O caráter sui generis da tributação do Serviço de Iluminação Pública frente ao Sistema Tributário Brasileiro

Carlos Henrique Costa Tavares[1]

Larissa Caitano de Oliveira[2]

Érico Lucas Souto Lepesqueur[3]

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Resumo: O presente trabalho é formado por elementos de convicção provenientes da revisão de literatura, legislação e julgados dos tribunais superiores, estruturado em pesquisa qualitativa com o fim de promover um estudo sobre o caráter sui generis do serviço de iluminação pública, formando um processo cognitivo voltado para a evolução da tributação que esse serviço foi adquirindo com o desenvolvimento do Sistema Tributário Brasileiro, bem como com vias a explicitar o porquê de ser-lhe conferido tal caráter.

Palavras-chave: COSIP, teoria da pentapartição, tributação singular.

 

Abstract: The present work is formed by elements of conviction from the literature review, legislation and judgments of the superior courts, structured in qualitative research aiming to promote a study about the sui generis character of the public lighting service, forming a cognitive process focused on the evolution of taxation that this service was acquiring with the development of the Brazilian Tax System.

Keywords: COSIP, pentapartition theory, singular taxation.Sumário: Introdução. 1. Teoria da Pentapartição. 2. O serviço de iluminação pública e as taxas. 3. As contribuições especiais. 4. A tributação sui generis do Serviço de Iluminação Pública. Considerações Finais. Referencial bibliográfico.

 

Introdução

A tributação é um fenômeno histórico fundado na derivação do patrimônio do particular para os cofres do Estado com o fim de obter recursos para sua utilização na execução de atividades e serviços essenciais para a sociedade.

Muito embora a utópica ideia de um sistema tributário estruturado, com bases sólidas e limitadores princípiológicos que estejam despidos de todo o aparato político que cerceia a atividade tributária seja uma concepção ainda muito à frente do nosso sistema atual, o funcionalismo estatal no que se refere ao sistema financeiro acaba por, de certa forma, desempenhar suas funções, o que permite a observação de que em certo grau o fenômeno da tributação está cumprindo com  seu real papel, qual seja, a obtenção de recursos.

Desde a instalação da família real no Brasil, podemos ver a formação e desenvolvimento de um Sistema Tributário que ainda pende de essencialidade, mas que não deixa a desejar no quesito arrecadação, sendo que tanto o Código Tributário Nacional de 1966, quanto a Constituição Federal de 1988 são os grandes responsáveis pela formação do atual Sistema Tributário Brasileiro, levando em conta todas suas espécies tributárias, características gerais, princípios limitadores e até mesmo bases ideológicas.

Em que pese termos um Sistema Tributário recheado de normatividade, o que é essencial para sua funcionalidade, o movimento político cumulado com o fenômeno jurídico, ainda dá azo para o surgimento de singularidades jurídicas, inclusive dentro do referido sistema, ocasionando uma margem de inconsistência no complexo organismo tributário.

O presente trabalho versará exatamente sobre uma destas singularidades tributárias, definida pela Constituição Federal de 1988 como Contribuição para o Serviço de Iluminação Pública (COSIP/CIP), consubstanciada não na tributação propriamente dita de tal serviço, mas sim na sua caracterização e na forma como ele é tributado em nosso Sistema Tributário.

O objetivo central é confrontar tal contribuição com as demais espécies tributárias a fim de demonstrar que ela se trata de uma tributação de caráter sui generis e/ou particularizada de um serviço essencial.

Com vias a alcançar tal objetivo, primeiramente far-se-á a exposição da teoria da pentapartição e o seu desenvolvimento no Sistema Tributário atual, com posterior discursão individualizada de cada uma das espécies tributárias.

Posteriormente, será feita a confrontação entre o serviço de iluminação pública e as taxas, demonstrando o porquê que tal serviço não pode ser tributado através desta espécie tributária.

Em seguida, será feita uma breve explanação das características gerais das contribuições especiais ou parafiscais, o que concorre para o sucesso e conclusão do presente trabalho.

Por fim, tratar-se-á especificamente da Contribuição do Serviço de Iluminação Pública, expondo os motivos de seu caráter sui generis em nosso ordenamento jurídico, inclusive demonstrando através de julgados dos tribunais superiores sua definição como tributo singular.

 

  1. Teoria da pentapartição

A tributação é um fenômeno histórico, político, econômico e social cujo o surgimento data da aparição das primeiras sociedades organizadas como um corpo cujo o comportamento social era ditado por aspectos legais básicos.

Apesar da identificação exata do momento em que surgiu a tributação ser um trabalho que demanda o cruzamento de diversos aspectos históricos e culturais inerentes a estas sociedades antigas, tal fenômeno sempre teve um objetivo primordial que ainda está incrustado em sua filosofia até os dias de hoje, qual seja, o caráter arrecadatório como meio de aquisição de recursos para aplicação, pelo Estado, na execução de atividades essenciais ao desenvolvimento e convivência harmônica da sociedade.

Tal objetivo traz à tona uma série de questões envolvendo o desenvolvimento do sistema tributário de um Estado organizado, sendo que o pilar básico que define a atividade tributária centra-se na derivação de uma parte do patrimônio do particular com destino aos cofres públicos, cujo o fundamento já apresentado, é a aquisição de recursos para o investimento em atividades estatais, fazendo com que a existência e consistência deste Estado necessite, para sua manutenção, de um coerente sistema tributário.

Neste sentido, Luiz Eduardo Schoueri (2012; p. 16) proclama que “dificilmente se encontrará quem sustente com seriedade o desaparecimento do Estado como forma de organização política. A existência de um Estado implica a busca de recursos financeiros para sua manutenção”, o que reafirma a existência de uma relação simbiótica entre o Estado e a tributação.

Em que pese toda a filosofia em volta da necessidade e surgimento da tributação, o Sistema Tributário Brasileiro sofreu e ainda sofre severas modificações no que se refere a formação de uma dinâmica estrutural que estabeleça no ordenamento jurídico brasileiro a existência de espécies tributárias estáveis.

Não é nenhuma surpresa que existam controvérsias acerca de quais e quantas são as espécies tributárias, uma vez que nossa matriz constitucional é baseada em um fator de recepcionalidade normativa, o que significa que a promulgação de um novo texto constitucional não importa necessariamente na revogação de todas as normas anteriores a ele, mas sim na recepção, por este, daquelas normas que compactuam com suas premissas.

O fato de que o Brasil adota este sistema de recepção constitucional é o que evidencia a controvérsia acerca das espécies que compõe o Sistema Tributário, vez que o Código Tributário Nacional (CTN) é anterior a Constituição vigente, sendo que esta traz em seu texto espécies tributárias além das que estão presentes no CTN.

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Para melhor visualizar tal situação, o Código Tributário Nacional em seu art. 5º, determina que as espécies tributárias são os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria, enquanto que a Constituição de 1988, além de trazer as três espécies já mencionadas, incluiu outras duas: os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais (ou parafiscais).

A existência desta controvérsia fez com que surgisse quatro correntes que justificam a existência de espécies tributárias, que nos ensinamentos do professor Ricardo Alexandre (2019, p. 51), são:

“(1) a dualista, bipartida ou bipartite, que afirma serem espécies tributárias somente os impostos e as taxas; (2) a tripartida, tricotômica ou tripartite, que divide os tributos em impostos, taxas e contribuições de melhoria; (3) a pentapartida ou quinquipartida, que acrescenta ao rol da tripartida os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais, previstos nos arts. 148 e 149 da Constituição Federal, respectivamente; (4) a quadripartida, tetrapartida ou tetrapartite, que junta todas as contribuições em um único grupo, de forma que os tributos seriam impostos, taxas, contribuições e empréstimos compulsórios.”

Não obstante às diversas correntes que surgiram a partir da controvérsia empossada pelas espécies tributárias, urge salientar que, dentre todas, àquelas que são mais discutidas na atualidade promovem uma verdadeira divisão de pensamentos e interpretações por parte dos doutrinadores.

Àqueles que defendem a teoria tripartite, com fundamento visionado no Código Tributário Nacional, representam, hoje, um pensamento vigente em uma parte minoritária da doutrina e da jurisprudência, o que faz com que a parcela majoritária dos doutrinadores, dos tribunais e, inclusive, das bancas de concursos públicos preferenciem a teoria quinquipartite ou da pentapartição inaugurada pela Constituição Federal de 1988.

O entendimento basilar do desenvolvimento destas teorias é fundamental para a cognição do tema deste trabalho, tendo em vista que ele só é possível em razão da existência de um Sistema Tributário que adota a teoria da pentapartição, como será demonstrado mais à frente.

Não bastasse a própria Constituição Federal de 1988 promover a evolução do Sistema Tributário Brasileiro a um novo patamar, bem como o desenvolvimento da doutrina neste mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal é grande defensor da teoria da pentapartição. Tal postulado é abstraído da existência, no próprio Tribunal Superior, de precedentes que defendem esta ideia.

Neste sentido é a jurisprudência do STF, que através do RE 138.284 e RE 146 733, reconhece a existência de contribuições parafiscais/sociais como possuidoras de natureza tributária. Senão vejamos:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. CONTRIBUIÇÕES INCIDENTES SOBRE O LUCRO DAS PESSOAS JURÍDICAS. Lei nº 7.689, de 15.12.88. I. – Contribuições parafiscais: contribuições sociais, contribuições de intervenção e contribuições corporativas. C.F., art. 149. Contribuições sociais de seguridade social. C.F., arts. 149 e 195. As diversas espécies de contribuições sociais. (STF, RE 138.284, publicado em 01/07/1992)

EMENTA: CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO DAS PESSOAS JURIDICAS. LEI 7689/88. – NÃO E INCONSTITUCIONAL A INSTITUIÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO DAS PESSOAS JURIDICAS, CUJA NATUREZA E TRIBUTARIA. […] (STF, RE 146.733, publicado em 29/06/1992)”

Além da própria jurisprudência do STF reconhecer a predominância da teoria da pentapartição, a interpretação teleológica e histórica que pode-se abstrair do próprio texto constitucional induz exatamente a um Sistema Tributário formado por cinco espécies tributárias e não apenas três.

O professor Alexandre Mazza defende, que “de fato, o modo como o tema vem tratado na Constituição de 1988 sugere uma opção do constituinte pela divisão quinquipartida das espécies tributárias.” (MAZZA, 2018 p. 156)

Ademais, como já salientado, o nosso sistema constitucional é pautado pela teoria da recepção e o fato de esta justificar a existência de uma controvérsia, no ponto em que temos um embate entre a Constituição de 1988 e o Código Tributário Nacional de 1966, ao mesmo tempo traz uma solução bastante clara para tais controvérsias.

A teoria da recepção determina que a promulgação de uma nova ordem constitucional irá recepcionar as leis anteriores ao novo texto constitucional, desde que compatíveis com a nova Constituição e não recepcionará aquelas que contrarie o seu texto.

Veja que o cerne de tal teoria é que todo o ordenamento jurídico gira em torno da Constituição e não o contrário.

Assim, quando a Constituição de 1988 recepcionou o CTN, inclusive no que se refere às espécies tributárias, este não fez para que as regras contidas no CTN fossem aplicadas de forma absoluta, mas muito pelo contrário, o fez ratificando as normas que eram compatíveis e modulando àquelas que não o era. Tal ideia vale para as teorias relacionadas às espécies tributárias, vez que antes da Constituição de 1988, vigorava a teoria trinária, com a sua promulgação, esta ideia sofreu modulação, passando a vigorar a teoria da pentapartição.

 

  1. O serviço de iluminação pública e as Taxas

A título de cognição preliminar, a evolução da tributação do serviço de iluminação pública teve suas origens nas taxas, uma das espécies tributárias já comentadas.

A grande repercussão em torno da tributação de tal serviço por meio das taxas se deu especialmente diante das características básicas que esta espécie tributária possui em contraponto com a ausência de compatibilidade entre esta espécie tributária e o serviço de iluminação pública.

Tal incompatibilidade foi determinante para o surgimento da discussão, nos tribunais superiores, acerca da inconstitucionalidade incidente na tributação do serviço de iluminação pública por meio dessa espécie tributária, uma vez que totalmente incompatível com suas características.

Para entendermos o cerne de tal controvérsia, bem como o deslinde e o alcance da conclusão que determinou a inconstitucionalidade da tributação do serviço de iluminação pública pelas taxas, é necessário entendermos, primacialmente, como funciona a referida espécie tributária.

As taxas não tiveram sua origem com a Constituição Federal de 1988, uma vez que bem antes da promulgação desta, já havia no texto do Código Tributário Nacional a previsão de tal modalidade tributária.

No entanto, como o objetivo central desta subseção não envolve o contexto histórico das taxas, mas sim a discussão da inconstitucionalidade da premissa acima especificada, é imperioso que tomemos como ponto de partida sua previsão perante a atual ordem constitucional.

Com previsão no art. 145, inciso II, da CRFB/88, bem como no art. 77 do CTN, as taxas podem ser instituídas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, sendo, portanto, espécie tributária dotada de competência comum:

“Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

[…]

II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;”

O próprio texto constitucional fornece uma série de elementos caracterizadores da referida espécie tributária, determinantes, pois, por distingui-la das demais espécies e conferindo a ela uma identidade tributária própria.

As taxas de forma geral é contraprestação pecuniária cobrada por um dos entes públicos em razão da prestação de um serviço que possa ser utilizado de forma efetiva pelo contribuinte, ou que tenha sido colocado a sua disposição. Aliomar Baleeiro e Misabel Derzi definem taxa da seguinte forma:

“Taxa é o tributo cobrado de alguém que se utiliza de serviço público especial e divisível, de caráter administrativo ou jurisdicional, ou o tem à sua disposição, e ainda quando provoca em seu benefício, ou por ato seu, despesa especial dos cofres públicos.” (BALEEIRO; 2018, p. 1228)

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Com o entendimento conceitual acerca das taxas, entoa alinhavar que estas podem ser exteriorizadas de duas formas, sendo uma pelo exercício do poder de polícia, sendo chamada de taxa de polícia, e a outra pela prestação de um serviço público à população, denominada de taxa de serviços.

A aplicabilidade das taxas de polícia tem seu potencial revelado como meio de restringir determinadas liberdades que a população possui em detrimento do próprio contexto público/coletividade, sendo que elas são mais visivelmente identificáveis através das taxas de localização (taxa única cobrada para o registro de localização de determinado estabelecimento) ou das taxas de funcionamento (cobrada em detrimento da continuidade do exercício da atividade pelo contribuinte).

No entanto, para o contexto do presente trabalho, a modalidade de taxas que realmente importam são as taxas de serviço, as quais são cobradas em decorrência de uma anterior prestação de serviço pelo poder público ao contribuinte, possuindo as seguinte características, primordiais ao nosso estudo: a) serviço específico; b) divisível.

No que se refere aos serviços públicos específicos e divisíveis, o Código Tributário Nacional, em seu art. 79, incisos II e III, traz em seu bojo a definição técnica que melhor apresenta o significado de tais características como sendo:

“II – específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade, ou de necessidades públicas; III – divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários.”

Apesar da difícil compreensão que se possa ter através da simples leitura destes conceitos, o professor Ricardo Alexandre (2019, p. 64) apresenta essas características de uma forma mais didática:

“Na prática, o serviço público remunerado por taxa é considerado específico quando o contribuinte sabe por qual serviço está pagando […]; A divisibilidade, por sua vez, está presente quando é possível ao Estado identificar os usuários do serviço a ser financiado com a taxa. De uma maneira ainda mais prática, pode-se afirmar que um serviço reúne as características da especificidade e da divisibilidade (podendo ser remunerado por taxa) quando para ele é possível, tanto ao Estado quanto ao contribuinte, a utilização da frase “Eu te vejo e tu me vês”. O contribuinte “vê” o Estado prestando o serviço, pois sabe exatamente por qual serviço está pagando (especificidade atendida) e o Estado “vê” o contribuinte, uma vez que consegue precisamente identificar os usuários (divisibilidade presente).”

Considerando tais pontuações feitas pelo professor Ricardo Alexandre, para que um serviço possa ser remunerado por meio de taxa este tem que apresentar as características da especificidade e da divisibilidade, de forma que ambas as partes da relação tem que enxergar um ponto fundamental, o Estado tem de poder identificar o usuários do serviço prestado, e em contrapartida do contribuinte tem que saber por qual serviço ele realmente está pagando aquele tributo.

Partindo deste pressuposto, conseguimos identificar o grande problema em torno da tributação do serviço de iluminação pública por meio de taxas, vez que, embora este serviço apresente a característica da especificidade, de forma que o contribuinte saberia que estaria pagando aquela taxa em decorrência da iluminação das vias urbanas de que possa usufruir, de outro lado lhe falta a segunda característica, de forma que o Estado não consegue identificar usuário por usuário e, principalmente, não consegue mensurar a quantidade de iluminação pública utilizada por cada contribuinte, uma vez que ela atende a toda coletividade.

Munidos dessa incompatibilidade, os tribunais superiores firmaram entendimento no sentido de ser inconstitucional a cobrança do serviço de iluminação pública por meio de taxas, o que, por sua vez culminou na edição de duas súmulas pelo STF.

Primacialmente, é importante fazer menção ao entendimento jurisprudencial já firmado por estes tribunais, senão vejamos:

“EMENTA: TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. TRIBUTO DECLARADO INCONSTITUCIONAL. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. TERMO INICIAL. PAGAMENTO INDEVIDO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO DE OFÍCIO. […] (REsp 1110578/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/05/2010, DJe 21/05/2010) (STJ; 2010, DJe) (Grifos nossos).

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IPTU. ALÍQUOTA PROGRESSIVA. MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO. SÚMULA 668 DO STF. TIP. TCLLP. INCONSTITUCIONALIDADE. MODULAÇÃO DE EFEITOS. IMPOSSIBILIDADE. 1. É inconstitucional a progressividade do IPTU do Município do Rio de Janeiro anterior à EC 29/2000. Súmula 668 do Supremo Tribunal Federal. 2. O Supremo firmou entendimento no sentido de que o serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa [Súmula n. 670]. Quanto à TCLLP, o Supremo decidiu pela inexigibilidade da exação por configurar serviço público de caráter universal e indivisível. [RE n. 256.588-ED-EDv, Relatora a Ministra Ellen Gracie, Pleno, DJ de 3.10.03]. 3. Não se configura, no caso, excepcionalidade suficiente a autorizar a aplicação de efeitos ex nunc à declaração de inconstitucionalidade. Precedente. Agravo regimental a que se nega provimento.
(RE 510336 AgR, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 17/04/2007, DJe-013 DIVULG 10-05-2007 PUBLIC 11-05-2007 DJ 11-05-2007 PP-00102 EMENT VOL-02275-18 PP-03576) (STF; 2007, DJe) (Grifos nossos)”

Além disso, já se tornaram pacíficas as decisões dos tribunais superiores acerca deste assunto, conforme pode-se depreender do REsp 1438559 / RJ 2014/0044636-7; REsp 1234442 / SP 2011/0018447-2; AgRg no RO 105 / RJ 2010/0092610-7; EDcl no REsp 1110578 / SP 2009/0008313-4; RO 102 / RJ 2010/0061009-7; os quais são apenas algumas de muitas demandas cujas as decisões entoam no mesmo sentido.

Não bastasse o entendimento jurisprudencial já pacificado entre os tribunais, o reconhecimento da inconstitucionalidade pelo STF com repercussão geral fez com fosse editada a Súmula nº 670 e posteriormente a Súmula Vinculante nº 41, que dispõe com clareza solar que “o serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa” (STF, 2015, DJe).

Desta forma, a fase do processo evolucionário da tributação da iluminação pública, a qual declara a inconstitucionalidade da remuneração do serviço de iluminação pública prestado pelo poder público mediante taxa, encerra-se deixando evidente que tal serviço por não ser compatível com uma das características das taxas, qual seja a divisibilidade, não pode ser cobrado por meio desta espécie tributária.

 

  1. As Contribuições Especiais

Quando da disposição acerca do princípio da pentapartição, fora mencionado que a nova ordem constitucional instaurou uma modificação quantitativa e até mesmo qualitativa nas espécies tributárias, de forma que a Constituição de 1988 introduziu no Sistema Tributário Nacional duas novas espécies de tributos, sendo elas os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais.

Uma vez que a controvérsia que envolve a teoria da pentapartição já foi mencionada e até mesmo sanada, no presente momento faremos menção às características gerais das contribuições especiais, de forma que torna-se de extremo valor o entendimento de tal para um melhor esclarecimento acerca do caráter sui generis da Contribuição do Serviço de Iluminação Pública (CIP ou COSIP).

Com previsão constitucional no art. 149, as contribuições especiais são divididas em três grandes grupos, a saber, as contribuições sociais, as contribuições de intervenção no domínio econômico e as contribuições de interesse das categorias profissionais e econômicas, para o fim de adquirir recursos para fomentar, desenvolver e organizar os planos sociais e econômicos.

Kyoshi Harada faz menção à controvérsia doutrinária que paira sobre a natureza jurídica das contribuições especiais, que muitas vezes são chamadas de contribuições parafiscais. Assim:

“Muita controvérsia doutrinária existe acerca da natureza jurídica das contribuições sociais. Para alguns autores, elas teriam a natureza de imposto ou de taxa; para outros, seriam meros impostos com destinação específica; para outros, ainda, elas não teriam natureza tributária, apesar de sua compulsoriedade. Estes últimos classificam as exações compulsórias em tributárias e não tributárias.” (HARADA; 2018, p. 376)

Tais considerações e controvérsias são essenciais para que possamos reforçar a teoria da pentapartição e especialmente identificar a autonomia dessa espécie tributária, vez que as distinções que esta possui em relação às demais espécies são fáceis de serem visualizadas.

O primeiro ponto a ser demonstrado é que estas contribuições possuem natureza eminentemente parafiscal, ou seja, sua finalidade não é meramente arrecadatória, mas sim voltada para o desenvolvimento e fomentação de um setor específico do plano social ou econômico.

Os impostos, de uma forma geral, são caracterizados como tributos não vinculados a uma ação estatal e cuja a arrecadação também é não vinculada, de forma que o montante arrecado vai para os cofres públicos sem ter destino específico.

As contribuições especiais, por sua vez, embora sejam bem parecidas com os impostos, possuem sua arrecadação vinculada, vez que o produto de sua arrecadação é destinado ao ramo e/ou setor social ou econômico que se procura desenvolver ou modular.

Neste sentido, pontua Vittorio Cassone (2007, p. 74) que “parafiscal quer dizer ‘ao lado do fiscal’, algo que anda paralelamente com o Estado. Traduz-se na entidade que se mostra como um ‘quase-Estado’, uma ‘extensão’ do Estado”.

Não obstante a definição de parafiscal dada por Vottorio Cassone, é imprescindível para o presente momento que esteja claro do que se tratam as contribuições especiais, sendo que nada mais é que a atuação estatal em pontos específicos do meio social e econômico, conforme dispõe o professor Eduardo Sabbag (2018, p. 565):

“As contribuições são tributos destinado ao financiamento de gastos específicos, sobrevindo no contexto de intervenção do Estado no campo social e econômico, sempre no cumprimento dos ditames da política de governo.”

Ademais, para fins mais didáticos acerca das contribuições especiais, os seus principais grupos se subdividem em subgrupos que acabam por tornar mais evidente a esse caráter parafiscal inerente a essa espécie tributária.

Assim, as contribuições sociais são compostas pelas contribuições sociais gerais (contribuição ao salário-educação e contribuições ao Sistema “S”), contribuições de seguridade social (que envolve as fontes de custeio previstas no art. 195 da CRFB/88) e outras contribuições especiais caracterizadas como contribuições sociais residuais.

Por sua vez, as contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas tem como suas principais subdivisões, a contribuição-anuidade, contribuição sindical.

Por fim, as contribuições de intervenção no domínio econômico é subdividida em CIDE-combustível e CIDE-remeças.

Em que pese todas estas considerações em relação às contribuições especiais, o que interessa para o presente trabalho é a inferência acerca de seu caráter parafiscal, ou seja, não é o ente que criou a lei que faz a fiscalização e recolhimento do tributo, mas sim um outro ente para o qual tais funções foram delegadas que são responsáveis por fiscalizar todos os seus parâmetros de existência e exação, bem como a realizar a cobrança, de forma que, geralmente, o produto arrecadado já possui destinação específica, voltada para o desenvolvimento, fomentação e manutenção da atividade da qual incide a contribuição especial.

Uma vez mencionado o caráter parafiscal ínsito às contribuições especiais, é exatamente esta característica que faz com que a Contribuição de Iluminação Pública seja identificada como possuidora de excentricidade em relação às Contribuições Especiais de forma geral, fato este que passa-se a discutir.

 

  1. A tributação sui generis do Serviço de Iluminação Pública

O caráter anômalo da COSIP tem início com a própria edição da Emenda Constitucional nº 39/2002 que lhe deu origem, sendo que em seu processo legislativo acabou por ser aprovada com uma série de vício de formalidade.

O próprio texto constitucional, em decorrência do sistema rígido em que a Constituição de 1988 foi sancionada, determina que a modificação do texto constitucional pode se dar através de emendas constitucionais, conforme se abstrai do art. 60 da CF/88.

Ocorre que o trâmite da EC nº 39/2002 que deu origem a COSIP se deu de forma exótica, vez que o voto da referida emenda não se deu da forma como deveria ser, sendo que não foram observados os períodos previstos nos Regimentos Internos da Câmara dos Deputados e do Senado, considerando que a votação dos dois turnos se deu de forma cumulativa em um mesmo dia, para que fosse evitado o retardamento tributário proveniente dos princípios da legalidade e anterioridade tributária.

Neste sentido pontua o professor Eduardo Sabbag (2018, 619-620):

“Ad argumentandum, critica-se, não sem razão, o processo elaborativo da EC n. 39/2002. É que o trâmite, de modo exótico e inédito, deu azo à violação do processo legislativo, não se permitindo votar a Emenda – como deve ser – em dois turnos, nas duas Casas do Congresso Nacional, com o devido respeito ao interstício mínimo previsto nos Regimentos Internos da Câmara e do Senado. Os dois turnos foram realizados, cumulativa e açodadamente, no mesmo dia, para que se evitassem os efeitos retardadores da aplicação do princípio da anterioridade tributária, caso houvesse a transposição do ano que se findava. Infelizmente, em casos semelhantes, o STF tem entendido que a interpretação do Regimento Interno das Casa Legislativas é matéria interna corporis, não sendo suficiente para a declaração de inconstitucionalidade formal do tributo.”

Desse modo, pode-se observar que o próprio surgimento da COSIP se deu de forma anômala, vez que o próprio processo legislativo de elaboração da emenda constitucional que lhe deu origem, se deu de forma incomum e diferente do que prevê o texto legal e as próprias normas atinentes ao processo legislativo.

Além disso, é notável que como regra geral de todos os tributos que são instituídos, deve o legislador apontar de forma clara todos os pilares essenciais que norteiam tal tributo, qual seja, o polo passivo, a alíquota que será aplicada, qual será a base de cálculo, havendo, pois, um verdadeiro buraco no aparato legislativos relativo a tal contribuição.

Primeiramente, discute-se se tal tributo é dotado de referibilidade, ou seja, de uma relação sinalagmática entre o sujeito passivo e o fato gerador, que claramente é a iluminação dos ambientes públicos de uso comum da população.

A crítica que faz padecer a existência de referibilidade de tal tributo, centra-se na difícil tarefa em identificar quem é o sujeito passivo, e até mesmo qual o grau de pessoalidade que tal sujeito passivo possui para como o fato gerador.

De forma mais clara, a normativa tributária descreve a diferença básica entre responsável tributário e contribuinte direto, sendo que a definição mais básica que se tem sobre este último é que ele é identificável por possuir uma relação direta e pessoal com o fato gerador.

Desse modo, o questionamento que se faz em relação à COSIP é exatamente qual o grau que o sujeito passivo apontado pelo fisco no momento da exação tributária, possui para que se possa dizer que ele têm uma relação direta e pessoal com o fato gerador de tal tributo.

Além disso, a tarefa de identificar o sujeito passivo de tal contribuição se torna mais árdua no que se refere à identificação do contribuinte que se utiliza de tal serviço.

Outro ponto que se discute com veemência é que os tributos de uma forma geral, ao serem instituídos estão submetidos às variadas limitações constitucionais consubstanciadas em princípios tributários, quais sejam o princípio da legalidade, da anterioridade, do não confisco, da irretroatividade, da isonomia, da capacidade contributiva, dentre outros.

Tal ponto é mencionado aqui, exatamente pelo fato de que o texto constitucional atrela à COSIP apenas os princípios da legalidade, irretroatividade e anterioridade, o que acaba por dispensar a incidência dos demais princípios a tal contribuição, que nas palavras de Eduardo Sabbag (2018, 620) “parece denotar uma imprópria postura reducionista, haja vista a inafastável conexão dos tributos a todos os princípios constitucionais tributários”.

Além disso, recrudesce a crítica acerca da inconsistência tributária atrelada a tipologia a qual a tributação da iluminação pública se apresenta atualmente, o fato de que alguns doutrinadores apelam por dispor que a COSIP nada mais é do que um “imposto transvestido de contribuição”.

Tal declaração parece um tanto ou quanto controversa, pois se assim fosse muitas regras basilares estariam sendo violadas, a começar pelo pacto federativo, no qual o imposto que recai sobre a energia elétrica é o ICMS de competência legislativa dos estados, enquanto que a COSIP ao ser considerada um imposto, que por sua vez é instituída pelos municípios e pelo Distrito Federal, teríamos uma verdadeira invasão de competência, o que por sua vez viola o pacto federativo.

No mais, além da violação ao pacto federativo, uma vez que se considera a COSIP um imposto, teríamos, pois, uma hipótese de bitributação, uma vez que dois entes políticos distintos estariam tributando sobre o mesmo fato gerador.

Finalmente, os impostos são caracterizados pelo sua não afetação, de forma que sua arrecadação não se dá com um compromisso já firmado em relação a sua destinação, enquanto que a contribuição arrecadada em decorrência do serviço de iluminação pública visa ao provimento da manutenção desse serviço, ou seja, possui afetação.

Muito embora a tributação do serviço de iluminação pública seja considerada uma contribuição especial, como já explanado, não encontra-se presente no rol de contribuições descritas no art. 149 da CF/88, senão vejamos:

“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.”

Dessa forma, não se trata de uma contribuição de intervenção no domínio econômico, primeiramente por não ser de competência da União, além de não ter como finalidade o controle ou regulação de um dos setores da economia.

Não se trata também de uma contribuição social, uma vez que estas ou estão relacionadas com o plano social, quando caracterizada como contribuição social geral, ou com a seguridade social, o que não é possível visualizar na COSIP.

Por fim, não se refere a uma contribuição relativa aos interesses das categorias profissionais ou econômicas, porque não versa, ou possui qualquer natureza voltada para o sistema de trabalhadores e empregadores.

A Emenda Constitucional nº 39/2002 introduziu no texto constitucional o art. 149-A que cria a Contribuição do Serviço de Iluminação Pública, de competência dos municípios e do Distrito Federal, com a finalidade de promover o custeio e/ou manutenção do referido serviço.

Tendo em vista toda a discussão acerca dessa contribuição dentro do Sistema Tributário Brasileiro, o Supremo Tribunal Federal, com julgamento de repercussão geral, reconheceu o caráter sui generis da referida contribuição:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. RE INTERPOSTO CONTRA DECISÃO PROFERIDA EM ADI ESTADUAL. CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA – COSIP. ART 149-A, CF. LC N. 7/2002, DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ, SANTA CATARINA, (…) III – Tributo de caráter sui generis, que não se confunde com um imposto, porque sua receita se destina a finalidade específica, nem com uma taxa, por não exigir a contraprestação individualizada de um serviço ao contribuinte. IV – Exação que, ademais, se amolda aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. (RE 573.675 Repercussão Geral, rel. Min. Ricardo Lewandowski, Pleno, j. em 25-03-2009)”

Desta forma, não bastasse a colisão entre a COSIP e a natureza parafiscal das contribuições especiais, seu caráter sui generis provém também da sua ausência dentre as contribuições caracterizadas como especiais no art. 149 da CF/88, o seu não enquadramento em qualquer outra tipologia tributária,  deficiência quanto aos aspectos gerais e principiológicos atinentes a todos os tributos, ousando inferir, inclusive, que seu tratamento como “contribuição” se dá tão somente por causa do texto constitucional.

 

Considerações finais

Pautado em um Sistema Tributário que recepciona a teoria da pentapartição no que se refere às espécies tributárias, anormalidades jurídicas permeiam este sistema quando o assunto é Contribuição de Serviço de Iluminação Pública, vez que conforme exposto neste trabalho, não há uma tipologia propriamente dita a qual tal contribuição se encaixe com perfeição.

Como visto, não é uma taxa pois lhe falta o quesito da divisibilidade, não é imposto pois violaria o pacto federativo, traduziria-se em hipótese de bitributação e detém afetação. Também não pode ser classificada como uma contribuição especial pois lhe carece a qualidade de parafiscalidade e de expressa previsão legal como contribuição especial.

Não obstante aos fundamentos apresentados, o próprio Supremo Tribunal Federal, acolhe a percepção de tributo sui generis, conforme se pode abstrair de seus julgados, conferindo à Contribuição de Serviço de Iluminação Pública a natureza de tributo particularizado, caracterizado por sua singularidade em detrimento das demais espécies tributárias, concluindo-se, pois, o presente trabalho com essa ideia.

 

Referencial bibliográfico

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[1] Acadêmico do curso de Direito da Faculdade do Noroeste de Minas – FINOM; E-mail: [email protected]

[2] Acadêmica do curso de Direito da Faculdade do Noroeste de Minas – FINOM; E-mail: [email protected]

[3] Professor-orientador do curso de Direito, graduado em Direito pela Faculdade de Ciências e Tecnologia de Unaí (2003). Pós Graduado em Direito Público – Universidade Cândido Mendes. Pós Graduado em Direito Privado – Instituto Izabela Hendriz. Professor na Faculdade do Noroeste de MInas – FINOM.; E-mail: [email protected]

 

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