Resumo: Este trabalho tem como finalidade estudar e analisar o conflito indígena na região Raposa Serra do Sol em Roraima. Para isso, após contextualizar o conflito, expõem-se e analisam-se os principais argumentos pró e contra a demarcação, constatando os problemas e prevendo possíveis soluções. Assim, percebe-se a necessidade de concessões de ambas as partes a fim de garantir o disposto na Constituição.
Palavras-chave: Direito indígena. Raposa Serra do Sol. Direito Internacional Público. Direito Constitucional.
Sumário. 1. Introdução. 2. Histórico do conflito. 3. Argumentos contra a demarcação. 3.1. Perda da soberania nacional. 3.2. Excesso de terras. 3.3. Demarcação por “ilhas”. 3.4. Enfraquecimento da Economia. 4. Defesa dos direito indígenas. 4.1. A legislação em vigor. 4.2. Tratados internacionais. 4.3. Baixa densidade demográfica na região. 4.4. Garantia da soberania. 5. Conclusão. Anexo.
1. INTRODUÇÃO
A demarcação de terras indígenas sempre foi um assunto polêmico no Brasil. Os interesses dos grandes proprietários costumam sobrepor-se aos dos silvícolas[1] e à lei. Não raro se vê, destarte, injustiças e absurdos jurídicos legitimando os desígnios dos coronéis. Ressalta-se, contudo, que é também evidente que muitos dos beneficiados não têm mais o perfil para receberem terras, sendo totalmente integrados e aptos para direitos e obrigações.
Neste ano, 2008, ganhou grande destaque o conflito na região de Raposa Serra do Sol em Roraima. De um lado, os arrozeiros e o Estado roraimense contestam a atual demarcação; no outro, os indígenas e as ONGs que buscam a concretização do projeto.
Para analisar este caso, faz-se mister estudar três aspectos: o histórico e os argumentos contra e a favor do Decreto de 15 de abril de 2005, sem número, que instituiu a demarcação nos atuais moldes. Desta forma, pode-se chegar a possíveis saídas para o problema.
2. HISTÓRICO DO CONFLITO
O conflito na região de Raposa Serra do Sol tem origem anterior ao século XX, quando os portugueses chegaram a região hoje correspondente a Roraima e iniciaram a exploração indígena. Isso ocorreu em praticamente todos os locais onde houve contato dos nativos com o homem branco, sendo este apenas mais um caso.
Em 1917, o Estado do Amazonas – a quem pertencia a região na época – edita a Lei Estadual nº 941, que delimita as terras entre os rios Surumu e Cotingo para a ocupação e usufruto dos índios Macuxi e Jaricuna. Baseado no dispositivo suprajacente, em 1919, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) iniciou a demarcação da região, o que não garantiu o respeito ao estipulado pela legislação amazonense, ou seja, não se conseguira findar as invasões.
Essa situação não teve significativas alterações até 1977, quando a Presidência da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) assina a portaria GM/111, que institui um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) para demarcar a Terra Indígena, mas não apresenta relatório conclusivo de seus trabalhos. Em janeiro 1979, “um novo GTI é formado e, sem executar estudos antropológicos ou historiográficos, propõe uma demarcação provisória de 1,34 milhão de hectares”. (LIMA, 2008, p. 5)
Em 1984, um novo GTI propõe a ampliação da reserva para 1,57 milhão de hectares. No ano de 1993, tem-se um parecer conclusivo, no qual GTIs formados pela FUNAI reestudam a área e propõem ao Ministério da Justiça o reconhecimento da extensão contínua de 1,678 milhão de hectares.
O então presidente Fernando Henrique Cardoso, no ano de 1996, garante a possibilidade de contestação da demarcação da Terra Indígena (TI). A partir disso, surgiram muitas contestações administrativas por não-índios e pelo governo de Roraima. Com o Despacho 80, o ministro da Justiça, Nelson Jobim, rejeita todos os pedidos, mas propõe alguns ajustes – preservação de alguns vilarejos utilizador para garimpo, por exemplo –, que excluíram cerca de 300 mil hectares da demarcação.
Quando Renan Calheiros assume o Ministério da Justiça, em 1998, revoga as medidas de Nelson Jobim e declara o território indígena Raposa Serra do Sol posse permanente dos povos indígenas, com exceção da área do 6º Pelotão Especial de Fronteiras. No ano seguinte, o estado de Roraima entra com mandado de segurança no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ganhar liminar parcial, que é negada em 2002 pelo mesmo tribunal.
Em 2004, tem-se um longo capítulo:
Em março, o juiz Helder Girão Barreto, da 1ª Vara Federal de RR, suspende parte dos efeitos da portaria do Ministério da Justiça que demarcou a reserva. Em maio, Tribunal Regional Federal (TRF) exclui da área de demarcação da reserva Raposa Serra do Sol todas as vilas, cidades e zonas de expansão existentes na região. Em agosto, tanto o STJ quanto o STF negam pedidos do Ministério Público Federal e da Advocacia Geral da União (AGU) para derrubar a decisão do TRF. (LIMA, 2008, p. 13)
No ano seguinte, o ministério da Justiça emite portaria que mantém a sede da cidade de Uiramutã fora da TI, assim como as estradas que atravessam a reserva. Ademais, os equipamentos e vias públicas seriam preservados. Na seqüência, presidente Lula assina a homologação, por meio do decreto 15 de abril de 2005, da TI Raposa Serra do Sol. Desgostoso com o ocorrido, o governador de Roraima, Ottomar Pinto, decreta luto oficial na unidade federativa por uma semana e protocola uma Ação Popular pedindo liminar para suspensão do decreto homologatório do presidente, além de outra ação, no STF, com o mesmo pedido.
É importante, aqui, frisar alguns pontos do dispositivo supramencionado. Nos artigos 1º e 2º, estabelecem-se as demarcações de terras, com uma superfície contínua de 1.747.464 hectares, destinadas à posse permanente dos grupos indígenas Ingarikó, Makuxi, Patamona, Taurepang e Wapixana. Na seqüência, vejamos o que preconizam os artigos 3º, 4º e 5º (BRASIL, 2008a):
“Art. 3º. O Parque Nacional do Monte Roraima é bem público da União submetido a regime jurídico de dupla afetação, destinado à preservação do meio ambiente e à realização dos direitos constitucionais dos índios.
§ 1º. O Parque Nacional do Monte Roraima será administrado em conjunto pela Fundação Nacional do Índio – FUNAI, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e pela Comunidade Indígena Ingarikó. […]
Art. 4º. É assegurada, nos termos do Decreto no 4.412, de 7 de outubro de 2002, a ação das Forças Armadas, para a defesa do território e da soberania nacionais, e do Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, para garantir a segurança e a ordem pública e proteger os direitos constitucionais indígenas, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol.
Parágrafo único. As Forças Armadas e o Departamento de Polícia Federal utilizarão os meios necessários, adequados e proporcionais para desempenho de suas atribuições legais e constitucionais.
Art. 5º. Fica resguardada a prerrogativa do Presidente da República de, em caso de real necessidade, devidamente comprovada, adotar as medidas necessárias para afetar os bens públicos da União de uso indispensável à defesa do território e à soberania nacional, bem como de exercer o poder de polícia administrativa para garantir a segurança e a ordem pública na Terra Indígena Raposa Serra do Sol.”
Dessa forma, vê-se que o Estado garante a posse aos indígenas e que está liberado o acesso às Forças Armadas tanto para defesa dos direito constitucionais indígenas, quanto para a defesa do território e da soberania nacionais
Em 2006, fazendeiros entram na justiça para tentar manter a posse de suas terras dentro da área demarcada da reserva, atrasando o processo de pagamento de benfeitorias e a desocupação da área. Em abril, o STF nega o pedido de suspensão da demarcação da Raposa Serra do Sol.
Na metade de 2007, o STF derruba liminar, dada pelo ministro Carlos Ayres Britto, que garantia a permanência de 12 empresas agrícolas e pecuárias na reserva. Em setembro, o Estado de Roraima ajuíza uma ação cautelar contra a União e a FUNAI, pedindo a suspensão parcial da portaria do Ministério da Justiça e do decreto presidencial que tratam da ampliação e demarcação da reserva, apontando supostas ilegalidades no processo de demarcação de parte da área.
Neste ano, 2008, o STF defere o pedido de ação cautelar do Estado de Roraima, que entra com nova ação, tentando anular o laudo antropológico que serviu de base para a demarcação. Em março, a Polícia Federal inicia a Operação Upakaton 3, a fim de retirar os não-índios da TI, como pequenos proprietários rurais, comerciantes e um grupo de grandes produtores de arroz. Evidentemente, a operação encontra resistência, inclusive de índios contrários à demarcação da reserva em área contínua. Com os conflitos, o STF decide suspender a ação da PF.
Vale ressaltar que, em conformidade com o artigo 102, III, “c” de nossa Constituição[2], o STF não decide tamanho da TI, mas sim a validade do processo demarcatório. Apesar disso, nossa perspectiva não se restringirá apenas a este aspecto de mérito, mas também em relação às dimensões da mesma em virtude da importância da questão.
3. ARGUMENTOS CONTRA A DEMARCAÇÃO
Aqui, discorre-se a respeito dos argumentos desfavoráveis à atual forma de demarcação. Para fins didáticos, eles serão citados e, em seguida, comentados.
3.1. Perda da soberania nacional
Os partidários contra a hodierna demarcação, afirmam que a reserva em região fronteiriça restringiria a soberania nacional, “seja pela impossibilidade de acesso de militares na região, seja pelo amplo acesso de ONGs internacionais, o que se revelaria perigoso em se tratando de terra de fronteira”. (BALDI, 2008, p. 1)
É evidente que as afirmações são parcialmente pertinentes, visto que não há como negar que uma reserva indígena não obstaria o acesso militar à área, bem como o problema das ONGs internacionais em região estratégica. Posto que sejam válidas; não são, contudo, absolutas. No decreto de 15 de abril de 2005, sem número, estabelece-se em seu artigo 4º que as Forças Armadas utilizarão os meios necessários a fim de garantir a soberania nacional, ou seja, as instituições de defesa do Estado têm liberdade para tomar as medidas cabíveis para cuidar das fronteiras. Destarte, vê-se que o governo já buscou uma solução para o problema.
Quanto às ONGs internacionais, nota-se que, de certa forma, em qualquer lugar onde se estabelecem, retiram parte das atribuições estatais, ou seja, incumbem-se, ainda que de modo subsidiário, de funções da máquina pública. Desta forma, onde quer que estejam, tirarão parte da soberania estatal. O fato de ser em área fronteiriça é um fator preocupante, embora possam atuar em qualquer parte do território quando permitido pelo Estado. Cabe então a este, fiscalizá-las e não deixar de cumprir uma norma constitucional em virtude de suas ineficiências.
3.2. Excesso de terras
A perda demasiada de território do Estado de Roraima, que teria imobilizado, com a reserva Raposa Serra do Sol[3], 46% de sua área, sendo, pois, muita terra para somente 15 mil índios.
Este é um dos argumentos mais contundentes contrários à demarcação nos atuais moldes. Conforme expressa o artigo 231 de nossa Lei Maior:
“Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
§ 1º. São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as que por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”. (BRASIL, 2006, p. 60)
Neste ponto são importantes duas análises: a da originariedade e a da necessidade. Basicamente, as terras de quase todo o território nacional foram inicialmente ocupadas por índios. Dessa forma, deve-se restringir esta interpretação apenas às terras que ainda têm ocupação indígena.
Outro ponto a ser levantado é a necessidade dos silvícolas. O artigo citado afirma que as terras tradicionalmente ocupadas são aquelas imprescindíveis à preservação do índio, em toda a extensão possível. É sabido que, quando chegaram os portugueses, a agricultura praticamente inexistia ou era extremamente rudimentar entre os nativos, sendo estes, majoritariamente, nômades. No entanto, hodiernamente, o cenário mudou. Já se vê que muitas nações dominam a agricultura, sendo demasiada a quantidade de terras estipuladas.
O Deputado Luciano Castro, do PL-RR, comunga com esse posicionamento. Segundo ele,
“Não são indígenas as terras que, nos dias atuais, não preencham os requisitos e as condições estabelecidas na Constituição, mesmo que no passado pré-colombiano tenham sido ocupadas pelos índios. Do contrário chegaríamos à absurda conclusão de que todas as terras brasileiras pertenceriam aos índios”. (2008, p. 1)
A fim de enriquecer o debate, segue anexo – na página 13 – o Projeto de Decreto Legislativo Nº 1.625, de 2005 de autoria do deputado citado, que busca sustar o Decreto de 15 de abril de 2005, sem número, que homologa a demarcação administrativa da TI Raposa Serra do Sol, no Estado de Roraima.
3.3. Demarcação por “ilhas”
Os defensores deste modelo vêem a possibilidade de alteração da demarcação contígua para aquela feita por “ilhas”, ou seja, haveria alguns pontos de domínio indígena envoltos por terras estatais; associando, assim, a propriedade indígena e os interesses do Estado de Roraima.
Posto que inicialmente pareça válida, tal alternativa mostra-se falha ao analisá-la de maneira mais crítica. Não se pode crer que qualquer espaço delimitado possa garantir efetivamente a reprodução da cultura indígena, ainda mais sem a possibilidade de interação entre as nações e com o aumento da proximidade do homem branco.
Apesar disso CASTRO afirma:
“A Constituição não abre a possibilidade para o poder público demarcar áreas a seu bel-prazer, sendo nulos ou anuláveis todos os atos que exorbitaram ao ordenamento constitucional brasileiro, que não prevê a chamada demarcação de área contínua, isto é, aquela que inclui os espaços vazios e as propriedades particulares localizados entre as terras definidas pela Constituição como indígenas, sejam elas urbanas ou rurais”. (2008, p. 1)
BALDI (2008) relembra da ineficácia de tal modelo de demarcação, através do que o ocorreu no Mato Grosso do Sul, “com sucessivas notícias de suicídio, alcoolismo e mortes de crianças”, o que nos leva a crer que tal solução não é tão simplista quanto parece ser. (p. 1) Deve-se , pois, evitá-la ou, pelo menos, realizar um significativo estudo antropológico antes de isolar algumas das nações de maneira irresponsável.
3.4. Enfraquecimento da economia
Conforme o atual projeto, prevê-se uma perda de cerca de 6% da economia roraimense. Aqui, vêem-se as maiores controvérsias. Posto que as informações sejam desencontradas, pode-se extrair algumas observações.
Embora pareça pouco para o Estado de Roraima e ainda menos para o Brasil, esta pequena parcela da economia local é significativa. Poucos entes federativos podem dar-se ao luxo de perder tal contribuição, ainda mais um ainda economicamente precário como Roraima.
O movimento que tal área dá à microeconomia regional teria de ser substituída, criando algo semelhante em outra região. Vale ressaltar que o fato de o governo federal possuir projeto de compensação ao estado não é significativo, visto que o valor de tal ajuda ainda não foi efetivamente estipulado. Assim, não se pode contar com essa verba a curto prazo, o que preocupa as autoridades roraimenses.
4. A DEFESA DOS DIREITOS INDÍGENAS
A exemplo do que ocorreu no tópico anterior, neste citam-se os argumentos defendendo a atual demarcação e comentam-se-os.
4.1. A legislação em vigor
A legislação brasileira protege os direitos indígenas. Além da Constituição que estabelece o princípio da prevalência dos interesses indígenas, há o Estatuto do Índio que busca complementar as eventuais lacunas deixadas por nossa Lex Magna.
Nossa Lei Maior dispõe:
“Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. […]
§ 2º – As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. […]
§ 4º – As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. […]” (BRASIL, 2006, p. 60)
Desta forma, constata-se a o regime garantista conferido pelo constituinte à questão indígena. O direito sobre as terras é imprescritível, ou seja, havendo os requisitos para a demarcação, esta deverá ocorrer, ainda que futuramente. Destarte, deve-se demarcar o quanto antes as TIs, visto que, quanto mais tarde o for feito, mais problemas decorrerão dela.
Outro ponto importante é a garantia constitucional dada à posse das terras, consoante visto na seqüência do artigo 231:
“§ 5º – É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, “ad referendum” do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.
§ 6º – São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.” (BRASIL, 2006, p. 60)
Com isso, dá-se um regime mais adequado às terras, visto que podem ser eventualmente ocupadas por não-indíos antes da demarcação. Caso não queiram sair, a exemplo do que acontece na Raposa Serra do Sol, todos os atos envolvendo a ocupação ou o domínio das terras, serão considerados juridicamente nulos. Ademais, conforme o artigo 34 do Estatuto do Índio, “o órgão federal de assistência ao índio poderá solicitar a colaboração das Forças Armadas e Auxiliares da Polícia Federal, para assegurar a proteção das terras ocupadas pelos índios e pelas comunidades indígenas”. (BRASIL, 2008b, p.1)
4.2. Tratados internacionais
Em 1989, em Genebra o Brasil assina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que dispõe sobre Povos Indígenas e Tribais. A partir dele – e não esquecendo o que foi em outros protocolos estipulado –, o Estado brasileiro está obrigado internacionalmente a fomentar a manutenção e a divulgação da cultura indígena, bem como de outras minorias, como os quilombolas.
Esse pacto, em sua segunda parte, do artigo 13 ao 19, estipula algumas diretrizes semelhantes e complementares às de nosso ordenamento. Vejamos as mais importantes:
– Reconhecer aos povos interessados os direitos de propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Ademais, nos casos apropriados, deverão ser adotadas medidas para salvaguardar o direito dos indígenas de utilizar terras que não estejam exclusivamente ocupadas por eles, mas às quais, tradicionalmente, tenham tido acesso para suas atividades tradicionais e de subsistência (Art. 14, 1);
– Os governos deverão adotar as medidas cabíveis para determinar as terras que os silvícolas ocupam tradicionalmente e garantir a proteção efetiva dos seus direitos de propriedade e posse (Art. 14, 2); e
– Impedir que pessoas alheias a esses povos possam valer-se dos costumes dos mesmos ou do desconhecimento das leis por parte dos seus membros a fim de se beneficiarem da terra (Art.17, 3).
Como se vê, além de nosso ordenamento tratados internacionais também disciplinam a matéria, garantindo uma série de direitos aos índios e deveres aos Estados de resguardarem o que foi estabelecido na carta.
4.3. Baixa densidade demográfica na região
Conforme argumentam os defensores da reserva, a região tem baixíssima densidade demográfica, o que não representaria grande perda para Roraima. Nas palavras de BALDI,
“Roraima tem população inferior a 400 mil habitantes, o que daria 0,57 km2/hab; […] aceitando-se uma população de quinze mil habitantes para a área demarcada, isto equivale a 1,17 km2/hab, pouco mais de duas vezes à média do Estado, nunca tendo se mencionado que existem 50 mil cabeças de gado; […] por sua vez, se efetivamente os agricultores ocupam somente 1% da reserva (180 km2), seria uma densidade de 3 km2/hab, o que, portanto, implicaria reconhecer que haveria, ao contrário, terras “em demasia” para os agricultores”. (2008, p.1)
Em nota de apoio aos índios de Raposa Serra do Sol, um documento assinado por ONGs[4], vê que não há nenhuma cidade instalada na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, mas apenas um vilarejo, tendo praticamente só índios. A Vila Surumu foi criada por fazendeiros que já deixaram a TI e, segundo consta no documento, falta apenas a FUNAI indenizar 11 moradores não-índios.
A vila de Uiramutã, sede do município de mesmo nome, criado em 1995, foi retirada da Terra Indígena em 2005. A maioria dos habitantes da sede deste município é morador da aldeia indígena Uiramutã. Havia três bases de garimpo, que, em 1994, passaram a ser reocupadas por indígenas após a retirada dos garimpeiros. A FUNAI indenizou e retirou todos os não-índios e hoje essas localidades estão totalmente integradas às aldeias.
Desta forma, percebe-se que alguns dos empecilhos mostrados pelos opositores ao projeto são falaciosos. Entretanto, é evidente que haverá perdas por parte dos não-índios, ainda que poucos e devidamente indenizados pelo governo federal.
4.4. A garantia da soberania
A Constituição Federal busca harmonizar os direitos indígenas e suas terras com a promoção da defesa nacional em áreas situadas em faixa de fronteira, que concerne à indispensável proteção do território e da própria população indígena. Em decorrência disso, atualmente há bases militares em várias terras indígenas, inclusive em Raposa Serra do Sol, e parte significativa dos soldados é indígena.
A TI Raposa Serra do Sol não é a única situada em faixa de fronteira. Existem outras, cuja demarcação de terras contribuiu para a regularização fundiária, reduziu pequenos conflitos e não criou dificuldades para a atuação do Estado, principalmente das Forças Armadas em particular, mesmo em regiões mais críticas, como a fronteira com Brasil-Colômbia.
A título subsidiário, destacam-se os apontamentos feitos na nota de apoio aos índios: “nunca surgiu em nenhuma Terra Indígena qualquer movimento que atentasse contra a integridade do território nacional, nem qualquer ação insurgente contra o Estado brasileiro”. (NOTA DE APOIO, 2008, p.1)
5. CONCLUSÃO
Conforme visto nesta exposição, nas demarcações de TIs pode haver uma série de argumentos contra e a favor, ainda mais em regiões estratégicas e polêmicas, como a Raposa Serra do Sol. No meio de muitos interesses, vê-se que há muitas informações falsas e falaciosas a respeito da situação da região.
Percebe-se que a maioria dos argumentos que vão totalmente de encontro com a atual demarcação – e querem sua extinção total – são falhos, visto que o Decreto Lei de 15 de abril, sem número, foi muito claro e objetivo, em conformidade com a legislação federal e os tratados internacionais assumidos pelo Brasil. Vale a pena ressaltar, não obstante, um apontamento. A perda do caráter nômade faz com que não se necessite de tanto espaço, uma vez que os silvícolas fixam-se em poucos pontos.
A favor do processo tem-se uma série de motivos que o tornam válido jurídica e antropologicamente, principalmente na questão do mérito, ou seja, se a demarcação deve ou não ocorrer – requisitos da Constituição e Estatuto do Índio. No que tange às dimensões da do território, todavia, é nítido que o Decreto Lei que a instituiu foi um arbitrário, não se atentando a todas as questões.
Destarte, posto que não se queira e não se deva negar o direito dos índios à terra, eles são limitados. Assim, é perceptível que há necessidade de uma TI na região, mas não nos moldes do projeto hodierno. Deve-se diminuir a extensão da reserva, sem adotar o modelo de “ilhas” e, ademais, garantir a manutenção das rodovias federais e estaduais que cortam a região. Dessa forma, assegura-se uma demarcação justa, em sintonia com a intenção do constituinte, e a soberania nacional, facilitando o acesso em caso de indisposições internacionais.
Acadêmico de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Editor do Portal Jurídico Investidura e membro do Grupo de Pesquisa sobre Governo Eletrônico na UFSC
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