Resumo: O artigo trata do benefício assistencial de prestação continuada aos portadores de deficiência e aos idosos, previsto na Constituição como forma de assegurar-lhes as condições básicas de sobrevivência. Tal instituto visa a proteção do indivíduo que não possa por si só, ou com ajuda de seus familiares obter o próprio sustento. Esta proteção corresponde a garantia de um salário mínimo mensal destinada à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovarem que vivem em condição de miserabilidade e que não possuam condições de contribuir à Seguridade Social. O tema versa sobre a relativização do requisito de miserabilidade estabelecido na lei para a concessão do benefício, pois a exigência nega a materialização dos direitos fundamentais e sociais, protegidos constitucionalmente, à grande parcela da população que se encontra logo acima do limite exigido.
Palavras-chave: Benefício assistencial de prestação continuada. Critério de miserabilidade. Princípio da dignidade da pessoa humana.
Abstract: The article deals with the welfare benefit of continuing provision for the disabled and the elderly, in the Constitution in order to ensure them the basic conditions for survival . This institute aims to protect the individual who can not by itself , or with the help of their family members obtain their own sustenance . This protection corresponds to guarantee a minimum monthly salary allocated to the handicapped and the elderly who prove that living in misery condition and does not have a position to contribute to Social Security . The theme deals with the relativistic wretchedness requirement laid down in law for granting the benefit , since the requirement denies the realization of fundamental and social rights , constitutionally protected , the large portion of the population that is just above the required limit.
Keywords: assistance Benefit continued provision . wretchedness criteria . Principle of human dignity .
Sumário: Introdução. 1 Conceitos e objetivos do benefício de prestação continuada. 2 Requisitos para concessão do benefício. 3 A relativização da renda per capita frente ao entendimento da previdência social e jurisprudencial como requisito para concessão do benefício. 4 Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 194, prevê a Seguridade Social como um conjunto integrado de ações do Estado face às contingências sociais. Esse instituto contempla a previdência, saúde e a assistência social, a primeira de caráter contributivo e retributivo e as demais independentes de contribuição (BRASIL, 1988).
A assistência social visa à promoção dos mínimos sociais para as pessoas necessitadas e/ou miseráveis que não consigam, sozinhas, garantir uma vida digna para si e sua família, conforme definição dada pelo artigo 1º da Lei nº 8.742/93 – Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS. Nesse contexto, essa Lei, no seu artigo 20, parágrafo terceiro, em consonância com o enunciado do artigo 203, inciso V, da Carta Constitucional, garante o chamado Benefício de Prestação Continuada àqueles que, preenchidos os demais requisitos, comprovarem a situação de miserabilidade (BRASIL, 1993).
O presente artigo busca tratar da divergência doutrinária e jurisprudencial que envolve a análise do requisito objetivo de miserabilidade utilizado pela Lei nº 8.742/93 em seu artigo 20, parágrafo terceiro, bem como relação da relativização do critério com o princípio da dignidade humana.
1 CONCEITOS E OBJETIVOS DO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA
O Benefício de Prestação Continuada, além de insculpido na Carta Constitucional de 1988, inciso V do artigo 203, encontra respaldo também na Lei nº 8.742/93, artigo 20: “Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. § 1° Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. § 2° Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. § 3° Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. […]”. (BRASIL, 1993)
Assim, percebe-se que a concessão do benefício pressupõe o atendimento a alguns requisitos, quais sejam, ser o beneficiário idoso ou pessoa portadora de necessidades especiais ou para a vida independente, cumulado com a condição de hipossuficiência.
Para Sarlet (1998), esse benefício é um direito fundamental, não apenas pelo fato de a Constituição Federal incluí-lo entre os direitos sociais, mas principalmente porque o artigo 203, inciso V, dispõe sobre a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa com necessidades especiais e ao idoso que se encontrar em situação de desamparo social.
Nesse sentido é também a doutrina de Savaris (2012, p. 390): “É uma prestação mensal de um salário mínimo, concedida independente de qualquer contribuição por parte do beneficiário. Quando se fala em Assistência Social, deve-se ter em mente a ideia de destinatários carentes que buscam o mínimo social. São pessoas vulneráveis que se encontram em situação de insegurança alimentar. A Constituição diz que a Assistência Social é devida a quem dela necessitar (art. 203). Veja-se: enquanto a saúde é um direito universal, a Assistência Social é devida apenas a quem dela necessitar. Está implícita a noção de carência econômica ou de vulnerabilidade social do beneficiário”.
Sendo assim, pode-se concluir, com a análise dos dispositivos citados anteriormente, que fazem jus ao benefício os idosos e as pessoas portadoras de deficiência que comprovem os requisitos dispostos na lei.
O referido benefício poderá ser pleiteado administrativamente junto ao INSS, procedimento este que na maioria dos casos é mais célere, mas não há óbice algum em discutir a matéria junto ao poder judiciário.
Neste Passo leciona Savaris (2012) que a discussão sobre o direito à Assistência Social é muito comum na Justiça Federal. Na verdade, há apenas uma espécie de ação judicial assistencial: é aquela que versa sobre o direito do indivíduo a receber o “benefício de prestação continuada da Assistência Social”, também chamado “amparo ao idoso”, “amparo a velhice”, “amparo a pessoa com deficiência” e “LOAS”. É uma prestação mensal de um salário mínimo, concedida independente de qualquer contribuição por parte de seu beneficiário.
Os doutrinadores Castro e Lazzari (2005, p. 588) entendem que: “O benefício assistencial, na forma de prestação continuada, está previsto no Artigo 203, V da Constituição e corresponde à garantia de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meio de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”.
Segundo o ensinamento de Savaris (2016, p. 533): “Quando se fala em Assistência Social, deve-se ter em mente a ideia de destinatários carentes que buscam o mínimo social. São pessoas que se encontram vulneráveis do ponto de vista econômico e social”. A constituição estabelece que a Assistência Social é devida a quem dela necessitar (CF/88, art.203 caput).
Neste diapasão o Benefício de Prestação Continuada é o benefício assistencial previsto constitucionalmente para a proteção de idosos e deficientes que comprovem não possuir meios de prover sua própria manutenção ou tê-la provida por sua família.
2 REQUISITOS PARA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO
Dois requisitos básicos são necessários para a concessão da renda mensal vitalícia: que a pessoa comprove não possuir meios de prover a própria manutenção ou de não tê-la provida pelos seus familiares (MARTINS, 2008, p. 492).
Para ter direito ao benefício, é preciso comprovar renda mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo, além disso, essas pessoas não podem ser filiadas a um regime de previdência social nem receber benefício público de espécie alguma (MAPA JURÍDICO, 2016).
Entende-se por família a unidade mononuclear, que vive sob o mesmo teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes. Unidade mononuclear compreende o cônjuge, companheiro (a), filho (a) menor de 21 anos, pais, irmão menores de 21 anos. O benefício assistencial já concedido a qualquer membro da família não será computado para fins de cálculo da renda familiar per capita , conforme disposto no parágrafo único do artigo 34 da Lei nº 10.741/03. Ainda, destaca-se que sua natureza é de benefício assistencial e não previdenciário (MARTINS, 2008, p. 491).
O valor da renda mensal vitalícia é de um salário mínimo por mês. Será devida a contar da data da apresentação do requerimento. Não pode ser acumulada com qualquer espécie de benefício da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica.
A concessão do benefício ficará sujeita a exame médico pericial e laudo realizados pelos serviços de perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social.
A renda familiar mensal deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.
Será devido o benefício de prestação continuada após o cumprimento, pelo requerente, de todos os requisitos legais e regulamentares exigidos para sua concessão, inclusive a apresentação da documentação necessária.
Segundo Martins (2008, p. 493): “A comprovação da idade do beneficiário idoso far-se-á mediante apresentação de um dos seguintes documentos: a) certidão de nascimento; b) certidão de casamento; c) certidão de reservista; d) carteira de identidade; e) CTPS emitida há mais de cinco anos; f) certidão de inscrição eleitoral. A comprovação da renda familiar mensal per capita será feita mediante a apresentação de um dos seguintes documentos por parte de todos os membros da família do requerente que exerçam atividade remunerada: a) CTPS com anotações atualizada; b) contracheque de pagamento ou documento expedido pelo empregador; c) carnê de contribuição para o INSS; d) extrato de pagamento de benefício ou declaração fornecida pelo INSS ou outro regime da previdência social público ou privado; e) declaração de entidade, autoridade ou profissional de assistência social”.
Assim, a apresentação dos documentos acima elencados, a fim de comprovar os requisitos necessários para concessão do benefício, são indispensáveis para o requerimento administrativo junto ao INSS.
3 A RELATIVIZAÇÃO DA RENDA PER CAPITA FRENTE AO ENTENDIMENTO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL E JURISPRUDENCIAL COMO REQUISITO PARA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO
A definição da condição de miserabilidade, hipossuficiência econômica, situação de desamparo ou risco social, como também pode ser chamada, está elencada no § 3º do artigo 20 da LOAS, que considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família com renda mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo nacional (BRASIL, 1993)
Para Amado (2012), a norma instituiu um critério objetivo para a aferição do estado de hipossuficiência do idoso ou do deficiente, qual seja, renda per capita familiar inferior a um quarto do salário mínimo, ressalta-se que se tem por família o requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
O requisito da renda familiar per capita é tema que gera grande polêmica, uma vez que em razão de ser um critério estritamente restritivo para a concessão do benefício, acarreta o indeferimento de milhares de pedidos administrativos, levados posteriormente à apreciação do Judiciário.
A concessão do benefício depende da comprovação do estado de miserabilidade, que é constatada através da renda per capita auferida pelos familiares que deve ser inferior a ¼ do salário mínimo.
Contudo, contrariamente aos dispositivos mencionados, para apuração da renda familiar per capita a Previdência Social considera todos as pessoas que residem sob o mesmo teto, qualquer que seja o parentesco entre elas e o requerente do benefício. Assim, conta-se além do cônjuge, pais, filhos e irmãos, os avós, netos, tios, sobrinhos, primos, nora, genro, etc.
Porém, o requisito do quantum de ¼ do salário mínimo per capita, é no mínimo controverso.
A criação da assistência social teve como objetivo o amparo aos miseráveis, aqueles que se encontram em situação de desamparo, incapazes de sobreviverem sem a ação da Previdência. Ademais, o critério estabelecido no artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993 não é o único válido para comprovar a condição de miserabilidade.
O critério econômico já foi considerado constitucional pelo STF (ADIN 1.232-1), mas recentemente teve declarada sua inconstitucionalidade, sem pronuncia de nulidade pela mesma Corte Suprema. Em virtude disso, em que pese tivesse o Supremo Tribunal Federal reconhecido a constitucionalidade do referido critério de aferição da miserabilidade por meio da ADIN nº 1.232/ DF, a doutrina e a jurisprudência continuaram a controverter acerca da aferição da hipossuficiência, defendendo sua flexibilização para a adoção de outros meios de comprovação, que não apenas o da renda, em atenção ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Segue in verbis o atual entendimento:“Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como instrumento de (re) interpretação da decisão proferida em controle de constitucionalidade abstrato. Preliminarmente, arguido o prejuízo da reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos extraordinários 580.963 e 567.985, o Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação. O STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade, incidentalmente, de normas tidas como fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre da própria competência atribuída ao STF para exercer o denominado controle difuso da constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de reapreciação das decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo hermenêutico típico da reclamação – no “balançar de olhos” entre objeto e parâmetro da reclamação – que surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no controle de constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF, o Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E, inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação, se entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a interpretação atual da Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso a Alimentacao; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6. Reclamação constitucional julgada improcedente (STF – Rcl: 4374 PE, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 18/04/2013, Tribunal Pleno, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-173 DIVULG 03-09-2013 PUBLIC 04-09-2013)” (BRASIL, 2013).
O novato entendimento da suprema corte vem para corroborar e prestigiar a milhares de entendimento esposado pelos tribunais, o qual defendiam que o em que o critério indicado por lei para apurar a miserabilidade e conceder o benefício em questão não é único e absoluto, senão vejamos entendimento anterior a atual posição do Supremo Tribunal Federal:
“Apesar do Supremo Tribunal Federal ter declarado a constitucionalidade de aludido critério legal, em momento nenhum afirmou seja ele único e absoluto. Com efeito, traduz ele apenas uma hipótese objetiva de aferição da incapacidade da família em prover a manutenção da pessoa deficiente ou idosa, vale dizer, sendo a renda per capita da família inferior àquele marco legal, não se questiona sua situação de miserabilidade, o que, entretanto, não impede – caso a renda seja superior – seja ela aferida na situação concreta por outros meios, como é o caso dos autos, em que a condição de miserabilidade está vastamente comprovada, não só pela simples análise do orçamento doméstico (bastante onerado pela necessidade de cuidados constantes com a saúde do menor deficiente que sofre de problemas de refluxo gástrico) mas notadamente pelas conclusões do estudo sócio-econômico (In: Voto do juiz José Pires da Cunha, 1ª Turma – MT, processo 2003.36.00.703302-2, Publicação: DJ-MT 27/08/2003 )” (AUGUSTO, 2005).
Assim, a constitucionalidade do artigo 20, § 3º, da LOAS, declarada pelo STF não dá a tal dispositivo cunho obrigatório e taxativo, não impedindo o legislador de fazer uso de outros fatores que comprovem a necessidade econômica da família no caso concreto.
Existem inúmeras outras decisões pelo país que apontam para a mesma direção: dados subjetivos do cidadão devem sim ser observados e, se através deles se constatar que a renda, embora acima do especificado na norma legal do benefício, não é suficiente para manter o padrão da dignidade humana, o cidadão tem o direito ao benefício, obedecendo inclusive o entendimento da Constituição Federal que segue caminho oposto à consideração taxativa do artigo. 20, §3º, da Lei nº 8.742/93.
Sobre o assunto, entende Santos: “O § 3º do Artigo 20 da LOAS considera incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo. Esse dispositivo teve sua constitucionalidade questionada no STF, por meio da ADIn 1.232-1, ao fundamento de contrariar o dispositivo no Artigo 7º, IV, da CF. a ADIn foi julgada improcedente, o que originou interpretações no sentido de que o julgamento do STF, no caso, não teria força vinculante. O STJ, desde então, passou a adotar entendimento, que se tornou majoritário na jurisprudência dos TRF’s, no sentido de que a decisão do STF não retirou a possibilidade de aferição da necessidade por outros meios de prova que não a renda per capita familiar; a renda per capita familiar de ¼ do salário mínimo configuraria presunção absoluta de miserabilidade, dispensando outras provas. Daí que, suplantando tal limite, outros meios de prova poderiam ser utilizados para a demonstração da condição de miserabilidade, expressa na situação de absoluta carência de recursos para a subsistência”. (SANTOS, 2005, p. 236-237).
O § 3º teve sua constitucionalidade questionada, diante da inexistência de qualquer limitação na Constituição Federal, levando-se em conta que ninguém consegue sobreviver com ¼ do salário mínimo.
O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou improcedente a ADIN nº 1.232-1, do Distrito Federal, em decisão na data de 27/08/1998, cuja ementa é a que segue: “CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ARTIGO 203, DA CF. INEXISTE A RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE”. (BRASIL, 2001).
O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, vem interpretando a lei federal pacificando que o § 3o do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 estabelece um limite objetivo, dentro do qual é presumida a miserabilidade, porém não há impedimento para análise de outros meios de prova em cada caso concreto.
Neste sentido, cumpre destacar o posicionamento de Santos (2005, p. 237): “O STJ, desde então, passou a adotar entendimento, que se tornou majoritário na jurisprudência dos TRF’s, no sentido de que a decisão do STF não retirou a possibilidade de aferição de necessidade por outros meios de prova que não a renda per capita familiar; a renda per capita familiar de ¼ do salário mínimo configuraria presunção absoluta de miserabilidade, dispensando outras provas. Daí que, suplantando tal limite, outros meios de prova poderiam ser utilizados para a demonstração da condição de miserabilidade, expressa na situação de absoluta carência de recursos para a subsistência”.
Assim, diante do exposto, pode-se notar que o INSS, ao insistir na leitura em prol da taxatividade do artigo 20, §3º, da Lei nº 8.742/93, fere a intenção maior da lei que é a realização de políticas sociais e de cidadania. Na verdade, a postura do INSS é a prova cabal de que apesar da sua legislação avançada e, no caso em tela, do entendimento jurisprudencial e doutrinário em prol da Constituição, o país mantém-se com visão arcaica sobre a viabilização de políticas públicas de Justiça Social.
Portanto, percebe-se claramente a ausência da possibilidade de se impor limites objetivos para inviabilizar o acesso ao recurso de assistência social para famílias que, mesmo superando o limite máximo irrisório do artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742, continuem em estado de miserabilidade.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
De todo o exposto, verifica-se que o benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal e regulamentado pela Lei nº 8.742/93, é uma importante política pública para a materialização da assistência social, destinada a amparar e promover aqueles que estão em situação de vulnerabilidade e desamparo social.
O tema versa sobre a exigência da renda per capita máxima auferida pelos familiares do idoso ou portador de necessidades especiais como requisito para concessão do benefício. É ponto pacífico que se pretende atender ao carente, seja ele idoso ou deficiente, mas exigir que os membros de sua família devam sobreviver com menos do que ¼ do salário, como condição sine qua non para que seja concedido o benefício, é, no mínimo, um desatino.
Desde então, a jurisprudência das Cortes Superiores passou a adotar a flexibilização de critérios para fins de verificação da miserabilidade, entendendo-se por razoável admitir como parâmetro mínimo a renda per capita de meio salário mínimo nacional, consoante já vinha sendo admitido para fins de concessão de outros benefícios assistenciais, sem deixar de considerar as demais circunstâncias socioeconômicas do beneficiário e sua família.
É seguro afirmar que esse critério é abjeto e deve ser desprezado na avaliação do pleiteante a esse tipo de benefício. Contudo, não o é. Qualquer requerente que compareça ao INSS com uma renda per capita de exatos ¼ do salário tem, de imediato, seu requerimento indeferido.
Ainda, há outros meios de comprovar o estado de miserabilidade da família e, dessa forma permitir a concessão do benefício, devem ser considerados, conforme entendimento de boa parte dos nossos Tribunais brasileiros.
Assim sendo, entende-se que a Autarquia Previdenciária deve relativizar o critério ora analisado, a fim de evitar a considerável quantidade de processos que se acumulam na Justiça Federal, em razão de um assunto totalmente pacificado na jurisprudência pátria. Ademais, asseguraria a efetividade do objetivo da assistência social de maneira mais célere, qual seja, facilitar a vida e proporcionar tranquilidade ao idoso e ao deficiente que vivam em situação de miserabilidade e desemparo social
Diante do discorrido neste trabalho, em análise última observa-se que, em razão dos recentes julgados, não existe atualmente um critério legal para aferir a incapacidade econômica do beneficiário para fins de concessão do Benefício Assistencial de Prestação Continuada, pois o critério da miserabilidade deverá ser analisado em cada caso concreto até que o legislador ordinário estabeleça nova forma de comprovação da miserabilidade, bem como respeite o princípio da dignidade da pessoa humana.
Assim, nos casos em que os juízes se deparem com situações, na qual a renda da família é superior a ¼ do salário mínimo, de acordo com o entendimento dos Tribunais Superiores, deverão analisar o caso concreto, bem como relativizar o critério econômico, no sentido de zelar e proteger pela dignidade da pessoa humana, promover o bem de todos, erradicar a pobreza e a marginalização, bem como, reduzir todas as formas de desigualdades sociais.
Informações Sobre o Autor
Douglas Vicente dos Santos
Graduado em Direito pela Unipar Universidade Paranaense- campus Paranavaí-PR