O contrato de comissão empresarial

Resumo: Os contratos desenvolvem um papel impar na construção da economia, assim, o contrato de comissão empresarial é que tem por objeto a aquisição ou a venda de bens pelo comissário, em seu próprio nome, à conta do comitente.

Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Classificação. 4. Cláusula del credere. 5. Deveres e direitos do comitente. 6. Obrigações do comissário. Referências.

1. Introdução

No contrato de comissão o comissário é investido pelo comitente de poderes para a realização de negócios jurídicos em proveito dele, o o comitente. Apesar da base contratual que legítima e orienta a sua atuação negocial, o comissário obriga-se pessoalmente perante terceiros, isto é, celebra os contratos em seu nome.

2. Conceito

Waldirio Bulgarelli (1977, v. 16, p. 208.) e Fran Martins (1996, p. 287) afirmam que a palavra comissão possui vários significados em Direito, podendo designar: a) negócio de comissão; b) a remuneração devida ao comissário; e c) o próprio contrato de comissão mercantil.

De acordo com Fran Martins (1996, p. 286) o contrato de comissão é “o contrato segundo o qual um comerciante se obriga a realizar atos ou negócios de natureza mercantil em favor e segundo instruções de outra pessoa, agindo, porém, em seu próprio nome e, tal razão, se obrigando para com terceiros com quem contrata. A pessoa em favor de quem os atos ou negócios são realizados tem o nome de comitente; o comerciante que, segundo as instruções recebidas, se incumbe de praticar atos ou realizar os negócios, chama-se comissário. Pode o comissário ser pessoa física ou jurídica; em qualquer caso deve, contudo, ser comerciante”.

Comissão mercantil é o vínculo contratual em que um empresário (comissário) se obriga a realizar negócios mercantis por conta de outro (comitente), mas em nome próprio, assumindo, portanto, perante terceiros responsabilidade pessoal pelos atos praticados. O comissário concretiza transações comerciais do interesse do comitente, mas este não participa dos negócios, podendo até permanecer incógnito.

Neste tipo contratual temos de um lado o comitente, pessoa por cujo interesse bens móveis são adquiridos ou vendidos, e o comissário, pessoa que, atuando em seu próprio nome, mas por conta do primeiro, realiza os negócios perante terceiro, fazendo jus a uma retribuição ajustada ou arbitrada segundo os costumes do lugar, denominada comissão.

Por Exemplo, interessante pode ser encontrado na atividade empresarial empreendida “pelas agências de viagens que, contratando em próprio nome, fazem jus à remuneração devida (comissão) pela venda de passagens aéreas. (GAGLIANO, 2010. Vol. IV, Tomo 2, p. 397).

“DIREITO COMERCIAL. CONTRATO DE COMISSÃO MERCANTIL. VENDA DE PASSAGENS AÉREAS. PERCENTUAL DEVIDO ÀS AGÊNCIAS DE VIAGENS (COMISSÁRIAS). REDUÇÃO UNILATERAL PELAS COMPANHIAS DE AVIAÇÃO (COMITENTES). Em contrato verbal de comissão mercantil, pode o comitente reduzir unilateralmente o valor das comissões referentes a negócios futuros a serem realizados pelas comissárias, à míngua de ajuste expresso em sentido contrário. Recursos especiais conhecidos pelo dissídio, mas improvidos”. (STJ. REsp. nº 617.244/MG, DJ 10-4-2006, p. 198, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 7-3-2006, 4ª turma).

Assim, podemos afirmar que a natureza da atividade desenvolvida pelo comissário é de caráter empresarial, pois seu mister não consiste em o comissário adquirir ou vender bens por conta de outrem.

A profissão se assemelha ao do corretor, porém o comissário não é intermediário, pois seu mister não consiste em aproximar as pessoas que queiram contratar, mas o comissário celebra ele próprio, os contratos e assume a responsabilidade pela execução.

Isto ocorre, por que o comissário representa os interesses do comitente, não agindo, porém, em nome deste, sendo esse um traço distintivo entre o contrato de comissão e o contrato de agência ou representação.

3. Classificação

O contrato de comissão é consensual (se aperfeiçoa pelo consentimento), bilateral (obrigações de meio de ambas as partes), oneroso (há sempre a retribuição), comutativo (visto que as obrigações se equivalem), intuitu personae (o art. 702 demonstra que a morte do comissário o contrato não poderá continuar), execução continuada (a execução se prolonga no tempo) e não solene (pode ser provado por qualquer meio permitido no direito).

4. Comissão del credere

A cláusula del credere, ou cláusula de garantia, expressa (não pode ser tácita ou presumida) no contrato quando da sua celebração, em razão da qual o comissário assume a responsabilidade de responder pela solvência da pessoa com vier a contratar no interesse e por conta do comitente.

Cláusula del credere (= da confiança) é a obrigação do comissário de responder solidariamente com o terceiro comprador perante o comitente (ex: o comissário vende café do comitente e dá prazo ao terceiro para pagar, porém o terceiro não paga, devendo então o comissário pagar ao comitente e ir executar o terceiro). Inserindo-se esta cláusula del credere, fará o comissário jus a uma remuneração maior face o risco assumido (art. 698, do CC; a regra geral é o comissário contratar em seu nome por conta e risco do comitente (art. 693 e 697, do CC). Se o terceiro paga a vista e é o comitente que não entrega o bem, o terceiro só poderá processar o comissário (art. 694, do CC).

“Nulidade contratual. Contrato de comissão. Cláusula del credere. Validade. Nos termos do art. 693 do Código Civil, comissão é o contrato que tem por objeto a aquisição ou venda de bens pelo comissário, em seu próprio nome, à conta do comitente. Nos contratos de comissão a cláusula del credere livremente estipulada é válida” (TJMG, APC 1.0702.06.313197-4/001, 9ª CC, Rel. Des. José Antônio Braga, j. 24.3.2009).

A ideia fundamental da cláusula del credere garantir a solvência e pontualidade do contrato pelo terceiro, assim, o comissário perante a existência da cláusula no contrato não garante a inexecução do contrato fundado em causa legítima, como no caso existência de vício oculto na coisa vendida pelo comitente.

Por fim, a cláusula del credere constitui uma modalidade de seguro e de fiança, sujeitando-se a taxas especiais, por esse motivo o legislador determina que caso haja a falência do comissário, o comitente terá privilégio geral no recebimento do seu crédito.

5. Deveres e direitos do comitente

5.1 São deveres

a) Pagar a remuneração ao comissário, podendo no caso de contrato por prazo indeterminado, ocorrer a modificação unilateral do valor a ser pago ao comissário (STJ. REsp. 762.773/GO, 3ª T. rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJU 7.5.2007, p. 316).

“Art. 701. Não estipulada a remuneração devida ao comissário, será ela arbitrada segundo os usos correntes no lugar.

Art. 703. Ainda que tenha dado motivo à dispensa, terá o comissário direito a ser remunerado pelos serviços úteis prestados ao comitente, ressalvado a este o direito de exigir daquele os prejuízos sofridos.

Art. 704. Salvo disposição em contrário, pode o comitente, a qualquer tempo, alterar as instruções dadas ao comissário, entendendo-se por elas regidos também os negócios pendentes.

Art. 705. Se o comissário for despedido sem justa causa, terá direito a ser remunerado pelos trabalhos prestados, bem como a ser ressarcido pelas perdas e danos resultantes de sua dispensa.”

A comissão ou remuneração devida pelo comitente deve ser paga depois de concluído o negócio, nada impedindo, entretanto, que tome a forma de provisão, quando o comissário a receba adiantamento. Logo o direito ao recebimento do valor não é condicionado à execução do contrato, nascendo com a mera conclusão do contrato.

b) Fornecer fundos suficientes a comissário a fim de possibilitar os negócios;

c) Ressarcir as despesas desembolsadas pelo comisssário;

d) Assumir os riscos oriundos da devolução de fundos em poder do comissário, exceto se ele se desviar das instruções emanadas do comitente, ou fizer as devoluções por mios diversos dos comumente usados no local da remessa.

5.2 São Direitos do comitente:

a) Opor todas as exceções permitidas ao comissário, como o descumprimento das obrigações, a mora na prestação de contas, a falta de repasse dos valores devidos e a ausência de diligência, cuidado e presteza;

b) Exigir que o comissário responda pelos prejuízos acontecidos, se o mesmo não comunicar, ao receber as mercadorias, as avarias, a diminuição ou mudança de seu estado;

c) Solicitar a restituição, em caso de falência do comissário, das mercadorias que se encontrarem em seu poder, e pleitear junto a terceiros os preços ainda não pagos das mercadorias vendidas pelo comissário;

d) Não responder, junto a terceiros, pelas obrigações assumidas pelo comissário, eis que este age em seu nome próprio.

e) Acionar terceiros, no caso de sub-rogação nos direitos assumidos pelos comissário.

f) Alterar as instruções dadas ao comissário, a menos que tenham disposto o contrário as partes, na forma do art. 704 que dispõe “salvo disposição em contrário, pode o comitente, a qualquer tempo, alterar as instruções dadas ao comissário, entendendo-se por elas regidos também os negócios pendentes”.

6. Obrigações do comissário

Assume o comissário obrigações de várias ordens, ao firmar o contrato de comissão. Devendo agir no interesse do comitente, tem obrigações com este; como, porém, contrata em seu próprio nome, assume obrigações pessoas para com os terceiros.

6.1. Em relação ao comitente:

a) Aceitando o encargo, expressa ou tacitamente, obriga-se o comissário na forma e segundo as ordens e instruções recebidas;

b) Obriga-se o comissário em relação às pessoas com as quais ele contrata, sem que estas tenham ação contra o comitente, e nem este contra este contra elas, a menos que o comissário ceda seus direitos a qualquer uma das partes, tudo na forma do art. 964, do CC;

c) Procederá com cuidado e diligência, de modo a não apenas evitar o prejuízo ao comitente, mas de maneira tal que advenha vantagem ou lucro, ou seja, no desempenho das suas incumbências o comissário é obrigado a agir com cuidado e diligência, não só para evitar qualquer prejuízo ao comitente, mas ainda para lhe proporcionar o lucro que razoavelmente se podia esperar do negócio, bem como responderá o comissário, salvo motivo de força maior, por qualquer prejuízo que, por ação ou omissão, ocasionar ao comitente (art. 696, do CC). Interessante é o posicionamento do TJDFT acerca do tema:

“Companhias aéreas e agências de viagens. Percentual de comissionamento. Modificação, contrato de comissão mercantil. Características. Ação cautelar. Ausência de pressupostos legais. Honorários advocatícios. Valor arbitrado. Razoabilidade. Recurso de apelação. Não conhecimento. Princípio da consumação. (…)

Não se cogita qualquer ilegalidade na conduta levada a cabo por companhias aéreas que, unilateralmente, procede, à alteração do percentual de comissões devidas às agencias, às quais, por sua vez recai sobre o preço das passagens, eis que a por força dos perceptivos supra, detém elas a prerrogativa de estabelecer o índice de comissão que cabe as agencias, às quais, por sua vez, recai o ônus de fazer firmes e integras as ordens e instruções dadas por aquelas” (TJDFT. APC 2000.01.1.0066228-4, 2ª t. Rel. Des. J.J. Costa Carvalho, DJU 23.10.2007, p. 12).

Assim, a venda por preço inferior ao estipulado acaba por afrontar as ordens recebidas e por essa razão, o comissário tem que ressarcir os prejuízos sofridos pelo comitente, recompondo o preço ajustado pelo pagamento da dívida.

d) Não pode conceder prazo para o pagamento, se tiver ordens em contrário. Na omissão de disposição sobre o assunto, a presunção é que houve autorização, como preceitua o art. 699 que prevê “o comissário autorizado a conceder dilação do prazo para pagamento, na conformidade dos usos do lugar onde se realizar o negócio, se não houver instruções diversas do comitente”. Importante, ressaltar que as regras ditadas pelo mercado para dilatação de prazo havendo uma presunção legal.

e) Naturalmente, nas vendas de mercadorias a prazo, vencidos os pagamentos, o comissário é obrigado a realizar a cobrança, o que decorre especialmente na dilação de prazo à revelia do comitente;

“Art. 700. Se houver instruções do comitente proibindo prorrogação de prazos para pagamento, ou se esta não for conforme os usos locais, poderá o comitente exigir que o comissário pague incontinenti ou responda pelas consequências da dilação concedida, procedendo-se de igual modo se o comissário não der ciência ao comitente dos prazos concedidos e de quem é seu beneficiário”.

f) Cabe-lhe cuidar da conservação dos direitos e da guarda das coisas do comitente;

g) Deve pagar os juros se incidir em mora na entrega dos fundos ou valores devidos ao comitente, como a este também incumbe a satisfazer os juros das quantias em dinheiro que o comissário, a seu benefício, houver adiantado. Assim preceitua o art. 706 “o comitente e o comissário são obrigados a pagar juros um ao outro; o primeiro pelo que o comissário houver adiantado para cumprimento de suas ordens; e o segundo pela mora na entrega dos fundos que pertencerem ao comitente”.

h) Cabe lhe avisar o comitente dos danos sofridos pelas mercadorias sob sua guarda; da mesma forma, assim, deve proceder sempre que, ao receber os bens, notar avaria, diminuição, ou estado diverso daquele que constar dos conhecimentos, das faturas ou avisos de remessa.

6.2 Em relação a terceiros:

a) Responsabilidade pelas obrigações assumidas, pois segundo o art. 694, do CC “o comissário fica diretamente obrigado para com as pessoas com quem contratar, sem que estas tenham ação contra o comitente, nem este contra elas, salvo se o comissário ceder seus direitos a qualquer das partes”. Isto ocorre, por força do princípio da relatividade dos efeitos contratuais, visto que o comitente permanece alheio aos negócios jurídicos entabulados pelo comissário, não respondendo pelas obrigações contraídas.

b) Decorre naturalmente a responsabilidade pela perda ou extravio do dinheiro e de qualquer bem que se encontre em seu poder, ainda que o dano decorra de caso fortuito ou força maioria, a menos que prove que tenha empregado a diligência necessária na guarda.

 

Referências
BULGARELI, Waldirio. Enciclopédia saraiva. São Paulo: Saraiva, 1977, v. 16.
GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2010. Vol. IV, Tomo 2.
GOMES, Orlando. Contratos. 26ª. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. Rio de Janeiro: Forense, 1996.
STJ. REsp. 762.773/GO, 3ª T. rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJU 7.5.2007, p. 316.
STJ. REsp. nº 617.244/MG, DJ 10-4-2006, p. 198, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 7-3-2006, 4ª turma
TJMG, APC 1.0702.06.313197-4/001, 9ª CC, Rel. Des. José Antônio Braga, j. 24.3.2009.
TJDFT. APC 2000.01.1.0066228-4, 2ª t. Rel. Des. J.J. Costa Carvalho, DJU 23.10.2007,p. 12.

Informações Sobre o Autor

Leonardo Gomes de Aquino

Advogado. Mestre em Direito. Especialista em Processo Civil e em Direito Empresarial todos pela Faculdade de Direito da Universidade de Cimbra Portugal. Pos graduado em Docência do Ensino Superior. Professor Universitário. Autor dos Livros: Direito Empresarial: Teoria geral e Direito Societário e Legislação aplicável à Engenharia


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