Resumo: A presente pesquisa destina-se ao estudo do atual entendimento doutrinário e jurisprudencial referente ao tema ativismo judicial e suas nuances jurídicas. Preconiza analisar as experiências européias e norte-americana sobre esse fenômeno, bem como estudar as teorias sobre o início das escolas clássicas européias que o influenciaram. O trabalho buscou o enfoque na tese interpretativa positivista e nos acontecimentos que levaram ao neopositivismo. A apreciação da aplicabilidade dos Direitos Fundamentais e eficácia das normas constitucionais, ainda, a diferenciação de ativismo judicial de judicialização e, também, o estudo crítico da atuação do Supremo Tribunal Federal. Em suma, apesar de ser um tema bastante controverso, observou-se pontos positivos e pontos negativos que foram analisados e a crescente tendência, inegável, das jurisprudências de teor ativista dos tribunais, especialmente a do STF, a fim de demonstrá-las e explicá-las.
Palavras-chave: ativismo judicial, positivismo jurídico, neopositivismo.
Abstract: This research aims to study the current doctrinal understanding and jurisprudencia lreferente the theme judicial activism and its nuances judicial. Advocates analyze the European and North American experience on this phenomenon, as well to study theories about the beginning of European classical schools that influenced. The study aimed to focus on the positivist interpretation thesis and the events that led to neopositivism. The assessment of the applicability of Fundamental Rights and effectiveness of constitutional norms also the judicial activism of differentiation legalization and also the critical study of the role of the Supreme Court. In short, despite being a very controversial topic, there is positives and negatives points that were analyzed and the growing trend, undeniable, content of the jurisprudencial activists of the courts, especially the Supreme Court, in order to demonstrate them and apply them.
Keywords: judicial activism, legal positivism, neo-positivism.
Sumário: Introdução. 1. O ativismo judicial comparado. 1.1. O ativismo judicial na experiência norte-americana. 1.2. O ativismo judicial e algumas experiências europeias: Alemanha, Itália e Espanha. 1.3. Conceito e características do ativismo judicial. 1.4. Do passivismo ao ativismo judicial. 2. Positivismo jurídico e neoconstitucionalismo. 2.1. Noções Conceituais. 2.2. O antiformalismo no direito constitucional contemporâneo. 2.3. A eficácia das normas constitucionais e a implementação de direitos fundamentais. 2.4. O ativismo judicial e a judicialização. 3. O Mandado de injunção e a atuação do Supremo Tribunal Federal. 3.1. Conceito e objeto. 3.2. Atuação do Supremo Tribunal Federal. 3.3. Objeções à crescente intervenção judicial na vida brasileira. 3.3.1. Riscos para a legitimidade democrática. 3.3.2. Risco de politização da Justiça. 3.3.3. A capacidade institucional do Judiciário e seus limites. 3.4. Decisões relevantes. 3.4.1. O caso da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF n. 178). Conclusão. Referências.
Introdução
O ativismo judicial é um tema de grande importância na seara judicial hodierna, pois sua fundamentação se encontra, entre duas grandes polêmicas: a politização do Judiciário e a legitimidade democrática.
Antes de adentrar no tema, faz-se necessário conceituar o ativismo judicial como a atividade jurisdicional que excede a competência que lhe é reconhecida constitucionalmente, não se confundindo com a judicialização da política que se insurge apenas na insuficiência dos demais Poderes.
Nos últimos anos, houve significativa atuação do STF e daí, obviamente, surgiram as críticas e as polêmicas mencionadas acima. Com o objetivo de demonstrar as polêmicas suscitadas pela sociedade, reproduzidas pela grande mídia, seguem trechos da matéria jornalística intitulada “A Calma é só aparente… Agora adeptos do ‘ativismo judicial’, os ministros do STF ocupam espaços do Legislativo e assumem seu papel político.”, publicado pela Revista Veja, em 27 de agosto de 2008, pelo jornalista Carlos Graieb, in verbis:
“Um sistema político-jurídico é como a natureza, na frase de Nicolau Copérnico: abomina o vácuo. Se um dos três poderes não exerce o seu papel, os outros ocupam o espaço […] O Congresso brasileiro é, hoje, o poder apequenado. Sua pauta se vê trancada, em média, três semanas por mês, pela avalanche de medidas provisórias editadas pelo governo Lula e que precisam ser avaliadas com prioridade. Parlamentares vivem falando em limitar a edição de MPs, mas o fato é que a única restrição a essa prerrogativa do Executivo saiu justamente do Supremo, que vetou o uso do instrumento em matéria orçamentária. À tibieza para enfrentar essa batalha que lhe diz respeito diretamente, soma-se a omissão de longa data do Congresso em suprir lacunas da legislação. Passados vinte anos, o Congresso ainda não regulamentou 54 artigos da Constituição de 1988.” (REVISTA VEJA, 2008, ed. 2075, p. 60-64)
Dentre esses 54 artigos citados, à época da reportagem, encontra-se o que regulamenta a greve dos servidores públicos, tema também tratado na mesma matéria, a qual inclusive cita a mudança de postura dessa Corte:
“A mudança de cultura no STF fica clara quando se relembra o julgamento sobre o direito de greve no serviço público realizado em outubro de 2007. Onze anos antes, em 1996, um processo sobre o mesmo tema havia chegado ao tribunal. Naquela ocasião, os ministros decidiram que os servidores públicos não poderiam exercer a greve antes da edição de uma lei regulamentando o assunto. Ou seja, a sentença jogou a bola para o Congresso. No ano passado, observou-se uma guinada dramática. Em vez de apenas conclamar o Congresso a agir, o STF decidiu que o sistema jurídico não podia mais ficar incompleto e fez com que se aplicasse a lei de greve da iniciativa privada sobre os casos do serviço público.” (REVISTA VEJA, 2008, ed. 2075, p. 60-64).
Objetiva-se com esse trabalho averiguar o histórico desse fenômeno judicial, analisando-o e o comparando com demais países. Mais especificamente, aborda-se o ativismo político e a atuação da Corte nos mandados de injunções, principalmente os de nº 670/2002-ES, 708/2004-DF e 9 712/2004-PA, que regulamentam o direito de greve dos servidores públicos, pois essa mudança de posicionamento da matéria da revista chama atenção para novo momento nas relações institucionais no Brasil e provoca reflexão sobre o conceito clássico de separação dos Poderes, também abordado no presente trabalho.
Nesse contexto, este trabalho visa abordar todos os aspectos relevantes e atinentes ao tema, amparando-se na evolução jurisprudencial dos tribunais e da Corte e nas divergências doutrinárias.
Sob essa ótica, vela-se pela prevalência e efetivação dos Direitos Fundamentais trazidos na Constituição de 1988, fundado na proteção da dignidade da pessoa humana, todavia, questionando até onde tal fundamentação é justificativa para a atuação e intervenção do Judiciário.
Trata-se, por fim, de uma reflexão para se esclarecer as regras e os limites de atuação do Judiciário, bem como sua repercussão na sociedade.
1. O ativismo judicial comparado
1.1 O ativismo judicial na experiência norte-americana
O termo Ativismo Judicial surgiu nos Estudos Unidos com a publicação do artigo “The Supreme Court: 1947”, na revista americana Fortune. No referido artigo, o jornalista Arthur Schlesinger Jr. traçou o perfil dos nove juízes da Suprema Corte norte-americana. Foram à época classificados como ativistas judiciais os juízes Black, Douglas, Murphy e Rutlege; como campeões da autolimitação, os juízes Frankfurter, Jackson e Burton; e os juízes Reed e Vinson, como integrantes de um grupo de centro. A análise desenvolvida por Schlesinger tinha no ativismo judicial um elemento condicionante, ao reconhecer, como linha divisória entre juízes ativista e os de autolimitação o reflexo de uma tendência liberal ou conservadora na atividade judicante de cada magistrado. TASSINARI (2013).
A abordagem que é feita sobre a atuação do Poder Judiciário nos Estados Unidos revela-se indispensável por, pelo menos, três motivos: primeiro, porque foi no seio da tradição jurídica estadunidense que surgiram as discussões sobre ativismo judicial; segundo, porque, em face da insurgência do constitucionalismo democrático no Brasil e a consequente mudança produzida no que diz respeito ao papel assumido pela jurisdição, a doutrina brasileira passou a incorporar a expressão ativismo judicial, algumas vezes acompanhada pelas contribuições teóricas norte-americanas; terceiro, importa analisar quais as possibilidades de realizar esta transposição de teorias para o Direito brasileiro.
A história do constitucionalismo norte-americano se divide em três eras bastante distintas, levando-se em consideração as diferentes formas de intervenção da Suprema Corte através da jurisdição constitucional.
“Registre-se que o ativismo foi, em um primeiro momento, de natureza conservadora. Foi na atuação proativa da Suprema Corte que os setores mais reacionários encontraram amparo para a segregação racial (Dred Scott X Sanford, 1857) e para a invalidação das leis sociais em geral (Era Lochner, 1905-1937), culminando no confronto entre o presidente Roosevelt e a corte, com a mudança da orientação jurisprudencial contrária ao intervencionismo estatal (West Coast X Parrish, 1937). A situação se inverteu completamente a partir da década de 50, quando a Suprema Corte, sob a presidência de Warren (1953-1969) e nos primeiros anos da Corte Burger (até 1973), produziu jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais, sobretudo envolvendo negros (Brown X Board of Education, 1954), acusados em processo criminal (Miranda X Arizona, 1966) e mulheres (Richardson X Frontiero, 1973), assim como no tocante ao direito de privacidade (Griswold X Connecticut, 1965) e de interrupção da gestação (Roe X Wade, 1973).” BARROSO (2008, p. 7).
Segundo Valle (2012), inicia-se em 1787 a era tradicional com a promulgação da Constituição e vai até o final do século XIX. Nessa época, a Suprema Corte assume uma postura voltada à aplicação da Constituição diante das leis ordinárias, sendo que em 1803 inaugura-se o controle difuso de constitucionalidade das leis (judicial review) através do famoso caso Marbury v. Madison, em que a Suprema Corte, presidida pelo juiz John Marshall (1801-1835), afirmou seu poder de revisar os atos dos poderes Executivo e Legislativo para a garantia da supremacia da Constituição.
Tassinari (2013) resume o referido caso da seguinte forma:
“Jhon Adams, presidente dos Estados Unidos, na véspera de deixar o cargo, designou que William Marbury ocupasse o cargo de juiz de paz, entretanto, Thomas Jefferson, sucessor na presidência, não reconheceu o desígnio de Adams. Marbury recorreu à Suprema Corte para que James Madison, então Secretário de Estado, o empossasse como juiz de paz com base na seção 13 do Judiciary Act de 1789. No entanto, em 1802, o Congresso revogou o Judiciary Act. Então, ciente de que se fosse concedido o mandado a decisão poderia não ser cumprida, Marshall estabeleceu que Marbury tinha direito de ser empossado, tendo em vista que a nomeação era irrevogável. Mas negou que a Suprema Corte poderia julgar o caso, pois a seção 13 do Judiciary Act, que lhe atribui tal competência, era inconstitucional, na medida em que ampliava a competência da Suprema Corte estabelecida constitucionalmente.” TASSINARI (2013, p. 71).
Marshall apud Campos (2013), construiu o voto da Corte, portanto, não em razão da questão de fundo envolvida, e sim, tendo em conta a jurisdição da Suprema Corte como uma questão constitucional e o dever do Congresso em obedecer aos limites estabelecidos na Constituição:
“Se o Congresso permanecesse livre para dar a esta corte jurisdição em sede de recurso, onde a Constituição declarou que sua jurisdição deve ser original; e jurisdição original, onde a Constituição declarou que deve ser em sede de recurso, a distribuição da jurisdição feita na Constituição seria forma sem substância. (…) Não pode ser presumido que alguma cláusula na Constituição tenha a pretensão de ser ineficaz; dessa forma, tal construção é inadmissível (…).” CAMPOS (2013, p.18)
A Corte Marshall, como ficou conhecida à época do referido caso, julgou, então, inconstitucional e deixou de aplicar a Seção 13 do Judiciary Act de 1789, afirmando historicamente o poder de judicial review da Suprema Corte. A lógica de Marburyé por todos conhecida: a Constituição é a lei suprema, imodificável por meios ordinários e pensamento contrário “subverteria o próprio fundamento de todas as constituições escritas”; um ato legislativo contrário à Constituição então não é lei, é ato nulo, e cabe à Corte declarar essa nulidade. CAMPOS (2013).
Por volta de 1890, iniciou-se a era de transição marcada pela grande reformulação ocorrida na composição da Suprema Corte em um curto espaço de tempo, perdurando até o final da década de 30. Essa era foi fortemente influenciada pela política do New Deale de um laissez-faire, onde a atuação da Suprema Corte é marcada por uma questão de vontade, sobrepondo-se à questão da interpretação verificada na era tradicional, de maneira que a sua postura também se revela ativista. Nesse sentido, aliás, cumpre referir o famoso caso Lochner v. New York, em 1905, no qual a Suprema Corte invalidou a lei estadual do estado de New York – que limitava a jornada de trabalho dos empregados de padaria – por considerá-la intrusiva demais na política econômica do Estado.
Por fim, a era moderna compreende o período que se iniciou por volta de 1937 e se estende até os dias de hoje. Marcada, predominantemente, por um protagonismo judicial, no qual é reforçada a característica destacadamente legislativa das Cortes. Inseridos na tradição common law, os juízes passaram não apenas a atribuir à lei caráter secundário, mas a reescrevê-las. Essa era é fortemente marcada por uma postura ativista que se concentra, sobretudo, na preservação dos direitos e garantias fundamentais, de maneira que a jurisdição constitucional não coloca em xeque o regime democrático, mas o fortalece.
Sendo assim, muito embora as diferentes experiências que caracterizam a jurisdição constitucional norte-americana, verifica-se que a discussão acerca da interferência do Poder Judiciário nas outras esferas atravessa as três eras apresentadas, o que permite concluir que o ativismo judicial pode assumir as mais diversas formas, não devendo ser relacionado, exclusivamente, com a intervenção exercida, positivamente, pela Suprema Corte. Com isso, com algumas exceções, mesmo em solo estadunidense, pouco surge a manifestação de um compromisso com a existência de uma teoria da decisão judicial, que responda à pergunta sobre quais critérios para decidir.
1.2 O ativismo judicial e algumas experiências europeias: Alemanha, Itália e Espanha
Em estudo acerca do ativismo judicial no direito europeu, cabe perguntar, se seria possível imaginar, na Alemanha, que a “mínima iniciativa” por parte dos juízes com relação à lei seria “taxada de ativismo”.
No que tange aos primeiros anos do século XX, a resposta é positiva, mostra-se, porém, duvidosa a partir de 1920 e é certamente negativa com relação ao período posterior a 1949. VALLE (2012).
Na passagem do século XIX para o século XX, vigorava a ideia de que os juízes deveriam atuar como “autômatos da subsunção”. É que os redatores do BGB (Código Civil Alemão) foram bastante minuciosos ao tentarem disciplinar todos os fatos da vida social, de forma a evitar toda iniciativa excessiva por parte dos juízes e oferecer aos cidadãos uma grande segurança em suas relações jurídicas.
As consequências da primeira guerra mundial se fizeram sentir em todos os âmbitos, inclusive na interpretação das leis. Observa-se que por volta de 1920 houve um movimento progressivo de distanciamento dos juízes com relação aos textos normativos, tendo em vista os potenciais riscos que uma aplicação “cega” da lei poderia causar.
Ao que pese, nos dias atuais, o que se percebe das espécies de provimento jurisdicional desenvolvido pela Corte Constitucional alemã é uma sutil conciliação entre ativismo quanto ao conteúdo do texto constitucional, que busca, no entanto, caminhos de concretização no mundo da vida, que não desconsiderem a indispensável intervenção das demais estruturas de poder, como estratégia para garantir o resultado de suas próprias decisões. No entanto, não se encontra pacificação entre a garantia de uma Constituição como ordem de valores, tutelada por uma jurisdição constitucional ativa, e o devido acatamento ao juízo de deliberação do legislador.
Na Itália, percebe-se uma postura mais ativista da Corte, uma vez que a legislação pretérita era incompatível com o Texto Maior e o Parlamento não se animava a reexaminar.
Valle (2012, p. 30) leciona que:
“Na experiência italiana, destaca-se o desenvolvimento da doutrina do direito vivente, que mitiga os riscos atinentes a uma excessiva concentração de poderes em favor da Corte Constitucional. Operando a Itália sob um sistema de jurisdição constitucional concentrada, em que a provocação à análise da questão constitucional dissemina-se por todo o Judiciário, ao remeter-se a decisão à Corte Constitucional, põe-se, como variável à consolidação do papel deste órgão jurisdicional, a construção de uma cooperação com os próprios membros do Judiciário, que detinham competência para elevar os temas à sua apreciação. A solução doutrinária traduz-se no reconhecimento de um texto de instrumentalidade entre interpretação e aplicação da lei. Disso decorrerá mais do que a dissociação entre o texto e a norma, mas a necessidade – para se enfrentar a questão constitucional – de conhecer e considerar o significado aplicado, no âmbito do Judiciário, da norma como hipotético resultado hermenêutico.”
Indubitavelmente, funciona o direito vivente como um relevante instrumento de delimitação do ativismo judicial, à medida que estabelece as fronteiras da discussão e orienta o objeto da própria atuação da Corte Constitucional.
Na Espanha, a jurisdição constitucional na vida política também se apresenta. O Tribunal Constitucional funciona como elemento garantidor da continuidade do consenso político. Trata-se de um vetor de equilíbrio na equação das forças políticas, ressaltando que o destaque da função jurisdicional só pôde alcançar espaço à conta de outro fenômeno, a emergência de condutas delitivas nos demais âmbitos institucionais.
Manifestação típica do ativismo judicial espanhol é o desenvolvimento jurisprudencial de técnicas e modalidades de provimento que permitem a concretização de atividades distintas do simples selo de validade ou nulidade dos temas submetidos a controle. VALLE (2012).
É na compacta norma constitucional que a atividade interpretativa encontra maior liberdade de atuação e, justamente nessa compacidade que, propiciaram na Espanha o desenvolvimento das sentenças interpretativas e aditivas, veículos da concretização do ativismo judicial.
Percebe-se, de plano, após esse breve exame dos três sistemas jurídicos aqui analisados, que não há uniformidade quanto à questão relativa aos eventuais limites do ofício jurisdicional. Ainda que se admitisse a existência de tais limites nos diferentes países, inviável seria uniformizar a intensidade e a maneira como se articulam dentro de cada sistema jurídico.
O ativismo judicial não se mostra como um fenômeno universal nem tampouco progressivo: ele não é compreendido do mesmo modo em todos os lugares, não se desenvolve da mesma maneira ou no mesmo contexto e manifesta-se com intensidades distintas.
1.3 Conceito e características do ativismo judicial
Entende-se por ativismo judicial a atividade jurisdicional que excede a competência que lhe é reconhecida constitucionalmente, não se confundindo com a judicialização da política que se insurge apenas na insuficiência dos demais Poderes, em determinado contexto social, independente da postura de juízes e tribunais. Ainda, pelos ensinamentos de Tassinari (2013, p. 56) depreende-se:
“Por sua vez, o ativismo é gestado no seio da sistemática jurídica. Trata-se de uma conduta adotada pelos juízes e tribunais no exercício de suas atribuições. Isto é, a caracterização do ativismo judicial decorre da análise de determinada postura assumida por um órgão/pessoa na tomada de uma decisão que, por forma, é investida de juridicidade. Com isso, dá-se um passo que está para além da percepção da centralidade assumida pelo Judiciário no atual contexto social e político, que consiste em observar/controlar qual o critério utilizado para decidir, já que a judicialização, como demonstrado, apresenta-se como inexorável.”
A autora continua:
“Por tudo isso, ativismo judicial revela-se como um problema exclusivamente jurídico (ou seja, criado pelo Direito, mas, evidentemente, com consequências em todas as demais esferas), sobre o qual a comunidade jurídica deve, primeiro, debruçar-se no interesse de perguntar por seu sentido, para posteriormente apresentar uma resposta, na senda de um constitucionalismo democrático. E, no questionamento de como pode ser compreendida a manifestação judiciária, é possível encontrar posicionamentos que retrataram a indexação da decisão judicial a um ato de vontade daquele que julga.”
Em suma, o ativismo judicial é visto com um problema de teoria da interpretação do direito. Levando-se em consideração o ato de vontade do intérprete que analisará a demanda levada à baila. Todavia, o que se discute é a interferência do Judiciário e a sua invasão nos demais Poderes.
No Brasil, a própria Constituição e o sistema presidencialista se incumbiram de desmistificar a necessidade de Poderes totalmente independentes, visto que a divisão tripartite acontece de nova maneira: decisão política, execução da decisão e controle político. Nesse sentido, alude Ramos (2013, p. 116):
“Ao se fazer menção ao ativismo judicial, o que se está a referir é à ultrapassagem das linhas demarcatórias da função jurisdicional, em detrimento principalmente da função legislativa, mas, também, da função administrativa e, até mesmo, da função de governo. Não se trata do exercício desabrido da legiferação (ou de outra função não jurisdicional), que, aliás, em circunstâncias bem delimitadas, pode vir a ser deferido pela própria Constituição aos órgãos superiores do aparelho judiciário, e sim da descaracterização da função típica do Poder Judiciário, com incursão insidiosa sobre o núcleo essencial de funções constitucionalmente atribuídas a outros Poderes. A observância da separação dos Poderes importa, dentre diversos outros consectários, na manutenção dos órgãos do Judiciário nos limites da função jurisdicional que lhe é confiada e para cujo exercício foram estruturados. Há, pois, a necessidade de se perquirir quais são, em linhas generalíssimas, as notas materiais da jurisdição. Os processualistas costumam versar o assunto em sede de Teoria do Processo, que engloba os estudos dedicados aos conceitos-chave do Direito Processual. Nessa ótica, aduz-se que a jurisdição expressa o encargo que têm os órgãos estatais de promover a pacificação de conflitos interindividuais, mediante a realização do direito justo e através do processo.”
Como bem afirma o mesmo autor (2013), o ativismo judicial é fenômeno muito identificado em países que adotam em sua Constituição o dogma da independência e harmonia entre os Poderes. Entretanto, a autonomia da função jurisdicional num Estado de Direito é inafastável, afetando as demais funções estatais, máxime a legiferante, o que, por sua vez, configura gravíssima agressão ao princípio da separação dos Poderes.
O advento da Constituição Federal de 1988 é um marco crucial para o fenômeno do ativismo judicial, principalmente pela ampliação do papel político-institucional dado ao STF. Agrega-se a este acontecimento a já existente judicialização da política e o reconhecimento de uma vinculação entre Direito e Política. Todas essas circunstâncias repercutiram na atuação dos juízes e tribunais, ocasionando, assim, o ativismo judicial.
Outro importante marco trazido pela Carta Magna é o controle de constitucionalidade por ela legitimado, uma vez que controle de constitucionalidade e ativismo judicial estão vinculados. Explica Tassinari (2013, p. 34):
“Ativismo judicial e controle de constitucionalidade são questões que estão conectadas, no sentido de que colocar o ativismo judicial em questão também significa colocar o exercício da jurisdição à prova. A questão é que há uma meia verdade nesta afirmação, pois somente é possível considerá-la correta se compreendida que esta legitimidade da jurisdição constitucional dá-se em termos de um efetivo controle das decisões judiciais, isto é, se as atenções estarem (sic) voltadas para as respostas dadas pelo Judiciário e não apenas para compreender se o exercício do controle de constitucionalidade é coerente com a existência de um Estado Democrático.”
Mister se faz tecer alguns comentários acerca da judicialização da política. Tanto a judicialização quanto o ativismo judicial referem-se à expansão do poder decisório do Judiciário frente aos demais Poderes.
Segundo Tassinari (2013), a judicialização é muito mais uma questão social por conta da maior consagração de direitos e regulamentações constitucionais, que acabam por possibilitar um maior número de demandas que cairão no Judiciário independente da postura positiva ou negativa do mesmo. Ou seja, é uma questão ligada à análise contextual da composição do cenário jurídico, não fazendo referência à necessidade de se criar ou defender um modelo de jurisdição fortalecido.
Já para Valle (2012, p. 38), o ativismo judicial é precedente à judicialização da política, revelando-se como uma condição subjetiva.
“As condições estruturais estão presentes formalmente em nosso sistema político-jurídico desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, mas apenas recentemente a temática ganhou o holofote dos meios de comunicação de massa e o interesse generalizado de juristas e cientistas sociais. Tal fato nos leva a afirmar a precedência, no caso brasileiro, do ativismo judicial do STF sobre o fenômeno de judicialização da política, que se revela como condição subjetiva – uma atitude assumida pelos magistrados em relação às decisões (e omissões) dos demais poderes – indispensável para se intensificar o processo de judicialização no sistema político brasileiro.”
1.4 Do passivismo ao ativismo judicial
O que se vive no cenário contemporâneo é um pós-positivismo ou neo-positivismo. Após a Segunda Guerra Mundial, houve um rearranjo institucional com o intuito de garantir direitos fundamentais constitucionalmente assegurados, configurando-se, assim, a transição de um Estado Legislativo de Direito para um Estado Constitucional de Direito. Porém, no Brasil, tais mudanças demoraram anos a serem assimiladas, tendo em vista o golpe ditatorial de 1964.
É a partir da promulgação da Constituição de 1988, a chamada Constituição Cidadã, que o constitucionalismo brasileiro começou a assimilar os avanços trazidos pelo pós-guerra no continente europeu. A Constituição passa a ser catalisadora de todos os atos do Estado, dando novo fundamento ao direito constitucional.
Segundo Tassinari (2013), foi pela criação dos Tribunais Constitucionais europeus, em especial o alemão (Budesverfassungericht), que se deu a primeira forma de incorporação desta noção de constitucionalismo democrático. A aprovação de uma Lei Fundamental por uma assembleia constituinte de emergência, composta pelos aliados, na Alemanha, impulsionou o papel do Tribunal Constitucional, cuja atuação estava direcionada a constitucionalizar a ordem jurídica a partir de um órgão que, à diferença do Conselho Parlamentar que aprovou a Lei Fundamental (hoje Constituição), efetivamente representava o povo alemão.
Leciona a referida autora que:
“É neste contexto de aposta no Judiciário para a consecução dos objetivos constitucionais e de ruptura com a metodologia da corrente filosófica que havia predominado durante o nazismo – a subsunção positivista – que surgiu uma importante teoria jurídica, que passou a fundamentar as decisões judiciais do Tribunal Constitucional: a jurisprudência dos valores. Ocorre que, como menciona Alec Stone Sweet, o Poder Judiciário europeu, apesar de estar imbuído do propósito de respeitar a hierarquia constitucional desde a Constituição de Weimar (que, em 1919, inaugurou uma “autêntica instituição judicial” para este fim, o Tribunal de Justiça do Estado – Staatgerichtshof), não possuía uma efetiva jurisdição sobre a Constituição, motivo pelo qual foram criados os Tribunais Constitucionais. Assim, esta mudança institucional, agregada à efervescência de um novo meio de pautar a aplicação do direito, voltado para utilização de critérios que pudessem ser, inclusive, buscados para além da legislação (característica da jurisprudência dos valores), resultou na centralidade exercida pelo Judiciário.” TASSINARI (2013, p. 43).
Ante os fatos apontados, verifica-se que o segundo período pós-guerra desencadeou uma série de mudanças no contexto jurídico-político europeu, que foram assimiladas pelo judiciário brasileiro. Tais transformações indicam a origem da existência de uma judicialização no cenário global. Ou seja, todos estes fatores influenciaram para que o Judiciário assumisse outra feição, agora voltado para os ditames constitucionais.
2. Positivismo jurídico e neoconstitucionalismo
O positivismo representa o que há de mais conservador em termos de interpretação e modificação da Constituição. Somente o constituinte tem o poder de alterá-la, jamais o intérprete. A preservação da juridicidade dos textos constitucionais é o objetivo maior.
O positivismo se divide em duas vertentes: clássico e contemporâneo, sendo que em cada uma há um ensinamento acerca da essência da Constituição, admitindo limites diferenciados no que diz respeito ao poder de reforma ou mudança constitucional.
Bonavides (2011) traz importante explicação acerca do positivismo-estatal formalista, o positivismo clássico:
“Um dos traços marcantes do positivismo jurídico-estatal, de feição formalista, esboçado por Laband, aperfeiçoado por Jellinek e conduzido às últimas conseqüências por Kelsen, como já observou um jurista contemporâneo, é abreviar as reflexões sobre a Constituição para reduzi-la a uma classificação legalista, fixada unicamente sobre o seu exame e emprego com lei técnica de organização do poder e exteriorização formal de direitos. Daqui deriva metodologicamente uma espécie de construtivismo positivista, de cunho neutral e apolítico. Esse positivismo confere um poder ilimitado ao legislador para dispor sobre o Direito, amparado na crença fácil de que a sociedade, ou melhor, a realidade do Estado constitucional, se deixa reger todo por regras ou normas jurídicas.” BONAVIDES (2011, p. 171).
Evidente, portanto, a postura positivista do autor, que é conservador por excelência. Trata-se de aplicação lógica do direito, não há que se falar em ato criador ou sequer aperfeiçoador. A esse respeito, ele complementa:
“A Constituição do positivismo jurídico-estatal é nomeadamente formalista e fechada, composta de preceitos normativos que fazem coincidir por inteiro o sentido formal com o sentido material da Constituição, fruto da confiança otimista dos positivistas.
A Constituição do positivismo é em primeiro lugar conceito formal, norma que se explica pelo seu conteúdo nominal, por sua rigidez, vazada por escrito, mais hermética que aberta em presença da realidade circunjacente, exterior, em si mesma, à própria realidade, que ela organiza e regula juridicamente.” BONAVIDES (2011, p. 172).
A teoria formalista caminha bem enquanto o texto escrito não se distancia da realidade. A partir do momento em que passa a ocorrer o divórcio entre a norma e o fato, tal teoria entra em crise. O formalismo chega às suas últimas conseqüências com Kelsen e os juristas da Escola de Viena, todos citados na obra de Bonavides (2011).
“O formalismo normológico de Kelsen consiste numa fuga a realidade, como diz o neokantiano Erich Kaufmann, fuga para ver-se livre da acabrunhante e esmagadora variedade infinita que se acha contida na realidade. Estado e Direito são para Kelsen uma mesma categoria de ordenação normativa, na essência um sistema ideal de normas. Toda determinação conceitual acaba, segundo ele, por uma definição do Direito. O Estado é “essencialmente uma ordem jurídica”.” BONAVIDES (2011, p. 173 e 174).
Diferentemente de seus antecessores, Kelsen apud Bonavides (2011) defendia não haver limites materiais a revisão constitucional. Sendo assim, tanto o poder constituinte originário quanto o poder constituinte derivado não encontram limites materiais ao exercício de suas funções. Para Kelsen a norma fundamental ou Grundnorm é o elo que prende o sistema ideal de normas, denominado Estado ou Direito, ao fático ou à faticidade. Explica Bonavides (2011):
“Norma fundamental “hipotética”, pressuposto racional derradeiro da Constituição, ela não tem “a priori nenhum conteúdo”. Sua função exclusiva consiste em instituir “aqui um autocrata, ali o povo como instância de elaboração normativa suprema”. A norma fundamental se converte, portanto, numa Constituição em branco, apta a receber qualquer conteúdo.” BONAVIDES (2011,p. 174 e 175).
2.2 O antiformalismo no direito constitucional contemporâneo
É exatamente na sua diferenciação teórica que Kelsen apud Bonavides (2011), ao validar todo conteúdo constitucional, desde que observados os devidos trâmites formais, faz com que os conceitos de legalidade e legitimidade se confundam. Bonavides (2011) explica que tal teoria legitimou toda espécie de ordenamento estatal e jurídico. Diante dela, até o Estado nacional-socialista de Hitler fora Estado de Direito. A juridicidade pura se transformou em ajuridicidade total.
Nasce, então, em oposição à teoria Kelsiana, a teoria constitucional de Carl Schmitt. Ele se propôs a fundamentar a parte essencial de uma Constituição, demonstrando, assim, que a Constituição nasce do arbitramento da coletividade fundamentada no modus e na forma de unidade de um povo. Tenta, portanto, partir da realidade e não da norma, com o intuito de fundamentar uma teoria material da Constituição.
Segundo Schimitt apud Bonavides (2011), a Constituição é decisão eminente e superior a toda normatividade. Ela é anterior a toda normatividade. A Constituição é intocável, todavia, as leis da Constituição podem ser suspensas durante o estado de exceção ou anuladas por medidas durantes esse estado. BONAVIDES (2011).
E, assim sendo, Schimitt esbarra na mesma problemática da teoria Kelsiana, ambos citados na obra do doutrinador Bonavides (2011):
“Desmembrar a Constituição da norma, desvalorizar a normatividade, fazê-la inferior, cativa, secundária, relativa ou sujeitá-la a um decisionismo político extremo, significa pois desfazer, pela via material, a juridicidade das Constituições, cujos conteúdos se tornam assim indiferentes, desde que um só valor – o daquele órgão de vontade que atua como poder constituinte – sobrerresta soberano ou supremo.”
“Representa essa teoria da Constituição, como se vê, uma legitimação dissimulada do Estado absoluto e totalitário. Caminhando por vias opostas, Kelsen com a norma, Schimitt com o decisionismo, ambos se reencontram no resultado final: a dissolução da Constituição como fundamento axiológico de um Estado de Direito, de acordo com a pauta dos valores liberais.” BONAVIDES (2011, p. 177).
Ainda que Schimitt tenha “falhado” na sua teoria material da Constituição, não deixou ele de contribuir com ela. A distinção feita por ele entre a Constituição e a Lei Constitucional, possibilitou estabelecer o conceito de Constituição. Bonavides alude:
“A Constituição possui assim sentido político absoluto, não podendo sua essência ficar contida numa lei ou numa norma. É exatamente essa impossibilidade que faz possível, segundo Schimitt, distinguir a Constituição da Lei Constitucional. O constitucionalista, ao mostrar que a Constituição não pode dissolver-se num conjunto de leis constitucionais, repeliu, como erro, a assertiva de Bernatzik, de que a transformação da Constituição numa “espécie de lei” fora “uma conquista da cultura política contemporânea”.” BONAVIDES (2011, p. 104).
Ainda para Schimitt apud Bonavides (2011), o político prevalece sobre o jurídico, de tal forma que seria impossível a resolução de conflitos constitucionais entre os poderes por uma Corte Constitucional.
“Diz ele que se assim procedêssemos, ao invés da “judiciarização da Política”, teríamos a “politização da Justiça”. Em Schimitt o existencial compõe a essência da Constituição, o reino da decisão fundamental, a esfera política que se sobrepõe ao normativo, às Leis Constitucionais, ao domínio jurídico propriamente dito”. BONAVIDES (2011, p. 104).
Ao falar em teoria material da Constituição mister se faz adentrar a interpretação dos direitos fundamentais consagrados na Carta Magna. E é exatamente nesse aspecto – interpretação dos direitos fundamentais – que a teoria material da Constituição ganha enorme poder em detrimento da teoria formal.
Em era de globalização e capitalismo, fica evidente a dificuldade em concretizar tais direitos, uma vez que o verbo “desenvolver” passa a ser tido como lei, ainda que, para isso, se extirpe direitos fundamentais. E é a partir da teoria material da Constituição que se passa a definir a inconstitucionalidade material.
“A partir daí, no âmbito já de um teoria da Constituição aberta, que é a mesma teoria da Constituição não-formal, se faz possível desenvolver um conceito de inconstitucionalidade material e, ao mesmo passo, indigitar as inconstitucionalidades sociais, políticas e governamentais alojadas na órbita do poder, nos quadros da organização econômica e no domínio dos órgãos executivos e legislativos. Posto que tomem a decisão ou formulem a lei em harmonia com as bases formais das prescrições constitucionais, tais órgãos violentam, não raro, valores, princípios, elementos e bens jurídicos que ornam, na essência, a dignidade do homem.” BONAVIDES (2011, p. 614).
Os direitos fundamentais são o norte de uma Constituição. A pior das inconstitucionalidades não é a formal, mas sim a material, e que tem efeito muito pior e mais freqüente em países em desenvolvimento, onde os alicerces constitucionais são mais instáveis devido aos fatores econômicos e políticos. BONAVIDES (2011).
“Cabe, por conseguinte, reiterar: quem governa com grandes omissões constitucionais de natureza material menospreza os direitos fundamentais e os interpreta a favor dos fortes contra os fracos. Governa, assim, fora da legítima ordem econômica, social e cultural e se arreda da tridimensionalidade emancipativa contida nos direitos fundamentais da segunda, terceira e quarta gerações.” BONAVIDES (2011, p. 616).
E o autor conclui:
“Em razão disso, é de admitir que a Constituição formal perca, ali, a sua legitimidade com o solo das instituições revolvido pelos abalos violentos e freqüentes da crise constituinte. Não há constitucionalismo sem direitos fundamentais. Tampouco há direitos fundamentais sem a constitucionalidade da ordem material cujo norte leva ao princípio da igualdade, pedestal de todos os valores sociais de justiça.” BONAVIDES (2011, p. 616).
2.3 A eficácia das normas constitucionais e a implementação de direitos fundamentais
Com o advento da teoria material da Constituição e o conseqüente declínio do positivismo, “os direitos fundamentais e as garantias processuais da liberdade sob a égide do Estado social” passam a ser o eixo dos estudos constitucionais antes dominados pela separação dos poderes e pela distribuição de competências. Durante o auge do positivismo, muitos constitucionalistas defendiam a Constituição não ser um direito, mas sim uma ideia. BONAVIDES (2011).
“Talvez semelhante entendimento derive do juízo expendido pelos publicistas acerca da estrutura especial das normas constitucionais, que, sendo, não raro, abertas, incompletas e imprecisas ou demasiado genéricas, impetram para sua interpretação o emprego de métodos distintos daqueles normalmente utilizados na hermenêutica das leis. Por isso mesmos, servem, a nosso ver, como critérios mais eficazes no âmbito da interpretação constitucional, e não como peças meramente auxiliares ou tributárias da metodologia clássica.” BONAVIDES (2011, p. 600).
Todavia, é a Constituição, como lecionado pelo doutrinador Bonavides, “a Lei das Leis e o Direito dos Direitos”. Trata-se, portanto, de “código de princípios normativos que fazem a unidade e o espírito do sistema”.
“Com efeito, esfera mais crítica e delicada para o estabelecimento de um Estado de Direito era, na idade do Estado liberal, a organização jurídica dos Poderes, a distribuição de suas competências e, por conseguinte, a harmonia e o equilíbrio funcional dos órgãos de soberania, bem como a determinação de seus limites. Hoje, os direitos fundamentais ocupam essa posição estrutural culminante.” BONAVIDES (2011, p. 601).
O novo Direito Constitucional passa agora a se preocupar com a relação dos cidadãos com o Estado e, consequentemente, os direitos fundamentais tornam-se esfera nuclear desse ramo. Desde então, são aclamados os direitos da pessoa humana, passando a ser o Homem possuidor e destinatário de todas as regras do poder. BONAVIDES (2011).
Surge, com bastante afinco, a figura do juiz social. A razão das decisões judiciais dos magistrados passa a ter mais receptividade para os direitos fundamentais e para o quadro social da ordem jurídica, prendendo-se as dimensões concretas e objetivas daqueles direitos. Irrompe-se uma interpretação jurídico-objetiva, tendente a sobrepor o poder judicial em relação aos demais poderes.
“Reflexões desse teor conduzem, de necessidade, a uma indagação maior acerca da legitimidade que teria o Poder Judiciário para manter, por via de sua função hermenêutica, tal superioridade sobre os Poderes Legislativo e Executivo. A hermenêutica constitucional, por exemplo, não teria como tolher a politização dessa relação de poderes, com a hegemonia do Judiciário e o quebramento da garantia que o clássico princípio de Montesquieu de alguma maneira sempre represento para a liberdade no Estado moderno.” BONAVIDES (2011, p. 604).
Para afastar esse perigo e proteger os direitos fundamentais, a Teoria Estruturante do Direito, de Friedrich Müller, faz uso dapráticacomo conteúdo integrativo e social, deixando de lado todo “formalismo exclusivo, unilateral e restritivo”. BONAVIDES (2011).
“Verificamos, então, o seguinte: há na Constituição norma que se interpretam e normas que se concretizam. A distinção é relevante desde o aparecimento da Nova Hermenêutica, que introduziu o conceito novo de concretização, peculiar à interpretação de boa parte da Constituição, nomeadamente dos direitos fundamentais e das cláusulas abstratas e genéricas do texto constitucional. Neste são usuais preceitos normativos vazados em fórmulas amplas, vagas e maleáveis, cuja aplicação requer do intérprete uma certa diligência criativa, complementar e aditiva para lograr a completude e fazer a integração da norma na esfera da eficácia e juridicidade do próprio ordenamento. Na Velha Hermenêutica, regida por um positivismo lógico-formal, há subsunção; em a Nova Hermenêutica, inspirada por uma teoria material de valores, o que há é a concretização; ali, a norma legal, aqui, a norma constitucional; uma interpretada, a outra concretizada.” BONAVIDES (2011, p. 606).
2.4 O ativismo judicial e a judicialização
Barroso (2008) explica que a Judicialização nada mais é do que a decisão do Poder Judiciário sobre algumas matérias de grande impacto político ou social que, via de regra, caberiam as instâncias tradicionais: Poder Legislativo e Executivo. Os fatores para o acontecimento são diversos, que vão desde “uma tendência mundial” ao “modelo institucional brasileiro”. Nesse sentido, Barroso se posiciona:
“A primeira grande causa da judicialização foi a redemocratização do país, que teve como ponto culminante a promulgação da Constituição de 1988. Nas últimas décadas, com a recuperação das garantias da magistratura, o Judiciário deixou de ser um departamento técnico-especializado e se transformou em um verdadeiro poder político, capaz de fazer valer a Constituição e as leis, inclusive em confronto com os outros Poderes. No Supremo Tribunal Federal, uma geração de novos ministros já não deve seu título de investidura ao regime militar. Por outro lado, o ambiente democrático reavivou a cidadania, dando maior nível de informação e de consciência de direitos a amplos segmentos da população, que passaram a buscar a proteção de seus interesses perante juízes e tribunais. Nesse mesmo contexto, deu-se a expansão institucional do Ministério Público, com aumento da relevância de sua atuação fora da área estritamente penal, bem como a presença crescente da Defensoria Pública em diferentes partes do Brasil. Em suma: a redemocratização fortaleceu e expandiu o Poder Judiciário, bem como aumentou a demanda por justiça na sociedade brasileira.” BARROSO (2008, p. 3).
De maneira sucinta, Barroso (2008) alude, conforme citado acima, a importância da Constituição de 1988 para o fortalecimento do Poder Judiciário, bem como da sua função de resguardar a justiça social brasileira. Restou evidenciado que o constituinte originário, pós período ditatorial, quis limitar o poder do legislador e o fez constitucionalizando matéria, transformou “Política em Direito”. “Na medida em que uma questão – seja um direito individual, uma prestação estatal ou um fim público – é disciplinada em uma norma constitucional, ela se transforma, potencialmente, em uma pretensão jurídica, que pode ser formulada sob a forma de ação judicial.
Vale lembrar, outrossim, que o controle de constitucionalidade adotado pelo sistema brasileiro é outra causa da judicialização. Barroso (2008) explica que por ser “híbrido ou eclético, ele combina aspectos de dois sistemas diversos: o americano e o europeu”.
“Assim, desde o início da República, adota-se entre nós a fórmula americana de controle incidental e difuso, pelo qual qualquer juiz ou tribunal pode deixar de aplicar uma lei, em um caso concreto que lhe tenha sido submetido, caso a considere inconstitucional. Por outro lado, trouxemos do modelo europeu o controle por ação direta, que permite que determinadas matérias sejam levadas em tese e imediatamente ao Supremo Tribunal Federal. A tudo isso se soma o direito de propositura amplo, previsto no artigo 103, pelo qual inúmeros órgãos, bem como entidades públicas e privadas — as sociedades de classe de âmbito nacional e as confederações sindicais — podem ajuizar ações diretas. Nesse cenário, quase qualquer questão política ou moralmente relevante pode ser alçada ao STF.” BARROSO (2008, p. 4).
Ainda sobre esse tema, Barroso enumera vários casos e discussões travados pelo Supremo Tribunal Federal que resultaram em importantes decisões sociais e políticas para o cenário brasileiro e, que não poderia deixar de serem aqui elencadas.
“De fato, somente no ano de 2008, foram decididas pelo Supremo Tribunal Federal, no âmbito de ações diretas — que compreendem a ação direta de inconstitucionalidade (ADI), a ação declaratória de constitucionalidade (ADC) e a argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) — questões como: a) o pedido de declaração de inconstitucionalidade, pelo procurador-geral da República, do artigo 5º da Lei de Biossegurança, que permitiu e disciplinou as pesquisas com células-tronco embrionárias (ADI 3.150); (ii) o pedido de declaração da constitucionalidade da Resolução 7, de 2006, do Conselho Nacional de Justiça, que vedou o nepotismo no âmbito do Poder Judiciário (ADC 12); (iii) o pedido de suspensão dos dispositivos da Lei de Imprensa incompatíveis com a Constituição de 1988 (ADPF 130). No âmbito das ações individuais, a corte se manifestou sobre temas como quebra de sigilo judicial por CPI, demarcação de terras indígenas na região conhecida como Raposa Serra do Sol e uso de algemas, dentre milhares de outros.”
“Ao se lançar o olhar para trás, pode-se constatar que a tendência não é nova e é crescente. Nos últimos anos, o STF pronunciou-se ou iniciou a discussão em temas como: (i) Políticas governamentais, envolvendo a constitucionalidade de aspectos centrais da Reforma da Previdência (contribuição de inativos) e da Reforma do Judiciário (criação do Conselho Nacional de Justiça); (ii) relações entre Poderes, com a determinação dos limites legítimos de atuação das Comissões Parlamentares de Inquérito (como quebras de sigilos e decretação de prisão) e do papel do Ministério Público na investigação criminal; (iii) direitos fundamentais, incluindo limites à liberdade de expressão no caso de racismo (Caso Elwanger) e a possibilidade de progressão de regime para os condenados pela prática de crimes hediondos. Deve-se mencionar, ainda, a importante virada da jurisprudência no tocante ao mandado de injunção, em caso no qual se determinou a aplicação do regime jurídico das greves no setor privado àquelas que ocorram no serviço público.” BARROSO (2008, p. 4 e 5).
O mesmo autor deixa claro que, em todas as decisões supracitadas, o Supremo Tribunal Federal, em momento algum, extrapolou o que lhe foi pedido, bem como, em todos os casos, o Tribunal foi devidamente provocado, tendo todas as ações “preenchidos os requisitos de cabimento”. Portanto, não caberia a Corte Suprema se esquivar do seu dever constitucionalmente instituído.
Em muitos aspectos a judicialização se aproxima do ativismo judicial. Todavia, a judicialização decorre do “modelo constitucional” adotado pelo Brasil. Enquanto o “ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandido o seu sentido e alcance”, diz Barroso (2008).
“A idéia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao poder público, notadamente em matéria de políticas públicas.” BARROSO (2008, p. 6).
Como já mencionado no primeiro capítulo desse trabalho, o ativismo judicial tem sua origem nos Estados Unidos.
No entanto, em tempos atuais, o que se percebe no cenário jurídico norte-americano é a “auto-contenção judicial”, ou seja, o oposto do ativismo, o Judiciário passa a conter sua interferência nos demais Poderes. Barroso (2008) exemplifica a auto-contenção judicial da seguinte forma:
“Por essa linha, juízes e tribunais (i) evitam aplicar diretamente a Constituição a situações que não estejam no seu âmbito de incidência expressa, aguardando o pronunciamento do legislador ordinário; (ii) utilizam critérios rígidos e conservadores para a declaração de inconstitucionalidade de leis e atos normativos; e (iii) abstêm-se de interferir na definição das políticas públicas. Até o advento da Constituição de 1988, essa era a inequívoca linha de atuação do Judiciário no Brasil. A principal diferença metodológica entre as duas posições está em que, em princípio, o ativismo judicial procura extrair o máximo das potencialidades do texto constitucional, sem contudo invadir o campo da criação livre do Direito. A auto-contenção, por sua vez, restringe o espaço de incidência da Constituição em favor das instâncias tipicamente políticas.” BARROSO (2008, p. 7).
O que se percebe no Brasil, também já abordado no primeiro capítulo, é o surgimento tardio do ativismo judicial no país por fatores históricos. Conseqüentemente, no quadro atual, a decisões judiciais vem mostrando posições claramente ativistas.
“[…] na categoria de ativismo mediante imposição de condutas ou de abstenções ao poder público, notadamente em matéria de políticas públicas, o exemplo mais notório provavelmente é o da distribuição de medicamentos e determinação de terapias mediante decisão judicial. A matéria ainda não foi apreciada a fundo pelo Supremo Tribunal Federal, exceto em pedidos de suspensão de segurança. Todavia, nas Justiças estadual e federal em todo o país, multiplicam-se decisões que condenam a União, o estado ou o município — por vezes, os três solidariamente — a custear medicamentos e terapias que não constam das listas e protocolos do Ministério da Saúde ou das Secretarias estaduais e municipais. Em alguns casos, os tratamentos exigidos são experimentais ou devem ser realizados no exterior.” BARROSO (2008, p. 9).
Fica vidente que, no nosso país, a omissão do Poder Legislativo alimenta a expansão do Judiciário com uma vertente ativista em nome da Constituição. Barroso finda esse assunto falando sobre os aspectos positivos desse fenômeno, que não poderiam deixar de serem aqui citados.
“O fenômeno tem uma face positiva: o Judiciário está atendendo a demandas da sociedade que não puderam ser satisfeitas pelo parlamento, em temas como greve no serviço público, eliminação do nepotismo ou regras eleitorais. O aspecto negativo é que ele exibe as dificuldades enfrentadas pelo Poder Legislativo — e isso não se passa apenas no Brasil — na atual quadra histórica. A adiada reforma política é uma necessidade dramática para o país, para fomentar autenticidade partidária, estimular vocações e reaproximar a classe política da sociedade civil. Decisões ativistas devem ser eventuais, em momentos históricos determinados. Mas não há democracia sólida sem atividade política intensa e saudável, nem tampouco sem Congresso atuante e investido de credibilidade. Um exemplo de como a agenda do país delocou-se do Legislativo para o Judiciário: as audiências públicas e o julgamento acerca das pesquisas com células-tronco embrionárias, pelo Supremo Tribunal Federal, tiveram muito mais visibilidade e debate público do que o processo legislativo que resultou na elaboração da lei.” BARROSO (2008, p. 9 e 10).
Todavia, há objeções acerca desse fenômeno, não menos importantes e que também servem de alerta à comunidade jurídica, e que serão abordados no próximo capítulo.
3. O Mandado de injunção e a atuação do Supremo Tribunal Federal
O mandado de injunção pátrio é uma ação constitucional, de natureza civil e de procedimento especial, que pretende viabilizar o exercício de direitos, liberdades constitucionais ou prerrogativas inerentes à nossa nacionalidade, soberania ou cidadania, inviabilizados pela falta de norma regulamentadora. Assim determina o artigo 5º da Carta Magna:
“[…] LXXI – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.” (BRASIL, 2010).
Parte da doutrina considera que a criação do mandado de injunção configura o reconhecimento constitucional de um direito subjetivo à legislação. Todavia, essa posição é bastante polêmica, porém se reflete em vários acórdãos da Suprema Corte, como, por exemplo, MI 542/SP, Plenário.
Os autores Taveira e Ferreira (2014, p. 189) explicam:
“Tal como a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADlnO),o mandado de injunção visa a combater a síndrome da falta de efetividade das normas constitucionais, ou seja, as omissões inconstitucionais. Porém, diferentemente da ADlnO, o MI busca proteger direitos subjetivos, enquanto a ADlnO protege, abstratamente, a ordem constitucional objetiva.”
Ainda sobre o tema, os autores retromencionados fazem importantes considerações:
“A jurisprudência do STF, porém, tem forçado a aproximação do mandado de injunção, sobretudo o da modalidade coletiva, às ações do controle abstrato de constitucionalidade. Nesse sentido:
(a) no Mandado de Injunção Coletivo 708/DF, o Plenário do STF acabou por conceder efeitos erga omnes à decisão de procedência, vencidos três Ministros que pretendiam limitar a eficácia decisória só à categoria representada pelo sindicato-impetrante; e
(b) na QO no Mandado de Injunção Coletivo 712/PA, o Plenário da Corte decidiu ser incabível a desistência do pedido, por entender que o"mandado de injunção coletivo, bem como a ação direta de inconstitucionalidade,não pode ser utilizado como meio de pressão sobre o Poder Judiciário ou qualquer entidade", de modo que os sindicatos-impetrantes "não detêm a titularidade dessas ações".” TAVEIRA e FERREIRA (2014, p. 190).
Não há lei regulamentadora para o remédio constitucional descrito. Sendo assim, enquanto não é editada a lei específica, o procedimento de ação segue aquele mesmo aplicável ao mandado de segurança. É o que diz o próprio artigo 24, no seu parágrafo único, da Lei 8.038 de 1990.
Quanto à possibilidade de mandado de injunção coletivo, ainda que a Constituição não tenha admitido de forma expressa, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a tem admitido em analogia ao mandado de segurança coletivo.
O mandado de injunção almeja a solução para um caso concreto, “individualmente considerado, diante de um direito subjetivo obstado pela inércia do legislador”, deve se ter em mente a efetiva necessidade de um direito que esteja sendo impedido de ser exercido, devido a ausência de uma norma regulamentadora. ALEXANDRINO e PAULO (2011).
3.2. Atuação do Supremo Tribunal Federal
Até o ano de 2007, o Supremo manteve um cenário de estabilidade pautado em provimentos de natureza meramente declaratória, ou seja, tais decisões tinham como consequência a mera comunicação ao órgão omissivo.
Tal parâmetro encontrou resistência no seio da própria Corte, como no caso do MI 107-QO, o Ministro Carlos Velloso defendeu que o mandado de injunção deveria solucionar o problema no caso concreto e viabilizar o exercício do direito violado, devido a omissão. VALLE (2012).
“Finalmente, registre-se a posição reiterada por quase duas décadas do Ministro Marco Aurélio, o qual entende que a simples comunicação da existência da omissão não se apresentava como provimento jurisdicional apto a superar a violação à Constituição tutelada pelo MI e que o STF deveria construir, à luz do caso concreto, provimento jurisdicional mais ambicioso a conferir contornos normativos aplicáveis ao direito constitucional obstado no seu exercício por ausência da lei.” VALLE (2012, p. 56).
A partir de então, o Supremo muda seu entendimento até 2007 inalterado e, passa proferir decisões constitutivas e não mais declaratórias. Valle explica que essa alteração ocorre com os MI 670, 708 e 712 que enunciou, a partir de parâmetros trazidos pela Lei 7.783/89, “a regra abstrata de conduta a disciplinar o exercício do direito de greve por parte dos servidores públicos, até a edição do instrumento legislativo próprio”. É a partir dessas decisões que se começa a discutir e, até mesmo, a investigar a existência de ativismo judicial no âmbito do Supremo.
“No campo do mandado de injunção, o afastamento da cláusula de bloqueio atinente à suposta violação do equilíbrio e da harmonia entre os poderes e, em conseqüência, a superação do velho dogma do legislador negativo expressam uma ampliação das possibilidades conteudísticas do provimento jurisdicional a ser oferecido, em competência privativa, pelo STF.” VALLE (2012, p. 62).
E assim vêm à tona, as menções ao campo político e à superação dos impasses institucionais. O que a Corte busca assumir são os compromissos valorativos da Carta Magna de 1988, expressos na lista de direitos fundamentais. Todavia, o STF não se embasou exclusivamente nos direitos fundamentais para argumentar uma atuação mais ativista. Ao se falar de MI, o principal argumento foi “a necessidade de se emprestar maior efeito útil ao instituto”. Ocorre que as decisões anteriormente tomadas, em sede de MI, enfraqueciam a Corte, que “se limitava à simples comunicação da inércia legislativa, sem fixar o prazo para atuação do poder omisso”. VALLE (2012).
3.3 Objeções à crescente intervenção judicial na vida brasileira
A par da análise dos aspectos positivos trazidos pelo ativismo judicial e pela judicialização, não menos importante se faz a abordagem dos aspectos negativos sobre esses temas.
Com bastante clareza, Barroso (2008) aborda três objeções que podem ser opostas à judicialização e ao ativismo judicial. Tais análises se debruçam nos “riscos para a legitimidade democrática, na politização indevida da justiça e nos limites da capacidade institucional do Judiciário”, como ele se posiciona doutrinariamente.
3.3.1 Riscos para a legitimidade democrática
O primeiro questionamento que se faz acerca desse tema é: onde está a legitimidade do Poder Judiciário para invalidar decisões dos demais poderes que exercem mandato popular, que foram, efetivamente, escolhidos pelo povo? É certo que o Poder Judiciário, apesar de não ter tido seus membros escolhidos por vontade popular, também exerce função política, inclusive a de invalidar os atos dos demais Poderes. Todavia, para a pergunta feita acima, duas são as justificativas apresentadas: “uma de natureza normativa e outra filosófica”. BARROSO (2012).
“O fundamento normativo decorre, singelamente, do fato de que a Constituição brasileira atribui expressamente esse poder ao Judiciário e, especialmente, ao Supremo Tribunal Federal. A maior parte dos Estados democráticos reserva uma parcela de poder político para ser exercida por agentes públicos que não são recrutados pela via eleitoral, e cuja atuação é de natureza predominantemente técnica e imparcial. De acordo com o conhecimento tradicional, magistrados não têm vontade política própria. Ao aplicarem a Constituição e as leis, estão concretizando decisões que foram tomadas pelo constituinte ou pelo legislador, isto é, pelos representantes do povo. Essa afirmação, que reverencia a lógica da separação de Poderes, deve ser aceita com temperamentos, tendo em vista que juízes e tribunais não desempenham uma atividade puramente mecânica. Na medida em que lhes cabe atribuir sentido a expressões vagas, fluidas e indeterminadas, como dignidade da pessoa humana, direito de privacidade ou boa-fé objetiva, tornam-se, em muitas situações, co-participantes do processo de criação do Direito.” BARROSO (2008, p. 11).
Quanto à justificativa filosófica, o autor também se manifesta:
“A justificação filosófica para a jurisdição constitucional e para a atuação do Judiciário na vida institucional é um pouco mais sofisticada, mas ainda assim fácil de compreender. O Estado constitucional democrático, como o nome sugere, é produto de duas idéias que se acoplaram, mas não se confundem. Constitucionalismo significa poder limitado e respeito aos direitos fundamentais. O Estado de direito como expressão da razão. Já democracia significa soberania popular, governo do povo. O poder fundado na vontade da maioria. Entre democracia e constitucionalismo, entre vontade e razão, entre direitos fundamentais e governo da maioria, podem surgir situações de tensão e de conflitos aparentes.” BARROSO (2008, p. 11).
Pelo todo demonstrado, fica evidente o desempenho de dois papéis cruciais da Constituição. A priori, ela estabelecerá as diretrizes democráticas, garantido ampla participação política, “governo da maioria e a alternância no poder”. Outro importante papel da Constituição é o da proteção dos “valores e direitos fundamentais”, sendo o Supremo o interprete final da Constituição, “funcionando como fórum de princípios”. BARROSO (2008).
Todavia, o autor faz importante ressalva:
“Portanto, a jurisdição constitucional bem exercida é antes uma garantia para a democracia do que um risco. Impõe-se, todavia, uma observação final. A importância da Constituição – e do Judiciário como seu intérprete maior – não pode suprimir, por evidente, a política, o governo da maioria, nem o papel do Legislativo. A Constituição não pode ser ubíqua. Observados os valores e fins constitucionais, cabe à lei, votada pelo parlamento e sancionada pelo Presidente, fazer as escolhas entre as diferentes visões alternativas que caracterizam as sociedades pluralistas. Por essa razão, o STF deve ser deferente para com as deliberações do Congresso. Com exceção do que seja essencial para preservar a democracia e os direitos fundamentais, em relação a tudo mais os protagonistas da vida política devem ser os que têm votos. Juízes e tribunais não podem presumir demais de si próprios – como ninguém deve, aliás, nessa vida – impondo suas escolhas, suas preferências, sua vontade. Só atuam, legitimamente, quando sejam capazes de fundamentar racionalmente suas decisões, com base na Constituição.” BARROSO (2008, p. 12).
3.3.2 Risco de politização da Justiça
Com o pós-positivismo, fica evidente que o Direito se aproxima da Ética, como um instrumento de “legitimidade, da justiça e da realização da dignidade da pessoa humana”. No entanto, a linha de diferenciação entre Direito e Política é tênue, mas qualificar uma decisão judicial como política e não jurídica, é a pior das criticas. BARROSO (2008).
“Direito é política no sentido de que (i) sua criação é produto da vontade da maioria, que se manifesta na Constituição e nas leis; (ii) sua aplicação não é dissociada da realidade política, dos efeitos que produz no meio social e dos sentimentos e expectativas dos cidadãos; (iii) juízes não são seres sem memória e sem desejos, libertos do próprio inconsciente e de qualquer ideologia e, conseqüentemente, sua subjetividade há de interferir com os juízos de valor que formula. A Constituição faz a interface entre o universo político e o jurídico, em um esforço para submeter o poder às categorias que mobilizam o Direito, como a justiça, a segurança e o bem-estar social. Sua interpretação, portanto, sempre terá uma dimensão política, ainda que balizada pelas possibilidades e limites oferecidos pelo ordenamento vigente.” BARROSO (2008, p. 13).
Não menos importante, conclui com a seguinte afirmativa:
“Nessa linha, cabe reavivar que o juiz: (i) só deve agir em nome da Constituição e das leis, e não por vontade política própria; (ii) deve ser deferente para com as decisões razoáveis tomadas pelo legislador, respeitando a presunção de validade das leis; (iii) não deve perder de vista que, embora não eleito, o poder que exerce é representativo (i.e, emana do povo e em seu nome deve ser exercido), razão pela qual sua atuação deve estar em sintonia com o sentimento social, na medida do possível. Aqui, porém, há uma sutileza: juízes não podem ser populistas e, em certos casos, terão de atuar de modo contramajoritário. A conservação e a promoção dos direitos fundamentais, mesmo contra a vontade das maiorias políticas, é uma condição de funcionamento do constitucionalismo democrático. Logo, a intervenção do Judiciário, nesses casos, sanando uma omissão legislativa ou invalidando uma lei inconstitucional, dá-se a favor e não contra a democracia.” BARROSO (2008, p. 14).
3.3.3 A capacidade institucional do Judiciário e seus limites
A organização de um Estado democrático de direito, na maior parte do mundo, se dá através do modelo de separação de Poderes. Ainda que tais poderes assumam funções distintas, “exercem controle recíproco sobre as atividades de cada um, de modo a impedir o surgimento de instâncias hegemônicas”. Em caso de “divergência na interpretação de normas legais ou constitucionais, a palavra final é do Judiciário.” Todavia, essa preferência não indica que “toda e qualquer matéria deva ser decidida em um tribunal”. BARROSO (2008).
“A doutrina constitucional contemporânea tem explorado duas idéias que merecem registro: a de capacidades institucionais e a de efeitos sistêmicos. Capacidade institucional envolve a determinação de qual Poder está mais habilitado a produzir a melhor decisão em determinada matéria. Temas envolvendo aspectos técnicos ou científicos de grande complexidade podem não ter no juiz de direito o árbitro mais qualificado, por falta de informação ou conhecimento específico. Formalmente, os membros do Poder Judiciário sempre conservarão a sua competência para o pronunciamento definitivo. Mas em situações como as descritas, normalmente deverão eles prestigiar as manifestações do Legislativo ou do Executivo, cedendo o passo para juízos discricionários dotados de razoabilidade. Em questões como demarcação de terras indígenas ou transposição de rios, em que tenha havido estudos técnicos e científicos adequados, a questão da capacidade institucional deve ser sopesada de maneira criteriosa.” BARROSO (2008, p. 16).
Ainda sobre o tema:
“Também o risco de efeitos sistêmicos imprevisíveis e indesejados pode recomendar, em certos casos, uma posição de cautela e deferência por parte do Judiciário. O juiz, por vocação e treinamento, normalmente estará preparado para realizar a justiça do caso concreto, a microjustiça. Ele nem sempre dispõe das informações, do tempo e mesmo do conhecimento para avaliar o impacto de determinadas decisões, proferidas em processos individuais, sobre a realidade de um segmento econômico ou sobre a prestação de um serviço público. Tampouco é passível de responsabilização política por escolhas desastradas. Exemplo emblemático nessa matéria tem sido o setor de saúde. Ao lado de intervenções necessárias e meritórias, tem havido uma profusão de decisões extravagantes ou emocionais em matéria de medicamentos e terapias, que põem em risco a própria continuidade das políticas públicas de saúde, desorganizando a atividade administrativa e comprometendo a alocação dos escassos recursos públicos. Em suma: o Judiciário quase sempre pode, mas nem sempre deve interferir. Ter uma avaliação criteriosa da própria capacidade institucional e optar por não exercer o poder, em auto-limitação espontânea, antes eleva do que diminui.” BARROSO (2008, p. 16).
O Mandado de Injunção n. 712 trata da postulação do Sindicato dos Servidores da Justiça do Estado do Pará (Sinjep) pleiteando garantir o preceito constitucional constante do art. 37, VII, que reconhece o direito à greve aos servidores públicos. Os impetrantes alegaram que este direito lhe estivesse sendo negado, por força de ato do Tribunal de Justiça paraense, que declarou a ilegalidade da greve em andamento.
Nesse julgamento, o Ministro Eros Grau entendeu que ao STF incumbe remover o obstáculo advindo da omissão, definindo a norma adequada à regulação do caso concreto. Não se estaria, nesse caso, legislando, tendo em vista a função normativa do instituto de efetivar o texto constitucional. VALLE (2012).
Na hipótese acima, o Ministro propôs a aplicação dos parâmetros de exercício do direito de greve contidos na Lei 7.783/89, “com temperamentos a indicar parâmetros a serem definidos e depois aplicados, de modo abstrato e geral, a todos os casos análogos: norma jurídico é preceito abstrato, genérico e inovador, tendente a regular o comportamento social de sujeitos associados, que se integra no ordenamento jurídico”. VALLE (2012).
O Ministro Lewandowski apud Valle (2012), defendeu que a Corte deve avançar no sentido de dar maior efetividade ao Mandado de Injunção, traçando, assim, três correntes de pensamento relacionadas às potencialidade do instituto.
“Segundo o ministro, a primeira corrente, externada no MI 107 QO, reconhece à decisão caráter meramente declaratório da omissão legislativa, cabendo ainda dar ciência ao órgão competente para as providências cabíveis. O segundo posicionamento sustenta a natureza condenatória, ao reconhecer a possibilidade de ofertar prazo ao órgão competente editar a norma faltante, admitindo-se, na persistência da inércia, a intervenção mais concreta do Judiciário para superar o obstáculo à efetividade do direito fundamental comprometido pela ausência da norma reguladora. Por fim, um terceiro posicionamento do STF reconhece caráter constitutivo ao provimento jurisdicional, e compete ao Judiciário elaborar a norma faltante para disciplinar a matéria pendente de regulamentação, a suprir, desse modo, a omissão do legislador.” VALLE (2012, p. 59).
Outra importante discussão trazida à baila foi a do Ministro Celso de Mello apud Valle (2012), com foco na imprescindibilidade de se reconhecer o Mandado de Injunção como instrumento eficaz de concretizar os preceitos fundamentais previstos na Carta Magna. A inércia pode induzir “perigosamente a um dos processos informais de mudança da Constituição”. VALLE (2012).
“Em resumo, um taco comum a permear os votos é a afirmação de necessidade de conferir ao instrumento da injunção um efeito mais comprometido com a efetividade dos direitos fundamentais, ainda que isso caminhe na fronteira nebulosa de uma concepção de equilíbrio harmonia entre poderes que não se pode apresentar como cláusula de bloqueio à superação de uma situação que envolve o exercício patológico do poder: a inércia em legislar quando a Constituição exige a produção legislativa.” VALLE (2012, p. 61).
Os votos e as conclusões para os MI n. 670 e n. 708 foram no mesmo sentido, todos com a pretensão de sindicatos de servidores públicos que também tiveram o direito a greve obstruído, devido à falta da norma regulamentadora aludida no texto constitucional.
3.4.1 O caso da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF n. 178)
As Ações de Descumprimento de Preceitos Fundamentais visam evitar ou reparar lesões a preceito fundamental, resultantes de ato do Poder Público. Tem como característica principal o princípio da subsidiariedade, ou seja, a ADPF só será cabível se não houver outro meio eficaz, dentro do controle concentrado, capaz de sanar a lesividade.
A ADPF n. 178 teve grande repercussão na comunidade jurídica. Ela foi proposta pelo procurador da república visando regulamentar a união homoafetiva com intuito de garantir-lhes os mesmos direitos dos companheiros heterossexuais pela via judicial, tendo como foco de discussão o artigo 1.723 do Código Civil, bem como o artigo 226, § 3º, da Constituição.
A grande polêmica surgida acerca do caso envolve a própria adequação da medida judicial, em relação ao cabimento de ADPF como meio adequado de se solucionar a referida questão. A Procuradoria-Geral da República alegou a ação objetivava o julgamento de dois objetos: “a omissão do Estado ao não reconhecer a união homoafetiva; e a existência de um grande número de decisões que, sem realizar a devida leitura constitucional do art. 1723 do CC, fazem interpretações restritivas deste dispositivo”, alega a Procuradoria, portanto, que o conteúdo ali descrito apresenta caráter meramente exemplificativo. TASSINARI (2013, p. 132).
“Trata-se de argüição de descumprimento de preceito fundamental na qual se requer que esta Corte declare: (a) que é obrigatório o reconhecimento, no Brasil, da união entre pessoas do mesmo sexo, como entidade familiar, desde que atendidos os requisitos exigidos para a constituição da união estável entre homem e mulher; e (b) que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis estendem-se aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo” (fl. 2).Segundo consta da petição inicial, a tese desta ADPF é a de que o não-reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo implica em violação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III), da proibição de discriminações odiosas (art. 3º, inciso IV), da igualdade (art. 5º, caput), da liberdade (art. 5º, caput), e da proteção à segurança jurídica” (fl. 7).Em primeira análise dos autos, verifico que o pedido está delimitado da seguinte forma (fl. 46): Em face do exposto, espera a requerente seja julgada procedente a presente argüição de descumprimento de preceito fundamental para:a) declarar a obrigatoriedade do reconhecimento, como entidade familiar, da união entre pessoas do mesmo sexo, desde que atendidos os mesmos requisitos exigidos para a constituição da união estável entre homem e mulher; e b) declarar que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis estendem-se aos companheiros das uniões entre pessoas do mesmo sexo.”A Lei nº 9.882/99 dispõe, em seu art. 1º, que a argüição prevista no § 1º do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público”.A petição inicial, em capítulo específico (fl. 8), tenta esclarecer os atos do poder público que seriam objeto da presente argüição:No caso presente, a conduta do Estado violadora de preceitos fundamentais envolve tanto atos comissivos como omissivos, relacionados ao não-reconhecimento público da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, e à conseqüente denegação aos seus partícipes de uma pletora de direitos que decorreriam deste status – e.g., direito a alimentos, direito a sucessão do parceiro falecido, direito a percepção de benefícios previdenciários, direito a fazer declaração conjunta de imposto de renda,direito de subrogar-se no contrato de locação residencial do companheiro falecido, ou de prosseguir no contrato no caso de dissolução da união, direito à visitação íntima em presídios, direito à obtenção de licença para tratamento de pessoa da família,ou de licença em caso de morte, do companheiro ou companheira, dentre tantos outros.Estes atos envolvem todos os poderes do Estado, nas três esferas da Federação, no âmbito das respectivas competências. Seria possível citar, a título de ilustração, as decisões judiciais de diversos Tribunais, que se negam a reconhecer como entidades familiares as referidas uniões, e os atos das administrações públicas que não concedem benefícios previdenciários estatutários aos companheiros dos seus servidores falecidos.Na verdade, existe um verdadeiro estado geral de inconstitucionalidade nesta matéria, que se desdobra em uma multiplicidade de atos e omissões estatais, implicando em séria ofensa aos direitos fundamentais dos homossexuais”.A inexistência aparente de objeto específico e delimitado torna necessária, neste momento preliminar, a emenda da petição inicial para que sejam esclarecidos quais os atos do poder público que violariam os preceitos fundamentais citados.Ademais, não vislumbro questão urgente que justifique o exercício, por esta Presidência, da competência prevista no art. 13, inciso VIII, do Regimento Interno do STF, com a redação conferida pela Emenda Regimental nº 26, de 22 de outubro de 2008 (DJE nº 202, p. 1, de 24/10/2008).O tema constitucional versado na presente ação também é objeto de discussão na ADPF nº 132, de Relatoria do Ministro Carlos Britto, que já está instruída com parecer do Procurador-Geral da República e em momento oportuno será julgada pelo Plenário desta Corte.Ante o exposto, fixo o prazo de 10 (dez) dias para a emenda da petição inicial.Intime-se.Publique-se.Brasília, 8 de julho de 2009.Ministro GILMAR MENDES Presidente (art. 13, VIII, RI-STF)” (STF – ADPF: 178 DF , Relator: Min. PRESIDENTE, Data de Julgamento: 08/07/2009, Data de Publicação: DJe-146 DIVULG 04/08/2009 PUBLIC 05/08/2009 RDDP n. 79, 2009, p. 185-186)
Em 02 de Julho de 2009, a Procuradoria Geral da República propôs a ADPF 178 que terminou sendo recebida pelo então Presidente do STF, Ministro Gilmar Mendes, como a ADI 4277.
Ao ultrapassar todas essas questões, o questionamento que se faz é que se, ao ampliar a interpretação do texto constitucional e o Código Civil, estaria o STF legislando. O Ministro Fux, em acórdão da referida decisão, assim justificou:
“Não há qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade no estabelecimento de uniões homoafetivas. Não existe, no direito brasileiro, vedação às uniões homoafetivas, haja vista, sobretudo, a reserva de lei instituída pelo art. 5.º, inciso II, da Constituição de 1988 para a vedação de quaisquer condutas aos indivíduos.” VOTO MIN. LUIZ FUX, p. 9 (2011) (STF – ADI: 4277 DF, Relator: Min. AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 05/05/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-03 PP-00341)
Trata-se de um tema bastante polêmico e, nem todos os doutrinadores concordam com a postura da Corte para decisão de tal tema. A esse respeito, Tassinari (2013) explica:
“Ao tratar deste caso, o enfoque não está direcionado a debater, tal como fez o Supremo pelos votos de seus ministros, os elementos sociológicos, biológicos e psicológicos que contornam a existência das uniões homoafetivas, como a julgar se merecem ou não serem protegidas pelo Direito. A proposta é demonstrar que os meios utilizados para tanto não são adequados, e observar criticamente, a partir de parâmetros jurídicos, como se comportam juízes e tribunais diante de questões tão controversas. A pergunta final, portanto, vai no seguinte sentido: e se o Supremo tivesse decidido pelo não reconhecimento? É nesta linha que, independente do resultado, o ativismo judicial, mesmo diante de postura progressivas, não pode ser considerado meio hábil para concretizar direitos, pelo simples fato de que, com isso, a sociedade fica à mercê de opiniões oscilantes, das quais passam a depender a garantia de direitos.” TASSINARI (2013, p. 133).
O cenário jurídico se pauta, portanto, em dois posicionamentos teóricos: um, a favor do protagonismo judicial como forma da materialização do termo supremacia no contexto contemporâneo marcado pelo fortalecimento do Judiciário e, consequentemente, pelo ativismo judicial e o outro,surge como um contramovimento, não mais chamando o Judiciário a atuar, mas sim, invocando sua contenção.
A doutrina é unânime em considerar que no decorrer da história da humanidade, fica evidente que o modelo estático implantado pelo positivismo não mais atende às necessidades de uma sociedade em constante mutação. Os valores, com o decorrer do tempo, modificam-se. Impossível imaginar, portanto, que um modelo estático e estruturado rigidamente na separação plena dos Poderes, sem ingerências simultâneas, possa vir a suprir e a manter um Estado Democrático de Direito.
É notório que cada um dos três Poderes exerce função tripla, mudando apenas a função predominante de cada um. O Estado contemporâneo viu suas funções aumentarem, principalmente no que diz respeito à Administração Pública. O Estado deixa de ser o mero regulamentador de normas, arrecadador de impostos e fazedor de obras, passando a prover segurança pública, saúde, educação, lazer. Começa-se a falar em direitos e garantias fundamentais do homem.
No Brasil, devido aos aspectos históricos, isso ocorre tardiamente. O que já era realidade nos demais países europeus e nos Estados Unidos, no Brasil, começa, a partir da Constituição de 1988, a engatinhar lentamente. A judicialização e o ativismo judicial há muito já eram realidades no cenário jurídico desses países. O Judiciário passa a ser mais ativo e a ganhar mais visibilidade desde então.
O que se percebe, no cenário nacional, é que o Judiciário passa a efetivar os direitos e garantias tutelados nas normas constitucionais e legais, impedindo que esses direitos deixem de ser exercidos ou passem a ser violados pela omissão dos demais Poderes.
Observou-se, contudo, que a jurisprudência da Corte passa por três momentos em relação ao mandado de injunção, desde 1989 a 2007. Em um primeiro momento, a Corte findou suas decisões em vertentes não concretistas, em seguida passou pela concretista individual e findou noutro extremo, a tese concretista genérica (com eficácia erga omnes).
Por mais que o assunto gere polêmica e haja opiniões divergentes acerca da atitude do Supremo nessas decisões, não pode a Corte se esquivar de resolver os problemas a ela levados. O cidadão que bate às portas do Judiciário já encontrou sua pretensão resistida pelos demais Poderes e tem, na justiça, seu único e último meio de obter seus direitos.
Informações Sobre o Autor
Thayza Rodrigues Ferreira Netto
Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Pós graduando em Direito Constitucional pelo IDP