Resumo: O objeto do presente artigo consiste em tratar da possibilidade de ocorrência do assédio moral no contrato de futebol. Para tanto, empreendeu-se uma análise sucinta do referido contrato, tratando-se de suas origens, de suas características essenciais e da legislação aplicável. Em seguida, também se decompôs o instituto do assédio moral, realizando-se um apanhado de seu conceito, de suas modalidades, de suas formas de configuração e do tratamento legal pertinente. Por fim, relacionou-se o contrato de futebol com o assédio moral concluindo-se pela plena possibilidade de sua ocorrência no contexto, além de se apontarem as soluções jurídicas para os impasses daí advindos.
Palavras-chave: Futebol; Cláusula Penal; Multa Rescisória; Assédio Moral; Despedida Indireta; Dano Moral; Dano Material.
Sumário: Introdução – 2. Futebol – 2.1 Noções históricas sobre a origem do futebol – 2.2 Características do contrato especial do jogador de futebol – 2.3 Legislação aplicável – 3. Assédio moral – 3.1 Conceito e origem – 3.2 Características, hipóteses e resultados 3.3 – Classificação – 3.4 Tratamento jurídico do assédio moral – 4. Assédio moral no contrato de futebol – Conclusão.
Introdução
Esse artigo tem como escopo abordar a ocorrência do assédio moral no contrato de trabalho dos atletas profissionais de futebol. Tal contrato apresenta características peculiares, sendo regido por legislação específica – Leis 12.395/2011 e 9.615/98 -, estando também subordinado a alguns preceitos contidos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), além, evidentemente, de obedecer aos princípios constitucionais trabalhistas.
O atleta profissional é aquele que se utiliza do esporte como profissão, meio de vida, tendo-o, verdadeiramente, como fonte para sua subsistência. A relação jurídica entre o clube e o atleta materializa-se por meio de um contrato de trabalho, o qual, como qualquer outro, também está sujeito a descumprimento por meio de condutas abusivas ou propriamente ilícitas, condutas essas geradoras, inclusive, de danos materiais e imateriais.
O assédio moral se encontra neste rol de comportamentos contrários ao direito e a sua incidência sobre o aludido contrato é que será o objeto do presente estudo.
2. Futebol
2.1 Noções históricas sobre a origem do futebol
A prática de esportes remete às mais primitivas civilizações. Na Antiguidade, assumiu elevada importância na Grécia e, na Idade Média, reapareceu de forma selvagem, transformando-se até mesmo em batalhas campais.
No que se refere ao futebol, existem relatos chineses sobre uma prática militar parecida com o mesmo. Além disso, em meados de 2.500 anos a.C. no Egito Antigo e na Grécia também se revelaram, através de pinturas, jogos semelhantes ao futebol.
Especificamente ao Brasil, desde sua introdução no final do século XVIII, e não obstante seu inicial caráter elitista, o futebol não parou de se expandir. Enquanto nos clubes, nos colégios e nos primeiros estádios os aristocratas equipavam-se todos com uniformes, calçados especiais e manuais ingleses que ensinavam a prática do novo esporte, aqueles que estavam do outro lado dos muros logo passaram a improvisar suas próprias partidas em terrenos baldios ou mesmo na própria rua, descalços e sem camisas a chutar uma bola, geralmente tão improvisada quanto o próprio desafio.
Contudo, não tardou para que os que estavam do lado de fora passassem a figurar do lado de dentro dos gramados, nos times ligados à indústria e nas primeiras equipes de caráter popular, organizadas bem longe dos tradicionais clubes por pessoas de origem modesta.
Tanto não demorou a referida disseminação que, no final da primeira década de 90, o futebol já estava espalhado por todo o Brasil. De Norte a Sul, praticamente em todas as cidades grandes, médias e até pequenas, sendo já possível encontrar registros de sua significativa presença. A partir dos anos 20, essa tendência se aprofundou de forma avassaladora e irresistível.
O resultado dessa intensificação foi a criação de laços cada vez mais intensos entre os jogadores, as equipes e seus admiradores – os torcedores – constituindo fortes vínculos de identidade local e regional.
A organização de campeonatos entre equipes e, posteriormente, de competições entre seleções estaduais indicava claramente que o amadorismo de inspiração britânica era coisa do passado. Dessa maneira, o futebol mobilizava um número cada vez maior de pessoas, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo – até então os maiores centros urbanos do país – mobilização essa que transformou a necessidade de vitórias em uma questão de sobrevivência para os clubes: até porque, somente equipes competitivas atraíam público e, conseqüentemente, geravam renda para seus cofres.
De outro lado, para os torcedores, o que importava mesmo era seu time mandar a campo a equipe apta a vencer, o que por sua vez implicava não impor barreiras econômicas, sociais ou raciais aos jogadores. Assim, o jogo democratizava-se, a contra-gosto da elite branca, que via os clubes serem forçados a pagar bichos (gratificações em dinheiro) como forma de atrair os bons jogadores para seus quadros, não importando as origens dos mesmos: pobres ou ricos, negros ou brancos, mulatos ou imigrantes.
Tal circunstância começava a por em questão aquilo que até então se julgava ser o próprio caráter do esporte: o amadorismo.
Nessa linha, no final da década de 20, os favoráveis a tal proposta defendiam-na como uma forma de regularizar uma situação que na prática efetivamente já existia, uma vez que boa parte dos atletas não era mais totalmente amadora. Por outro lado, os contrários ao movimento replicavam com o temor de que o salário acabaria com o "romantismo" dos amadores. Em verdade, no fundo da polêmica, a defesa do amadorismo era também a defesa de uma posição classista, a qual não pretendia ver-se misturada com os setores sociais mais baixos.
Com a polêmica instalada, os anos 30 se fizeram um momento decisivo na relação entre o futebol e a sociedade brasileira. No início da década, muitos jogadores migraram em busca de reconhecimento profissional na Europa, na Argentina e no Uruguai.
Muitos dirigentes cariocas e paulistas acabaram, então, por aceitar oficializar o profissionalismo em suas respectivas entidades, como a Liga Carioca de Futebol (LCF) e a Associação Paulista de Esportes Atléticos (APEA).
Contudo, em razão da complexidade dos interesses envolvidos, a referida oficialização não significou a imediata solução das questões que então envolviam o futebol no país. Para os jogadores, entretanto, agora os impasses entre "amadoristas" e "profissionalistas" já não tinham mais tamanha importância, pois se tornava legítima a procura por aqueles clubes que lhes pagassem para atuar em campo. Reconhecia-se, dessa forma, que a busca da maioria dos atletas pela profissionalização não se tratava de uma mera preferência, mas sim de uma verdadeira necessidade: desde aquela época – guardadas as devidas proporções – o futebol permitia a sobrevivência imediata e, quem sabe, a realização do sonho da ascensão social para muitos dos excluídos e explorados pela lógica do capital.
Abria-se, dessa maneira, uma nova perspectiva para os setores historicamente marginalizados da sociedade brasileira, perspectiva essa fortemente potencializada pelos meios de comunicação através da imprensa.
Assim, toda a dedicação da imprensa ao futebol certamente também não deixava de ter em vista o grande potencial do mercado de leitores desenvolvido pelo esporte, fato que só confirmava a grande popularidade que atingira.
Posteriormente, ainda nos anos 30, o futebol ganharia para a sua difusão um aliado ainda mais importante que a imprensa escrita: o rádio. Introduzido no Brasil em 1922, é na década seguinte que o mesmo vive seu momento de expansão e consolidação como meio não apenas de comunicação, mas também de entretenimento.
Como os estádios tornavam-se pequenos para comportar toda a popularidade alcançada pelo esporte, não demorou para que partidas inteiras, e não apenas resultados e informações, fossem transmitidas regularmente.
Por meio das ondas de rádio, a bola atingia não apenas a audiência local, mas também um público cada vez mais amplo, de regiões afastadas do eixo Rio/São Paulo. Assim, os torcedores passaram a fazer dos meios de comunicação uma companhia essencial, que além de levar o jogo, ainda o recriava, através dos relatos, comentários e discussões posteriores a respeito do que se passava em campo. Dessa forma, no início da década de 30, futebol, jornal e rádio pareciam indissociáveis.
Todo esse panorama demonstrava que o futebol transcendera os limites dos estádios e tornara-se um fenômeno social que não se limitava aos aspectos emocionais e simbólicos, conferindo um princípio de cidadania a uma significativa parcela da população brasileira. Assim é que, ao final de um longo processo de conquistas no qual o principal papel foi desempenhado pelas classes populares, a profissionalização veio reconhecer, ao menos no universo futebolístico, a igualdade entre povo e elite, além de incorporar o esporte ao movimento do trabalhismo do Pós-30, pois, embora a profissão não fosse oficialmente reconhecida – o que só veio a ocorrer em 1976 – o atleta, na prática, transformara-se em trabalhador.
Já para a população de modo geral, os meios de comunicação atuavam de modo decisivo para que se formasse um imaginário difuso em torno da bola. Se praticamente todo o país já conhecia as emoções proporcionadas pelo futebol, a partir desse momento conheceria também seus primeiros ídolos populares nacionais. Assim, as diferenciações sociais, tão explícitas em outros setores, se minimizavam sob o efeito aglutinador do futebol, abrindo espaço para a formação de um sentimento comum de patriotismo à sociedade brasileira.
Nessa sorte, se o país já estava calçado em chuteiras, a pátria também seguiria o mesmo caminho, mormente graças à Copa do Mundo, competição promovida pela FIFA a cada 4 anos e que começou a ser disputada em 1930.
2.2 Características do contrato especial do jogador de futebol
O futebol, notoriamente, é o esporte de quase absoluta preferência nacional, constituindo a marca identificadora do Brasil em diversos cantos do planeta. Isso, indubitavelmente, atrai a atenção de investidores das mais variadas áreas da economia, seja pela incessante revelação de novos talentos ou mesmo pela capacidade consumidora advinda das torcidas. Tem-se em vista, então, uma atividade que movimenta milhões, sejam estes pertinentes às pessoas ou às cifras de dinheiro.
Contudo, até muito pouco tempo o Direito Desportivo era uma área do saber totalmente anômala ao universo jurídico brasileiro, sendo desconhecida pela enorme maioria dos operadores do direito. Todavia, nos últimos anos, o Brasil modernizou as relações jurídico-desportivas, tutelando as práticas desportivas formais e não-formais (art. 1º da Lei 9.615/98), regulando desde o desporto educacional até o desporto de rendimento.
Assim, não podendo o direito ficar obsoleto às relações desportivas e futebolísticas, seguiu-se a edição de inúmeras legislações sobre a matéria, dentre elas: a Lei nº 6.354/76, posteriormente complementada pela Lei nº 8.672/93, em seguida revogada pela Lei nº 9.615/98 (Lei Pelé), a qual sofreu modificações pela Lei 9.981/00 bem como pela Medida Provisória nº 2.141/01, hoje prevalecendo as últimas alterações feitas pela Lei 12.395/11.
Nessa ordem, alguns elementos típicos do contrato de desporto surgem como de importância elementar para a devida compreensão da matéria. Vejamos.
Cláusula penal. A cláusula penal, instituto típico do Direito Civil, obteve nova roupagem no ordenamento jurídico desportivo brasileiro, uma vez que foi adotada como a sucedânea legal do famigerado instituto do “passe”. O passe era o instrumento que permitia a contratação do atleta por outro empregador, depois de comprovada a sua desvinculação da associação desportiva à qual prestava serviços. Tratava-se, então, de instituto altamente controvertido. Alguns autores o defendiam, ao argumento de que era um instrumento adotado internacionalmente, como meio capaz de impedir o aliciamento e concorrência desleal. Outros o criticavam por constituir obstáculo à livre manifestação de vontade do atleta quando esse almejava seu desligamento de uma associação. Assim, o principal argumento contra o passe era o de que o atleta, depois de cumprir fielmente um contrato por prazo determinado, nunca poderia exigir o atestado liberatório após a extinção normal do contrato, o que traduzia uma espécie de escravidão, uma violação à liberdade de trabalhar e de contratar.
O fato é que com a última alteração do texto do art. 28 da Lei 9.615/98 o instituto do passe foi extinto, subsistindo em seu lugar o mecanismo da cláusula penal.
Destarte, a partir da nova previsão legal, tomou-se por obrigatória a estipulação da cláusula penal nos contratos profissionais de trabalho entre os atletas e os clubes de qualquer modalidade esportiva. O objetivo da incorporação desse instituto à relação profissional entre atletas e clubes foi justamente o de atender às peculiaridades dessa relação jurídica, em virtude, notadamente, do fim do passe.
Deveras, tanto a cláusula penal quanto o passe apresentam a mesma finalidade, pois têm o objetivo de atuar como fator de compensação pela extinção do vínculo jurídico. De se frisar, outrossim, que a cláusula penal, no Direito Desportivo, não se submete ao limite da legislação civil, que corresponde ao valor total da obrigação principal. Estabelece o § 3º do art. 28 que o valor da cláusula penal terá o limite máximo de cem vezes o montante da remuneração anual pactuada, o que pode representar milhões, mesmo quando se considerarem os fatores de redução da cláusula penal, previstos no § 4º do mesmo artigo. Ademais, em se tratando de transações internacionais, a cláusula penal não será objeto de qualquer limitação. Para isso, basta determinação expressa nesse sentido no contrato de trabalho, consoante a redação do § 5º do art. 28 da Lei Pelé.
Multa rescisória. Inobstante a cláusula penal ter se estabelecido como sucessora do passe, ainda prevalece a possibilidade de aplicação do instrumento da multa rescisória nos contratos profissionais de trabalho entre atletas e entidades de prática desportiva.
A cláusula penal, consoante determinação do art. 28 da Lei Pelé, abrange as hipóteses de descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral do contrato. Já a multa rescisória é devida em hipótese de inadimplemento do contrato pelo clube, o que se denomina de rescisão indireta do contrato de trabalho. A determinação é feita tendo em vista a redação do § 3º do art. 31 da Lei Pelé, que atribui ao descumprimento das obrigações trabalhistas pelo clube os efeitos do art. 479 da CLT, que trata da dispensa do empregado nos contratos a termo. O atleta teria direito, em tal circunstância, ao recebimento de quantia equivalente a 50% (cinqüenta por cento) do valor restante do contrato.
Há, entretanto, quem entenda que se o clube descumprisse o contrato, deveria pagar ao atleta a cláusula penal, que, regra geral, é de alto valor pecuniário. Todavia, é forçoso concluir que, em se substituindo o pagamento da multa rescisória pela cláusula penal, o art. 31 da Lei Pelé se tornaria inócuo. Dessa forma, prevalece o entendimento de aplicação do instituto da multa rescisória quando da ocorrência da rescisão do contrato de trabalho por inadimplemento das obrigações contratuais pelo empregador, o clube.
Demais elementos. Além disso, o contrato deverá conter os nomes das partes contratantes individualizadas e caracterizadas; o modo e a forma de remuneração, especificando o salário, prêmios, gratificações e, quando houver, as bonificações, bem com o valor das luvas, se previamente ajustadas; além do número da carteira de trabalho. Os contratos de trabalho serão numerados pelos empregadores em ordem sucessiva e cronológica, datados e assinados pelo atleta ou pelo seu representante legal, sob pena de nulidade. Por fim, trata-se de contrato tipicamente a prazo, sendo no mínimo de três meses e, no máximo, de cinco anos.
2.3 Legislação aplicável
Pelo exposto, aplicam-se aos atletas profissionais do futebol a Lei 9.615, de 24/03/1998, conhecida popularmente como Lei Pelé, e ainda as disposições da CLT compatíveis com a situação deste profissional (art. 28 da Lei 6.423, de 1977). Além dessas disposições legais aplicam-se ainda, as regras da Federação Disciplinar de Futebol, dos Códigos disciplinares de futebol e outras advindas dos usos, mormente no tocante à remuneração.
De outro lado, dentre outras, não se aplicam as regras contidas nos art. 451 e 452 da CLT, que dizem respeito à prorrogação e remuneração. Da mesma maneira, a regra do art. 453, que trata de soma de períodos descontínuos, além da regra sobre equiparação salarial (art. 461 da CLT).
3. Assédio moral
3.1 Conceito e origem
Assédio, de maneira simples, significa “cerco”; atitude que visa à conquista física, por pressão, de um determinado objetivo. A mesma idéia de opressão pode ser expressa por termos correspondentes em inglês, tais como: “mobbing” – ato de cercar, e “bullying” – ato de intimidar).
Já o qualificativo “moral”, ao se preocupar com as conseqüências do assédio nas relações psicológicas, trouxe o substantivo aos domínios da mente, representando, dessa forma, a repressão da vontade individual com o objetivo de subjugar a personalidade atacada aos desígnios do assediador.
A configuração física do assédio é muito próxima dos impulsos instintivos, naturais e inerentes aos animais selvagens. Contudo, ao se apor o qualificativo de moral, passa a ser uma atitude da razão, logo, exclusivamente humana.
Assim, por “assédio moral trabalhista” deve-se entender a conduta humana abusiva, de natureza psicológica, que atinge a dignidade psíquica de outrem, de forma repetitiva e prolongada e que expõe o trabalhador a situações humilhantes, capazes de causar ofensa a sua dignidade ou integridade psíquica, e que tenha por efeito excluir a posição do empregado na relação empregatícia ou deteriorar o ambiente de trabalho.
No que tange ao constrangimento físico, quando esse visa à desarticulação psicológica, deve-se tê-lo como um processo/caminho para se chegar ao assédio moral e não como o assédio moral em si.
A origem do assédio está na própria essência do homem, haja vista sua manifestação mais remota tenha correspondido aos impulsos de defesa e sobrevivência nos primitivos ambientes hostis que cercavam os seres vivos. Entretanto, perseguindo a evolução da nossa espécie, essa remota configuração rompeu a fronteira física do simples impulso instintivo para tomar as rédeas de uma atitude racional e preordenada, embora orientada a finalidades maquiavélicas.
3.2 Características, hipóteses e resultados
Em razão da variedade de hipóteses e das dificuldades oferecidas à positivação de sua prática, a caracterização do assédio moral civil (ocorrido fora de relação de emprego) ou do trabalhista (ocorrido em relação de emprego) ganha notável relevo no conjunto do estudo da matéria. Contudo, é de se esclarecer também que tamanha diversificação inviabiliza uma enumeração taxativa, devendo ser, necessariamente, exemplificativa, atribuindo-se ao intérprete ou julgador a tarefa de definir o reconhecimento no caso concreto partindo, então, do exame dos elementos constitutivos a seguir expostos:
Conteúdo psicológico. Tendo a finalidade de minar a personalidade, o assédio moral civil ou trabalhista desponta contra a mente do assediado com o propósito de anular-lhe a vontade, fazendo uso de comportamentos de deterioração do relacionamento – como isolamento do assediado, ataques à capacidade de trabalho e perseguição disciplinar – cujo conjunto se coaduna com a noção de terror psicológico.
Repetitividade. Os atos constituintes do assédio moral devem ser repetitivos, nisso abrangendo também uma razoável relação de imediatidade entre os mesmos. Assim, é notório que a ação corrosiva da mente que o assédio provoca não se completa com exposições ocasionais, esporádicas.
Ademais, à luz da instrução fática, o julgador não poderá deixar de levar em consideração as diferenças de estrutura psíquica dos assediados; de intensidade da pressão psicológica, mensurável pelo grau de violência do assédio e pelo resultado visado, que pode ser simplesmente a desistência de melhoria salarial, a elevação a um posto de chefia ou até mesmo a exclusão do trabalhador da empresa.
Ocorrência de dano psíquico. Esse é um campo polêmico de indagação. Aqui residem duas opiniões opostas: uma por somente reconhecer o assédio moral trabalhista quando houver comprovação pericial da provocação das seqüelas médicas (ex: stress, síndrome depressiva, pânico etc.); outra por reconhecê-lo desde que desenhado o quadro do terror psicológico, mesmo que a personalidade e a mente do empregado saiam ilesas do processo.
Assim, os adeptos dessa última corrente consideram que exigência de comprovação da seqüela médica seria injusta com os assediados de perfil psicológico mais resistente, os quais sofreriam o assédio moral sem possibilidade de reconhecimento dos danos.
Ora, inegável a conclusão de maior razoabilidade da posição adotada pela segunda corrente. Deveras, a causa do dano moral está na violação de valores humanos fundamentais cujo lugar protetivo é o patrimônio imaterial da vítima. Desse modo, mesmo que não se consiga atingir a higidez psíquica, a imposição do assediado a situações constrangedoras e a vexames diminutivos da dignidade humana é uma clara fonte de dano moral, a qual, conseqüentemente, sujeita o responsável à reparação.
Mais uma vez, longe do objetivo de elaborar um rol taxativo, podem constituir hipóteses de assédio moral na relação de trabalho: a atribuição de tarefas complexas com prazos de cumprimento incompatíveis; a ocultação deliberada de informações essenciais ao bom cumprimento das tarefas; as críticas insistentes e públicas ao desempenho sem apuração das razões possíveis para o fato; a segregação de trato do empregado mediante contato por meio de terceiros; a humilhação pública (ex: confinamento do ambiente de trabalho, revistas pessoais e de mesa de trabalho, inadequação do ambiente de trabalho etc.); as ameaças constantes de despedida individual, ou coletiva; o tratamento rude ou irônico com realce de dotes individuais negativos (ex: feiúra, estatura, raça, falta de instrução etc.); as insinuações de desvios de conduta sexual ou social; a ociosidade deliberada ou o rebaixamento funcional; a divulgação aberta ou velada de problemas familiares.
Dessa maneira, os resultados do assédio moral podem ser qualificados – sem qualquer pretensão de exagero – como claramente devastadores, ocasionando, no mais das vezes: a desestruturação da personalidade; a quebra da auto-estima; o sentimento de inferioridade intelectual e social; o stress psíquico; o extremo da auto-eliminação da vida. Assim é que a ação imperceptível da insistência ou repetição de atos aparentemente inócuos e supostamente destituídos de malícia sufoca o assediado num verdadeiro clima de terror psicológico.
3.3 Classificação
Quanto à hierarquia entre o agressor e o agredido, o assédio moral pode ser:
Vertical descendente. Parte do superior hierárquico – chefe ou preposto – e visa a atingir o(s) subordinado(s).
Vertical ascendente. Parte do(s) subordinado(s) para o superior hierárquico. Trata-se de hipótese mais incomum. Quando ocorre, geralmente é grupal.
Horizontal. Aqui o agredido e o agressor não mantêm entre si qualquer relação de subordinação, ambos ocupando o mesmo patamar na estrutura hierárquica da empresa.
Quanto à abrangência, o assédio moral se classifica em:
Estratégico. Aquele que visa a forçar o trabalhador a demitir-se. Apresenta, então, como principal objetivo, a redução das custas da rescisão.
Perverso. Tem meramente por escopo a disseminação do terror psicológico e da intimidação. Sua nota característica é o prazer sádico do assediador.
Institucional. Decorre da própria estrutura organizacional e dos procedimentos de trabalho da empresa. Caracteriza-se pela disseminação de uma pressão excessiva no ambiente de trabalho como forma de cultura organizacional.
3.4 Tratamento jurídico do assédio moral
O assédio moral, no seu alcance mais abrangente, tem a natureza típica de ato ilícito, isto é, de ato contrário ao direito, que lhe nega, gerando como conseqüência o reconhecimento da responsabilidade do agente pelo ressarcimento do dano material e/ou pela reparação do dano moral a que der causa.
A figura do ato ilícito está ligada a quatro outras, dele conseqüentes: dano, patrimônio, responsabilidade e ressarcimento ou reparação. É indispensável defini-las:
Dano é o mal causado por alguém a outrem, de que resulte o abalo ou a destruição de seu patrimônio material ou imaterial. Juridicamente, portanto, o dano se traduz em prejuízo determinado pela diminuição do patrimônio do sujeito passivo.
Patrimônio é o conjunto de bens materiais ou imateriais pertencentes a uma instituição, coletividade ou pessoa.
Responsabilidade é a obrigação de alguém de responder por algo, obrigação essa de satisfazer prestação ou cumprir fato atribuído ou imputável a alguém.
Ressarcimento ou reparação é o ato de satisfazer a indenização do prejuízo causado a outrem por ato ou fato danoso de responsabilidade reconhecida.
O assédio moral trata-se, então, de um ato ilícito civil ou trabalhista, em vista se originar, respectivamente, da relação jurídica genérica de trabalho, ou específica de emprego.
No que tange ao tratamento legal da matéria, sabe-se que o termo assédio moral surgiu no Brasil, pela primeira vez, no texto do Projeto de Lei nº 425/1999 apresentado à Câmara Municipal de São Paulo, que versava sobre a aplicação de penalidades à prática desse comportamento no âmbito da administração direta municipal.
Contudo, analisando-se especificamente a legislação trabalhista, tem-se que, até hoje os dias atuais, a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, datada de 1º de maio de 1943, ainda não possui nenhum dispositivo em seu bojo que contemple de forma direta e específica o assédio moral no âmbito laboral, ficando o empregado, a princípio, carente de proteção legal.
Ora, inexistindo no âmbito federal diretiva específica para o combate à ocorrência do assédio moral, como se concretizará a devida proteção ao empregado? De início, a despeito da insuficiência legislativa, resta claro que não pode a vítima do assédio psicológico ficar à míngua de proteção, sendo imperiosa, então, a invocação dos princípios constitucionais protetivos e da teoria da eficácia dos direitos fundamentais.
Nessa ordem de idéias, já se faz de clareza solar que os atos de perseguição e humilhação praticados pelo perverso, os quais minam a auto-estima da vítima e visam a destruí-la, afrontam diretamente o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, estampado no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. Este princípio constitucional, ao ser erigido à condição de fundamento da República Federativa do Brasil, demonstra o intento do constituinte em conferir à pessoa humana posição de destaque no sistema jurídico, figurando, então, tanto como fundamento quanto como fim da sociedade e do Estado brasileiros.
Em tal contexto de análise da primazia do princípio da dignidade da pessoa humana, levantam-se questionamentos acerca dos destinatários deste preceito, isto é, se a observância de tais normas são obrigatórias tão somente em relação ao Estado, ou se também vincula os particulares.
Sobre a questão, durante longo período reinou o entendimento de que os direitos fundamentais possuíam eficácia tão somente vertical, ou seja, apenas eram oponíveis perante o poder público, não tendo qualquer aplicabilidade e eficácia entre particulares, por vigorar entre os mesmos o princípio da autonomia privada.
Contudo, em contraposição à corrente até então adotada, surgiu, através da doutrina alemã, a teoria da eficácia imediata ou direta dos direitos fundamentais, que passou a reconhecer a ampla oponibilidade dos direitos fundamentais nas relações privadas, e não apenas perante o Estado.
Assim é que a doutrina majoritária, atualmente, se inclina a favor dessa última teoria, haja vista não haver como se conferir prevalência ao princípio da autonomia privada se esse se funda na inverídica premissa de "igualdade entre as partes", igualdade essa que, na prática, se revela meramente formal.
É manifesto, portanto, que não apenas o Estado pode figurar como agente violador de direitos fundamentais, mas também os particulares, impondo-se, por tais motivos, a eficácia direta e imediata desses direitos elementares nas relações ditas horizontais. Esta teoria, ademais, se encontra em perfeita harmonia com o exposto no §1º, do artigo 5º, da Carta Magna, o qual dispõe que as normas definidoras dos direitos fundamentais possuem eficácia imediata.
Dessa forma, plenamente possível se faz a invocação do princípio da dignidade humana, previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, como forma de proteção ao empregado que, no exercício do seu labor, é assediado moralmente por um empregador que, ao praticar tal conduta ilícita descumpre frontalmente com a função social do contrato de trabalho.
Por outro lado, tem-se que os ataques perpetrados pelo agressor no ambiente de trabalho, que denigrem a auto-estima da vítima e ofendem sua honra (subjetiva e objetiva), intimidade e imagem, infringem diretamente o direito fundamental elencado no artigo 5º, inciso X, da Carta Magna, assegurando-se, ao ofendido, então, o direito à indenização pelos danos materiais e morais decorrentes de tal violação.
Além disso, outras normas constitucionais podem ser invocadas para a proteção do empregado – a exemplo dos artigos 7º, inciso XXII, 170, inciso VI e 225, caput – que obrigam o empregador, sob pena de responsabilização, a garantir um meio ambiente de trabalho seguro e sadio, livre de fenômenos maléficos que causem danos à saúde física e psíquica do trabalhador, como propriamente o assédio moral.
Por derradeiro, é de se frisar que a prática do assédio moral como ofensa aos direitos personalíssimos do empregado além de gerar direito à indenização pelos danos morais e materiais eventualmente sofridos, também dá origem ao pleito de rescisão indireta do contrato de trabalho, invocando-se, para tanto, as alíneas "a", "b" ou "e", do artigo 483, da CLT e fazendo-se juz, assim, a todas as verbas inerentes à despedida sem justa causa.
4. Assédio moral no contrato do jogador de futebol
Fixadas as bases conceituais e sistemáticas dos elementos que compõem o presente estudo, chega-se ao ponto cerne do trabalho: é possível a ocorrência do assédio moral na relação de trabalho do jogador de futebol?
Ora, por todos os traços alhures expostos, vê-se que é plenamente viável a configuração desse ato ilícito na relação laboral em questão.
Afastadas as paixões que sempre envolvem a discussão em torno do tema futebol, o jurista estudioso da área trabalhista deve partir para a análise da matéria de maneira técnica, isento de inclinações e com uma visão sistemática do tratamento normativo sobre o assunto.
Assim é que, na prática da vida futebolística, inúmeras situações podem dar ensejo à conformação do assédio moral tanto na modalidade vertical como na horizontal.
Contudo, para a completa compreensão do estudo, imprescindível antes ter em mente algumas idéias elementares sobre o tema.
Hoje, o atleta esportivo – mormente o jogador de futebol – muito mais do que a execução física de atividades esportivas, negocia, trabalha e vende a sua imagem. Ora, são inúmeros os exemplos de contrações de astros do futebol por clubes de todas as partes do mundo com finalidades precípuas de marketing, ou seja, para venda de produtos da marca e para atração de mais patrocinadores.
Dessa maneira, inúmeros ídolos do futebol já consagrados nacional ou internacionalmente costumam – mesmo no final de carreira – ser contratados por times de grande, médio e até pequeno porte com o fim específico de incitar seus fãs a lhe prestigiarem em campo; gerando, com isso, mais arrecadação para o clube e incentivo de patrocínio, a despeito da sabida atuação limitada em campo por conta, no mais das vezes, da idade já avançada. Esse é só um exemplo de como hoje o direito à imagem possui um tratamento diferenciado no esporte, sendo usual a celebração, em paralelo ao contrato de futebol, de um contrato de cessão de imagem do jogador.
Nessa sorte, constituindo a imagem um bem tão importante ao jogador de futebol quanto a sua técnica e habilidade, de suma importância para o mesmo se faz a necessidade de expor seus predicados da maneira mais eficiente e generalizada possível, o que só existe uma maneira de se alcançar: numa partida de futebol.
Assim, surge a necessidade de todo jogador profissional ser convocado para defender seu time nas partidas em que atuar, ou seja, para a manutenção e desenvolvimento de sua carreira, imprescindível ao jogador de futebol se faz ser alvo dos holofotes futebolísticos, mesmo que seja sentado no banco de reservas.
Então aqui surge a primeira possibilidade de configuração real do assédio moral na relação futebolística. Os dirigentes ou comissão técnica de um clube, visando sorrateiramente prejudicar um atleta, podem, de maneira planamente eficaz, alcançar seu objetivo sem mover uma única palha, em outras palavras: desprezando o jogador; cerceando o seu direito de jogar e vender sua imagem ao público e aos demais empresários; limando-o do mundo do futebol simplesmente ao não convocá-lo para as partidas.
O pior é que, diante dessa situação, de poucas armas o atleta poderá extrajudicialmente dispor, visto que vinculado ao contrato, sua mão-de-obra é ofertada ao empregador cabendo ao mesmo a escolha de utilizá-la ou não. Nem se diga que poderá amigavelmente rescindir o contrato porque, como desestímulo para tanto, são sempre previstas as cláusulas penais, as quais muitas vezes atingem cifras milionárias.
Nessa sorte, e com base em tudo acima tratado, cabe ao jogador prejudicado alegar a despedida indireta (art. 483 da CLT) na Justiça do Trabalho, comprovando, na hipótese, o claro intuito do empregador em prejudicá-lo e requerendo, no caso específico, a devida indenização prevista pela multa rescisória contratual. Além disso, poderá requerer também indenização pelos danos materiais ou morais sofridos e provados.
O citado exemplo tratou da configuração típica do assédio moral vertical descendente. Mas também é possível vislumbrar, no mesmo contexto, a prática de assédio moral horizontal. Uma hipótese elucidativa de atitude prejudicial por parte do(s) próprio(s) companheiro(s) de equipe seria a própria discriminação dentro do campo. E por discriminação deve se entender toda sorte de diferenciação pejorativa: seja em razão da cor; seja em razão da opção sexual; seja através mesmo do “boicote” dentro da partida (ex: não tocando a bola ou fazendo-o de maneira ruim para impedir o prosseguimento do lance e desfazer o mérito do assediado, não o participando das jogadas etc.).
Dessa maneira, restando clara a real possibilidade de ocorrência de assédio moral no contrato de trabalho futebolístico, cabe ao prejudicado correr atrás dos mecanismos de composição dos danos sofridos.
Sobre a matéria, sabe-se que o direito brasileiro evoluiu da teoria subjetiva para a teoria objetiva. Em outras palavras, a teoria da responsabilidade civil evoluiu de um conceito em que se exigia a existência de culpa para a noção de responsabilidade civil sem culpa, embasada no risco. Os perigos advindos da vida moderna, a multiplicidade de acidentes e a crescente impossibilidade de provar a causa dos danos e a culpa do autor do ato ilícito acarretaram o surgimento da teoria do risco ou da responsabilidade objetiva, a demonstrar que o direito é uma ciência nascida da vida e feita para disciplinar a própria vida.
Assim, o empregador passou a ter responsabilidade trabalhista pelo dano moral, inclusive psíquico (e também pelo dano material, se cumulativamente existente) causado a qualquer subordinado, independentemente da posição que ocupe na escala hierárquica da empresa. Nessa esteira, a responsabilidade patronal pela reparação civil a seus empregados, serviçais e prepostos agora leva a que todo dano produzido por assédio moral vertical (descendente ou ascendente) e horizontal seja, hoje, de responsabilidade objetiva e solidária do empregador (art. 932), de nada lhe servindo, diante do assediado, o direito de regresso contra o praticante do assédio horizontal.
Portanto, especificamente no contrato de futebol, o responsável pelos danos morais e matérias frutos de atitudes assediadoras é o clube de futebol, empregador (em caso de assédio vertical); ou o clube objetiva e solidariamente com seu presposto/subordinado (em caso de assédio horizontal).
5. Conclusão
Atualmente, não há como se negar que o futebol constitui a maior paixão nacional. Difundido em todos os cantos do país, é imensurável o impacto do referido entretenimento na vida diária dos milhões de brasileiros amantes do jogo com os pés. Exemplo notório se faz de quatro em quatro anos quando a seleção, trajada em seu tradicional uniforme azul e amarelo, representa toda a nação perante o globo numa partida de Copa do Mundo; durante aqueles noventa minutos o país simplesmente pára!
Contudo, nem tudo são flores, e a despeito de todo o encanto que o futebol pode trazer para a vida dos brasileiros, o mesmo também pode ser utilizado de maneira insidiosa para causar imensos prejuízos a alguns agentes envolvidos, nomeadamente, aos jogadores.
A maneira desviante analisada no presente estudo foi justamente o assédio moral, tema da ordem do dia na seara trabalhista, e que vem sendo constantemente desenvolvido e destrinchado para o efetivo combate às suas conseqüências nefastas.
Estabelecidas as noções basilares, chegou-se a conclusão de que é plenamente possível a ocorrência do assédio moral em diversas de suas modalidades no contrato de trabalho do jogador de futebol.
E como resposta jurídica efetiva e de medida de eqüidade, chegou-se ao arremate de que o jogador de futebol, assim como os demais trabalhadores celetistas ou não, não se encontra ao desamparo da legislação trabalhista em relação ao tema. Sendo-lhe devidos, conforme o caso concreto, os direitos decorrentes da despedida forçada ou indireta e as indenizações por danos morais e matérias (se existentes) em razão dos prejuízos oriundos da malfada desonra.
Graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia 2011. Pós-graduando em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera. Atualmente é Técnico Administrativo do Banco Central do Brasil e advogado
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