Resumo: A presente pesquisa busca elucidar a questão da limitação de idade que versa sobre o direito do idoso de adquirir o Benefício de Prestação Continuada (BPC) regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social nº 8.741/93 (LOAS). A Constituição Federal de 1988 decreta que a assistência Social é um direito do cidadão e um dever do Estado, o qual deve prover os mínimos sociais para manter o cidadão em situação de igualdade e dignidade. Ela garante tal benefício ao idoso sem delimitar idade, bastando apenas comprovar a hipossuficiência. No entanto o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03) em seu artigo 34 define a idade mínima para adquirir o BPC, qual seja, idoso a partir dos 65 anos de idade, deixando evidente o conflito com a Constituição Federal ferindo os princípios básicos constitucionais da isonomia e da dignidade da pessoa humana. Desse modo, a norma não atende ao fim social proposto, perecendo a garantia de que todos os idosos necessitados recebam o mínimo existencial de forma igualitária.
Palavras-chave: Benefício de Prestação Continuada. Estatuto do Idoso. Limitação de Idade. Loas. Assistência Social.
Abstract: This research seeks to elucidate the issue of limitation of age which is about the right of the elderly to acquire the Continuous Cash Benefit (BPC) regulated by the Organic Law of Social Assistance No. 8,741 / 93 (LOAS). The 1988 Federal Constitution decrees that social care is a citizen's right and duty of the State, which must provide minimum social standards to keep the citizens in equality and dignity situation. It ensures that benefit the elderly without specifying age by simply prove hipossuficiência, however the Elderly Statute (Law No. 10.741 / 03) in Article 34 the minimum age to acquire BPC, namely elderly from 65 years old, making it clear conflict with the Federal Constitution injuring the constitutional basic principles of equality and human dignity. Thus, the standard does not meet the proposed social order, perishing ensuring that all needy older people receive the minimum existential equally.
Keywords: Continued Benefit. Elderly Statute. Age Limitation. Loas. Social Assistance.
Sumário: Introdução. 1. Seguridade Social. 1.1. Ramos da Seguridade Social. 1.1.1. Saúde. 1.1.2. Previdência Social. 1.1.3. Assistência Social. 2. Aspectos da Assistência Social. 2.1. Princípios. 2.2. Benefícios. 3. Benefício de Prestação Continuada. 4. A limitação de idade imposta pelo Estatuto do Idoso. 5. A violação aos Princípios Fundamentais. Conclusão
Introdução
A Seguridade Social é o gênero do qual são espécies a saúde, a previdência social e a assistência social, devendo atuar de forma articulada e integrada, embora possuam autonomia e certas peculiaridades. A Assistência Social busca amparar as pessoas que independente de contribuição a Seguridade Social, não possuem se quer o mínimo para sua subsistência, aquelas que não possuem condições de viverem de forma digna e não há quem o faça por elas. Este amparo é direito do cidadão e dever do Estado. A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 203 inciso V expressa que a assistência social será prestada a quem dela necessitar e dá a garantia ao idoso, desde que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida pela sua família, o valor de 1 (um) salário mínimo de benefício mensal.
O Benefício de Prestação Continuada à Pessoa Idosa tem o objetivo de proporcionar ao detentor do direito, subsistência e vida digna. A pessoa idosa com idade igual ou superior a 65 anos que comprovar sua hipossuficiência, não receber nenhum benefício previdenciário e tiver renda mensal familiar per capita inferior a 1/4 do salário mínimo vigente tem direito ao benefício.
Ora, o Estatuto do Idoso em seu artigo 1º define como idoso aquele que tem idade igual ou superior a 60 anos, diante desse fato por quê o Benefício de Prestação Continuada (BPC) só é garantido para o idoso com mais de 65 anos?
1. Seguridade Social
A Constituição Federal de 1988 ficou conhecida como a Constituição Cidadã, devido a amplitude do conceito de seguridade Social que lhe foi dada, objetivando a proteção social de cada indivíduo buscando a subsistência da dignidade da pessoa humana, proporcionando o mínimo de bem estar, que para Tavares (2003, p 215) traduz em:
"Um direito fundamental e, para o Estado, um dever a ser realizado por meio de ações diversas que visem atender às necessidades básicas do indivíduo, em situações críticas da existência humana, tais como a maternidade, a infância, adolescência, velhice e para pessoas portadoras de limitações físicas."
A Seguridade Social é conceituada pela Constituição Federal no seu artigo 194, caput como um “conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.
Para Ibrahim (2011, p. 5)
"A seguridade social pode ser conceituada como a rede protetiva formada pelo Estado e por particulares, como contribuições de todos, incluindo parte dos beneficiários dos direitos, no sentido de estabelecer ações para o sustento de pessoas carentes, trabalhadores em geral e seus dependentes, providenciando a manutenção de um padrão mínimo de vida digna."
O Estado concentra todo o sistema de Seguridade Social, organizando o custeio, os serviços e a concessão dos benefícios. O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que é o órgão responsável por essas organizações, o qual está subordinado ao Ministério do Trabalho e Previdência Social. Será financiada por toda a sociedade, de forma direta ou indireta. Deste modo, a Seguridade Social visa auxiliar os cidadãos nas hipóteses em que não consigam se sustentar por meios próprios e muito menos seus familiares, garantindo o bem estar e a justiça social.
1.1 Ramos da seguridade social
1.1.1 Saúde
A Constituição Federal em seu artigo 196, garante que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado, e seu objetivo é a prevenção e redução de doenças através das políticas sociais e econômicas, proporcionando o acesso igualitário a todos (Brasil,1998) . A saúde pública independe de contribuição prévia e se estende a toda população
Para Martins (2011, p. 24), "A saúde pretende oferecer uma política social e econômica destinada a reduzir riscos de doenças e outros agravos, proporcionando ações e serviços para a proteção e recuperação do indivíduo."
1.1.2 Previdência Social
A Previdência Social tem caráter contributivo e filiação obrigatória, ou seja, todos aqueles que exercem atividade remunerada devem se filiar e contribuir. Para receber o benefício no futuro, é necessário a contribuição mensal antecipada, é um sistema de seguro social.
Assim, Dias e Macêdo (2008,p.32):
"O só estado de necessidade advindo de uma contingência social não dá direito à proteção previdenciária. Requer-se que a pessoa atingida pela contingência social tenha a qualidade, o “status” de contribuinte do sistema de previdência social."
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 201, conceitua Previdência Social da seguinte maneira:
"A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei.
I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;
II – proteção à maternidade, especialmente à gestante;
III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;
IV – salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados
de baixa renda;
V – pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º."
Ela deve atender todos os inscritos independente de qual benefício seja, pois visa acima de tudo proporcionar o bem estar e a justiça social, sendo indispensável o amparo quando ocorrer certas eventualidades previstas em lei, tais como doença, invalidez, morte, maternidade e outros.
Segundo Martinez (2003, p. 16):
"A previdência Social sob o prisma particular de seu escopo pode ser concebida, segundo Martinez, como a técnica de proteção social propiciadora dos meios indispensáveis à manutenção da pessoa humana. Quando esta não pode obtê-los ou não é socialmente desejável auferi-los pessoalmente por meio do trabalho, por motivo de maternidade, nascimento, incapacidade, invalidez, desemprego, prisão, idade avançada, tempo de contribuição ou morte, mediante contribuição compulsória distinta, proveniente da sociedade e dos participantes."
1.1.3 Assistência Social
A Assistência Social por ser uma política social, visa atender às necessidades básicas referentes à família, à maternidade, à infância, à adolescência, à velhice e à pessoa portadora de deficiência, independente de contribuição à Seguridade Social, sendo apenas necessário a comprovação da necessidade econômica e social nos parâmetros da lei.
Assim dispõe o art. 203 da Constituição Federal de 1988:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;
V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei."
2. Aspectos da Assistência Social
Como já mencionado, a Assistência Social é um direito do cidadão e dever do Estado, sendo definida a partir de 1993, com a publicação da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, como Política de Seguridade Social, com o objetivo de atender às necessidades básicas referentes à família, à maternidade, à infância, à adolescência, à velhice e à pessoa portadora de deficiência, independente de contribuição à Seguridade Social, sendo apenas necessário a comprovação da necessidade econômica e social nos parâmetros da lei. Martins (2011, p.484) define a assistência social como :
"Assistência Social é um conjunto de princípios, regras e de instituições destinado a estabelecer uma política social aos hipossuficientes, por meio de atividades particulares e estatais, visando à concessão de pequenos benefícios e serviços, independentemente de contribuição por parte do próprio interessado."
A principal característica da assistência social é ser prestada gratuitamente aos necessitados. Por se pautar no princípio da solidariedade (artigo 3º, I, CF), deverá ser prestada a quem dela necessitar, obedecendo os requisitos legais, não sendo obrigatório contribuição e nem filiação ao regime da previdência social.
No Brasil, o Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome criou o Sistema Único de Assistência Social – SUAS, cuja gestão é descentralizada e participativa. O SUAS é responsável por executar e organizar todos os serviços referentes as políticas públicas de todo o território nacional.
A política de proteção do SUAS é definida pela proteção básica e especial, de modo a garantir as seguranças de sobrevivência, acolhida e convívio familiar. A proteção básica oferece os serviços de acolhimento, socialização, convivência familiar ou de indivíduos cujos vínculos familiares e comunitários não foram rompidos. Estes ficarão a cargo dos Centros de Referência de Assistência Social – CRAS[1]. A proteção social especial abrange os níveis de complexidade média e alta, sendo destinado ás famílias e indivíduos cujos direitos foram violados. Estes são atendidos pelos Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS[2].
2.1 Princípios
A solidariedade é uma característica imprescindível à Assistência Social, do ponto de vista da cooperação e da ajuda mútua. Para Martinez (1995, p.78):
"A solidariedade social é projeção de amor individual, exercitado entre parentes e estendido ao grupo social. O instinto animal de preservação da espécie, sofisticado e desenvolvido no seio da família, encontra na organização social ambas possibilidades de manifestação."
Seu fundamento pauta-se no fato de que todas as pessoas devem prestar assistência mútua para finalidade e bem comum. A solidariedade é um dos princípios mais importantes que norteia a assistência social, sendo forte a característica da proteção coletiva. Conforme dispõe o artigo 4º da Lei 8.742/93 são princípios da Assistência Social:
"Art. 4º A assistência social rege-se pelos seguintes princípios:
I – supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica;
II – universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas;
III – respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade;
IV – igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais;
V – divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão."
Além de seus princípios próprios, a Assistência Social, deve ser pautada nos princípios constitucionais, quais sejam: solidariedade social, igualdade, legalidade e dignidade da pessoa humana, cidadania, liberdade, respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana.
2.2 Benefícios
Dentro do SUAS, há os benefícios assistenciais permanentes e eventuais, sendo o primeiro instituído mediante lei federal, qual seja, o Benefício de Prestação Continuada – BPC, criado pela Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS nº 8.742/93, que regulamentou o artigo 203, inciso V da Constituição Federal de 1988.
Os benefícios eventuais são criados por entes da federação (Estados, Distrito Federal e Municípios), conforme critérios e prazos definidos pelo Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS[3], e são de caráter provisório e prestados aos cidadãos e ás famílias pelos eventos nascimento, morte, situações de vulnerabilidade temporária e de calamidade pública, conforme previsto no artigo 22 da LOAS. Esses benefícios não podem ser cumulados com o Auxílio Emergencial Financeiro que atende a população atingida por desastres, residentes em Municípios em estado de calamidade pública ou situação de emergência e Programa Bolsa – Renda para os agricultores familiares atingidos pelos efeitos da estiagem nos Municípios em estado de calamidade pública ou situação de emergência.
3. Benefício de Prestação Continuada – BPC
O benefício assistencial foi criado pela Lei nº. 6.179/74, depois alterado pela renda mensal vitalícia da Lei nº. 8.213/91, até o advento do benefício de prestação continuada, inserido na Lei nº. 8.742/93 – LOAS. Previsão no artigo 20 da Lei 8.742/93, alterada pela Lei 12.435/11:
"Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família."
Trata-se de um benefício de caráter pessoal, intransferível e não vitalício, que consiste na garantia de um salário mínimo como benefício mensal à pessoa com deficiência ou idosa com mais de 65 anos de idade. Por consistir na política de Assistência Social, o BPC não é contributivo, portanto, não se trata de benefício previdenciário bastando apenas o idoso ou a pessoa com deficiência comprovar que não possuem meios de prover o seu sustento ou tê-lo provido por seus familiares, devendo ter renda per capta inferior a 1/4 do salário mínimo[4].
O benefício assistencial não gera direito à pensão por morte e tampouco o abono anual (décimo terceiro salário). E caso a condição do beneficiário se modifique, e volte ao mercado de trabalho, a concessão do benefício será suspensa. São requisitos para a concessão do benefício assistencial:
a) comprovação da deficiência ou da idade mínima de 65 anos para o idoso não deficiente;
b) renda familiar mensal inferior a ¼ do salário mínimo por pessoa;
c) não receber benefício previdenciário.
Antes do decreto de n° 7.617/11, era possível cumular o BPC com a pensão especial de natureza indenizatória. Com as alterações trazidas por tal diploma legal, em seu artigo 5º[5], hoje existe apenas a resalva de que o valor desta pensão ficará integrada ao cálculo da renda familiar. Outra mudança significativa, é que a remuneração advinda de contrato de aprendizagem limitado ao prazo máximo de dois anos, não integrará a renda familiar, possibilitando a inserção do deficiente ao mercado de trabalho.
4. A limitação de idade imposta pelo Estatuto do Idoso
A proteção ao idoso é um principio fundamental garantido na norma constitucional como direito fundamental de garantia obrigatória uma vez que a Constituição Federal tratou o tema como prestação assistencial, independente de contribuição como consta em seu artigo 203 V:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei."
A redação original do artigo 20, caput, da LOAS (Lei nº 8.742/93), regulamentou o artigo 203, inciso V, da Carta Fundamental nos seguintes termos:
"Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família."
No ano de 2003, passou a vigorar o Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741/2003 que conceituou o idoso e também tratou do benefício de prestação continuada, vejamos :
"Art. 1 É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.[…]
Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social – Loas."
Ainda temos a Política Nacional do Idoso, Lei 8.842 de 1994, que considera idoso após os 60 anos de idade, a saber:
"Art. 1º A política nacional do idoso tem por objetivo assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade.
Art. 2º Considera-se idoso, para os efeitos desta lei, a pessoa maior de sessenta anos de idade."
Infelizmente a nova redação do artigo 20 da LOAS, não colocou fim ao conflito, pois continuam as divergências no próprio Estatuto do Idoso entre seu artigo 1º e 34. Essa restrição imposta apenas aos idosos com 65 anos ou mais desvirtua o objetivo da Constituição, que é garantir o mínimo existencial a todos os idosos. A interpretação da norma constitucional deve levar em consideração os fins sociais a que ela se destina. Vejamos uma notícia que veiculou no site jurídico "JusBrasil"[6]:
Criciúma – pessoa de 62 anos terá benefício assistencial de idoso
"A Justiça Federal determinou ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que pague o benefício assistencial de um salário mínimo a uma pessoa de 62 anos de idade, três a menos que a prevista na legislação sobre o benefício, que é de 65 anos. Segundo a juíza Adriana Regina Barni Ritter, da 2ª Vara do Juizado Especial Federal de Criciúma, são inconstitucionais os artigos da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e do Estatuto do Idoso que preveem o benefício para pessoas com mais de 65 em situação de carência. A juíza observou ainda que o próprio estatuto, em outro artigo, considera idosas as pessoas que tenham pelo menos 60 anos de idade.
"Não tendo a Constituição Federal limitado a idade do idoso para fins de amparo social, a lei não poderia fazê-lo, porque isso implica (…) total afronta ao princípio da igualdade", afirmou a juíza. Para a magistrada, se o Estatuto do Idoso estabelece que as pessoas a partir de 60 são consideradas idosas e devem ter proteção integral, a idade mínima para receber o benefício deveria ser a mesma. A expressão "conforme dispuser a lei", que está no texto constitucional, também não autoriza o limite de 65 anos. "Do contrário, poder-se-ia admitir (…) que o legislador instituísse qualquer idade mínima, como (…) 70, 75, 80 anos, o que, certamente, não foi a intenção do constituinte".
O requisito da insuficiência de renda também foi comprovado. "A demandante é mesmo pessoa carente, que reside sozinha, não possui renda e apresenta vários problemas de saúde". O benefício deverá começar a ser pago em 30 dias a partir da intimação do INSS, que deve acontecer ainda esta semana. A autora terá direito a valores atrasados desde junho de 2011, quando fez o pedido administrativo. O INSS pode recorrer as Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais de Santa Catarina, em Florianópolis."
A omissão do legislador causa prejuízos aos idosos que frente ao INSS e ao judiciário, pois ficam a espera de uma decisão, tendo que ser interpretada a luz do princípio da dignidade da pessoa humana. É evidente que a lei está criando restrições quanto aos direitos do idoso, uma vez que a Constituição não o faz, sendo essa atitude denominada de "Inconstitucionalidade por Ação", segundo SILVA (2005, p. 47) :
"Inconstitucionalidade por ação ocorre com a produção de atos legislativos ou administrativos que contrariem normas ou princípios da constituição. O fundamento dessa inconstitucionalidade está no fato de que do princípio da supremacia da constituição resulta o da compatibilidade vertical das normas da ordenação jurídica de um país, no sentido de que as normas de grau inferior somente valerão se forem compatíveis com as normas de grau superior, que é a constituição. As que não forem compatíveis com ela são invalidades, pois a incompatibilidade vertical resolve-se em favor das normas de grau mais elevado, que funcionam somo fundamento de validade das inferiores.[…]
Essa incompatibilidade não pode perdurar, porque contrasta com o princípio da coerência e harmonia das normas do ordenamento jurídico, entendido, por isso mesmo, como reunião de normas vinculadas entre si por uma fundamentação unitária".
Tal restrição, infringi o princípio constitucional da isonomia, em sua acepção material, pois os idosos por serem mais vulneráveis no aspecto social e econômico, estariam sendo tratados de forma desigual somente pela sua idade.
5. A violação aos Princípios Fundamentais
Conforme visto anteriormente, determina a Constituição Federal em seu artigo 203, inciso V que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Por sua vez, o Estatuto do Idoso determina que o idoso a partir dos 65 anos de idade que não possua meios de prover sua subsistência, nem tê-la provida por sua família faz jus ao Benefício de Prestação Continuada.
Dito isto, fica evidente que a Constituição Federal não restringe os idosos pela idade, apenas exige o cumprimento dos requisitos para a concessão do benefício, logo uma lei infraconstitucional não poderia restringir, sob alegação de violação aos princípios fundamentais, conforme preceitua seu artigo 3º:
"Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:(…)
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."
É evidente a afronta aos princípios fundamentais, mas em especial ao Princípio da Igualdade, também conhecido como Princípio da Isonomia, o qual é o alicerce de um estado democrático de direito, é o símbolo da democracia, pois indica tratar com igualdade os indivíduos que por alguma situação, se encontram em estado de desigualdade, igualando-os como bem conceitua JUNIOR (1999, p. 42) " Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades".
O texto do artigo 5º da Carta Magna é preciso em dizer que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo aos brasileiros a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Todos os idosos que atenderem aos requisitos para a concessão do BPC, tem direito ao benefício, sem distinção da idade, porque todos devem ser tratados com isonomia.
Tal restrição também viola o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, pois o principal objetivo do BPC é justamente dar aos idosos hipossuficientes o mínimo existencial para uma vida digna, garantindo que suas necessidades básicas e vitais sejam respeitadas e preservadas. Esse princípio é inerente de cada individuo, como conceitua Sarlet (2001. p. 60) :
"Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos."
Assim, fica evidente a grande importância que o Benefício de Prestação Continuada tem na vida de um idoso que não possui condições de se sustentar, não sendo justo e nem humano priva-lo de tal benefício apenas por capricho ou desatenção do legislador.
Conclusão
A Constituição Federal de 1988 é sem dúvida uma Constituição Cidadã, alicerçada no Princípio da igualdade e no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, trazendo com a regulamentação da LOAS, o Benefício de Prestação Continuada, um dos benefícios mais nobres da Assistência Social.
Diante de tamanha nobreza, seria desumano restringir tal benefício a somente aos idosos a partir de 65 anos, tendo em vista a situação de miséria que vive grande parte da população brasileira. Como dito nesse estudo, a assistência social visa garantir o mínimo existencial para proporcionar o bem estar e a justiça social, os quais são imprescindível para a vida humana.
É fato que a norma não atende aos fins sociais a qual foi destinada, tendo em vista a quantidade de idosos em estado lamentável de miséria que se enquadram nos requisitos para a concessão do BPC, sendo impedidos de viverem de forma digna e igualitária devido a restrição da idade, que por sinal é inconstitucional, pois o artigo 34 do Estatuto do Idoso viola o artigo 203,V da Constituição Federal, violando consequentemente o Princípio da Igualdade e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Para que a norma atinja a sua função social, é essencial acompanhar a realidade vivida em nosso país e efetivar os Princípios Fundamentais .
advogada e pós graduando em Direito da Seguridade Social pela Faculdade Legale
Carlos Alberto Vieira de Gouveia é Mestre em Ciências Ambientais e Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais; Vice-Presidente para a área Previdenciária da Comissão Direitos e Prerrogativas e Presidente da Comissão de Direito Previdenciário ambas da OAB-SP Coordenador do curso de pós-graduação em Direito Previdenciário da Faculdade Legale
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