disponibilidade do legislador, que não pode mais reduzi-los ou suprimi-los[9], sob pena de promover o retorno a um estado de inconstitucionalidade por omissão parcial ou total, que deve ser repelido, por impedir a aplicação dos postulados e princípios constantes da Lei Fundamental.
Nesse sentido, conduz-se o magistério de Canotilho, materializado na citação de paradigmático julgado do Tribunal Constitucional de Portugal, in verbis: “a partir do momento em que o Estado cumpre (total ou parcialmente) as tarefas constitucionalmente impostas para realizar um direito social, o respeito constitucional deste deixa de consistir (ou deixa de consistir apenas) numa obrigação positiva, para se transformar ou passar também a ser uma obrigação negativa. O Estado, que estava obrigado a actuar para dar satisfação ao direito social, passa a estar obrigado a abster-se de atentar contra a realização dada ao direito social”.[10]
No caso em exame, o artigo 201, § 11, da Constituição já teve a sua concreção plenamente deflagrada pelas Leis nºs 6.243/75, 8.213/91 e 8.870/94, que, respectivamente, contemplavam o aposentado que regressasse ou se mantivesse em atividade com o direito ao pecúlio ou à isenção em relação à contribuição previdenciária.
Nesse contexto, o artigo 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91, ao erigir o aposentado que permanece em atividade à condição de segurado obrigatório, sem, no entanto, assegurar-lhe a conseqüente repercussão em benefícios, incorre em afronta ao princípio da proibição de retrocesso, porquanto promoveu a eliminação de direitos já consagrados pela via legislativa, em evidente e inegável esvaziamento do conteúdo protetivo inserto no artigo 201, § 11, da Constituição.
7. Conclusão
Expostas as premissas desenvolvidas ao longo do presente trabalho, cremos estar demonstrada a evidente inconstitucionalidade em que incide o artigo 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91.
Realmente, para além de instaurar um verdadeiro processo de erosão do núcleo essencial previsto no artigo 201, § 11, da Lei Magna, o dispositivo legal adota medida desproporcional, prendendo-se, unicamente, à finalidade de preservar o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema. Acresça-se a isso a circunstância de o dispositivo haver promovido a eliminação de direitos já consagrados pela via legislativa, em inegável lesão ao postulado constitucional atinente à proibição de retrocesso.
Frente a essa perspectiva, revela-se conclusivo que ao aposentado que permanece ou retorna à atividade remunerada abrangida pelo RGPS assiste o direito de obter a repercussão da contribuição previdenciária recolhida ao longo desse novo período de trabalho, para efeito de recalcular os valores atinentes ao respectivo benefício de aposentadoria.
Trata-se de solução que prestigia o caráter contributivo inerente ao sistema, voltado à preservação do equilíbrio financeiro e atuarial, mas que não se afasta da finalidade expressamente estabelecida na Constituição para o regime de seguridade social: a proteção do segurado.
Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado em Brasília perante os Tribunais Superiores.
O Benefício de Prestação Continuada (BPC), mais conhecido como LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social),…
O benefício por incapacidade é uma das principais proteções oferecidas pelo INSS aos trabalhadores que,…
O auxílio-reclusão é um benefício previdenciário concedido aos dependentes de segurados do INSS que se…
A simulação da aposentadoria é uma etapa fundamental para planejar o futuro financeiro de qualquer…
A paridade é um princípio fundamental na legislação previdenciária brasileira, especialmente para servidores públicos. Ela…
A aposentadoria por idade rural é um benefício previdenciário que reconhece as condições diferenciadas enfrentadas…