Indubitável a assertiva de que o futebol e as relações que o permeiam, além da prática de uma modalidade desportiva, caracterizam uma atividade econômica. Assim é que a Lei n. 10.672/03 veio a dizer que a gestão e exploração do desporto profissional constituem exercício de atividade econômica, estando, portanto, na esfera de aplicabilidade do disposto no art. 170 e seguintes da Constituição Federal, no capítulo que trata dos princípios gerais da atividade econômica.
Sendo, destarte, o futebol, visto como negócio, uma atividade econômica, emerge a necessidade de que o mesmo seja tratado como tal, ou seja, de forma profissional. Tal profissionalização não requer apenas a adoção de tipologias empresariais, mas fundamentalmente uma quebra de paradigmas na atual estrutura do futebol nacional, de forma que sejam afastados todos os resquícios da era amadora e implementada uma nova consciência na administração deste esporte.
Argumenta-se que um dos caminhos para a profissionalização da gestão do futebol dar-se-ia com a obrigatória “transformação” dos clubes em sociedade empresária. Trata-se de uma “meia-verdade”. Diz-se assim porque concordamos com a adoção, pelos clubes de futebol, de tipos societários, como sociedades limitadas e anônimas, por exemplo. Por outro lado, discordamos frontalmente quando tal ato surge como uma obrigação, eis que tal imposição, a nosso ver, fere vários dispositivos constitucionais, tais como o art. 217, I, 170, § ún. e art. 5., XVII e XVIII. Entendemos, por força de tais dispositivos, que a “transformação” dos clubes deve dar-se por intermédio de uma deliberação dos associados, sem cunho legislativo-impositivo, consagrando a autonomia quanto a organização e funcionamento que possuem os clubes. Isto sem esquecer que, atualmente, na prática, a atual legislação acaba por impor aos clubes a obrigatoriedade de transformação (art. 27, § 9 e § 10 da Lei n. 9.615/98), cominando inclusive penalização aos associados caso tal fato não ocorra.
Sabemos que sem clubes não há futebol. Sem futebol, milhares de empregos desaparecem. E a situação financeira dos clubes, atualmente, é no mínimo triste. Por tais razões, é chegada a hora do BNDES, como mola propulsora e fomentadora do desenvolvimento da economia nacional, direcionar sua atenção a este mercado. Pergunta-se: quantas são as pessoas que direta e indiretamente possuem atividades ligadas ao futebol? Sem dúvida, muitas. Isto por si só é fator suficiente a legitimar a atuação do banco de desenvolvimento no fomento do negócio futebol, crescendo de relevância quando vemos que em nenhum momento esta atividade recebeu incentivo específico para sua modernização, ao contrário do que ocorreu em outros países.
Mas muito mais que isso. Cremos que o BNDES poderia exercer um importante papel como um dos protagonistas da quebra de paradigmas que deve sofrer a gestão do futebol brasileiro. Isto porque apregoa-se insistentemente quanto a necessidade dos clubes de futebol converterem-se em sociedades empresárias. Como dissemos, entendemos que tal questão deve estar na esfera da autonomia dos clubes, e não em uma imposição legal. Porém, tal polêmica poderia ser facilitada pela atuação do banco estatal. Sabe-se que o mesmo possui inúmeras linhas de financiamento que visam estimular as empresas a adotarem formatação de sociedade anônima, a exercitarem práticas de governança corporativa e a abrirem o capital para a negociação no mercado de valores mobiliários. Dentro deste contexto, o BNDES poderia criar linhas de financiamento, destinadas aos clubes de futebol, nas quais os recursos seriam liberados, paulatinamente, mediante o comprometimento das entidades em efetivamente profissionalizarem suas gestões, seja por intermédio da adoção de tipologia empresarial ou práticas de governança, preparando-se uma futura adesão ao mercado de capitais.
Desta forma, o BNDES estaria estimulando o mercado de capitais; fomentando o desenvolvimento de uma atividade econômica (futebol), que atravessa um período de dificuldades financeiras, assim como atravessam outras áreas atendidas pelo BNDES (energia, agricultura, aviação, etc); estaria, em conformidade com alguns requisitos, possibilitando aos clubes interessados a captação de recursos mediante sua “transformação” societária e, principalmente, propiciando um incentivo para que estes adotem, na prática e não apenas no papel, mecanismos de gestão profissional que pudessem realmente tratar o futebol da forma como ele merece: séria, competente e profissional.
Informações Sobre o Autor
Eduardo Carlezzo
Advogado. Consultor Jurídico da M. Stortti Business Consulting Group. Assessor Jurídico do Sport Club Internacional. MBA em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas. Pós-graduando em MBA em Finanças Empresariais pela Fundação Getúlio Vargas. Vice-Presidente e membro do Conselho Consultivo do Instituto Gaúcho de Direito Desportivo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, International Association of Sports Law, Instituto Brasileiro de Direito Societário e Instituto Brasileiro de Governança Corporativa.